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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A DESCRIÇÃO DA COMUNIDADE EM TERTULIANO

Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)

Introdução

Tertuliano, padre da Igreja dos séculos II e III, viveu em Cartago, cidade situada no norte da África. Em Roma, Ele estudou o direito romano, formando-se em advocacia. De volta para Cartago, convertido ao cristianismo, colocou toda a sua formação na defesa da nova religião. Ele era uma pessoa bastante participativa da sua comunidade de modo que nos deu uma descrição muito bonita da comunidade onde ele viveu no qual nós faremos a seguir, uma análise.

            A importância da comunidade

            Tertuliano escreveu para as autoridades romanas a vida da comunidade na qual ele fazia parte. Para isso Ele descreveu a vida e os costumes daquela que era chamada para eles a seita dos cristãos com o fim de rejeitar as acusações lançadas contra os cristãos e revelar o quanto bem a comunidade fazia para eles[1], para o mundo e para o Reino de Deus. As pessoas se constituíam um só organismo, na qual se nutria de uma única fé, de uma única disciplina, de um único vinculo forte de esperança[2]. Percebem-se nestes dados a unidade da comunidade que vivia a fé, a esperança e a caridade, as virtudes teologais que animavam a vida da comunidade. Era uma comunidade orante, porque o autor disse que eles rezavam pelos imperadores, pelos seus funcionários, e pelos magistrados; tinham presentes também à conservação da ordem e a paz no mundo e para retardar a morte do universo[3]. A comunidade estava unida com as suas autoridades e também rezava para que o universo não acabasse. Havia a idéia do amor à casa comum, a casa de todas as pessoas, criada por Deus para que não fosse destruída.

            A comunidade meditava a palavra de Deus

            A descrição de Tertuliano colocou também que a comunidade se reunia para ler juntos e comentar as Sagradas Escrituras para que se vivesse bem no presente em vista do futuro e a superação do passado. Com aquelas santas palavras eles se alimentavam em sua fé, levavam nas alturas a sua esperança, reforçavam a confiança em Deus e tornava mais sólida à disciplina de vida que levavam[4]. A descrição da comunidade que Tertuliano deu para a tradição, reforçou a importância da palavra de Deus que direcionava a vida dentre eles e no mundo. Nas suas reuniões havia lugar para as exortações e admoestações em nome de Deus para viver conforme a vontade dele, de modo que o juízo que era dado, fosse, como que uma antecipação daquele divino[5].

            A importância dos anciãos e a caixa comum

            O Padre Africano disse que participavam das reuniões, das celebrações, anciãos de provada virtude, não por orgulho de suas vidas, mas pelo comum testemunho dos seus merecimentos porque eram pessoas que viviam o sentido da comunidade e do amor.

            Existia também entre eles uma caixa comum (arcae genus est) na qual cada pessoa dava lá quanto queria e podia, a sua modesta contribuição mensal e fazia desta forma espontaneamente sem nenhum constrangimento[6]. Esses se constituíam os depósitos da comum piedade (deposita pietatis sunt). Este dinheiro não servia para os banquetes, bebidas inúteis, ou alimentos extravagantes, mas era alimento para os pobres, nas quais davam a sepultura aos necessitados, socorriam os meninos e as meninas privados de sustentação e da parte de seus pais, e também servia aquele dinheiro para servos exaustos pela idade e também era dado aos náufragos[7]. Como era uma comunidade que tinham presentes ações caritativas, ajudava também em nome da fé cristã, os condenados às minas, ou deportados nas ilhas ou relegados, e banidos aos cárceres[8].

            Vede como eles se amam

            A descrição da comunidade em Tertuliano poderia se afirmar num aspecto de amor verdadeiro às pessoas e a Deus. O afeto fraterno na qual os tornavam solícitos um com o outro, chamava a atenção dos pagãos para a exultação na qual diziam: “vejam como eles se amam entre eles” (Vide, inquint, ut invicem se diligant)[9]. Tertuliano colocou claramente o testemunho de vida dos cristãos que possibilitavam os outros a fazerem comentários bonitos porque a comunidade se queria bem e realizava obras de caridade. A comunidade se chamava entre as pessoas de irmãos e de irmãs, superando todo o vinculo de parentesco, porque o que importava era o amor entre eles e com Deus. Ele também dizia que mantinham laços de fraternidade com os pagãos, porque todos deveriam reconhecer Deus como único Pai, porque nos fez em seu Filho sair das trevas para a luz de sua verdade[10]. Tertuliano tinha presente na comunidade à ágape, a refeição da caridade antes das celebrações. Tudo isso não oferecia conversa para esbanjamentos, mas dava assistência e conforto aos pobres[11]. O banquete não admitia baixarias ou vulgaridades.

A oração e a eucaristia

As pessoas não sentavam sem antes fazer uma oração a Deus. Comiam quanto podiam comer para quem tem fome, e quanto é útil a quem tem sede[12]. A comunidade tinha consciência que também de noite ela deveria adorar a Deus, sabendo que Deus ouve as suas orações dirigidas a Ele com fé. Havia lugar também à eucaristia, o convivium, na qual as pessoas ouviam a palavra de Deus, havia a homilia, por parte do presidente, rezava-se pelas autoridades e as pessoas tomavam aquele alimento como alimento sagrado, no corpo e no sangue do Senhor, alimento para a vida eterna. Seja no inicio como no fim do convivium elevavam a Deus uma oração[13]. Eles se despediam com a mesma atenção da modéstia e do pudor de quem não tanto foi nutrido de bebidas quanto do alimento para a vida moral e eterna[14].

Tertuliano descreveu a sua comunidade como pessoas de bem na qual se reuniam para a vida da comunidade, para dar lugar a Palavra de Deus, à caridade através das contribuições entre eles, e da comunhão eucarística para prosseguir com fé e amor, a caminhada. Esta descrição ajude a viver bem em nossas comunidades o sentido de fraternidade, do amor mutuo, do vede como eles se amam, para testemunhar o amor de Deus, ao próximo como a si mesmo.

[1] Cfr. Tertulliano, Apologetico, XXXIX, 1, a cura di A. Resta Barrile,. Oscar Mondadori, Bologna, 2005, pg. 135.

[2] Cfr. Idem, XXXIX, 1, pg. 137.

[3] Cfr. Idem, XXXIX, 2, pg. 137.

[4] Cfr. Idem, XXXIX, 3, pg. 137.

[5] Cfr. Idem, XXXIX, 4, pg. 137.

[6] Cfr. Idem, XXXIX, 5, pg. 137.

[7] Cfr. Idem, XXXIX, 6. Pg. 137.

[8] Cfr. Ibidem.

[9] Cfr. Idem, XXXIX, 7, pg. 139.

[10] Cfr. Idem, XXXIX, 9, pg. 139.

[11] Cfr. Idem, XXXIX, 16, pg. 141.

[12] Cfr. Idem, XXXIX, 17, pg. 141.

[13] Cfr. Idem, XXXIX, 18, pg. 141.

[14] Cfr. Idem, XXXIX, 19, pg. 141.

CNBB

Do Tratado sobre o perdão, de São Fulgêncio de Ruspe, bispo

S. Fulgêncio | ArqSP

(Lib. 2,11.2-12,1.3-4: CCL 91A,693-695)             (Séc.VI)

 

Ao vencedor a segunda morte não causará dano

Num momento, num piscar de olhos, com a última trombeta, pois soará uma trombeta, os mortos ressurgirão incorruptos e nós seremos mudados (1Cor 15,52). Dizendo “nós”, Paulo mostra que alcançarão junto com ele o dom da futura mutação aqueles que agora se mantêm na comunhão eclesial e moral com ele e seus companheiros. Querendo sugerir qual será a mudança, diz: É preciso que o corpo incorruptível se revista de incorruptibilidade, e o mortal se revista de imortalidade (1Cor 15,53). Portanto, para que haja neles a mudança da justa retribuição, precede agora a mudança da gratuita liberalidade.

Aos que nesta vida se mudaram do mal para o bem, promete-se o prêmio da futura mudança.

A graça faz com que, primeiro ressurgidos aqui espiritualmente pela justificação, comece a mudança pelo dom divino. Mais tarde, na ressurreição do corpo, que completa a mudança dos justos, a glorificação, sendo sempre perfeita, não sofrerá mudança. A graça da justificação primeiro, e depois da glorificação muda-os de tal forma que esta glorificação neles permanece imutável e eterna.

Aqui são mudados pela primeira ressurreição, que os ilumina, para que se convertam. Por ela passam da morte para a vida, da iniqüidade para a justiça, da incredulidade para a fé, das más ações para a vida santa. Por isto, a segunda morte não tem poder sobre eles. O apocalipse refere-se a isto: Feliz quem tem parte na primeira ressurreição; sobre ele não tem poder a segunda morte (Ap 20,6). No mesmo livro, lê-se: Ao vencedor a segunda morte não causará dano (Ap 2,11). Na conversão do coração consiste a primeira ressurreição, no suplício eterno, a segunda morte.

Apresse-se, então, em tornar-se participante da primeira ressurreição quem não quiser ser condenado ao eterno castigo da segunda morte. Pois aqueles que, mudados no presente pelo temor de Deus, passam da vida má para a vida santa, passam da morte para a vida e eles mesmos, em seguida, passarão da vida obscura à glória.


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Depois das eleições

Leonidas Santana / Shutterstock.com
por Francisco Borba Ribeiro Neto

O maior perigo, nesse momento, é carregar paixões e rivalidades do contexto eleitoral para um outro momento, que deveria ser marcado pelo diálogo em busca do bem comum.

Nesse mês de novembro, duas eleições, a norte-americana para presidente e a municipal no Brasil, provocam tanto nossa racionalidade quanto nosso imaginário. A razão é provocada pela necessidade de um discernimento e, no caso da brasileira, de uma escolha. A norte-americana, com seus lances desconcertantes desse ano, leva nossa imaginação a pensar em conspirações, convulsões sociais, grandes bandeiras políticas desfraldadas ou jogadas por terra.

Por mais desafiadoras, excitantes ou frustrantes que sejam, as eleições passam. A vida volta ao normal e temos que discernir a melhor compreensão e as melhores condutas em função das mudanças que inevitavelmente acontecerão. O maior perigo, nesse momento, é carregar paixões e rivalidades do contexto eleitoral para um outro momento, que deveria ser marcado pelo diálogo em busca do bem comum e não pelas rivalidades partidárias.

A maioria, a oposição e a verdade

A democracia é o melhor sistema para resolvermos discordâncias políticas. É “menos pior” seguir a maioria do que seguir o mais forte. A democracia, contudo, não determina o que é verdadeiro ou falso, certo ou errado. Um candidato não está correto hoje porque ganhou as eleições ou errado ontem, porque as perdeu. Frequentemente queremos defender nosso candidato como se o resultado eleitoral fosse uma confirmação da verdade. Queremos obrigar os outros a pensar como nós porque nosso partido ganhou, ou nos desesperamos como se a possibilidade de derrota significasse a condenação dos valores em que acreditamos. A verdade permanece sendo a verdade, o certo permanece sendo o certo, quer a maioria concorde, quer a maioria discorde.

Isso não nos autoriza a negar os resultados de uma eleição quando ela nos é desfavorável. Nem a fazer oposição sistemática a quem está no governo quando nosso partido é perdedor. O negacionismo e o oposicionismo sistemáticos são dois venenos graves para o bem comum, pois vão erodindo a capacidade de criar um diálogo construtivo de esclarecimento mútuo e busca do bem comum. Alguns pensam que aceitar a vitória do outro seria uma rendição ao relativismo. Mas ele, o relativismo, não é combatido com a teimosia ou com a repetição exaustiva de verdades conhecidas, e sim com o esforço sempre renovado de encontrar os argumentos adequados para se redescobrir a verdade, dialogando com os demais, em cada novo contexto.

Para termos uma visão adequada do que é a democracia, temos que entender ainda que a definição “vontade da maioria” é incompleta, até falha. Muitas ditaduras começaram como imposição da vontade da maioria. O que caracteriza a democracia é que o poder do mais forte (seja ele um ditador, um partido ou até mesmo a maioria) não oprime nem reduz os direitos de cada cidadão, quer ele concorde ou discorde desse poder. Além disso, uma democracia estável e justa implica em mecanismos institucionais que limitam a ação dos poderosos, impedindo que eles (mesmo que sejam governantes) oprimam o povo ou atentem contra o bem comum.

Duas indicações da Fratelli tutti

Na Fratelli tutti (FT), o Papa Francisco traz várias indicações importantes para um momento pós-eleições. A primeira é a aposta no perdão e na reconciliação (FT 236-243). Não existe um partido onde todos sejam bons, honestos, inteligentes e bem intencionados em oposição a outro, onde todos são maus, desonestos, imbecis e mal intencionados. Gente boa e gente ruim existe em todos os partidos. Mais ainda, todos nós temos alguns bons amigos, gente bem intencionada e inteligente, que nas eleições votou de forma totalmente oposta à nossa. Agora é o tempo de abandonarmos qualquer mágoa ou ressentimento e procurarmos juntos o melhor discernimento diante dos desafios da realidade.

Essa é outra importante indicação da Fratelli tutti: superamos nossas diferenças quando procuramos juntos as melhores soluções para os problemas complexos que enfrentamos (FT 228-232). Diante de uma situação polêmica, nossa tendência é logo apresentarmos nossa posição e desqualificarmos a posição contrária. O resultado é uma incompreensão que não permite o diálogo ou a chegada a um consenso. Se queremos realmente construir o bem comum, temos que começar procurando entender qual é o problema real, como nós o caracterizamos e como o outro o caracteriza. Veremos, frequentemente, que cada um de nós salienta um aspecto da questão e minimiza os demais. Se construirmos uma visão compartilhada, mais rica e abrangente, conseguiremos nos entender com mais facilidade e provavelmente chegaremos a uma solução mais integral, que contempla os aspectos positivos das duas posições, evitando as falhas de ambas.

Sem oposições sistemáticas ou apoios incondicionais

Os políticos eleitos são humanos e, como tais, podem tanto acertar quanto errar. Não importa se foi neles que votamos ou não. Quando acertam, temos que apoiá-los, quando erram, temos que alertá-los e até nos opormos fortemente se necessário. Um dos maiores erros de muitos católicos é acreditarem que devem apoiar todas as ações de um político que alega seguir os valores cristãos e condenar a todas as ações de um outro, porque supostamente se colocou contra esses valores em alguma ocasião.

Essas posições do tipo “tudo” ou “nada” frequentemente nos levam a situações contraditórias, que se transformam até em contratestemunho. O exemplo típico, até um pouco esquemático, é o político que, numa dada questão, votou segundo nossos valores e depois se revelou corrupto. Ele votou da forma que considerávamos melhor, ótimo, vamos apoiá-lo e parabenizá-lo nessa votação. Ele se revelou corrupto, lamentável, não vamos considerá-lo inocente porque votou como queríamos anteriormente.

Mas, nesse caso, não estamos abrindo espaço para que ele seja substituído por outro, contrário a nós? Talvez sim, talvez não. Se isso acontecer, aumenta nossa responsabilidade em encontrar e apoiar outras pessoas boas e honestas, para que tomem o lugar daquele corrupto que parecia votar como nós (na verdade, provavelmente estava nos enganando e o conjunto de suas ações acabavam conduzindo para o mal).

Quando apoiamos atitudes erradas de um político, só porque ele se declara defensor de valores caros a nós – não importa se é o valor da vida ou a luta contra a pobreza, por exemplo — nos tornamos contraditórios e enfraquecemos a aceitação desses mesmos valores por parte da sociedade em geral. Esquerdas e direitas, progressistas e conservadores, têm perdido credibilidade, ao longo da história, por contradições desse tipo. A solução é sempre procurarmos e apoiarmos quem está, naquele momento, do lado do bem comum, sem partidarismos. Essa isenção se torna um testemunho de coerência fundamental tanto para o anúncio cristão quanto para a construção de uma política melhor.

Aleteia

Os Papas recentes, Charles de Foucauld e a Eucaristia

EAST NEWS
por Vanderlei de Lima

Que as palavras dos três recentes sucessores de Pedro nos anime a seguir as pegadas de Charles de Foucauld, hoje e sempre.

Este artigo traz alguns pronunciamentos dos três Papas recentes sobre Charles de Foucauld (1858-1916) – celebrado em 1º de dezembro – que deverá ser, em breve, canonizado.

João Paulo II

São João Paulo II assim se dirigia às Irmãzinhas de Jesus, em 16 de setembro de 1979: “Como o Irmão Charles de Jesus, vós consagrais longos momentos à oração, silenciosa e desinteressada, frequentemente diante do Santíssimo Sacramento, e rezais com quem vos rodeia. Sede, diante do Salvador — na adoração, no louvor ou na intercessão — as embaixatrizes destes irmãos e irmãs, dos seus desejos e das suas necessidades. É a característica da vossa oração, aquilo que lhe dá toda a sua força” (Discurso de João Paulo II às Irmãzinhas de Jesus, 16/09/1979, online).

No centenário de sua ordenação sacerdotal, o Santo Pontífice escrevia ao bispo de Viviers: “Enquanto dou graças pelo testemunho do Padre Charles de Foucauld, encorajo todas as pessoas que hoje se inspiram no seu carisma, a continuar o seu apostolado numa unidade cada vez maior entre os diferentes Institutos, e a seguir, com generosidade e audácia, a sua mensagem e o seu exemplo. […] Fiéis à Eucaristia, eles estarão próximos de todos os homens e serão capazes de amar à maneira de Jesus. Fiéis ao seu compromisso junto dos pobres, hão de testemunhar o amor de Deus, lançando ‘na história aqueles germens do Reino de Deus, que foram visíveis na vida terrena de Jesus, ao acolher a quantos recorriam a Ele para todas as necessidades espirituais e materiais” (Carta de 8 de Abril de 1905, ao Abade Caron, 49).

Bento XVI

Bento XVI afirmava, dois anos depois, aos Bispos da Conferência Episcopal do Norte da África: “O encontro fraterno dos homens e das mulheres entre os quais viveis é um dos temas que vos apraz desenvolver para expressar a missão da Igreja na vossa região. Nesta perspectiva, encorajo-vos vivamente a guiar os fiéis para um encontro autêntico com o Senhor, que os guia ao encontro dos seus irmãos e irmãs, ele que já está misteriosamente presente no coração de cada um e na busca que cada homem faz da verdade e do bem-estar (cf. Ad gentes, 11). Para esta finalidade, como a viveu intensamente o Padre Charles de Foucauld, que as vossas Igrejas diocesanas tiveram a alegria de ver beatificado há alguns meses, possa a Eucaristia ser o centro da vida das vossas comunidades. De fato, tanto na celebração deste grande mistério como na adoração eucarística, que são atos de encontro pessoal com o Senhor, amadurece um acolhimento profundo e verdadeiro do aspecto da missão que consiste em abater as barreiras entre o Senhor e nós, assim como as que nos separam uns dos outros” (9/6/2007, online).

Papa Francisco

O Santo Padre, o Papa Francisco tem se referido, sempre que possível, ao Beato Charles de Foucauld com grande apreço e devoção. Na sua encíclica Fratelli Tutti, n. 286-287, voltou a relembrar o eremita do Saara ao escrever: “quero terminar lembrando uma outra pessoa de profunda fé, que, a partir da sua intensa experiência de Deus, realizou um caminho de transformação até se sentir irmão de todos. Refiro-me ao Beato Carlos de Foucauld. O seu ideal duma entrega total a Deus encaminhou-o para uma identificação com os últimos, os mais abandonados no interior do deserto africano. Naquele contexto, afloravam os seus desejos de sentir todo o ser humano como um irmão, e pedia a um amigo: ‘Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos’. Enfim queria ser ‘o irmão universal’. Mas somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser irmão de todos. Que Deus inspire este ideal a cada um de nós. Amém”.

Que as palavras dos três recentes sucessores de Pedro nos anime a seguir as pegadas de Charles de Foucauld, hoje e sempre, a fim de que, por meio da oração e da acolhida, sejamos sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13).

Quem foi Charles de Foucauld?

Seus filhos e filhas espirituais estão espalhados pelo mundo em muitas ramificações.

Charles de Foucauld foi um eremita (monge solitário) que morreu assassinado por um adolescente, no dia 1º de dezembro de 1916, em Tamanrasset, região do Saara, na Argélia. Sua beatificação se deu, no dia 13 de novembro de 2005, em Roma.

Nasceu ele, em Estrasburgo, na França, no dia 15 de setembro de 1858, em um lar católico e abastado, mas aos 6 anos perdeu o pai e a mãe no prazo de 6 meses. O avô materno o acolheu e educou. Embora tímido, era inteligente e apaixonado pela leitura.

Entre os 15 e 16 anos, perdeu a fé e passou 12 anos imerso na busca de prazeres efêmeros. Aos 20 anos, tornou-se militar em Saint-Cyr, mas sua permanência aí durou apenas 6 meses. Apesar de continuar apaixonado pelos estudos e um tanto propenso à vida militar, era boêmio. Chegou a ter uma jovem como amante, embora ele a apresentasse como sua legítima esposa.

Em 1830, a França moveu uma guerra de conquista na Argélia. Foucauld foi e, contra a disciplina militar, levou a amante. Devido a essas e outras insubordinações, o comandante o mandou de volta para a França. Ele obedeceu, mas, apaixonado pelo risco e pela aventura, solicitou e foi aceito em outro Regimento, no Sul da Argélia, onde deveria ajudar a apaziguar uma rebelião dos habitantes da região. Nessa expedição, se apaixonou pela África. Ela parecia a terra apropriada a um geógrafo como ele. Pediu, então, dispensa definitiva do Exército a fim de, disfarçado de rabino, tornar-se explorador do Marrocos. Sua obra Reconnaissance au Maroc o fez ganhar a medalha de ouro da Sociedade Geográfica de Paris, em 1885, quando tinha apenas 27 anos. Continuou, no entanto, firme no estudo da língua e dos costumes árabes, pois muito o impressionaram. Queria, de novo, encontrar a Deus e pensou até em fazer-se muçulmano

Contudo, nessa época, mais precisamente em 1886, ouviu falar no Padre Huvelin, de Paris, a quem ele procurou a fim de debater sobre religião, mas, na mesma hora em que encontrou o sacerdote, se confessou e comungou. Firme na fé e na moral católica, por um conselho do padre que o atendera, em 1888, embarcou, em peregrinação, à Terra Santa. Lá, Nazaré o encantou. Afinal, ali Cristo viveu por 30 anos na oração, no silêncio e no trabalho manual. Quis, então, tornar-se monge.

Sob a orientação segura do Padre Huvelin, ingressou na Trapa, Ordem de vida austera nascida, na França do século XVI, e aprovada pelo Papa Leão XIII, no século XIX. Aí habitou até 1897. Nesse ano, saiu a fim de viver uma vida simples, pobre, recolhida, orante e trabalhadora como foi a de Jesus em Nazaré. Voltou à Terra Santa e se empregou em um mosteiro de monjas clarissas. Morava numa choupana muito modesta. Veio-lhe à mente o desejo de ser eremita. Padre Huvelin aprovou.

Em 1901, voltou, então, à França e, após a devida preparação, no mosteiro de Notre-Dame des Neiges, foi ordenado sacerdote para a Diocese francesa de Viviers, mas com licença de morar na África. Como eremita-sacerdote, tentou evangelizar por meio do exemplo e da caridade. Lia, meditava e traduzia os Evangelhos para os tuaregues da região, compunha dicionários, denunciava, com ardor, a escravidão reinante, celebrava a Santa Missa, recitava a Liturgia das Horas, passava tempos em adoração a Jesus Eucarístico, rezava o Rosário, praticava a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e atendia até 100 pessoas (a maioria pobres e militares franceses) que, diariamente, o procuravam. Manteve-se fiel à Igreja na obediência ao Bispo e ao Padre Huvelin, seu diretor espiritual.

Em 1º de dezembro de 1916, um grupo de rebeldes atacou o eremitério em que ele vivia a fim de fazê-lo refém e um adolescente do grupo rebelde o assassinou. Foi beatificado (passo anterior à canonização), em 13 de novembro de 2005, em Roma. Sua memória é celebrada em 1º de dezembro. Seus filhos e filhas espirituais estão espalhados pelo mundo em muitas ramificações que tentam, com a graça de Deus, seguir o exemplo de fé, oração, trabalho, estudo, simplicidade, caridade e muito amor à Igreja como ensinou Charles de Foucauld, o penitente, místico e apostólico eremita do Saara.

Aleteia

15 de novembro de 1889: A única República cujo presidente bradou: “Viva o Imperador!”

al.sp

A proclamação da República em nosso país foi realmente uma revolução “à la brasileira” …

Redação (15/11/2020 09:13Gaudium Press) Deitado na confortável cama de seu palácio em Petrópolis, dormia, naquela noite, o Imperador do Brasil.

Figura por certo emblemática: tez clara, segundo o tipo europeu; na cabeça, os cabelos, já completamente embranquecidos, faziam pendant com a abundante barba da mesma cor. Os olhos, extremamente plácidos e melancólicos, eram encimados por sobrancelhas quase contíguas a eles, revelando uma personalidade segura de si, de alguém que havia atingido um apogeu e buscava agora uma velhice tranquila sem grandes preocupações.

De fato, D. Pedro II não tinha do que reclamar: naquele 14 de novembro de 1889, vivia seu 49º ano de reinado. Gozava de fama internacional por sua sabedoria, conhecia profundamente inúmeras línguas – entre as quais o francês, o alemão, o grego, o latim, e… até mesmo o tupi-guarani! – tinha apoiado e estimulado figuras de renome, como Wagner e Pasteur; viajara por inúmeras partes do globo: Escandinávia, Rússia, França, Egito, Jerusalém… Mas, sobretudo, conquistara a benquerença do povo que governava. Aliás, que governava indiretamente, pois nosso país já vivia uma Monarquia representativa, com o Visconde de Ouro Preto à cabeça. D. Pedro já não era mais visto pelos brasileiros em geral somente como um Imperador. Ele era mais propriamente um pai ou, se quiserem, um simpático vovô.

Mas o sono do Imperador não estava completamente livre de perturbações… Nem todos os brasileiros pareciam contentes com a ordem de coisas do Brasil de então: sendo um país juveníssimo, ainda não tinha formado por inteiro sua personalidade, e olhava para seus “irmãos mais velhos”, procurando exemplos a imitar. E, na Europa, sopravam já desde há muito tempo os ventos da República.

Naquele 1889, cerca de 70 jornais republicanos circulavam livremente no Brasil, nos quais penas como a de Rui Barbosa vociferavam críticas ao Império.

Além disso, um ano antes, a princesa Isabel havia dado um excelente pretexto para as reclamações de Rui e de seus partidários, com a abolição da escravatura. Ao contrário do que poderia parecer aos olhos contemporâneos, essa atitude fez minguar profundamente a popularidade do Império: o quase um milhão de escravos que havia no Brasil não tinha sido preparado para o estado de liberdade. De um dia para o outro, já não havia quem fizesse o trabalho pesado nas lavouras nem nos cafezais. A economia estava abalada, os fazendeiros descontentes, e os negros, desamparados.

Mas outras coisas poderiam atrapalhar o sono de D. Pedro. Circulavam alguns rumores de que os militares estavam conspirando contra o governo. Desde a guerra do Paraguai, o poder e a influência do exército vinha crescendo cada vez mais no país, e a figura do Marechal Deodoro da Fonseca – homem bravo, impulsivo, obediente, com fama de herói, belo físico marcial, e cheio de ressentimentos com relação ao gabinete de Ouro Preto – parecia ideal para unir os republicanos sob uma única cabeça. Mas, se o Imperador fosse acordado à noite por um pesadelo como o de uma insurreição de Deodoro, voltaria sem dúvida a dormir. O marechal havia sido muito beneficiado por ele e, portanto, não iria cometer tal ingratidão!

Ademais, D. Pedro, de uma placidez que tocava a bonacheirice, não tinha medo dos opositores. Nesse ponto, aliás era muito semelhante a certo parente seu, morto há quase cem anos: Luís XVI. O que fez a diferença –  e que diferença! – entre a sorte de um monarca e outro foi simplesmente o país que cada um governava. D. Pedro, nesse sentido, recebeu sem dúvida a melhor parte!

Seja como for, podemos tomar como certo que o Imperador tinha toda essa situação política em mente quando, na manhã de 15 de novembro, recebeu um telegrama, preocupadíssimo, do Visconde de Ouro Preto.

O que aconteceu enquanto o Imperador dormia…

Ouro Preto havia passado a noite em vigília no Quartel General no Rio, prevenido pelos fortes rumores do levante que se preparava. Junto com ele, à frente das tropas de defesa, estava o ajudante-general do exército, Floriano Peixoto – até então, homem de confiança do presidente do Conselho; em breve, um de seus traidores. Coisas da política…

De sua parte, os conspiradores também não dormiram: nem Deodoro, nem Rui, nem Quintino Bocaiúva, nem alguns outros. Todos se articulavam, se preocupavam, agiam. A manobra que haveria de se dar no dia seguinte era muito arriscada. Muitos deles mal acreditavam no sucesso do próprio golpe.[1]

É provável que, das figuras que ocuparam o primeiro plano no 15 de novembro, D. Pedro II tenha sido o único bem descansado.

Ouro Preto enviara o telegrama justamente para colocar o Imperador a par da situação, enquanto ele mesmo esperava a chegada do Marechal Deodoro com as tropas. Pensava ser um ataque somente contra seu gabinete, e não contra a Monarquia.

Uma República “à brasileira

Os acontecimentos se precipitaram.

As tropas do Marechal Deodoro cercaram o quartel-general. O monarquista Barão de Ladário, ministro da marinha, indo reunir-se aos seus companheiros de governo, encontrou a praça do quartel cercada pelas forças amotinadas. Ao receber ordem de prisão, atirou no oficial que a transmitira, sendo pelo mesmo ferido com três tiros. Fato digno de nota: a única pessoa ferida naquele dia… nada mais natural: era o Brasil, não a França!

Para a descrição do resto da cena, serve de crônica o relato do Visconde de Ouro Preto:

O enérgico político queria que Floriano fizesse frente aos revoltosos. Foi aí que o ajudante-general revelou por primeira vez sua extraordinária capacidade de dissimulação. Começou Ouro Preto:

— Mas esta artilharia pode ser tomada a baioneta. Na pequena distância em que se acha postada, entre o primeiro e o segundo tiro de uma peça, há tempo para cair sobre a guarnição…

— É impossível! As peças estão assestadas, de modo que qualquer surtida será varrida a metralha…

— Por que deixaram, então, que tomassem tais posições? Ignoravam isso? No Paraguai, os nossos soldados apoderavam-se da artilharia em piores condições…

— Sim, observou Floriano, mas lá tínhamos em frente inimigos, e aqui somos todos brasileiros…

“Se eu pudesse ainda manter ilusões, concluiu Ouro Preto, elas se teriam dissipado ante esta frase” …[2]

Chegou-se ao cúmulo de as tropas julgadas fiéis ao governo confraternizarem com os revoltosos!

Mas o cúmulo não parou por aí: Deodoro invadiu a cavalo o Quartel, junto com as tropas republicanas, e proclamou com todo o garbo: “Vivas à Sua Majestade o Imperador, à Família Imperial e ao exército”.[3]

Esse paradoxo se deve a que, até aquele momento, o Marechal ainda afirmava que não tocaria no Imperador. Mas o curso dos acontecimentos e a pressão de seus partidários acabaram mudando sua postura.

Quanto a D. Pedro, este só foi avisado de tudo o que se passara após ter saído de Petrópolis, ao chegar ao Paço da cidade do Rio. Pensou até na possibilidade de um levante armado para suprimir a revolta, mas não conseguiu resultados: naquele dia, parecia que todos estavam aturdidos, desnorteados. Mesmo os republicanos revelavam muitíssima desorientação!

A confusão chegou a tal ponto que a revolução estagnou. Somente na tarde daquele dia, alguns mais audazes retomaram a iniciativa de finalmente proclamar a República.

Capistrano de Abreu, que não era político, relatou mais tarde os acontecimentos. Segundo ele, os batalhões foram chegando um a um, sem coesão, sem ordem, “como peixe na salga”. Quando todos já estavam postados, proclamou-se a República,[4] com a mesma naturalidade com que se proclamaria que aquele dia passara a ser feriado nacional…

D. Pedro ainda tentou alguns recursos. Na madrugada do 16, enviou uma carta a Deodoro, pedindo seu apoio na constituição de um novo ministério.

O Marechal recebeu a missiva em sua cama. Por certo, o stress de ter deposto do trono um Imperador a quem muito devia acabou abalando sua saúde. Naquele momento, estava sofrendo de um ataque de falta de ar.

Arfando, mandou responder que a República era um fato consumado, e ainda tentou jogar a culpa de tudo no Conde d’Eu, por ter oprimido o exército! Talvez esta ridícula evasiva tenha sido uma mera expressão da consciência de Deodoro, tentando se justificar de sua atitude diante de si mesmo.

D. Pedro não quis reagir. Segundo afirmação sua, “cedendo ao Império das circunstâncias” e para a tranquilidade do povo brasileiro, aceitava a imposição que lhe era feita.[5]

A 17 de novembro, dá-se um rápido embarque da família real para a Europa, encoberto pela noite, desorientando qualquer esperança de ação imediata monarquista. O ex-imperador do Brasil passaria o resto de seus dias – apenas dois anos – dedicando-se àquilo que sempre gostara de fazer: visitar literatos, frequentar teatros e museus. A vida de um particular mais ou menos empobrecido, vivendo comodamente na França não se apresentava como um exílio muito austero…

Quanto ao povo, não pareceu propriamente acompanhar os acontecimentos. Não apoiou o novo regime, não o impugnou. Segundo a pitoresca frase de Aristides Lobo, “a nação recebeu bestificada a República”.

Coisa… de poucos?

Os acontecimentos de 15 de novembro de 1889 são capazes de deixar qualquer contemporâneo propriamente vesgo: uma “Monarquia” – do grego, governo de um – que já não era governada por uma única pessoa, é derrubada por uma República – “coisa do povo”, em latim – sobre a qual a maioria dos brasileiros nada sabia, e cujos propugnadores foram algumas minorias, como o exército e certos fazendeiros.

Em prol da democracia, se depõe um imperador que o povo não odiava, se proclama um presidente que o povo não propriamente amava.

Mais curioso ainda é que saiu a família imperial, subiram os republicanos, e todos os problemas da nação continuaram.

Talvez a completa apatia dos brasileiros de então seja fruto de uma certa desilusão com seus governantes: na prática, teria mudado alguma coisa? Ou trocaram somente as figuras da dianteira e, no fundo, nos bastidores, tudo continuou como dantes? Perguntas como estas não estimulariam de todo alguma reação.

Enfim, política jamais foi algo fácil de entender, sobretudo no Brasil…

Por Oto Pereira


[1]BELLO, José Maria. História da República. 4. ed. São Paulo: Nacional, 1959, p. 36

[2] Ibid. p. 37.

[3] BESOUCHET, Lídia. Exílio e Morte do Imperador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 366.

[4] Cf. Ibid., p. 369-370.

[5] Cf. LOURDES, Maria de; JANOTTI, Mônaco. Os subversivos da República. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 15.

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S. MARGARIDA DA ESCÓCIA

S. Margarida da Escócia 

Margarida nasceu em 1045, em Mecseknádasd, Hungria, onde seu pai, Eduardo, herdeiro do trono de Edmundo II da Inglaterra, se encontrava exilado, após a tomada de posse do seu reino pelo rei da Dinamarca, Cnut. As origens da sua mãe, Ágata, são incertas. Sabe-se, porém, que Margarida era a segunda de três filhos. Ainda criança, após a morte do rei Canuto, seu pai decidiu voltar para a Inglaterra, onde faleceu logo depois da chegada do normando William, o Conquistador. Assim, Ágata foi obrigada a se refugiar em outro lugar com seus filhos. Com efeito, encontrou refúgio na Escócia, na corte de Malcom III, homem hospitaleiro, gentil e generoso: viúvo e pai de um filho, apaixonou-se pela bela e inteligente Margarida, educada nos bons costumes e na fé católica. Ele pediu a sua mão em 1070. Aos 24 anos Margarida tornou-se Rainha da Escócia.

Soberana exemplar

A residência de Malcolm e Margarida era o Castelo de Edimburgo, onde a vida de corte era enriquecida com práticas piedosas e orações diárias. A vida do casal real era agraciada por oito filhos: seis meninos e duas meninas. Margarida era uma esposa perfeita: gentil, paciente, bondosa, carinhosa e amorosa com seu esposo: ela sempre estava ao seu lado nas dificuldades diárias; envolvia-o nas suas práticas piedosas; dava-lhe conselhos em questões políticas e administrativas. Deve-se a ela a introdução do feudalismo, em terras escocesas, sob modelo inglês, e a criação de um Parlamento. No entanto, as portas do castelo estavam sempre abertas para acolher, ajudar e assistir os pobres e enfermos, para os quais a soberana mandou construir asilos e hospedarias.

Reformadora

Com Margarida, os cultos das Igrejas locais foram uniformizados e conformados com os da Igreja de Roma. A rainha determinou que o jejum da Quaresma fosse respeitado e a Páscoa celebrada no mesmo dia; recomendou a confissão frequente e abstenção do trabalho aos domingos; difundiu a educação religiosa e incentivou a construção de igrejas, mosteiros, capelas e escolas. Graças a ela, os monges beneditinos fundaram mosteiros na Escócia; as antigas abadias voltaram ao seu esplendor e construídos abrigos para os peregrinos. Na intimidade do castelo, Margarida dedicava seu tempo para bordar os paramentos sagrados e decorar livros, além de entreter seu esposo com leituras espirituais.

Maior que a morte

Devido à sua saúde precária, Margarida adoeceu, em 1093, enquanto seu esposo e filho mais velho tiveram que empunhar as armas contra Guilherme, o Vermelho, que invadia a Escócia. Ambos morreram, em 13 de novembro, na Batalha de Alnwick. É famosa a oração da rainha ao receber a notícia. Suas palavras foram memorizadas pelo monge, Teodorico Turgot, prior do mosteiro de Durham, mais tarde Arcebispo de Santo André, confessor, diretor espiritual e biógrafo de Margarida: “Deus Todo-Poderoso, agradeço-vos por ter-me dado tão grande aflição, nos últimos momentos da minha vida. Espero que, por vossa misericórdia, possa servir para purificar os meus pecados”. Margarida faleceu em 16 de novembro de 1093, no Castelo de Edimburgo. Foi canonizada, em 1250, pelo Papa Inocêncio IV, pelo seu exemplo de vida, fidelidade à Igreja e caridade para com o próximo. O lugar de culto mais antigo, a ela dedicado, é a Capela de Santa Margarida, no Castelo de Edimburgo.

Vatican News

domingo, 15 de novembro de 2020

Missionários de si mesmos

L'Osservatore Romano
10 novembro 2020

Longe de qualquer retórica, a África desempenha um papel cada vez mais  fundamental no Catolicismo contemporâneo. De acordo com dados divulgados em março passado pelo Departamento Central de Estatística da Igreja que editou o Anuário Pontifício de 2020 e o Annuarium Statisticum Eccleasiae de 2018, podemos observar que a proporção de católicos em África é de 19,4 por cem habitantes. Se se considerar que a população africana é hoje de cerca de um bilião e 300 milhões de habitantes, isto significa que há mais de 250 milhões de católicos. O crescimento é certamente significativo tendo em conta que eram 185 milhões em 2010.

E o que dizer quanto às vocações? No período entre 2013 e 2018, a África registou um reconfortante +14,3% enquanto para o mesmo quinquénio houve um aumento dos religiosos de +6,8% e das religiosas de +9%. Um exemplo do crescimento expansivo do enclave católico no continente é dado pelos países da África subsariana: em 1910 representavam 1% dos católicos do planeta; em 2019 com 171,48 milhões de fiéis, representavam 16% dos católicos do mundo. Segundo os estudiosos, se considerarmos os processos em curso, dentro de cerca de vinte anos atingirão 24% do total.

A importância do continente africano no cristianismo mundial (incluindo também as Igrejas protestantes e as Igrejas independentes) é, além disso, ainda maior se considerarmos a dinâmica de crescimento, que poderia levar a população cristã da África subsariana, de acordo com as previsões do Pew Research Center, a duplicar até 2050, para mais de um bilião e cem milhões de pessoas. É uma realidade que no início da segunda metade deste século os 5 dos 10 países em escala planetária com a maior população de cristãos estarão em África: Nigéria, República Democrática do Congo, Tanzânia, Etiópia e Uganda.

Um facto que precisa de ser refletido, novamente de acordo com o Pew Research Center, é que «os cristãos em África e na América Latina tendem a rezar mais frequentemente, a assistir mais regularmente aos cultos religiosos e a considerar a religião mais importante na sua vida do que os cristãos no resto do mundo». Esta informação não pode de modo algum ser subestimada se se considerar o nível de compromisso e identificação dos fiéis: de facto, 75 por cento dos cristãos na África subsariana declaram que a religião é muito relevante na própria vida, em comparação com outras realidades continentais, como a ocidental, que vê cada vez mais uma adesão predominantemente nominal.

A este respeito, é de notar o papel particular que a Igreja africana desempenha na educação, num contexto muitas vezes marcado por uma grave exclusão social. Ela representa, na prática, um ponto de referência para as gerações mais jovens, que frequentemente encontram nas estruturas escolares propostas que visam o crescimento integral da pessoa. Isto não é novidade se considerarmos que Kwame Nkrumah, um dos mestres do pan-africanismo, bem como o primeiro presidente do Gana, unanimemente considerado pelos seus compatriotas «pai da pátria», declarou publicamente em 1957 numa conferência na Universidade de Friburgo: «A pessoa que me apresentou disse que eu sou responsável pelo despertar deste grande continente. Creio que isto não é verdade. Se quisermos considerar a situação de uma forma mais exata, devo dizer que os responsáveis pela tomada de consciência dos africanos, foram os missionários cristãos com as suas escolas». E que dizer em relação à melhoria dos serviços de previdência social em África? Segundo dados da Organização mundial da saúde (oms), 70% são de inspiração católica. Existem numerosas congregações religiosas, masculinas e femininas, juntamente com várias realidades da cooperação internacional para o desenvolvimento de inspiração católica que estão na vanguarda da afirmação do direito sacrossanto à saúde dos grupos sociais desfavorecidos presentes no vasto continente africano. Foi também graças ao empenho deles que se forjou a resiliência das populações nativas africanas hoje forçadas a conviverem, não só com a Covid-19, mas também com outras enfermidades endémicas como as doenças tropicais neglicenciadas (Dtn), sem mencionar as três mais perigosas, ou seja, a malária, a Sida e a tuberculose, ou epidemias particularmente graves embora territorialmente circunscritas como o ébola.

Particularmente significativa é a contribuição das Igrejas locais para o crescimento da sociedade civil que, em perspetiva, deveria representar o berçário das futuras classes dirigentes. Não é acasional que sempre que se há eleições na África subsariana ou surgem situações de beligerância aberta, os episcopados locais intervêm apelando à reconciliação, ao diálogo e sobretudo ao respeito pelos direitos humanos. Com frequência os bispos africanos intervieram no debate sobre as reformas constitucionais, criticando por vezes o enfraquecimento das instituições estatais e em particular as tentativas de algumas componentes políticas de minar a independência do poder judicial através de ações corruptas.

Emblemática é a recente mensagem publicada pelo Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar (Secam) para recordar a visita feita há um ano pelo Papa Francisco a Moçambique, Madagáscar e Maurícias. Os bispos africanos recordaram, entre outras coisas, que «o Papa Francisco insistiu que para tornar possível a reconciliação é necessário superar tempos de divisão e violência, xenofobia e tribalismo. A este respeito, devemos aceitar o desafio de acolher e proteger os migrantes que vêm em busca de trabalho e melhores condições de vida para as suas famílias, de defender os encontros ecuménicos e inter-religiosos e de encontrar formas de promover a colaboração entre todos — cristãos, religiões tradicionais, muçulmanos — para um futuro melhor para a África».

Mas atenção, nem tudo o que brilha é ouro. Muitas das dioceses africanas encontraram, nos últimos anos, benefícios na ajuda (espiritual e material) das Igrejas de tradição antiga (especialmente europeias e norte-americanas). Mas a situação atual no Ocidente é marcada por um declínio nas vocações missionárias  e nas ofertas. Além disso, a atual pandemia de coronavírus está a penalizar muitas das atividades de cooperação missionária. Isto significa, essencialmente, que as Igrejas africanas, olhando para o futuro, devem elaborar novos modelos de desenvolvimento em nome da autossuficiência.

Uma coisa é certa: São Paulo vi justamente disse aos bispos africanos reunidos em Kampala: «Vós, africanos, sois agora os missionários de vós próprios. A Igreja de Cristo está verdadeiramente plantada nesta terra abençoada».

Giulio Albanese

L'Osservatore Romano

Coronavírus: ainda é muito cedo para relaxar a quarentena

Shutterstock | View-Apart
por Octávio Messias

Segunda onda é ameaça enquanto a população flexibiliza o distanciamento social.

Você sai na rua e, especialmente em um fim de semana ensolarado, vê parques abertos, pessoas caminhando, algumas praticando esportes, como ciclismo e corrida, além de bares e restaurantes abarrotados. Uma imagem tão semelhante à realidade pré-pandemia que chega a despertar nostalgia. Mas esse cenário é incondizente com a realidade que São Paulo vive atualmente. 

Entre a agosto e novembro, as suspeitas de novos casos do novo coronavírus na cidade praticamente aumentaram 50%, passando de 339.934 casos para 504.949 – em algumas regiões da cidade, esse número chega a 75%. A escalada se dá principalmente entre jovens das classes A, B e C, que estavam confinadas no início da pandemia, e agora passam a ter seu primeiro contato com o vírus. E se reflete nos números de internações dos hospitais de elite, que voltaram a disparar, e UTIs adicionais que já haviam sido desativadas voltam a funcinar. Só o Hospital Sírio-Libanê viu os casos saltarem de 80, no início de outubro, para 120 em novembro, o mesmo patamar que se via em outubro, fase mais aguda da pandemia.

ESCALADA DE CASOS

Um aumento no número de casos em São Paulo acende o sinal de alerta para o restante do país, uma vez que a capital paulista foi o foco inicial e epicentro da doença no Brasil. E naquela época os casos saltaram inicialmente nos hospitais da rede privada. 

Após uma curva em constante movimento de queda, vemos as suspeitas de novos casos voltarem a subir, o que preocupa especialistas. “A pandemia começou assim em março, com hospitalizados nos particulares, e depois migrou para o sistema público de saúde. Parece que a gente começa a vivenciar a mesma fotografia do começo da pandemia na Grande São Paulo”, disseWallace Casaca, cientista de dados da Info Tracker, ferramenta de dados do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria, desenvolvida por professores da USP e Unesp. 

SEGUNDA ONDA

Esses dados levantam o temor de uma segunda onda, como temos visto acontecer em países da Europa. Atualmente o índice de ocupação nas UTIs brasileiras é de 40,8% e, nas enfermarias, de 29,9%. O município de São Paulo registra 330.266 casos e 13.949 mortes do total de 5.810 milhões de casos e quase 165 mil mortes. 

Esses dados alarmantes mostram os efeitos devastadores do vírus por aqui. Ainda é muito cedo para ignorar a ameaça e retomar a vida normal, uma vez que o descaso de alguns está provocando a morte de tantos.

O vírus pode ser encarado como o mar: com respeito e temor. Quanto antes nos unirmos em um esforço para conter o vírus e reduzir cada vez mais os índices de mortes, mais chances temos de retomar nossas vidas como era antes da pandemia. 

Aleteia

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF