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terça-feira, 6 de julho de 2021

Aquela necessidade de sombra

Crédito: osservatoreromano.va

Em 2003, o cineasta português Manoel de Oliveira, com mais de noventa anos, realizou um filme falado. Num dia de nevoeiro, uma professora universitária de história e a sua filha de quase oito anos embarcam de Lisboa para empreender numa viagem marítima que as levará à Índia, onde está o marido da mulher e pai da menina. Durante a viagem, o navio faz escala em várias cidades: Marselha, Nápoles, Pompeia, Atenas, Istambul, Cairo.

Graças às perguntas curiosas da menina, cada passeio fora do navio torna-se uma oportunidade para descobrir episódios mais ou menos conhecidos na história das civilizações egípcia, grega, romana e árabe, até às viagens geográficas de exploração dos primórdios da era moderna. Um percurso que descreve a grandeza da civilização, mas que também se detém nas suas muitas contradições trágicas: da escravidão às guerras, do colonialismo à intolerância. Além disso, o filme propõe uma reflexão sobre o papel da língua, ou melhor, das línguas, como instrumentos capazes de garantir a comunicação e a compreensão, para além das fronteiras políticas. Pode acontecer, então, que o capitão do navio, de origem americana, uma mulher de negócios francesa, uma ex-modelo italiana e uma atriz e cantora grega se sentem à mesma mesa, falem cada qual a própria língua e, no entanto, se entendam perfeitamente. Irá um ataque terrorista pôr fim a este idílio? Será que a violência aniquilará a beleza e a esperança? Esta é a pergunta, sem resposta, com que o filme se conclui.

Ao ler Uma gramática simples do humano, o livro do cardeal José Tolentino de Mendonça, arquivista e bibliotecário da Santa Igreja Romana, tive a impressão de ter novamente diante dos meus olhos cenas da obra de Oliveira. Com efeito, como o seu compatriota, Tolentino acompanha-nos num itinerário entre as palavras e as coisas que definem o que somos ou o que devemos ser: do “ ” ao “ ”. A viagem para a qual o autor nos convida tem muitos traços em comum com aquele que a professora e a sua filha fazem em Um filme falado: tanto ali como aqui são enfatizadas as pequenas glórias momentâneas dos seres humanos e ao mesmo tempo são reveladas as suas grandes e intensas fraquezas. Se se tivesse de indicar um centro em torno do qual se move a trama do livro de Tolentino, poder-se-ia dizer que se trata da amizade. Além da rubrica específica, o livro questiona constantemente a importância da relação entre nós e os outros para a condução de uma “vida boa”.

A amizade, afirma Tolentino, é um bem inestimável, talvez superior ao amor, porque se baseia na completa igualdade, dom, aceitação e respeito pela autonomia. A amizade é capaz de superar distâncias de espaço e tempo: podemos ser amigos mesmo que estejamos a milhares de quilómetros, mesmo que não nos vejamos regularmente, e voltar a ser amigos depois de anos sem nos vermos. Os amigos conhecem as nossas aspirações, as nossas alegrias e acima de tudo as nossas dificuldades, ou seja, são testemunhas da nossa existência. Contudo, eles aceitam que em nós existam áreas sombrias, que exista um espaço escondido e inacessível. Ser amigo implica saber ouvir e estar disposto à compaixão, aceitar uma parte da dor do próximo, sem nunca se arvorar em juiz do sofrimento e da fragilidade do outro. Por esta razão, Tolentino lembra-nos que a amizade é um exercício tão difícil e ao mesmo tempo tão indispensável para tornar a solidão humana menos dolorosa.

Um exercício tanto mais necessário hoje, quando demasiadas vezes nos sentimos privados de referências e certezas ao enfrentar o presente. O vocabulário desenvolvido por Tolentino sugere que devemos aprender a aceitar as nossas ansiedades e dúvidas, interpretando-as não como limitações, mas como elementos constitutivos da condição humana. Somos seres humanos precisamente porque cultivamos a inquietação e a dúvida, porque estamos perpetuamente à procura de algo que pensamos que nos irá completar. Seria oportuno, continua Tolentino, recuperar o valor da infância, entendida não tanto como uma determinada fase da existência, da qual sentimos falta, mas como uma forma de viver, caraterizada por um olhar aberto e livre sobre o mundo, semelhante ao da pequena protagonista de Um filme falado, que tem a coragem de fazer perguntas, sem se envergonhar da sua simplicidade. Voltar a ser criança significa construir momentos de tranquilidade que nos permitem admirar-nos de novo perante a realidade: não é verdade que da maravilha nasce o pensamento, como diziam os antigos? Usando uma bonita imagem, Tolentino escreve que precisamos de sombra, para nos retemperarmos das fadigas da vida quotidiana, para nos libertarmos pelo menos durante algum tempo da luz ofuscante do sol.

Quando chegardes à última página deste livro, parecer-vos-á que o autor quis entregar-nos um léxico precioso e delicado para as nossas sociedades infelizes.

Giovanni Cerro

Fonte: https://www.osservatoreromano.va/

Quais são as virtudes que nos animam nas aflições?

Guadium Press
Embora experimentemos algumas alegrias, mesmo passageiras, a tristeza é parte integrante de nossa vida. O que fazer para não perder a paz de alma?

Redação (02/07/2021 11:58Gaudium Press) Certo homem acorda bem disposto, e recebe notícias alvissareiras: a cura de um parente querido, a entrega de seu carro novo e, chegando ao trabalho, o aviso de aumento salarial.

Poucos dias depois, contudo, o panorama muda: ele se levanta com enxaqueca após uma noite de insônia, na véspera batera o novo veículo com perda total sem seguro, o “aumento” fora mera brincadeira de mau gosto de alguns colegas, e ele, na realidade, acabara despedido…

Assim, se acompanharmos o dia a dia de cada pessoa, observaremos passar ela, ao ritmo das circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis, por sucessivos estados de alegria e de tristeza.

Esta é a regra de vida de todo homem, de toda mulher, neste vale de lágrimas: a partir do momento em que Adão foi condenado por Deus, em consequência do pecado original, a comer o pão com o suor de seu rosto (cf. Gn 3, 19), “a vida do homem sobre a Terra é uma luta” (Jó 7, 1)!

Naturalmente, há tristezas maiores e profundíssimas, enquanto outras são menores e superficiais. Embora experimentemos algumas alegrias, mesmo passageiras, a tristeza é parte integrante de nossa vida, e recusar esta verdade é negar a realidade do mundo em que vivemos, onde todos somos sujeitos à alternância entre alegrias e tristezas.

Felicidade celeste

No Céu, entretanto, não existe aflição: a posse de Deus, fonte absoluta de toda felicidade possível, só permite a alegria plena, intensíssima e definitiva… Tendo alcançado a meta das metas (cf. II Tim 4, 7), depois de uma vida de semi-luzes e semi-sombras, como é possível estar triste?!

Guadium Press

Por isto, é também característica dos Santos Anjos estarem sempre repletos de uma alegria sincera, profunda e comunicativa. Anjo triste? Não existe!

Infelizmente, é muitas vezes para “anjos” de outra espécie que o homem se volta em busca de gozos terrenos; e pactuar com o demônio é assaz comum quando se trata de saciar a própria sede de dinheiro, poder ou sensualidade…

Ora, “homicida desde o princípio” e “pai da mentira” (Jo 8, 44), satanás não é apenas inimigo jurado de Deus e dos bons, mas também o paradigma da infelicidade total (cf. Mt 25, 41; 8, 12).

Como pode proporcionar felicidade aos outros aquele que não logra ser minimamente feliz ele mesmo? Por isto, quem a ele recorre se enreda, em troca de alguma vantagem passageira, numa espiral de malogros e aflições que duram, com frequência, até o fim da vida.

Nesta Terra, o caminho da verdadeira felicidade se encontra, pois, em viver em função de Deus. Com efeito, a fé n’Ele e a esperança na vida eterna são as virtudes que nos alentam a enfrentar as agruras inerentes à condição de viajantes.

Por isto, a alegria participativa da felicidade celeste, vivida nesta Terra pela fé, é um traço característico dos Santos, porquanto exclamava São Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos!”.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n.146, julho 2015.

Fonte: https://gaudiumpress.org/

Faleceu padre Swamy, preso por 9 meses por defender os indígenas

O jesuíta indiano padre Stan Swamy tinha 84 anos |
Vatican News

Condolências pela morte do padre Stan Swamy, o jesuíta de 84 anos que faleceu nesta segunda-feira em Mumbai, Índia. Ele havia sido preso sob a acusação de terrorismo por seu compromisso com os povos tribais.

Lisa Zengarini - Cidade do Vaticano

Ele havia sido hospitalizado em 29 de maio no Hospital católico da Sagrada Família em Mumbai, devido ao agravamento de seu estado de saúde após contrair Covid-19 na prisão. O Supremo Tribunal do Estado de Maharashtra havia lhe concedido a prorrogação da internação até 5 julho.

O idoso sacerdote jesuíta indiano, ativista pelos direitos indígenas no Estado de Jharkhand, preso em outubro passado sob acusação de terrorismo, morreu por volta das 13h30, horário local, (9h00 em Roma) na unidade de terapia intensiva do hospital católico administrado pelas Ursulinas de Maria Imaculada, enquanto seu último recurso ainda estava sendo discutido no Tribunal para obter sua libertação sob fiança. Libertação que nestes meses de detenção lhe foi negada reiteradas vezes, apesar da doença do Parkinson, da idade avançada  - ele tinha 84 anos - e dos inúmeros apelos pela sua libertação.

A história

Padre Swamy foi preso em 8 de outubro de 2020, pela Agência Antiterrorismo Indiana (NIA, sigla em inglês), juntamente com outros 15 ativistas sociais pelos direitos dos Adivasi (povos indígenas), todos acusados, de acordo com o "Ato de prevenção de atividades ilícitas" (UAPA), de terrorismo e cumplicidade com os rebeldes maoístas e, em particular, de um suposto envolvimento nos motins que eclodiram em 2018 em Bhima-Koregaon, no Estado de Maharashtra. Acusações sempre rejeitadas pelo sacerdote, que as considerava desprovidas de qualquer fundamento.

Nos últimos meses, houve inúmeras iniciativas e mobilizações para pedir sua libertação. A começar pelos apelos dos confrades da Companhia de Jesus, entre os quais uma das vozes mais ativas foi a do padre Cedrik Prakash, também há anos comprometido com os direitos humanos na Índia, que lançou nas redes sociais as hashtags #StandwithStan e #FreeStanSwamy.

Os apelos

Também os bispos e religiosos da Índia intervieram repetidamente no caso. Em outubro, a Conferência Episcopal da Índia (CBCI) falou de uma "prisão incompreensível", reafirmando o grande compromisso do sacerdote com a proteção dos direitos dos povos indígenas.

Os bispos também recordaram que “os católicos na Índia sempre foram elogiados por todos como uma comunidade de cidadãos leais, que respeitam a lei e estão a serviço da 'Mãe Índia'. Sempre contribuíram para a construção da nação e continuam a colaborar com o governo para o bem comum de todos os indianos e para o progresso do nosso país”.

O caso do padre Swamy também foi levantado pelos cardeais Oswald Gracias, George Alencherry, Baselios Cleemis, durante um encontro com o primeiro-ministro Narendra Modi em 20 de janeiro passado, mas sem sucesso.

A essas intervenções somou-se depois o apelo da Federação das Conferências Episcopais Asiáticas (FABC): "A prisão e encarceramento implacável do padre Stan Swamy nos recordam o tratamento reservado a Mahatma Gandhi quando lutou pelos direitos do povo indiano", haviam escrito os bispos asiáticos. O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos também tratou da situação do clérigo.

Stanislaus Lourduswamy, este é seu nome completo, nasceu em 26 de abril de 1937 em Trichy, Tamil Nadu. Ingressou na Companhia de Jesus em 1957 e fez os votos perpétuos como jesuíta em 22 de abril de 1981, 11 anos após sua ordenação sacerdotal. Exerceu os primeiros anos de seu ministério sacerdotal como assistente social em Jamshedpur e Chaibasa, no Estado de Jharkhand, para onde mais tarde retornou na década de 1990 para realizar atividades sociais ao lado dos Adivasis. Em 1997 ele foi para Ranchi, onde permaneceu até sua prisão em outubro, quando então foi transferido para a prisão de Taloja, em Mumbai.

Fonte: Vatican News

Papa Francisco fala a cientistas sobre fé e ciência: colaboração, não oposição

Antoine Mekary | ALETEIA
Por Francisco Vêneto

"A ciência é um grande recurso para a construção da paz", disse ele.

O Papa Francisco falou a cientistas sobre fé e ciência e reforçou o convite para que haja maior colaboração, não oposição. A mensagem, em vídeo, foi divulgada no contexto do Encontro Internacional “A Ciência pela Paz”, organizado pela Universidade italiana de Teramo, nestes dias 2 e 3 de julho, por ocasião do Jubileu do Santuário de São Gabriel, que se situa justo ao lado do Instituto Nacional de Física Nuclear.

Francisco afirmou, na mensagem, que esse encontro era um grande “presente de esperança para toda a humanidade”. E corroborou:

“Vemos neste momento a necessidade de um relançamento da pesquisa científica a fim de enfrentar os desafios da sociedade contemporânea. E fico feliz que seja a comunidade diocesana de Teramo que esteja promovendo este encontro, dando assim testemunho de que não pode nem deve haver oposição entre fé e ciência”.

Fé e ciência: colaboração, não oposição

O Papa evocou o que já havia escrito na encíclica Fratelli tutti:

“É urgente conhecer a realidade para construir juntos. Para que o desejo de conhecimento, que se esconde no coração de cada homem e de cada mulher, possa crescer e se desenvolver, a pesquisa científica deve colocar o seu conhecimento a serviço de todos, buscando sempre novas formas de colaboração, o intercâmbio de resultados e de construção de redes”.

No tocante à pandemia, Francisco disse:

“A experiência da emergência sanitária, mais do que nunca, e de certo modo com maior urgência, pede ao mundo da ciência para repensar as perspectivas da prevenção, da terapia e da organização da saúde, levando em conta as repercussões antropológicas ligadas à convivência social e a qualidade das relações entre familiares e entre as gerações”.

Ele também chamou a atenção para o seguinte cuidado:

“Nenhum conhecimento científico deve caminhar sozinho e sentir-se autossuficiente. A realidade histórica é cada vez mais uma realidade única e deve ser servida pela pluralidade de conhecimentos que, em sua especificidade, contribuem para o crescimento de uma nova cultura capaz de construir a sociedade, promovendo a dignidade e o desenvolvimento de cada homem e de cada mulher”.

Francisco exortou:

“Diante dos novos desafios, a vocês, queridos amigos da ciência, é confiada a tarefa de testemunhar que é possível construir um novo vínculo social, comprometendo-se a fazer a pesquisa científica próxima de toda a comunidade, da local à internacional, e que, juntos, é possível superar qualquer conflito. A ciência é um grande recurso para a construção da paz!”

O Papa encerrou pedindo:

“Acompanhem a formação das novas gerações ensinando-lhes a não terem medo do esforço da pesquisa. O Mestre também se faz procurar: Ele infunde em todos a certeza de que, quando se busca com honestidade, encontra-se a verdade. Esta mudança de época precisa de novos discípulos do conhecimento, e vocês, queridos cientistas, são os mestres de uma nova geração de construtores de paz”.

Fonte: Aleteia 

A bela oração de São João Paulo II a Santa Maria Goretti

São João Paulo II diante dos restos mortais de Santa Maria Goretti.
Crédito: Santuario Nettuno.it

REDAÇÃO CENTRAL, 06 jul. 21 / 07:00 am (ACI).- O querido Papa São João Paulo II não apenas visitou o Santuário de Nettuno em 1979, onde repousam os restos de Santa Maria Goretti, como também compôs uma bela oração que apresentamos nesta matéria.

Em 6 de julho, é a festa desta menina de onze anos que foi morta com 14 facadas por resistir a um estupro e que, antes de morrer, perdoou seu assassino. O Papa Pio XII, que a canonizou em 1950, a definiu como "pequena e doce mártir da pureza".

Anos mais tarde, São João Paulo II visitou o Santuário de Maria Goretti e compôs a seguinte oração a Marietta, como chamavam carinhosamente a pequena santa.

"Menina de Deus, tu que conheceste logo a dureza e a fadiga,

a dor e as breves alegrias da vida,

tu que foste pobre e órfã,

tu que amaste ao próximo, tornando-te uma serva humilde e disponível,

tu que foste boa e amaste Jesus acima de todas as outras coisas,

tu que derramaste o teu sangue para não trair o Senhor,

tu que perdoaste o teu assassino,

intercede e reza para que digamos sim ao desígnio de Deus para nós.

Agradecemos a ti, Marietta, pelo amor a Deus e pelos irmãos,

que semeaste em nossos corações.

Amém".

Em 7 de julho de 2002, um dia após a celebração do centenário da morte da Santa, São João Paulo II lembrou-a na oração do Ângelus no Vaticano.

"Eu quis recordar esta data importante com uma especial Mensagem enviada ao Bispo de Albano, realçando a atualidade desta Mártir da pureza, que desejo mais conhecida pelos adolescentes e pelos jovens", afirmou então o Papa polonês.

"Santa Maria Goretti é um exemplo para as novas gerações, ameaçadas por uma mentalidade sem obrigações, que tem dificuldade em compreender a importância dos valores sobre os quais nunca é lícito chegar a compromissos".

O Pontífice destacou que “apesar de ser pobre e de não ter instrução escolar, Maria, que ainda não tinha doze anos, possuía uma personalidade forte e madura, formada pela educação religiosa que recebeu na família. Isto fez com que ela fosse capaz não só de defender a própria pessoa com castidade heroica, mas até de perdoar ao seu algoz”.

"O seu martírio recorda que o ser humano não se realiza seguindo os impulsos do prazer, mas vivendo a própria vida no amor e na responsabilidade", enfatizou.

Aos jovens incentivou a que, seguindo o exemplo de Maria Goretti, “não deixeis que a cultura do ter e do prazer adormeça as vossas consciências! Sede ‘sentinelas’ acordadas e vigilantes, para serdes autênticos protagonistas de uma nova humanidade".

Fonte: ACI Digital

Santa Maria Goretti, Virgem e Mártir

S. Maria Goretti, Riccardo Sanna | Vatican News
06 de julho

“Um anjo de filha”
Quem a conhecia, em Ferriere de Conca, uma fração da província de Latina, a chamava de Mariazinha, secundogênita de Luís Goretti e Assunta Carlini, camponeses que emigraram, com seis filhos, para a lavoura na região da Pontina, provenientes de Corinaldo, na província de Ancona. Ele nasceu naquela cidadezinha das Marcas em 16 de outubro de 1890.

Testemunha da fé também nas dificuldades
Afabilidade, generosidade e pureza de coração eram as características da índole da pequena Maria; a menina sempre se dedicava aos trabalhos domésticos e aos cuidados dos irmãos menores, enquanto os pais exerciam, sem cessar, o massacrante trabalho na lavoura.
Sua fé e assiduidade na oração, especialmente o Rosário, jamais faltaram em sua vida, nem quando, com a idade de dez anos, sofreu pela perda de seu amado pai, acometido pela malária. Contudo, os sofrimentos não influenciaram no ânimo de Mariazinha; pelo contrário, a partir daquele momento, sentiu o dever de consolar a mãe, que ficara sozinha para cuidar da família.

O desejo da Santa Comunhão
As condições econômicas precárias levaram a família Goretti a associar-se, por necessidade, à família Serenelli, que morava na mesma granja, que também trabalhava no campo agrícola de propriedade do conte Mazzoleni.
Enquanto o pai e o filho da família Serenelli trabalhavam na lavoura e Assunta cuidava dos filhos, Maria se ocupava de vender ovos, na distante cidade de Netuno, preparar a comida para os camponeses e remendar as roupas. As intensas atividades da menina jamais diminuíram seu desejo de rezar: apesar de ser analfabeta, em 1902, com apenas onze anos, pediu e obteve a permissão de receber o sacramento da Comunhão, um ano antes do previsto. Estava disposta a renunciar a horas de sono para poder participar da Missa dominical em Campomorto, situado a vários quilômetros da sua casa.

A cruz e o silêncio
A perturbar a paz espiritual, que Mariazinha sempre havia nutrido em seu coração, foi o momento em que, tendo-se desenvolvido fisicamente, ela se tornou objeto de morbosas atenções de Alexandre Serenelli, dezoito anos, até então considerado como um irmão. O jovem procurou, com insistência, seduzir Maria, que sempre o rejeitou, convidando-o a não ofender a Deus; ele a ameaçava de morte se ela falasse à família sobre as suas insinuações. O silêncio foi-lhe uma pesada cruz para carregar. Mas, a menina, evitando agravar as relações, já tensas, entre as duas famílias, encontrou conforto em suas confidências à Virgem.

O martírio e a canonização
No dia 5 de julho de 1902, enquanto as famílias Serenelli e Goretti trabalhavam na lavoura e Maria se encontrava sozinha em casa, Alessandro a agrediu e tentou violentá-la: “Não! Deus não quer. Você vai para o inferno!”. Assim a menina o advertia, para manter a sua pureza. Então, obcecado pela raiva, o jovem começou a feri-la à morte com diversos golpes de arma pontiaguda. No dia seguinte, antes de expirar, a pequena perdoou o algoz, confiando à mãe seu íntimo desejo de que ele pudesse se encontrar com ela no Paraíso.
Condenado à prisão, o rapaz se converteu, em 1910 e, depois de cumprir a pena, em 1928, pediu perdão a Assunta Goretti, com quem se aproximou da Comunhão.
Por desejo de Pio XII, no dia 24 de junho de 1940, Mariazinha foi beatificada. Em 1950, por ocasião da sua canonização, entre uma imensa multidão, estavam presentes o rapaz e a mãe enferma.
Os restos mortais da virgem e mártir descansam no Santuário de Nossa Senhora das Graças, meta de numerosas peregrinações.

Fonte: Vatican News

segunda-feira, 5 de julho de 2021

A Igreja Católica admite a predestinação?

Editora Cléofas
Por Prof. Felipe Aquino

“Afinal a doutrina católica admite ou não a predestinação? Em que se distinguiria do fato ou do destino a predestinação?”

Abordamos aqui uma das questões mais elevadas da fé cristã. Para penetrá-la, o estudioso tem que se resolver a não se deixar levar pelo sentimentalismo nem pelo antropocentrismo. Mas estritamente pelos dados da Revelação, que é sobrenatural (não, porém, anti-natural) e teocêntrica.

A questão da predestinação se prenda à do mal, de que trata “Pergunte e Responderemos” nº 5/1957 qu. 1. Tenha-se em vista o que aí se diz: 1) a possibilidade de errar é inerente ao conceito mesmo da criatura; 2) esta possibilidade se realizou no mundo quando o primeiro homem cometeu livremente o erro ou o mal moral, o pecado; 3) os males físicos (misérias e morte) são consequências do pecado; 4) a culpa dessas desordens recai em última análise sobre o livro arbítrio do homem, não sobre Deus; 5) Este se apiedou da criatura, tomando a sua sorte na Encarnação e na morte de cruz, a fim de dar valor salvífico ao sofrimento.

Entremos agora no tema da predestinação.

Conceito e existência da predestinação

Por predestinação entende-se em Teologia o desígnio, concebido por Deus, de levar a criatura racional (o homem) ao fim sobrenatural, que é a vida eterna. Note-se logo que este desígnio tem por exclusivo objeto a bem-aventurança celeste; não há predestinação para o mal ou o inferno.

A Sagrada Escritura atesta amplamente a existência de tal desígnio no Criador. De um lado, ela ensina que a Boa Notícia da salvação deve ser anunciada a todos os povos (cf. Mt 28,19) e que Deus quer “sejam salvos todos os homens e cheguem ao conhecimento da verdade” (cf. 1 Tim 2,4). De outro lado, ela também diz que há homens que se perdem (cf. Jô 17,12) e que o Senhor exerce uma providência especial para salvar os que não se perdem:

“Sabemos que, com aqueles que O amam, Deus colabora em tudo para o bem dos mesmos, daqueles que Ele chamou segundo o seu desígnio. Pois, aqueles que de ante-mão Ele conheceu, Ele também os predestinou a reproduzir a imagem de seu Filho… E, aqueles que Ele predestinou, Ele também os chamou (à fé); os que Ele chamou, Ele também os justificou (mediante o batismo); os que Ele justificou, Ele também os glorificou” (Rom 8,28-30).

Cf. Ef 1,3-6; Rom 9,14; 11,33; Mt 20,23; 22,14; 24,22-24; Jô 6,39; 10,28.

Na base destes textos, não resta dúvida entre os teólogos, desde o início do Cristianismo, sobre o fato da predestinação. Vejamos agora um ponto mais árduo.

O modo como Deus predestina

Está claro que o homem, como ser essencialmente relativo, depende do Criador não somente quanto ao seu existir, mas também quanto ao agir; já que ele nada é por si mesmo, também nada pode por si. É Deus, pois, quem lhe outorga o dom de praticar atos bons e, mediante os seus atos bons, chegar ao último fim, à bem-aventurança eterna. Esta conclusão se torna particularmente imperiosa se se tem em vista o caso do cristão: este é chamado a um fim sobrenatural (a visão de Deus face a face), objetivo que, ultrapassando todas as exigências da natureza, só por graça de Deus sobrenatural pode ser alcançado.

Estas proposições, claras em si mesmas, suscitam sério problema desde que se indague: como conciliar a primazia da ação de Deus no homem com a liberdade de arbítrio da criatura? Não se torna vã esta última debaixo daquela? Ou, vice-versa, não deve aquela retroceder para que seja esta salva guardada?

A fim de resolver a questão, dois sistemas são propostos pelos teólogos:

1. O sistema molinista: segundo L. Molina S. J. (+ 1600), Deus oferece a sua graça a todo homem; este, posto diante da oferta, livremente escolhe aceitá-la ou não; caso a aceite, a graça se torna eficiente, e induz o homem a praticar o bem.

Estendendo a sua doutrina à questão da predestinação, Molina ensinava que Deus, desde toda a eternidade, na sua “ciência média”, prevê como cada um dos homens se comportaria com relação à graça nas mais variadas circunstâncias da vida. Diante desta visão, o Criador decreta colocar tal indivíduo em tais e tais circunstâncias em que Ele sabe que a criatura aceitará a graça, e assim irá merecendo a salvação eterna. Desta forma. Deus predestina para a glória, mas – note-se bem – praevisis meritis, depois de haver previsto os méritos da criatura.

2. O sistema tomista (que tem por pioneiro Domingos Banes O.P. (+ 1604): partindo do princípio de que nada, absolutamente nada, pode haver na criatura que não lhe venha de Deus, ensina que a graça é eficaz por si mesma, anteriormente a qualquer determinação ou atitude do homem; não é este quem determina aquela, mas é a graça que predetermina a este, não moralmente apenas (por meio de exortações), mas fisicamente (por sua moção intrínseca, soberana). Contudo a graça por si eficaz não extingue a liberdade de arbítrio do homem; ao contrário, movendo e predeterminando a criatura, move tudo que nesta se encontra, isto é, as faculdades de agir e o livre arbítrio mesmo; ela dá ao homem não somente agir, e tal agir determinado, mas também a modalidade com que o homem costuma agir, isto é, a liberdade; em conseqüência, sob a graça eficaz (na doutrina tomista) o homem pratica infalivelmente a ação à qual Deus predetermina, mas pratica-a sem perder a sua liberdade, antes atuando-a plenamente. Como se vê, o tomismo é rigorosamente lógico: partindo dos conceitos de Criador e criatura, ensina que Deus deve ser o Autor de tudo aquilo de que também o homem é autor, até mesmo desta determinação do homem e do modo livre de tal determinação; o homem deve a Deus não somente a sua faculdade de livre arbítrio, mas também o uso preciso (tal e tal modo de usar) dessa faculdade.

No tocante à predestinação, o tomismo consequentemente afirma que Deus a decreta ante praevisa merita, antes de prever os méritos do homem: de maneira absoluta e independente, o Criador determina levar tal e tal criatura à glória eterna e, por conseguinte, conferir-lhe os meios necessários para que a alcance. Em conseqüência desta predestinação é que o homem produzirá atos meritórios no decorrer da sua vida; estes são gratuitos dons de Deus; não desencadeiam o amor divino, mas, ao contrário, são desencadeados pelo liberal beneplácito do Senhor.

Nos séculos XVII/XIX alguns teólogos procuraram sistemas intermediários, conciliatórios entre o tomismo e o molinismo; recaíram, porém, indiretamente neste ou naquele. De fato, os dois sistemas são irredutíveis um ao outro. Quando foram pela primeira vez propostos na história, o Papa Clemente VIII instituiu em Roma uma Comissão ou Congregação dita “de autxiliis” (“concernente aos auxílios da graça”) a fim de os julgar. As sessões da Congregação prolongaram-se de 2 de janeiro de 1958 a 20 de agosto de 1607, tendo os Soberanos Pontífices tomado parte pessoal nos estudos respectivos. Finalmente o Papa Paulo V resolveu suspender o exame da questão, declarando lícito ensinar qualquer dos dois sistemas, pois nenhum deles envolve heresia (um é outro salvaguardam suficientemente a soberana ação de Deus e o livre arbítrio do homem, embora o tomismo mais acentue aquela e o molinismo mais realce a este). O Papa bento XIV confirmou esta decisão em um decreto de 13 de julho de 1748.

Fica, portanto, aos teólogos e fiéis católicos a liberdade de optar entre as duas teorias acima propostas. O católico tanto pode ser tomista como pode ser molinista; a ação do Espírito Santo em sua alma, a sua conaturalidade com as coisas de Deus lhe sugerirão a atitude a tomar.

Há, porém, três pontos atinentes à doutrina estudada sobre os quais a Santa Igreja se pronunciou definitivamente, de sorte que tanto molinistas como tomistas os professam indistintamente:

1. A conversão do pecador a Deus, ou seja, o ato inicial da via da salvação já é efeito da graça de Deus; é Deus quem primeiramente se volta para o pecador e lhe dá os meios de se colocar em estado de graça; não é o homem quem por suas forças naturais começa a procurar o Senhor, recebendo d’Este em resposta a graça sobrenatural;

2. A perseverança final ou a morte em estado de graça (a boa morte) é dom especial de Deus: não decorre dos mártires anteriores da pessoa, mas pode ser implorada pela oração;

3. A predestinação “adequada” (isto é, o desígnio que compreende todos os auxílios sobrenaturais, desde a graça da conversão até a graça da boa morte) é gratuita ou anterior à previsão dos méritos da criatura. E isto, tanto no tomismo como no molinismo… Também este reconhece que é Deus quem gratuitamente decreta colocar o homem em tais e tais circunstâncias nas quais Ele prevê que a criatura fará bom uso da graça (o tomismo diria:… nas quais Ele predetermina a criatura a fazer livremente bom o uso da graça).

As três proposições acima foram definidas por concílios, cujas declarações se encontram em Denziger-Umberg, Enchiridion Symbolorum 176-180; 183-189, 191-193;200.

Um juízo sobre a questão

1. A muitos fiéis impressiona o fato de que Deus predestina positivamente alguns para a glória celeste, deixando que outros se percam – fato firmemente atestado pela Sagrada Escritura e pela Tradição cristã. Perguntam se não haveria nisto injustiça da parte do Senhor.

– Não; em absoluto. Considere-se que

a) Deus a ninguém criou com destino positivo para a perdição ou a condenação.

Ensinavam o concílio de Valença (França) em 855: “In malis ipsorum malitiam (Deus) praescivisse, quia ex ipsis est, non praedestinasse, quia ex illo non est. – Deus viu de ante-mão a malícia dos maus, porque provém deles, mas não a predestinou, porque não se deriva d’Ele” (Dz 322).

Foi condenada pelo episcopado da Gália no séc. V a seguinte proposição: “Cristo, Senhor e Salvador nosso, não morreu pela salvação de todos…; a presciência de Deus impele o homem violentamente para a morte; e todo aquele que se perde, perde-se por vontade de Deus…; alguns são destinados à morte, outros predestinados à vida” (carta de Fausto de Riez, ed. Migne lat. T. 53,683).

Outras declarações da Igreja se encontram em Dz 200; 316-318; 321-323; 514; 816; 827.

b) Deus, porém, criou seres finitos (só pode haver um Infinito, Deus), aos quais é inerente a falibilidade, o “poder errar”.

c) Esta falibilidade, sendo congênita, naturalmente tende a se atuar num ou noutro. Deus concede, sim, a qualquer indivíduo humano os meios necessários para que se salve pois quer a salvação de todos os homens (cf. 1 Tim 2,4); isto é doutrina freqüentemente afirmada pela Escritura e a Tradição (cf. Dz 318); nenhum desses meios de salvação, porém, força a liberdade humana; esta é sempre respeitada por Deus.

d) Por conseguinte, a menos que o Criador intervenha extraordinariamente, algumas criaturas, em virtude da sua falibilidade natural, se encaminham para a ruína eterna; o Criador não lhes faz injustiça se permite que se percam, apesar de terem os meios necessários para não se perderem.

e) Dado, porém, que Deus se empenhe infalivelmente pela salvação de alguns (muito ou poucos) homens, predestinando-os à glória eterna, Ele faz ato de pura misericórdia beneficia gratuitamente a estes, sem lesar em absoluto aos outros, que, por sua natural falibilidade e apesar dos auxílios divinos, se perdem (cf. a parábola dos operários na vinha, comentado em “Pergunte e Responderemos” 1/1958 qu. 8).

O concílio de Quierzy na Gália em 853 declarava: “Quod quidam salvantur, salvantis est donum; quod autem pereunt, pereuntilum est meritum. – O fato de que alguns se salvam, deve-se a um dom d’Aquele que os salva; o fato de que outros se perdem, deve-se ao mérito (mérito mau ou demérito) dos que se perdem” (Dz 318).

Deus, no caso de uns, manifesta sua Bondade transcendente; no caso de outros patenteia sua Justiça; em todo e qualquer caso, porém, faz reluzir sua soberana Liberdade, a qual não pode ser necessitada por bem algum criado, pois ela é o princípio e a causa de qualquer bem: “Que é que te distingue dos outros? E que tens que não hajas recebido? E, se o recebeste, porque te vanglorias como se não o tivesses recebido?” (1 Cor 4,7).

A predestinação, portanto, não implica injustiça em Deus; não deixa, porém, de constituir um mistério, mistério porque, com nosso intelecto finito, não vemos plenamente como em Deus se conciliam Justiça, Misericórdia e Liberdade, embora não nos seja plausível duvidar de que de fato se associam em estupenda harmonia (na visão face a face de Deus, no céu, contemplaremos a sábia combinação dos atributos divinos). – Em particular, não podemos assinalar motivo por que Deus escolhe tal homem para a glória, e não tal outro, por que escolheu Pedro e não Judas; lembremo-nos de que não são os méritos do homem que a este atraem o amor de Deus, mas é o amor antecipado de Deus que proporciona à criatura os respectivos méritos Sto. Agostinho admoestava: “Quare hunc trahat (Deus) et ilum non trahat, noli velle diiundicare, si non vis errare. – Porque é que Deus atrai a este e não aquele, não queiras investigar, se não queres errar” (In Io tr. 26 init.). Ante os desígnios do Criador, tome a criatura uma atitude de silêncio reverente; confie em Deus, cuja sabedoria e santidade certamente ultrapassam as de qualquer ser humano.

2. A luz dos procedentes, vê-se que sentido tem a frase de São Paulo: “Deus quer que todos os homens sejam salvos” (1 Tim 2,4). São Tomas (I Sent. D. 46, q. 1, a.1) a distingue nos termos seguintes:

a) Deus quer que se salvem todos os homens, enquanto os considera em si, como criaturas capazes de apreender a vida eterna, abstração feita das circunstâncias particulares em que tal ou tal homem se possa encontrar; deus a ninguém criou senão para a vida eterna;

b) O Criador, porém, não pode (não pode, por causa de sua Justiça) querer que todos se salvem, se considera cada um nas circunstâncias precisas em que ocorre ao Divino Juiz; alguns, com efeito, se Lhe apresentam como criaturas que deliberadamente rejeitam ser salvas ou recusam estar com Deus, pois se rebelaram conscientemente (por um pecado grave) contra Ele e permanecem impenitentes ou apegados ao pecado; o Senhor respeita o alvitre de tais homens e, em conseqüência, só pode querer assinalar-lhes a sorte por que optaram (embora tenha feito tudo para se salvarem).

É esta a famosa distinção entre “vontade antecedente” (isto é, que considera seu objeto em si, abstraindo das circunstâncias concretas em que ocorre) e “vontade consequente” (isto é, que considera o mesmo na situação precisa em que se acha). S. Tomas ilustra a doutrina lembrando o que se dá com todo juiz justo: este, em tese, antes de examinar as causas judiciárias, quer que todo e qualquer homem permaneça em vida; dado, porém, que se apresente algum homicida, ele não pode (porque é justo) deixar de querer seja punido (e punido com a pena de morte, onde esta é imposta pela lei).

A atitude prática do cristão

O mistério da predestinação dos justos para a glória, embora apresente seus aspectos luminosos, tem suas raízes na insondável Magnificência divina; não podemos sempre assinalar a causa por que Deus outorga tal dom a tal pessoa. A quem o interrogasse a respeito. Ele diria com o Senhor da parábola: “Amigo, não cometo injustiça para contigo… Toma o que te compete, e vai-te… Não tenho o direito de dispor dos meus bens como me agrada? Ou tornar-se-á mau o teu modo de ver pelo fato de que Eu sou bom?” (Mt 20,13-15).

Consciente disto, o cristão não se detém em perscrutar sutilmente o que está acima do seu alcance, preocupando-se com questões curiosas ou vãs atinentes à predestinação. Na orientação da sua conduta cotidiana, tenha o fiel ante os olhos as três seguintes proposições:

1. Deus a ninguém absolutamente faz injustiça, nem no decorrer desta vida nem no momento do juízo final;

2. Muito ao contrário, o Criador se comporta para com todos qual Pai cheio de amor ou como o primeiro Ator empenhado na salvação dos homens.

Lembra o concílio de Trento, retomando palavras de Sto. Agostinho:

“Deus não manda o impossível, mas, dando os seus preceitos. Exorta-te a fazer o que podes e a pedir-lhe a graça para o que não podes, e auxilia-te para que o possas” (Sto Agostinho, de natura et gratia 43,50; Denziger 804).

Mais ainda:

“Deus não abandona a não ser que primeiro seja abandonado. – Non deserit nisi prius deseratur” (Dz 804).

3. A atitude prática do cristão encontras ótimo modelo em São Paulo:

a) De um lado, o Apóstolo, consciente da eficácia e da responsabilidade do livre arbítrio, lutava qual bom atleta no estádio para conseguir a incorruptível coroa da vida (cf. 1 Cor 9, 24-27). No mistério da predestinação, muita coisa pode ficar oculta ao fiel; contudo nunca lhe restará dúvida sobre o fato de que Deus exige de cada um todo o zelo de que é capaz para chegar à salvação. Nisto se diferencia a doutrina tradicional cristã de qualquer fatalismo ou determinismo: Deus não retira ao homem o dom do livre arbítrio e da responsabilidade própria com que o quis dignificar; nem há força super-humana cega que de antemão torne vãos os esforços da criatura que procura o Criador. Portanto, errado estaria quem, com vistas à vida eterna, tomasse atitude desinteressada e passiva, baseada em raciocínio análogo ao seguinte: “Se tenho que quebrar a cabeça, nada me pode preservar desta desgraça; não importa, pois, que me atire ou deixe de me atirar à rua pela janela do quinto andar da casa”. Ó homem, nada há que determine a tua sorte eterna independentemente do teu livre arbítrio! O decreto pelo qual Deus predestina alguém à salvação eterna, implica sempre que esta será obtida mediante a livre cooperação do homem.

b) De outro lado, São Paulo, o lutador de Cristo, era feliz ao pensar na sua sorte póstuma; assim também o cristão. Para o Apóstolo, morrer equivalia a “dissolver-se para estar com Cristo” (cf. Flp 1,23), “deixar de ser peregrino na terra a fim de viver na casa do Senhor” (cf. 2 Cor 5,8). Todo discípulo de Cristo, embora reconheça a possibilidade de frustrar o seu último fim, tem confiança no Pai do céu e sabe que a procura sincera de Deus na terra não poderá ficar vã junto ao Pai; vive, por conseguinte, em demanda otimista da mansão celeste, consciente de que Deus o chama continuamente a esta após lhe ter preparado os meios para a conseguir. E, firme nesta crença, não permite que hipóteses inconsistentes tomem na sua mente o lugar de verdades seguras.

D. Estevão Bettencourt, osb
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

Nº 5, Ano 1958, p. 184

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PALAVRAS EMBLEMÁTICAS

Dom Fernando Rifan | Crédito: Folha de São Paulo

Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

            Frases ou palavras emblemáticas, houve muitas famosas, que marcaram a nossa civilização e repercutem até hoje. São símbolos e resumos de uma doutrina, de uma vida, de um acontecimento ou de um ato de heroísmo, frases que ficaram na história e serão sempre lembradas.

            Assim, “Libertas quae sera tamen”, dos Inconfidentes, “Independência ou morte”, de Dom Pedro I, “A Terra é azul”, de Yuri Gagarin, “Um pequeno passo para o homem, mas um salto gigantesco para a humanidade”, de Neil Armstrong, “O fraco jamais perdoa, o perdão é uma das características do forte”, de Mahatma Gandhi, “Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajuda-lo a levantar-se”, de Gabriel Garcia Marquez, e muitíssimas outras citações icônicas.

            Nas Sagradas Escrituras ou Bíblia Sagrada, também encontramos frases-símbolo, que marcaram a história do mundo e a nossa vida, desde o “Fiat Lux” (Faça-se a Luz) no Gênesis, no início da criação, correspondente ao Big Bang da ciência atual, até às últimas palavras do Apocalipse “Vinde, Senhor Jesus”. O livro do Levítico traz a frase central do culto prestado a Deus: “Santificai-vos e sede santos, porque eu sou santo” (Lv 11,44). Nos Salmos, temos uma frase magistral, que mostra o equilíbrio que se espera de nós: “A verdade e o amor se encontrarão, a justiça e a paz se abraçarão” (Sl 84 (85),11).

            No Novo Testamento, temos frases paradigmáticas de Jesus Cristo. No Sermão da Montanha, que é o resumo do Evangelho, encontramos, por exemplo, a frase que é a sinopse do sermão: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt 6, 33).

            Jesus ensinou a chamada a Regra de ouro das nossas relações interpessoais: “Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei-o, vós também, a eles” (Mt 7,12). E ele acrescenta que nisso está resumida toda a Lei e os Profetas.

            E foi nessa virtude da caridade, o amor, que Jesus corrigiu a lei do Talião e colocou o cerne da sua doutrina: “Ouvistes que foi dito: ‘olho por olho, dente por dente’. Eu, porém, vos digo: não ofereçais resistência ao malvado! Pelo contrário, ao que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra!… “Ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem!” (Mt 5, 38-44). E ele deu o exemplo desse amor total e desinteressado, ensinando-nos o seu “novo mandamento”: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13, 34).

            E a ressurreição de Jesus foi a prova final da sua divindade e a confirmação de toda a sua doutrina, resumida na frase emblemática de São Tomé, duvidoso, quando viu as chagas da Paixão em Jesus vivo e ressuscitado: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 28).

Fonte: CNBB

Nigéria: país mais populoso da África “está em guerra”, diz bispo

Shutterstock | vic josh
Por Fundação AIS - publicado em 04/07/21

Para o arcebispo, não haverá mais nenhum lugar no mundo onde tantas pessoas são “mortas em público sem consequência”.

É mais uma voz que se ergue na denúncia da violência que está a afectar a Nigéria. O Arcebispo Matthew Ndagoso, da Diocese de Kaduna, diz que “o país está em guerra” e acusou de serem “criminosos, no verdadeiro sentido da palavra”, todos os responsáveis por esta situação tanto “fanáticos religiosos” como “bandidos, sequestradores, terroristas, pastores armados e oportunistas”.

Para o Arcebispo, não haverá mais nenhum lugar no mundo onde tantas pessoas são “mortas em público sem consequência”, acusando assim as autoridades de negligência grosseira na defesa das populações. “Os cidadãos estão sozinhos”, disse. “Bandidos estrangeiros ou outros criminosos podem vir à vontade matar-vos, saquear-vos, violar-vos, raptar-vos e assassinar-vos…” 

As palavras emotivas do prelado, durante o funeral no início de Junho do Padre Alphonsus Bello Yashim, um sacerdote católico assassinado em Malfunashi, são mais uma denúncia da violência sem fim que está a atingir o mais populoso país de África, perante a inoperância das autoridades.

A Igreja tem sido particularmente visada nesta onda de ataques. A Diocese de Kaduna é exemplo disso. O seminário local já foi atacado e três dos seus alunos foram raptados e um foi mesmo assassinado durante o ano de 2020. Por causa do clima de insegurança, as autoridades eclesiásticas decidiram encerrar provisoriamente a estrutura.

A situação é também trágica nos estados de Benue e Taraba. As disputas de terras têm criado inúmeros problemas aos agricultores cristãos que se sentem assediados por grupos de pastores Fulani, cada vez mais radicalizados e violentos. 

O Padre Kuha Indyer, missionário da congregação do Espírito Santo e parceiro de projecto da Fundação AIS, relata que “os pastores Fulani estão a massacrar o povo Tiv [essencialmente cristão], matando-os com as suas facas e com armas modernas como a AK47”. 

Os ataques sucedem-se a um ritmo assustador. Há algumas semanas, foram mortas 36 pessoas em Benue. “Entre as vítimas, também estava um dos meus parentes”, disse o padre Indyer. “Eles apareceram do nada uma manhã e mataram toda a gente numa questão de minutos.” O padre relatou ainda que na Diocese de Katsina-Ala “várias escolas e paróquias foram encerradas devido às actividades de gangues criminosos”.

(AIS)

Fonte: Aleteia

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF