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segunda-feira, 7 de junho de 2021

Irmã Maria Laura Mainetti: Religiosa assassinada em ritual satânico já é beata

Beata Maria Laura Mainetti. Foto: Diocese de Como (Itália)

Roma, 07 jun. 21 / 06:37 am (ACI).- Irmã Maria Laura Mainetti agora é beata. A freira italiana, assassinada em 6 de junho de 2000 por três adolescentes em um ritual satânico, foi beatificada em uma cerimônia presidida pelo Cardeal Marcelo Semeraro, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, no estádio de Chiavenna, Diocese de Como, na Itália, perante 2.500 fiéis.

A freira era superiora da Comunidade das Filhas da Cruz do Instituto Maria Imaculada de Chiavenna quando três jovens de 17 e 16 anos a mataram a facadas. Ele tinha 60 anos.

Na cerimônia de beatificação, o cardeal Semeraro, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, afirmou em sua homilia que se sentiu “particularmente comovido por presidir esta liturgia” e assegurou que “vivemos este encontro em um momento de grande alegria para esta Igreja diocesana”.

Com efeito, por ocasião da beatificação, os sinos das igrejas da Diocese de Como tocaram em uníssono em sinal de alegria para o novo Beato.

Em sua homilia, o Cardeal Semeraro destacou que “a Beata Maria Laura Mainetti invocou a verdadeira caridade do Senhor” e destacou que “enquanto ela morria, perdoava e regava por aqueles que a matavam”.

Além disso, revelou que “no processo de beatificação, uma testemunha perguntou-se: 'Como pode uma religiosa que vive tanto tempo no seu ritmo normal de vida chegar à consciência de rezar por quem a assassina enquanto é torturada, quase como se tratássemos de uma fotocópia do Evangelho?'".

Ele também observou que “nossa mártir escreveu que seu caminho espiritual era muito simples: você deve fazer algo de bom para os outros. Ele também disse que deveria dar um sentido pleno à vida. A Santidade é assim. Não é fruto do esforço humano, mas antes nos lembra uma florzinha no meio de uma grande gramado”.

“Nossa mártir”, continuou o cardeal Semeraro, “escolheu o todo, a maior, a verdadeira caridade. A base para o florescimento da santidade não é excepcional, é a fidelidade no dia a dia”.

Nascida em Colico, Itália, em 20 de agosto de 1939, Irmã Maria Laura Mainetti foi batizada com o nome de Teresina. Sua mãe faleceu logo após o seu nascimento. Teresina foi então educada com as religiosas da Congregação das Filhas da Cruz.

Começou o postulantado em agosto de 1957 na Casa Provincial. Em fevereiro de 1958 entrou no noviciado e em 15 de agosto de 1959 fez os votos de pobreza, castidade e obediência em Roma. Finalmente, realizou os votos perpétuos em 25 de agosto de 1964 na Casa Mãe da Congregação em La Puye, França.

Sempre focada no acompanhamento e na formação de crianças e jovens com dificuldades, morreu justamente porque procurou ajudar uma jovem. Suas assassinas, sabendo da entrega da freira, simularam um telefonema: uma jovem alegou ter sido estuprada e precisava de ajuda. Atraída por essa mentira, a irmã María Laura foi conduzida a um parque deserto, onde foi morta por 19 feridas de faca para cumprir um ritual satânico.

O Papa Francisco, durante a oração do Angelus deste domingo, recordou que “hoje em Chiavenna, na Diocese de Como, a Irmã Maria Laura Mainetti, membro das Filhas da Cruz, foi assassinada há 21 anos por três jovens influenciadas por uma seita satânica”.

"A crueldade... Precisamente Aquela que mais amou os jovens, e que amou e perdoa esses mesmos jovens prisioneiros do mal, deixa-nos o seu programa de vida: fazer todas as pequenas coisas com fé, amor e entusiasmo”.

«Que o Senhor nos dê fé, amor e entusiasmo», concluiu o Santo Padre recordando o exemplo da nova beata.

Fonte: ACI Digital

Santo Antônio Maria Gianelli

S. Antônio Maria Gianelli | ArquiSP
07 de junho

Santo Antônio Maria Gianelli

Entre as múltiplas atividades deste santo lígure, da província de Gênova, está uma associação de nome insólito por ter sido fundada por um pároco, a “sociedade econômica”, embora de finalidades evangélicas. Propunha-se, com efeito, a educar e assistir moralmente as jovens, confiadas aos cuidados das “damas da caridade” — um nome igualmente inusitado, mudado em 1829 para o bem conhecido “filhas de Maria”. A congregação teve um rápido desenvolvimento na América Latina, onde o padre Antônio durante suas visitas era chamado pelo povo de “o santo das irmãs”.

Pároco de Chiavari de 1826 a 1838, não se confinou aos limites de sua vasta paróquia. Um ano depois da nomeação já lançara as bases para a fundação de uma congregação masculina, posta sob o patrocínio de santo Afonso de Ligório, reunindo jovens sacerdotes para as missões populares e para o amparo de paróquias particularmente necessitadas. Os missionários “ligorianos” assumiram o nome de oblatos de santo Afonso.

Eleito bispo de Bobbio em 1837, introduziu na diocese as reformas já promovidas como pároco de Chiavari, instituindo um seminário. Neste reapresentava aos estudantes de filosofia e de teologia a negligenciada Summa de são Tomás de Aquino, em um momento singular, em razão do avanço de um positivismo ateu e de um racionalismo que se haviam infiltrado até mesmo entre os estudiosos católicos.

Cuidou, pois, da formação do clero com mão enérgica, removendo párocos pouco zelosos e recorrendo com freqüência à colaboração de seus oblatos. Pastor vigilante, mas caritativo e compreensivo, tomista convicto, mas não fechado às novas correntes do pensamento e à renovação da filosofia escolástica, que naqueles anos fermentava em torno do grande pensador e santo sacerdote Antônio Rosmini.

D. Gianelli morreu aos 57 anos, depois de uma vida relativamente breve, mas intensa, dedicada com coração e espírito de missionário às obras benéficas no campo ­religioso e social. Foi canonizado por Pio XII, a 21 de outubro de 1951.

*Fonte: Pia Sociedade Filhas de São Paulo Paulinas http://www.paulinas.org.br

Fonte: Arquidiocese de São Paulo

domingo, 6 de junho de 2021

X DOMINGO DO TEMPO COMUM - Ano "B"

Dom Paulo Cezar Costa
Arcebispo de Brasília

Jesus age pela força do Espírito de Deus

O texto do Evangelho deste domingo (Mc 3, 20-35) mostra a reação dos contemporâneos de Jesus à sua missão, principalmente à sua ação de exorcista. O texto vai mostrando progressivamente as reações e, ao mesmo tempo, a clareza de Jesus diante da sua missão de colocar em movimento o Reino de Deus por obra do Espírito Santo que age Nele.

Num primeiro momento, tem-se a atitude da multidão que se apinhou, de modo que Ele não podia nem se alimentar (Mc 3, 20). A multidão é capaz de intuir o novo de Deus que está acontecendo, ao contrário dos seus familiares que “quando tomaram conhecimento disso, saíram para detê-lo, por que diziam: ele está fora de si” (Mc 3, 21). Possivelmente a intervenção dos Seus familiares se devesse às noticias que recebiam sobre a Sua doutrina e a Sua atividade: a grande liberdade de Jesus diante das antigas tradições rabínicas e sua rejeição da casuística desumana dos fariseus. Não queriam ver o nome da família desonrado. Foram atrás de Jesus para agarrá-Lo e levá-Lo de volta para o clã.

Agora entram em cena os escribas que haviam descido de Jerusalém; parece uma delegação oficial que veio de Jerusalém, a capital religiosa do país, para julgar os fatos que estão acontecendo na Galileia. Mas já dão logo a sentença: Ele tem Beelzebul, é pelo chefe dos demônios que Ele expulsa os demônios. Jesus os chama para junto de Si e lhes fala em parábolas. Jesus mostra que se o reino de satanás está dividido caminhará para a ruína. Aí está o absurdo da argumentação dos escribas vindo de Jerusalém. E Jesus continua falando por meio de imagens, agora mostrando que a casa de um homem forte só poderá ser saqueada se aparecer um mais forte do que ele para amarrá-lo e saqueá-lo. Jesus liberta os possessos pelo demônio por que é mais forte do que satanás. Está no meio dos homens alguém que domina satanás, porque é mais forte do que ele. O pecado contra o Espírito Santo consiste no fechamento à percepção de que aquilo que está acontecendo em Jesus de Nazaré é obra do Espírito Santo, enquanto os escribas atribuem a satanás. O pecado contra o Espírito Santo reside no não querer perceber a obra de Deus, atribuindo-a a satanás.

No momento seguinte, temos a família de Jesus que chega e manda chamá-Lo. Jesus vai mostrar quais são seus verdadeiros familiares: “quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe” (Mc 3, 35). Sua família tem agora uma dimensão maior do que a mera consanguinidade, pois o critério para fazer parte é a busca da vontade de Deus. É este o grande critério para entender a mensagem de Jesus. A multidão que está sentada ao Seu redor (Mc 3, 34) é apresentada como gente que busca realizar a vontade de Deus: “e perpassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor disse…” (Mc 3, 34).

Peçamos a graça, neste domingo, de sermos homens e mulheres que buscam viver da vontade de Deus, pois este é o grande critério para sermos membro do povo de Deus, para a verdadeira oração (Mt 6, 10), uma vez que é justamente isto o que pedimos no Pai Nosso, todos os dias, quando rezamos.

Por Dom Paulo Cezar Costa - Arcebispo de Brasília

Fonte: Arquidiocese de Brasília

Amoris laetitia, família é luz na escuridão do mundo

Garotada Católica

Cada mês, em 10 episódios, um vídeo com as reflexões do Papa e o testemunho de famílias de todas as partes do mundo – realizado em colaboração entre o Dicastério Leigos Família e Vida e Vatican News – ajuda a reler a Exortação apostólica, com a contribuição de um subsídio que pode ser baixado para o aprofundamento pessoal e comunitário. Porque ser família, recorda Francisco, é sempre “principalmente uma oportunidade”.

Amoris laetitia

(n. 58-88)

O OLHAR FIXO EM JESUS: A VOCAÇÃO DA FAMÍLIA

58. Diante das famílias e no meio delas, deve ressoar sempre de novo o primeiro anúncio, que é o «mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário»[50] e «deve ocupar o centro da atividade evangelizadora».[51] É o anúncio principal, «aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar, duma forma ou doutra».[52]Porque «nada há de mais sólido, mais profundo, mais seguro, mais consistente e mais sábio que esse anúncio» e «toda a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma».[53]

59. O nosso ensinamento sobre o matrimónio e a família não pode deixar de se inspirar e transfigurar à luz deste anúncio de amor e ternura, se não quiser tornar-se mera defesa duma doutrina fria e sem vida. Com efeito, o próprio mistério da família cristãs só se pode compreender plenamente à luz do amor infinito do Pai, que se manifestou em Cristo entregue até ao fim e vivo entre nós. Por isso, quero contemplar Cristo vivo que está presente em tantas histórias de amor e invocar o fogo do Espírito sobre todas as famílias do mundo.

60. Dentro deste quadro, o presente capítulo recolhe uma síntese da doutrina da Igreja sobre o matrimónio e a família. Também aqui citarei várias contribuições prestadas pelos Padres sinodais nas suas considerações acerca da luz que a fé nos oferece. Eles partiram do olhar de Jesus, dizendo que Ele «olhou para as mulheres e os homens que encontrou com amor e ternura, acompanhando os seus passos com verdade, paciência e misericórdia, ao anunciar as exigências do Reino de Deus».[54] De igual modo nos acompanha, hoje, o Senhor no nosso compromisso de viver e transmitir o Evangelho da família.

Jesus recupera e realiza plenamente o projecto divino

61. Contrariamente àqueles que proibiam o matrimónio, o Novo Testamento ensina que «tudo o que Deus criou é bom e nada deve ser rejeitado» (1Tim 4, 4). O matrimónio é um «dom» do Senhor (cf. 1 Cor 7, 7). Ao mesmo tempo que se dá esta avaliação positiva, acentua-se fortemente a obrigação de cuidar deste dom divino: «Seja o matrimónio honrado por todos e imaculado o leito conjugal» (Heb 13, 4). Este dom de Deus inclui a sexualidade: «Não vos recuseis um ao outro» (1Cor 7, 5).

62. Os Padres sinodais lembraram que Jesus, «ao referir-Se ao desígnio primordial sobre o casal humano, reafirma a união indissolúvel entre o homem e a mulher, mesmo admitindo que, “por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim” (Mt 19, 8). A indissolubilidade do matrimónio (“o que Deus uniu não o separe o homem”: Mt 19, 6) não se deve entender primariamente como “jugo” imposto aos homens, mas como um “dom” concedido às pessoas unidas em matrimónio. (...) A condescendência divina acompanha sempre o caminho humano, com a sua graça, cura e transforma o coração endurecido, orientando-o para o seu princípio, através do caminho da cruz. Nos Evangelhos, sobressai claramente a postura de Jesus, que (...) anunciou a mensagem relativa ao significado do matrimónio como plenitude da revelação que recupera o projecto originário de Deus (cf. Mt 19, 3)».[55]

63. «Jesus, que reconciliou em Si todas as coisas, voltou a levar o matrimónio e a família à sua forma original (cf. Mc10, 1-12). A família e o matrimónio foram redimidos por Cristo(cf. Ef  5, 21-32), restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério donde brota todo o amor verdadeiro. A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da salvação, recebe a revelação plena do seu significado em Cristo e na sua Igreja. O matrimónio e a família recebem de Cristo, através da Igreja, a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27) até à realização do mistério da Aliança em Cristo no fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro (cf. Ap 19, 9)».[56]

64. «A postura de Jesus é paradigmática para a Igreja (...). Ele inaugurou a sua vida pública com o sinal de Caná, realizado num banquete de núpcias (cf. Jo 2, 1-11). (…) Compartilhou momentos diários de amizade com a família de Lázaro e suas irmãs (cf. Lc10, 38) e com a família de Pedro (cf. Mt 8, 14). Escutou o pranto dos pais pelos seus filhos, restituindo-os à vida (cf. Mc 5, 41; Lc 7, 14-15) e mostrando assim o verdadeiro significado da misericórdia, a qual implica a restauração da Aliança (cf. João Paulo II, Dives in misericordia, 4).Vê-se isto claramente nos encontros com a mulher samaritana (cf. Jo 4, 1-30) e com a adúltera (cf. Jo 8, 1-11), nos quais a noção do pecado é avivada perante o amor gratuito de Jesus».[57]

65. A encarnação do Verbo numa família humana, em Nazaré, comove com a sua novidade a história do mundo. Precisamos de mergulhar no mistério do nascimento de Jesus, no sim de Maria ao anúncio do anjo, quando foi concebida a Palavra no seu seio; e ainda no sim de José, que deu o nome a Jesus e cuidou de Maria; na festa dos pastores no presépio; na adoração dos Magos; na fuga para o Egipto, em que Jesus participou no sofrimento do seu povo exilado, perseguido e humilhado; na devota espera de Zacarias e na alegria que acompanhou o nascimento de João Baptista; na promessa que Simeão e Ana viram cumprida no templo; na admiração dos doutores da lei ao escutarem a sabedoria de Jesus adolescente. E, em seguida, penetrar nos trinta longos anos em que Jesus ganhava o pão trabalhando com suas mãos, sussurrando a oração e a tradição crente do seu povo e formando-Se na fé dos seus pais, até fazê-la frutificar no mistério do Reino. Este é o mistério do Natal e o segredo de Nazaré, cheio de perfume a família! É o mistério que tanto fascinou Francisco de Assis, Teresa do Menino Jesus e Charles de Foucauld, e do qual bebem também as famílias cristãs para renovar a sua esperança e alegria.

66. «A aliança de amor e fidelidade, vivida pela Sagrada Família de Nazaré, ilumina o princípio que dá forma a cada família e a torna capaz de enfrentar melhor as vicissitudes da vida e da história. Sobre este fundamento, cada família, mesmo na sua fragilidade, pode tornar-se uma luz na escuridão do mundo. “Aqui se aprende (…) uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré como é preciosa e insubstituível a educação familiar e como é fundamental e incomparável a sua função no plano social” (Paulo VI, Alocução em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964)».[58]

A família nos documentos da Igreja

67. O Concílio Ecuménico Vaticano II ocupou-se, na Constituição pastoral Gaudium et spes, da promoção da dignidade do matrimónio e da família (cf. nn. 47-52). «Definiu o matrimónio como comunidade de vida e amor (cf. n. 48), colocando o amor no centro da família (...). O “verdadeiro amor entre marido e mulher” (n. 49) implica a mútua doação de si mesmo, inclui e integra a dimensão sexual e a afectividade, correspondendo ao desígnio divino (cf. nn. 48-49). Além disso sublinha o enraizamento dos esposos em Cristo: Cristo Senhor “vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio” (n. 48) e permanece com eles. Na encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude e dá aos esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o viver, impregnando toda a sua vida com a fé, a esperança e a caridade. Assim, os cônjuges são de certo modo consagrados e, por meio duma graça própria, edificam o Corpo de Cristo e constituem uma igreja doméstica (cf. Lumen gentium, 11), de tal modo que a Igreja, para compreender plenamente o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de forma genuína».[59]

68. Em seguida, «na esteira do Concílio Vaticano II, o Beato Paulo VI aprofundou a doutrina sobre o matrimónio e a família. Em particular, com a Encíclica Humanae vitae, destacou o vínculo intrínseco entre amor conjugal e procriação: “o amor conjugal requer nos esposos uma consciência da sua missão de ‘paternidade responsável’, sobre a qual hoje tanto se insiste, e justificadamente, e que deve também ela ser compreendida com exactidão (...). O exercício responsável da paternidade implica, portanto, que os cônjuges reconheçam plenamente os próprios deveres para com Deus, para consigo próprios, para com a família e para com a sociedade, numa justa hierarquia de valores”(n. 10). Na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi, Paulo VI salientou a relação entre a família e a Igreja».[60]

69. «São João Paulo II dedicou especial atenção à família, através das suas catequeses sobre o amor humano, a Carta às famílias Gratissimam sane e sobretudo com a Exortação apostólica Familiaris consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família «caminho da Igreja»; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação ao amor do homem e da mulher; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família na sociedade. Concretamente, ao tratar da caridade conjugal (cf. Familiaris consortio, 13), descreveu o modo como os cônjuges, no seu amor mútuo, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem a sua vocação à santidade».[61]

70. «Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, retomou o tema da verdade do amor entre o homem e a mulher, que se vê iluminado plenamente apenas à luz do amor de Cristo crucificado (cf.n. 2). Sublinha que “o matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano”(n. 11).Além disso, na Encíclica Caritas in veritate, destaca a importância do amor como princípio devida na sociedade (cf. n. 44), lugar onde se aprende a experiência do bem comum».[62]

O sacramento do matrimónio

71. «A Sagrada Escritura e a Tradição abrem-nos o acesso a um conhecimento da Trindade que Se revela com traços familiares. A família é imagem de Deus, que (…) é comunhão de pessoas. No baptismo, a voz do Pai chamou a Jesus Filho amado; e, neste amor, podemos reconhecer o Espírito Santo (cf. Mc 1, 10-11). Jesus, que tudo reconciliou em Si mesmo e redimiu o homem do pecado, não só voltou a levar o matrimónio e a família à sua forma original, mas também elevou o matrimónio a sinal sacramental do seu amor pela Igreja (cf. Mt 19, 1-12; Mc 10, 1-12; Ef 5, 21-32). Na família humana, reunida em Cristo, é restaurada a “imagem e semelhança” da Santíssima Trindade (cf. Gn 1, 26), mistério donde brota todo o amor verdadeiro. O matrimónio e a família recebem de Cristo, através da Igreja, a graça para testemunhar o Evangelho do amor de Deus».[63]

72. O sacramento do matrimónio não é uma convenção social, um rito vazio ou o mero sinal externo dum compromisso. O sacramento é um dom para a santificação e a salvação dos esposos, porque «a sua pertença recíproca é a representação real, através do sinal sacramental, da mesma relação de Cristo com a Igreja. Os esposos são, portanto, para a Igreja a lembrança permanente daquilo que aconteceu na cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação, da qual o sacramento os faz participar».[64] O matrimónio é uma vocação, sendo uma resposta à chamada específica para viver o amor conjugal como sinal imperfeito do amor entre Cristo e a Igreja. Por isso, a decisão de se casar e formar uma família deve ser fruto dum discernimento vocacional.

73. «O dom recíproco constitutivo do matrimónio sacramental está enraizado na graça do baptismo, que estabelece a aliança fundamental de cada pessoa com Cristo na Igreja. Na mútua recepção e com a graça de Cristo, os noivos prometem-se entrega total, fidelidade e abertura à vida, e também reconhecem como elementos constitutivos do matrimónio os dons que Deus lhes oferece, tomando a sério o seu mútuo compromisso, em nome de Deus e perante a Igreja. Ora, na fé, é possível assumir os bens do matrimónio como compromissos que se podem cumprir melhor com a ajuda da graça do sacramento. (...) Portanto, o olhar da Igreja volta-se para os esposos como o coração da família inteira, que, por sua vez, levanta o seu olhar para Jesus».[65] O sacramento não é uma «coisa» nem uma «força», mas o próprio Cristo, na realidade, «vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. Fica com eles, dá-lhes a coragem de O seguirem, tomando sobre si a sua cruz, de se levantarem depois das quedas, de se perdoarem mutuamente, de levarem o fardo um do outro».[66] O matrimónio cristão é um sinal que não só indica quanto Cristo amou a sua Igreja na Aliança selada na Cruz, mas torna presente esse amor na comunhão dos esposos. Quando se unem numa só carne, representam o desposório do Filho de Deus com a natureza humana. Por isso, «nas alegrias do seu amor e da sua vida familiar, Ele dá-lhes, já neste mundo, um antegozo do festim das núpcias do Cordeiro».[67] Embora «a analogia entre o casal marido-esposa e Cristo-Igreja» seja uma «analogia imperfeita»,[68] convida a invocar o Senhor para que derrame o seu amor nas limitações das relações conjugais.

74. Vivida de modo humano e santificada pelo sacramento, a união sexual é, por sua vez, caminho de crescimento na vida da graça para os esposos. É o «mistério nupcial».[69] O valor da união dos corpos está expresso nas palavras do consentimento, pelas quais se acolheram e doaram reciprocamente para partilhar a vida toda. Estas palavras conferem um significado à sexualidade, libertando-a de qualquer ambiguidade. Mas, na realidade, toda a vida em comum dos esposos, toda a rede de relações que hão-de tecer entre si, com os seus filhos e com o mundo, estará impregnada e robustecida pela graça do sacramento que brota do mistério da Encarnação e da Páscoa, onde Deus exprimiu todo o seu amor pela humanidade e Se uniu intimamente com ela. Os esposos nunca estarão sós, com as suas próprias forças, a enfrentar os desafios que surgem. São chamados a responder ao dom de Deus com o seu esforço, a sua criatividade, a sua perseverança e a sua luta diária, mas sempre poderão invocar o Espírito Santo que consagrou a sua união, para que a graça recebida se manifeste sem cessar em cada nova situação.

75. No sacramento do matrimónio, segundo a tradição latina da Igreja, os ministros são o homem e a mulher que se casam,[70] os quais, ao manifestar o seu consentimento e expressá-lo na sua entrega corpórea, recebem um grande dom. O seu consentimento e a união dos seus corpos são os instrumentos da acção divina que os torna uma só carne. No baptismo, ficou consagrada a sua capacidade de se unir em matrimónio como ministros do Senhor, para responder à vocação de Deus. Por isso, quando dois cônjuges não-cristãos recebem o baptismo, não é necessário renovar a promessa nupcial sendo suficiente que não a rejeitem, pois, pelo baptismo que recebem, essa união torna-se automaticamente sacramental. O próprio direito canónico reconhece a validade de alguns matrimónios que se celebram sem um ministro ordenado.[71] É que a ordem natural foi assumida pela redenção de Jesus Cristo, pelo que, «entre baptizados, não pode haver contrato matrimonial válido que não seja, pelo mesmo facto, sacramento».[72] A Igreja pode exigir que o acto seja público, a presença de testemunhas e outras condições que foram variando ao longo da história, mas isto não tira, aos dois esposos, o seu carácter de ministros do sacramento, nem diminui a centralidade do consentimento do homem e da mulher, que é aquilo que, de por si, estabelece o vínculo sacramental. Em todo o caso, precisamos de reflectir mais sobre a acção divina no rito nupcial, que aparece muito evidenciada nas Igrejas Orientais ao ressaltarem a importância da bênção sobre os contraentes como sinal do dom do Espírito.

Sementes do Verbo e situações imperfeitas

76. «O Evangelho da família nutre também as sementes ainda à espera de desenvolver-se e deve cuidar das árvores que perderam vitalidade e necessitam que não as transcurem»,[73] de modo que, partindo do dom de Cristo no sacramento, «sejam conduzidas pacientemente mais além, chegando a um conhecimento mais rico e uma integração mais plena deste mistério na sua vida».[74]

77. Assumindo o ensinamento bíblico de que tudo foi criado por Cristo e para Cristo (cf. Col 1, 16), os Padres sinodais lembraram que «a ordem da redenção ilumina e realiza a da criação. Assim, o matrimónio natural compreende-se plenamente à luz da sua realização sacramental: só fixando o olhar em Cristo é que se conhece cabalmente a verdade das relações humanas. “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. (...) Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime” (Gaudium et spes, 22). Em particular é oportuno compreender, em chave cristocêntrica, (...) o bem dos cônjuges (bonum coniugum)»,[75] que inclui a unidade, a abertura à vida, a fidelidade, a indissolubilidade e, no matrimónio cristão, também a ajuda mútua no caminho que leva a uma amizade mais plena com o Senhor. «O discernimento da presença das semina Verbi nas outras culturas (cf. Ad gentes, 11) pode-se aplicar também à realidade matrimonial e familiar. Para além do verdadeiro matrimónio natural, há elementos positivos também nas formas matrimoniais doutras tradições religiosas»,[76] embora não faltem também as sombras. Podemos dizer que «toda a pessoa que deseja formar, neste mundo, uma família que ensine os filhos a alegrar-se por cada acção que se proponha vencer o mal – uma família que mostre que o Espírito está vivo e operante – encontrará gratidão e estima, independentemente do povo, região ou religião a que pertença».[77]

78. «O olhar de Cristo, cuja luz ilumina todo o homem (cf. Jo 1, 9; Gaudium et spes, 22), inspira o cuidado pastoral da Igreja pelos fiéis que simplesmente vivem juntos, que contraíram matrimónio apenas civil ou são divorciados que voltaram a casar. Na perspectiva da pedagogia divina, a Igreja olha com amor para aqueles que participam de modo imperfeito na vida dela: com eles, invoca a graça da conversão; encoraja-os afazerem o bem, a cuidarem com amor um do outro e colocarem-se ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham. (...) Quando a união alcança uma estabilidade notável por meio dum vínculo público – e se reveste de afecto profundo, responsabilidade pela prole, capacidade de superaras provações –, pode ser vista como uma oportunidade a encaminhar para o sacramento do matrimónio, sempre que este seja possível».[78]

79. «Perante situações difíceis e famílias feridas, é preciso lembrar sempre um princípio geral: “Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações” (Familiaris consortio, 84). O grau de responsabilidade não é igual em todos os casos, e podem existir factores que limitem a capacidade de decisão. Por isso, ao mesmo tempo que se exprime com clareza a doutrina, há que evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diferentes situações, e é preciso estar atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição».[79]

A transmissão da vida e a educação dos filhos

80. O matrimónio é, em primeiro lugar, uma «íntima comunidade da vida e do amor conjugal»,[80]que constitui um bem para os próprios esposos;[81]e a sexualidade «ordena-se para o amor conjugal do homem e da mulher».[82]Por isso, também «os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando».[83]Contudo, esta união está ordenada para a geração «por sua própria natureza».[84]O bebé que chega «não vem de fora juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no próprio coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento».[85]Não aparece como o final dum processo, mas está presente desde o início do amor como uma característica essencial que não pode ser negada sem mutilar o próprio amor. Desde o início, o amor rejeita qualquer impulso para se fechar em si mesmo, e abre-se a uma fecundidade que o prolonga para além da sua própria existência. Assim nenhum acto sexual dos esposos pode negar este significado,[86]embora, por várias razões, nem sempre possa efectivamente gerar uma nova vida.

81. O filho pede para nascer, não de qualquer maneira, mas deste amor, porque ele «não é uma dívida, mas uma dádiva»,[87] que é «o fruto do acto específico do amor conjugal de seus pais».[88] Com efeito, «segundo a ordem da criação, o amor conjugal entre um homem e uma mulher e a transmissão da vida estão ordenados reciprocamente (cf. Gn 1, 27-28). Deste modo, o Criador tornou participantes da obra da sua criação o homem e a mulher e, ao mesmo tempo, fê-los instrumentos do seu amor, confiando à sua responsabilidade o futuro da humanidade através da transmissão da vida humana».[89]

82. Os Padres sinodais referiram que «não é difícil constatar como se está espalhando uma mentalidade que reduza geração da vida a uma variável dos projectos individuais ou dos cônjuges».[90] A doutrina da Igreja «ajuda a viver de maneira harmoniosa e consciente a comunhão entre os cônjuges, em todas as suas dimensões, juntamente com a responsabilidade geradora. É preciso redescobrira mensagem da Encíclica Humanae vitae de Paulo VI, que sublinha a necessidade de respeitar a dignidade da pessoa na avaliação moral dos métodos de regulação da natalidade. (...)A escolha da adopção e do acolhimento exprime uma fecundidade particular da experiência conjugal».[91] Com particular gratidão, a Igreja «apoia as famílias que acolhem, educam e rodeiam de carinho os filhos deficientes».[92]

83. Neste contexto, não posso deixar de afirmar que, se a família é o santuário da vida, o lugar onde a vida é gerada e cuidada, constitui uma contradição lancinante fazer dela o lugar onde a vida é negada e destruída. É tão grande o valor duma vida humana e inalienável o direito à vida do bebé inocente que cresce no ventre de sua mãe, que de modo nenhum se pode afirmar como um direito sobre o próprio corpo a possibilidade de tomar decisões sobre esta vida que é fim em si mesma e nunca poderá ser objecto de domínio doutro ser humano. A família protege a vida em todas as fases da mesma, incluindo o seu ocaso. Por isso, «a quem trabalha nas estruturas sanitárias, lembra-se a obrigação moral da objecção de consciência. Da mesma forma, a Igreja não só sente a urgência de afirmar o direito à morte natural, evitando o excesso terapêutico e a eutanásia», mas também «rejeita firmemente a pena de morte».[93]

84. Os Padres quiseram sublinhar também que «um dos desafios fundamentais que as famílias enfrentam hoje é seguramente o desafio educativo, que se tornou ainda mais difícil e complexo por causa da realidade cultural actual e da grande influência dos meios de comunicação».[94] «A Igreja desempenha um papel precioso de apoio às famílias, a começar pela iniciação cristã, através de comunidades acolhedoras».[95] Mas parece-me muito importante lembrar que a educação integral dos filhos é, simultaneamente, «dever gravíssimo» e «direito primário» dos pais.[96] Não é apenas um encargo ou um peso, mas também um direito essencial e insubstituível que estão chamados a defender e que ninguém deveria pretender tirar-lhes. O Estado oferece um serviço educativo de maneira subsidiária, acompanhando a função não-delegável dos pais, que têm direito de poder escolher livremente o tipo de educação – acessível e de qualidade – que querem dar aos seus filhos, de acordo com as suas convicções. A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento. Este é um princípio básico: «qualquer outro participante no processo educativo não pode operar senão em nome dos pais, com o seu consenso e, em certa media, até mesmo por seu encargo».[97] Infelizmente, «abriu-se uma fenda entre família e sociedade, entre família e escola; hoje, o pacto educativo quebrou-se; e, assim, a aliança educativa da sociedade com a família entrou em crise».[98]

85. A Igreja é chamada a colaborar, com uma acção pastoral adequada, para que os próprios pais possam cumprir a sua missão educativa; e sempre o deve fazer, ajudando-os a valorizar a sua função específica e a reconhecer que quantos recebem o sacramento do matrimónio são transformados em verdadeiros ministros educativos, pois, quando formam os seus filhos, edificam a Igreja[99] e, fazendo-o, aceitam uma vocação que Deus lhes propõe.[100]

A família e a Igreja

86. «Com íntima alegria e profunda consolação, a Igreja olha para as famílias que permanecem fiéis aos ensinamentos do Evangelho, agradecendo-lhes pelo testemunho que dão e encorajando-as. Com efeito, graças a elas, torna-se credível a beleza do matrimónio indissolúvel e fiel para sempre. Na família, “como numa igreja doméstica” (Lumen gentium, 11), amadurece a primeira experiência eclesial da comunhão entre as pessoas, na qual, por graça, se reflecte o mistério da Santíssima Trindade. “É aqui que se aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e sempre renovado, e sobretudo o culto divino, pela oração e pelo oferecimento da própria vida” (Catecismo da Igreja Católica, 1657)».[101]

87. A Igreja é família de famílias, constantemente enriquecida pela vida de todas as igrejas domésticas. Assim, «em virtude do sacramento do matrimónio, cada família torna-se, para todos os efeitos, um bem para a Igreja. Nesta perspectiva, será certamente um dom precioso, para o momento actual da Igreja, considerar também a reciprocidade entre família e Igreja: a Igreja é um bem para a família, a família é um bem para a Igreja. A salvaguarda deste dom sacramental do Senhor compete não só à família individual, mas a toda a comunidade cristã».[102]

88. O amor vivido nas famílias é uma força permanente para a vida da Igreja. «O fim unitivo do matrimónio é um apelo constante a crescer e aprofundar este amor. Na sua união de amor, os esposos experimentam a beleza da paternidade e da maternidade; partilham projectos e fadigas, anseios e preocupações; aprendem a cuidar um do outro e a perdoar-se mutuamente. Neste amor, celebram os seus momentos felizes e apoiam-se nos episódios difíceis da história da sua vida. (...)A beleza do dom recíproco e gratuito, a alegria pela vida que nasce e a amorosa solicitude de todos os seus membros, desde os pequeninos aos idosos, são apenas alguns dos frutos que tornam única e insubstituível a resposta à vocação da família»,[103] tanto para a Igreja como para a sociedade inteira.

Fonte: Vatican News

sábado, 5 de junho de 2021

A Síria e o Oriente Médio

O presidente Giorgio Napolitano com o presidente
sírio Bashar al-Assad em Damasco, a 18 de março de 2010

[© Associated Press/LaPresse]
Março de 2010

A Síria e o Oriente Médio


A visita de Estado do presidente da República Italiana Giorgio Napolitano à Síria, em 18 de março passado, enquadra-se em uma longa tradição de amizade e cooperação entre a Itália e a Síria, um país-chave para o Oriente Médio, o qual sem dúvida, representa a área mais densa de contrastes e de preocupações


Giulio Andreotti


A visita de Estado do presidente da República Italiana Giorgio Napolitano à Síria, em 18 de março passado, enquadra-se em uma longa tradição de amizade e cooperação entre a Itália e a Síria, um país-chave para o Oriente Médio, o qual – mesmo que não se possa dizer que o resto do mundo tenha sido nas últimas décadas e seja até agora um oásis de paz – sem dúvida, representa a área mais densa de contrastes e de preocupações.


Contrastes que até alguns anos atrás pareciam insuperáveis e que hoje, em alguns momentos, mostram frágeis possibilidades de soluções, que devem a todo custo ser levadas a progredir, sob pena de deteriorarem-se as situações e os conflitos.


A Síria, seja pela sua posição geográfica, seja por algumas características únicas no mundo dos seus habitantes, seja pela sua grande tradição e cultura, tem uma influência notável nos equilíbrios médio-orientais. Conta com um tal peso que, às vezes, quem do exterior dirige um olhar míope ou desconfiado, chega até mesmo a acusá-la injustamente de influências e cumplicidades com fenômenos eversivos, dos quais, ao invés, seria preciso entender melhor o como, o onde e o porquê nasçam.


Eu também fiz várias viagens à Síria e cada vez que atravessava a fronteira dava-me conta da sua grande tradição. Uma vez, por exemplo, fiquei muito impressionado com a longa descrição que o presidente sírio Hafiz al-Assad fez-me da figura de São Maron, surpreso que eu, católico, o conhecesse tão pouco. Em junho completarão dez anos da morte desse grande estadista que falava muito pouco, mas nas suas poucas palavras condensava uma tal sabedoria comunicativa que deixava todos fascinados.


De modo inteligente, com uma modificação da Constituição, o Parlamento sírio consentiu ao filho de Assad, Bashar, a suceder seu pai. Conservo muitas recordações de Hafiz al-Assad, uma delas a disponibilidade em procurar nos ajudar a sair do delicado caso do “Achille Lauro”: mesmo preferindo não ser envolvido, disse-me que estava disponível em aceitar o pedido dos terroristas de desembarcarem na Síria. Porém, os Estados Unidos, temendo que os terroristas depois de chegarem em solo sírio conseguissem escapar, contestaram a solução. O trágico epílogo é conhecido.


Justamente em tema de relações com os Estados Unidos, recordo a desilusão de Assad quando Washington apoiou um acordo entre Líbano e Israel. Não apenas porque há profundas raízes que ligam a Síria ao Líbano – raízes que o tempo talvez atenue mas não pode cancelar e que explicam a influência estabilizadora da Síria sobre o País dos Cedros –, mas também porque Assad sempre esteve convicto de que a paz com os israelenses deveria ser simultânea com todos os vizinhos (palestinos, Líbano, Jordânia e Síria). “Não quero acabar como os Horácios e os Curiácios” disse-me às vésperas da Conferência de Madri de 1991, à qual aceitou participar mesmo céptico sobre as reais possibilidades que da conferência nascesse um caminho positivo. O que aconteceu depois consentiu – também aos que na época, não entendendo o que estava acontecendo, comportaram-se com soberbia dando juízos apressados sobre Assad e a Síria – de rever as próprias posições. Ter abandonado a simultaneidade desejada por Assad foi fruto daquela difusa miopia que nos impede de ver bem situações que precisam não só de uma vista perfeita, mas também de grandes ouvidos intencionados a ouvir. Mais tarde, como acontece com frequência, quando nos damos conta dos erros já tarde demais, tentam-se retificações, vãs, porque chegam quando a situação está novamente modificada.


A Itália tem uma posição irrepreensível e deve conservá-la. Não nos perturbamos quando os facciosos pretendiam interpretar o nosso esforço de paz como uma tomada de posição unilateral e polêmica. Nós devemos apenas evitar considerar resolvido o que é ainda um itinerário difícil e não breve.


O presidente Napolitano, na sua declaração à imprensa no final do encontro com o presidente Bashar al-Assad, não recordou apenas o papel da Síria no processo de paz no Oriente Médio, mas também o empenho da Itália e da União Europeia para a restituição das colinas de Golan à Síria, a necessidade de enfrentar a grave situação humanitária em Gaza e a contribuição da Síria à solução pela negociação do problema nuclear iraniano. Um problema, este último, que pode ter repercussões positivas a partir da decisão dos Estados Unidos e Rússia de sentarem-se à mesa a tempo para uma drástica redução dos arsenais nucleares. De fato, devemos cada vez mais nos habituarmos à interdependência dos fatos que acontecem no mundo: não há um lugar onde possa se desenvolver um processo ou um acontecimento, sem que este não tenha algumas consequências sobre os que estão próximos e às vezes sobre os que estão mais longe. No discurso de Napolitano não faltou uma passagem sobre as preocupações causadas pelas recentes decisões do governo israelense de autorizar novas construções e assentamentos em Jerusalém Leste. As consequências podem ser graves, mas, ainda que se incline a pensar que em Israel há pessoas que amam pouco a paz, continuo com o pensamento de que é somente na paz que o interesse efetivo das pessoas possa encontrar resposta. E que a maioria dos israelenses pensa assim. Fatos como esse, porém, demonstram que não há alternativa ao escolher o caminho certo e acentuam a importância do processo de paz, porque se as coisas não caminham na direção certa, por mais longa e difícil que seja, podem também rapidamente se degenerar.


Fonte: Revista 30Dias

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF