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sexta-feira, 9 de julho de 2021

A doutrina católica sobre o sacerdócio ministerial, antes, durante e depois do Concílio Vaticano II (Parte 4/5)

Presbíteros
Padre Mauro Gagliardi – Pontifício Ateneu Regina Apostolorum, Roma
  1. Tendências teológicas pós-conciliares

Na década de 1970, o presbiterato viveu uma crise de proporções talvez nunca antes vistas na história da Igreja. O fato de isso ter acontecido pouco depois da conclusão do Vaticano II nos leva a dizer com certeza post hoc, mas não podemos afirmar com igual segurança também o propter hoc. A sucessão temporal nem sempre indica uma relação de causalidade e, por conseguinte, o fato de uma “crise de identidade do presbítero”[33] generalizada ter sido experimentada depois do último Concílio não significa que a única explicação plausível seja que essa crise surgiu por causa do Vaticano II. É preciso, isto sim, reconhecer que esta se manifestou não apenas por razões culturais e sociais, mas também porque cedo nos afastamos do texto conciliar, para desenvolver outras visões do sacerdócio. A crise de identidade do presbítero – que de muitos pontos de vista perdura até hoje – fez surgir uma série de perguntas entre os teólogos e os pastoralistas, e produziu um desvio nas publicações sobre o ministério ordenado: a bibliografia sobre o sacerdócio orientou-se, entre o final da década de 1970 e a de 1980, não mais aos textos conciliares, a não ser in obliquo, mas, sim, ao tema dos ministérios do Novo Testamento e ao estudo sobre a razão de ser do ministério ordenado na Igreja[34].

De modo geral, os estudos teológicos sobre o presbiterato se polarizaram em torno de dois núcleos: o cristológico e o eclesiológico[35]. Os estudos da primeira série (a cristológica) se desenvolveram em duas linhas principais: uma que sublinha sobretudo o caráter cultual do ministério ordenado, entendendo-o principalmente como sacerdócio; e outra que desenvolve mais a categoria de representação, numa reflexão que se apoia no caráter missionário e pastoral do presbiterato. Detendo-nos na leitura que fizemos da LG e do PO, com base na tradição bimilenar da Igreja, o primeiro modelo parece ser mais adequado, ainda que seja preciso evitar alguns erros em que podemos incorrer, se este é mal aplicado. No modelo “sacral-sacerdotal”, o presbítero é compreendido com base no sacerdócio que Cristo instituiu e transmitiu em primeiro lugar aos apóstolos e depois, a partir destes, a seus sucessores. Nessa ótica está fundamentalmente o texto da Carta aos Hebreus, cujo valor, no que diz respeito à teologia do sacerdócio cristão, foi muitas vezes contestado em nossos tempos, mas – como vimos – é afirmado com clareza pela tradição magisterial e teológica. É claro que nessa ótica a identidade do sacerdote católico é compreendida em relação a Cristo[36]. O limite observado por diversos estudiosos recentes consiste no fato de alguns representantes dessa orientação teológica entenderem o munus sanctificandi como o “ser” do presbítero e os munera docendi et regendi apenas como o “fazer”, pondo em risco a unidade entre os tria munera. Essa aplicação do modelo sacral ou sacerdotal da teologia do presbiterato não coincide perfeitamente com os textos sobre o presbiterato do Vaticano II, que falam da supremacia do munus sanctificandi, mas não o separam claramente dos outros dois munera.

Assim, outros teólogos, mesmo permanecendo no polo interpretativo cristológico, preferiram desenvolver a teologia do presbiterato católico segundo o modelo da representação (modelo missionário-pastoral), que – como vimos – era utilizado já no Catecismo Tridentino[37]. Entre esses autores, desponta o nome de Joseph Ratzinger[38]. Ele assumiu a categoria da “missão de Cristo” como ponto de partida de sua teologia do sacerdócio ministerial. O ministro deve ser compreendido em primeiro lugar como enviado. A missão constitui a natureza do ministério ordenado, e essa missão é sempre entendida a partir do polo cristológico: é Cristo, o Enviado do Pai, que está presente no ministro (representação vicária) e continua, por intermédio dele, sua missão. Dessa forma é evitada também a alternativa entre aspectos ontológicos e funcionais do sacerdócio católico. É extremamente relevante que Ratzinger tenha reapresentado essa linha interpretativa também como Pontífice, na Audiência Geral da quarta-feira seguinte à abertura solene do Ano Sacerdotal. Nela, o Papa chamou a atenção explicitamente também para seus estudos sobre a matéria enquanto teólogo particular, dizendo:

“Num mundo em que a visão conjunta da vida abrange cada vez menos o sagrado, em cujo lugar a ‘funcionalidade’ se torna a única categoria decisiva, a concepção católica do sacerdócio poderia correr o risco de perder a sua consideração natural, às vezes inclusive no interior da consciência eclesial. Não raro, quer nos ambientes teológicos, quer também na prática pastoral concreta e de formação do clero, confrontam-se e por vezes opõem-se dois conceitos diferentes de sacerdócio. A este propósito, salientei há alguns anos que existe ‘por um lado uma concepção social-funcional que define a essência do sacerdócio com o conceito de serviço: o serviço à comunidade, no cumprimento de uma função. […] Por outro lado, existe a concepção sacramental-ontológica, que, naturalmente, não nega a índole de serviço do sacerdócio, mas, ao contrário, a vê ancorada no ser do ministro e considera que esse ser é determinado por um dom concedido pelo Senhor pela mediação da Igreja, cujo nome é sacramento’ (Ratzinger, J. “Ministero e vita del Sacerdote”. In: Elementi di Teologia Fondamentale. Saggio su fede e ministero. Bréscia: 2005, p. 165). Também a passagem terminológica da palavra ‘sacerdócio’ para os termos ‘serviço, ministério e encargo’ é sinal dessa concepção diferente. Além disso, à primeira, a ontológico-sacramental, está vinculado o primado da Eucaristia, no binômio ‘sacerdócio-sacrifício’, enquanto à segunda corresponde o primado da palavra e do serviço do anúncio.

Considerando bem, não se trata de duas concepções opostas, e a tensão que, contudo, existe entre elas deve ser resolvida a partir de dentro [segue citação de PO 2].

Então, interroguemo-nos: ‘O que significa propriamente, para os sacerdotes, evangelizar? Em que consiste o chamado primado do anúncio?’ Jesus fala do anúncio do Reino de Deus como da verdadeira finalidade da sua vinda ao mundo e o seu anúncio não é apenas um ‘discurso’. Inclui, ao mesmo tempo, o seu próprio agir: os sinais e os milagres que realiza indicam que o Reino vem ao mundo como uma realidade presente, que em última análise coincide com a sua própria pessoa. Neste sentido, é importante recordar que, também no primado do anúncio, palavra e sinal são indivisíveis. A pregação cristã não proclama ‘palavras’, mas a Palavra, e o anúncio coincide com a própria pessoa de Cristo, ontologicamente aberta à relação com o Pai e obediente à sua vontade. Portanto, um serviço autêntico à Palavra exige da parte do sacerdote que tenda para uma aprofundada abnegação de si mesmo, a ponto de dizer com o Apóstolo: ‘Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim’. O presbítero não pode considerar-se ‘senhor’ da palavra, mas servo. Ele não é a palavra, mas, como proclamava João Batista, cuja Natividade celebramos precisamente hoje, é ‘voz’ da Palavra: ‘Voz que brada no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’ (Mc 1,3).

Pois bem, ser ‘voz’ da Palavra não constitui para o sacerdote um mero aspecto funcional. Pelo contrário, pressupõe um substancial ‘perder-se’ em Cristo, participante no seu mistério de morte e de ressurreição com todo o próprio eu: inteligência, liberdade, vontade e oferta do próprio corpo, como sacrifício vivo (cf. Rm 12,1-2). Somente a participação no sacrifício de Cristo, na sua kénosi, torna autêntico o anúncio! E este é o caminho que deve percorrer com Cristo para chegar a dizer ao Pai, juntamente com Ele: ‘Não se faça o que Eu quero, mas o que tu queres’ (Mc 14,36). Então, o anúncio comporta sempre também o sacrifício pessoal, condição para que o anúncio seja genuíno e eficaz.

Alter Christus, o sacerdote está profundamente unido ao Verbo do Pai, que, encarnando-se, assumiu a forma de servo, se tornou servo (cf. Fl 2,5-11). O presbítero é servo de Cristo, no sentido de que a sua existência, ontologicamente configurada com Cristo, adquire uma índole essencialmente relacional: ele vive em Cristo, por Cristo e com Cristo ao serviço dos homens. Precisamente porque pertence a Cristo, o presbítero encontra-se radicalmente ao serviço dos homens: é ministro da sua salvação, nessa progressiva assunção da vontade de Cristo, na oração, no ‘estar coração a coração’ com Ele. Assim, essa é a condição imprescindível de cada anúncio, que exige a participação na oferenda sacramental da Eucaristia e a obediência dócil à Igreja”[39].

Como deduzimos do longo texto citado, o Papa retoma de seus estudos teológicos a orientação de uma teologia do presbiterato guiada pelo polo cristocêntrico e exposta com base no modelo missionário-pastoral da representação. O Santo Padre evidencia, porém, o que continua a ser imprescindível: o caráter sagrado do sacerdócio. Entre outras coisas, Bento XVI cita a expressão alter Christus, típica do modelo sacro-cultual, que portanto não deixa brechas a dúvidas sobre o ensinamento proposto pelo Pontífice. Em síntese, podemos dizer que o Papa lembrou como é inquebrável o binômio identidade-missão. O presbiterato deve ser compreendido ontologicamente quanto à identidade sacerdotal, derivada da recepção do sacramento da Ordem. Semelhante identidade tem por finalidade a missão e dela é inseparável[40]. A negação de um desses dois aspectos leva a visões redutivas do ministério ordenado. O papa Bento refrisou esse ensinamento na Audiência Geral de 1º de julho:

“Na verdade, precisamente considerando o binômio ‘identidade-missão’, cada sacerdote pode sentir melhor a necessidade daquela progressiva identificação com Cristo que lhe assegura a fidelidade e a fecundidade do testemunho evangélico. O próprio título do Ano sacerdotal – Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote – põe em evidência o fato de que o dom da graça divina precede qualquer possível resposta e realização pastoral do homem, e assim, na vida do sacerdote, anúncio missionário e culto nunca são separáveis, como nunca devem ser separadas a identidade ontológico-sacramental e a missão evangelizadora. De resto, a finalidade da missão de cada presbítero, poderíamos dizer, é ‘cultual’: para que todos os homens possam oferecer-se a Deus como hóstia viva, santa e do seu agrado (cf. Rm 12,1)”[41].

A visão equilibrada e tendencialmente completa oferecida por Bento XVI mostra, pelo contraposição, a parcialidade das leituras tantas vezes feitas na última década a partir do outro polo interpretativo, o eclesiológico. Frequentemente, na década de 1970, os candidatos ao sacerdócio, ou os presbíteros nos retiros mensais do clero, ouviram repetir que o sacerdote, mais que representante de Cristo (como ensina o Vaticano II), seria representante da comunidade, enquanto presidente, mas também expressão dela. Dessa forma, nos aproximávamos do conceito protestante do ministério, mas perdíamos de vista aspectos essenciais da tradição teológico-magisterial católica, até mesmo do ponto de vista do exercício concreto do ministério, com a consequente submissão do sacerdote à comunidade, da qual devia ser intérprete, mais que guia, e da qual devia prestar contas.

Não raro, além disso, algumas orientações teológicas propuseram-se à sistemática dessacralização e até à “desacerdotalização” do ministério presbiteral. O presbiterato foi interpretado preponderantemente, quando não exclusivamente, de modo funcional e não ontológico. Destacam-se, entre os estudiosos que expressam essa linha, e que naturalmente apresentam também notáveis diferenças entre si, os nomes de Karl Rahner[42], Edward Schillebeeckx[43], Hans Küng[44], Leonardo Boff[45] e outros. É importante, aqui, não deixar de apresentar suas propostas, mesmo que de maneira puramente esquemática. Podemos dizer apenas que, em termos gerais, uma visão principalmente funcional do presbiterato não coincide nem com os textos do Vaticano II nem com a bimilenar tradição magisterial e teológica de que este nasceu, representando sua mais recente manifestação conciliar. Citamos mais uma vez Bento XVI:

“Tendo recebido um dom de graça tão extraordinário, mediante a sua ‘consagração’, os presbíteros tornam-se testemunhas permanentes do seu encontro com Cristo. Partindo precisamente dessa consciência interior, eles podem desempenhar plenamente a sua ‘missão’, pelo anúncio da Palavra e pela administração dos Sacramentos. Depois do Concílio Vaticano II, houve aqui e ali a impressão de que na missão dos sacerdotes, neste nosso tempo, havia algo de mais urgente; alguns pensavam que era necessário, em primeiro lugar, construir uma sociedade diversa. A página evangélica, que ouvimos no início, evoca ao contrário os dois elementos essenciais do ministério sacerdotal. Naquela época e hoje, Jesus envia os Apóstolos a anunciar o Evangelho e confere-lhes o poder de expulsar os espíritos malignos. Portanto, ‘anúncio’ e ‘poder’, ou seja, ‘palavra’ e ‘sacramento’, são as duas colunas fundamentais do serviço sacerdotal, para além das suas possíveis e múltiplas configurações[46].

Referência: Clerus.org

Fonte: https://www.presbiteros.org.br/

Papa sofre de uma “doença grave e degenerativa”?

Guadium Press
Il Sismografo é um meio de comunicação especializado em notícias da Igreja, em várias línguas.

Redação (08/07/2021 12:21Gaudium PressNestes dias, um jornalista do The New York Times citava um dito jocoso de Iacopo Scaramuzzi que, talvez hoje em dia, circule apenas dentro dos muros sagrados da ‘viale vaticanum’: “No Vaticano, há um dito de que o Papa está sempre bem até morrer, e até um pouco depois desse momento…”.

É claro que esse dito espirituoso refere-se à discrição com que a Santa Sé lida com os problemas de saúde do homem mais importante da Terra. Mas também é verdade que essa discrição, ou discrição excessiva, pode ser motor para os sensatos ou insensatos levantarem suspeitas, sugerirem realidades ocultas e até inventarem histórias fantásticas supostamente baseadas na realidade. Será sempre adequado pedir ao Bom Deus um reto critério para discernir a realidade da fantasia em tudo, e também nessa matéria.

Boletim oficial

Hoje, no boletim diário que é emitido pelo diretor da Sala de Imprensa, Matteo Bruni, sobre a saúde do convalescente Francisco, surgiu um novo dado, atraindo a atenção de muitos.

“Francisco teve um dia tranquilo, alimentando-se e movimentando-se de forma autônoma”. Informou também que o Papa havia enviado uma afetuosa saudação para algumas crianças que estão no Departamento de Oncologia Pediátrica e Neurocirurgia Infantil, vizinho ao local onde ele se encontra na Policlínica Gemelli; e que ele não se esquece daqueles que sofrem, especialmente os doentes, a quem expressa sua proximidade.

Contudo, pela primeira vez, um fato não ‘positivo’ foi acrescentado, segundo o relatório original em italiano: o Papa manifestou “um episódio febril”.

Após assinalar a febre do Pontífice, o comunicado da Sala de Imprensa divulgou que hoje pela manhã Francisco realizou exames de rotina, microbiologia e tomografia computadorizada de tórax, com “resultados negativos”.

É claro, se partes muito “positivas” permitiam as suspeitas de alguns, agora, mais ainda o episódio da febre que hoje foi referida oficialmente.

Il Sismografo

Essas suspeitas foram levantadas por um site bom conhecedor das realidades da Igreja, Il Sismografo, sob responsabilidade de Luis Badilla. Il Sismografo reproduz notas de diversas fontes dando notícias sobre a Igreja, e tem artigos de autoria de sua própria redação.

A nota intitulada “Papa Francisco não precisa de ‘cortigianeria’ na imprensa” é do próprio Il Sismografo. (“Cortigianeria“, termo derivado de “cortigiano” que significa cortesão.)

Il Sismografo prevê que Francisco “voltará ao Vaticano para retomar seu caminho nos passos de Pedro”, no entanto, o Papa “nunca mais será o mesmo”. Por quê? Porque há “um detalhe muito significativo que muitos nestas horas subestimam, ignoram ou manipulam: a enfermidade que atingiu o Papa Francisco é grave e degenerativa. Poderia também ser crônica”.

Para quem conhece o amplo e especializado mundo da mídia católica, fica claro que, nas declarações anteriores do Il Sismografo, está em jogo sua credibilidade. Por conseguinte, essa afirmação deve ser levada muito em conta.

Com o passar dos dias, os detalhes da intervenção que o Papa sofreu são mais conhecidos, e vão revelando que não tinha as características de uma cirurgia ambulatorial fácil: foi utilizada anestesia geral, durou mais de três horas, uma parte significativa do cólon foi extraída, e ontem o relatório oficial já falava de uma “grave estenose diverticular”.

Il Sismografo, como um bom católico, convoca todos a orar pelo Pontífice, pede para que o Papa não tenha que sofrer pressões da mídia, lembra que ele precisa da ajuda dos católicos e que deverá cuidar intensamente de sua saúde. Afirma também a forte possibilidade de novas visitas ao Gemelli, e chega a colocar em dúvida sua anunciada viagem à Hungria e Eslováquia, em setembro próximo.

Assim, só nos cabe rezar pelo Papa. (SCM)

Fonte: https://gaudiumpress.org/

Garantir água de qualidade nas comunidades: mais uma missão da Igreja na Amazônia

Captação da água da chuva, projeto apoiado pela Paróquia Santo Antônio de Lisboa

Segundo os missionários, “temos consciência que ‘melhor que dar o peixe, é ensinar a pescar’, por isso confiamos que a gratuidade de ter recebido uma caixa de 500 litros para a captação da chuva, desperte para o cuidado com a água para que não seja contaminada. Calhas para o telhado e instalação da caixa ficam ao cuidado de cada família. Sabemos que nem todo mundo vai fazer, mas optamos por correr o risco, responsabilizando as pessoas e pedindo a colaboração de quem será beneficiado”.

Padre Modino - Celam 

A dificuldade de ter água para beber, água de qualidade num lugar onde a abundância de água impressiona. Isso acontece na região do Alto Solimões, na Tríplice Fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru, no coração da Amazônia. Numa floresta de grande biodiversidade, muitas vezes sua riqueza é saqueada por parte de potências econômicas estrangeiras e também brasileiras.

Trata-se de uma região com grande presença indígena, onde o povo mais numeroso é o povo Tikuna. Ao mesmo tempo, essa é uma região com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e de acesso a serviços de saneamento básico no Brasil. Nesta região, no município de Santo Antônio do Iça, se encontra a paróquia de Santo Antônio de Lisboa, que conta com 36 comunidades, a grande maioria no interior do município, 3 na beira do Solimões e 25 nas margens do Rio Iça. Além disso existem mais 27 comunidades de outras igrejas.

Diante da realidade que é vivida nas comunidades, desde a paróquia “todas queremos acompanhar na defesa e promoção da vida, pois a água é um bem e um direito fundamental. O Deus da Vida não faz diferenças de religiões!”, segundo o padre Gabriel Carlotti, que junto com o padre Gabriel Burani, são missionários fidei donum na paróquia. Segundo os missionários da diocese de Reggio Emilia, na Itália, “apesar de o bioma Amazônico ser abundante em recursos hídricos o acesso à água potável e de qualidade não está garantido à maioria dessas comunidades. Seja pela sazonalidade do rio, com cheias e secas extremas, seja pela má qualidade da água que é captada bruta em rios, córregos ou poços”.

Uma alternativa usada pelas comunidades é a captação da água da chuva, um projeto em que a paróquia de Santo Antônio de Lisboa está colaborando, oferecendo para as comunidades caixas d’água de polietileno com capacidade de 500 litros para viabilizar a captação da água da chuva. Segundo os missionários, “temos consciência que isso não resolve todos os problemas, precisamos também de uma educação para a captação, o tratamento e a conservação da água da chuva para que não fique contaminada”.

Ao mesmo tempo denunciam que “o poder público teria as condições de viabilizar uma melhor solução ao problema da falta de água de boa qualidade, mas, infelizmente, muitas vezes falta vontade política”. Junto com isso, afirmam que “nos dias de hoje uma política em favor da vida é mais difícil de se ver em nosso País”. Na região amazônica, “aumentou o desmatamento em favor das madeireiras, da criação de gado e do agronegócio. Com o aumento dos garimpos ilegais, de ouro e diamantes, sem nenhum controle dos Órgãos competentes, também estão sendo destruídas áreas ainda não contaminadas na nossa região. Esperando tempos melhores, nosso povo está adoecendo e morrendo!”, contam os missionários.

Esse projeto surgiu a partir da situação em que o povo vive. Segundo o padre Gabriel Carlotti, “nossa atenção para a qualidade da água foi provocada por um encontro que se deu por ocasião de uma visita à comunidade de São Pedro, no rio Içá, a 180 km da sede do município. Chegamos no horário marcado para a celebração, mas ninguém estava no lugar. Perguntamos se as famílias estavam sabendo e nos responderam: ‘Sim, padre, o cacique avisou todo mundo, mas temos muitos doentes na comunidade, com febre alta e diarreia’”.

Diante da situação o padre perguntou a causa, chegando na conclusão de que a origem deveria estar no fato de beber água do rio, pois na comunidade não tem igarapé onde pegar água. O povo bebia água sem nenhum tratamento com hipoclorito, por falta de agente de saúde. Isso levou os missionários a procurar ajuda que possibilitasse adquirir caixas de 500 litros para a captação da água da chuva. Já foram distribuídas 150 caixas e cada mês são levadas mais 40 caixas na lancha da paróquia.

Junto com as caixas, no intuito de chamar a atenção para os perigos que podem decorrer da ingestão de uma água contaminada e/ou poluída, a paróquia elaborou também uma cartilha orientadora sobre a importância dos cuidados com a caixa d’água, com as calhas, com as vasilhas e com a própria água a fim de evitar doenças. A cartilha explica com texto e desenhos como saber quando a água é poluída e os passos a serem dados para instalar e conservar as caixas d´água, o telhado e as calhas. A cartilha informa sobre diferentes métodos para deixar a água potável. Também informa sobre as doenças provocadas pela água contaminada, remédios caseiros e medidas importantes para prevenir doenças.

Segundo os missionários, “temos consciência que ‘melhor que dar o peixe, é ensinar a pescar’, por isso confiamos que a gratuidade de ter recebido uma caixa de 500 litros para a captação da chuva, desperte para o cuidado com a água para que não seja contaminada.  Calhas para o telhado e instalação da caixa ficam ao cuidado de cada família. Sabemos que nem todo mundo vai fazer, mas optamos por correr o risco, responsabilizando as pessoas e pedindo a colaboração de quem será beneficiado”.

Os missionários dizem ter outra esperança, “conseguir ‘contagiar’ o poder público para que melhore a saúde, o saneamento básico e o tratamento da água potável”. Sua inspiração está em Francisco de Assis, lembrando o que ele dizia aos seus companheiros: “Vamos trabalhar, que ainda não fizemos nada...”. 

Fonte: Vatican News

Missão brasileira segue no Haiti mesmo com a violência, diz padre

Padre Gianpietro Carraro com uma das crianças atendidas.
Foto: Captura de vídeo / Missão Belém
Por Natália Zimbrão

PORTO PRÍNCIPE, 08 jul. 21 / 01:09 pm (ACI).- Há 11 anos, a Missão Belém realiza um trabalho que atende 2,2 mil crianças no Haiti. Mesmo com o aumento da violência e da instabilidade política por causa do assassinato do presidente Jovenel Moïse na quarta-feira, o fundador do projeto, padre Gianpietro Carraro, disse à ACI Digital que não pretendem deixar o país.

A Missão Belém nasceu em 2005 e foi aprovada na arquidiocese de São Paulo, em 2010, e realiza um trabalho voltado aos mais pobres. Após o terremoto que atingiu o Haiti em 2010, a missão abriu uma casa em Porto Príncipe, na favela Warf Jeremie. Trata-se, segundo a instituição, de uma “área de extrema miséria que surge à beira do oceano, em cima de um enorme lixão”.

Na sua unidade no Haiti, a Missão Belém atende atualmente cerca de 2,2 crianças e adolescentes de 3 meses a 18 anos. “Além da escola, das missas dominicais, estamos construindo um hospital, mas tivemos que parar esta obra por falta de matéria-prima”, disse o padre Gianpietro e afirmou que pretendem retomar logo esta obra.

Crianças atendidas pela Missão Belém no Haiti.
Foto: Captura de vídeo / Missão Belém

“Ao lançar um olhar histórico sobre o Haiti, vemos que o país vive anos de instabilidade política, de pobreza e com a atuação de bandidos, que se consideram a lei”, disse o padre. Nos últimos anos, o Haiti viu aumentar a violência, com a luta de gangues contra a polícia por controle das ruas, e uma onda de sequestros. “Ainda não existe uma grande força capaz de garantir a paz no país”, disse.

O presidente Jovenel Moïse, de 53 anos, foi morto na madrugada de 7 de julho, em sua casa, em Porto Príncipe. Ao informar sobre o assassinato, o primeiro-ministro interino, Claude Joseph, disse que “estrangeiros que falavam inglês e espanhol” atacaram a residência presidencial.

Na noite de quarta-feira, o porta-voz da polícia do Haiti, Léon Charles, disse que quatro suspeitos de participar do assassinato do presidente foram mortos e outro dois foram presos.

O Haiti enfrenta uma crise política. Moïse tinha dissolvido o Parlamento e governava por decreto desde janeiro de 2020, já que não houve eleições nos últimos anos. Ele também queria promover uma reforma constitucional.

“Diante dessa situação, a posição da Igreja é sempre ao lado dos mais pobres e sofredores, com desaprovação da violência. A conferência episcopal e os bispos já fizeram fortes pronunciamentos condenando essa situação”, disse. Por isso, “nós da Missão Belém vamos continuar empenhando o melhor de nossas forças para atender a população no Haiti”, mesmo que a situação piore após o assassinato de Moïse.

Segundo ele, ontem, após a notícia do assassinato de Jovenel Moïse, “vivemos na Missão Belém do Haiti um dia de oração” e não foi possível abrir a unidade, porque “não estava circulando nada em Porto Príncipe”.

Neste momento, declarou, “a oração é a força mais poderosa, porque o que se vê no país é que tudo é possível. Então, precisamos rezar para que as forças políticas entrem em um acordo para evitar uma matança”.

O padre Gianpietro afirmou que as pessoas podem ajudar os haitianos através dos diferentes grupos que atuam no país, seja por meio do voluntariado ou pela ajuda econômica. No caso da Missão Belém, promovem uma adoção à distância, em que cada criança é apadrinhada por duas pessoas.

Pêsames do papa Francisco

O papa Francisco expressou seus pêsames pelo assassinato de Jovenel Moïse. Em uma carta assinada pelo secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, afirmou que se tratou de um “terrível assassinato” e transmitiu “suas condolências ao povo haitiano” e à esposa de Moïse, Martine, “gravemente ferida”, cuja vida “recomenda a Deus”.

Francisco também “expressa sua tristeza e condena todas as formas de violência como meio de resolver crises e conflitos”. Além disso, “deseja ao querido povo haitiano um futuro de harmonia fraterna, solidariedade e prosperidade" e "invoca abundância de bênçãos divinas sobre o Haiti e todos os seus habitantes”.

Por sua vez, a Conferência Episcopal do Haiti (CEH) afirmou que o assassinato do presidente é “inaceitável e repugnante”. “Este triste acontecimento marca um lamentável ponto de inflexão na nossa história como povo, infelizmente ditada pela escolha deliberada da violência feita há algum tempo por muitos setores da população como método de sobrevivência e resolução de disputas”, disse em uma nota.

“A violência só pode gerar violência e levar ao ódio. Nunca ajudará o nosso país a sair deste impasse político que só pode ser resolvido através do diálogo, do consenso, do espírito de compromisso pelos melhores interesses da nação, pelo bem comum do país”, afirmou a CEH.

Fonte: ACI Digital

Santa Madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus

Sta. Madre Paulina | ArquiSP
09 de Julho

Santa Madre Paulina

Amábile Lúcia Visintainer nasceu no dia 16 de dezembro de 1865, em Vigolo Vattaro, província de Trento, no norte da Itália. Foi a segunda filha do casal Napoleão e Anna, que eram ótimos cristãos, mas muito pobres.

Nessa época, começava a emigração dos italianos, movida pela doença e carestia que assolava a região. Foi o caso da família de Amábile, que em setembro de 1875 escolheu o Brasil e o local onde muitos outros trentinos já haviam se estabelecido no estado de Santa Catarina, em Nova Trento, na pequena localidade de Vigolo.

Assim que chegou, Amábile conheceu Virgínia Rosa Nicolodi e tornaram-se grandes amigas. As duas se confessam apaixonadas pelo Senhor Jesus e não era raro encontrá-las, juntas, rezando fervorosamente. Fizeram a primeira comunhão no mesmo dia, quando Amábile já tinha completado doze anos de idade.

Logo em seguida, o padre Servanzi a iniciou no apostolado paroquial, encarregando-a da catequese das crianças, da assistência aos doentes e da limpeza da capela de seu vilarejo, Vigolo, dedicada a são Jorge. Mas mal sabia o padre que estaria confirmando a vocação da jovem Amábile para o serviço do Senhor.

Amábile incluía, sempre, Virgínia nas atividades para ampliar o campo de ação. Dedicava-se de corpo e alma à caridade, servia consolando e ajudando os necessitados, os idosos, os abandonados, os doentes e as crianças. As obras já eram reconhecidas e notadas por todos, embora não soubesse que já se consagrava a Deus.

Com a permissão de seu pai, Amábile construiu um pequeno casebre, num terreno doado por um barão, próximo à capela, para lá rezar, cuidar dos doentes, instruir as crianças. A primeira paciente foi uma mulher portadora de câncer terminal, a qual não tinha quem lhe cuidasse. Era o dia 12 de julho de 1890, data considerada como o dia da fundação da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, que iniciou com Amábile e Virgínia atuando como enfermeiras.

Essa também foi a primeira congregação religiosa feminina fundada em solo brasileiro, tendo sido aprovada pelo bispo de Curitiba, em agosto 1895. Quatro meses depois, Amábile, Virgínia e Teresa Anna Maule, outra jovem que se juntou a elas, fizeram os votos religiosos; e Amábile recebeu o nome de irmã Paulina do Coração Agonizante de Jesus. Também foi nomeada superiora, passando a ser chamada de madre Paulina.

A santidade e a vida apostólica de madre Paulina e de suas irmãzinhas atraíram muitas vocações, apesar da pobreza e das dificuldades em que viviam. Além do cuidado dos doentes, das crianças órfãs, dos trabalhos da paróquia, trabalhavam também na pequena indústria da seda para poderem sobreviver.

Em 1903, com o reconhecimento de sua obra, madre Paulina foi convidada a transferir-se para São Paulo. Fixando-se junto a uma capela no bairro do Ipiranga, iniciou a obra da "Sagrada Família" para abrigar os ex-escravos e seus filhos depois da abolição da escravatura, ocorrida em 1888. Em 1918, madre Paulina foi chamada à Casa-geral, em São Paulo, com o reconhecimento de suas virtudes, para servir de exemplo às jovens vocações da sua congregação. Nesse período, destacou-se pela oração constante e pela caridosa e contínua assistência às irmãzinhas doentes.

Em 1938, acometida pelo diabetes, iniciava um período de grande sofrimento, iniciando com a amputação do braço direito, até a cegueira total. Madre Paulina morreu serenamente no dia 9 de julho de 1942, na Casa-geral de sua congregação, em São Paulo.

Ela foi beatificada pelo papa João Paulo II em 1991, quando o papa visitou, oficialmente, o Brasil. Depois, o mesmo pontífice canonizou-a em 2002, tornando-se, assim, a primeira santa do Brasil.

Conheça mais sobre Santa Paulina no site: http://www.santuariosantapaulina.org.br/

Arquidiocese de São Paulo

SS. AGOSTINHO ZHAO RONG PRESBÍTERO E COMPANHEIROS, MÁRTIRES CHINESES

SS. Agostinho Zhao Rong presbítero e Companheiros -
mártires chineses 
09 de julho

SS. AGOSTINHO ZHAO RONG, PRESBÍTERO E COMPANHEIROS

Evangelização da China

O primeiro anúncio do Evangelho na China tem origens muito remotas: parece que também São Tomé, um dos Doze apóstolos de Jesus, foi até lá em sua obra de evangelização.
Contudo, segundo os primeiros testemunhos fidedignos, a chegada do cristianismo à China, através da Síria, ocorreu apenas no século V.
No entanto, na época moderna, muito se deve à Companhia de Jesus, que enviou seus missionários jesuítas, como Mateus Ricci, que desembarcaram em Macau, em 1582. No início, a nova religião gozava de certa liberdade de culto: com o edito do imperador, em 1692, foi possível a profissão de fé e a pregação livre no âmbito do império. Porém, esta situação não durou muito.

Agostinho, “eu te batizo...”

Agostinho Zhao Rong nasceu em Kweichou, em 1746, no seio de uma família pagã. Aos 20 anos, alistou-se no exército imperial e, aos 26, como carcereiro de Wu-chuan, ficou encarregado de manter os cristãos presos, após a perseguição imperial, desencadeada em 1772. Precisamente ali, aconteceu algo de extraordinário: detinha-se, cada vez mais, a ouvir os sacerdotes, que não deixavam de anunciar o Evangelho, nem durante a sua detenção. Assim, quase sem perceber, converteu-se ao cristianismo!
Ao ser batizado, em 28 de agosto, recebeu o nome de Agostinho. A seguir, pôs-se a serviço dos missionários, ficando encarregado de batizar as crianças, que estavam morrendo de fome, por causa da escassez.
Ao concluir os estudos teológicos necessários, foi ordenado sacerdote, em 1781.
Agostinho tornou-se um grande pregador, capaz de comover, até às lágrimas, com as suas pregações sobre a Paixão de Jesus, obtendo muitas conversões. Depois, foi enviado a Yunnan para evangelizar os aborígines.

Martírio, semente de santidade, que produz muitos frutos

Infelizmente, na China, em 1815, os cristãos voltaram a ser perseguidos. Agostinho, reconhecido como sacerdote, foi preso e submetido a torturas até ao martírio. Mas, ele não foi o primeiro, pois aonde o cristianismo chegava, chegava logo também o martírio.
Com efeito, Padre Francesco Fernández de Capillas, dominicano assassinado por ódio à fé, em 1648, é considerado Protomártir da China. A mesma sorte coube a muitos outros: entre 1648 e 1930, foram assassinados 120 cristãos, dos quais 87, nascidos e criados na China; outros eram, sobretudo, religiosos em missão.
Por ocasião do grande Jubileu do ano 2000 e da Canonização de Santo Agostinho Zhao Rong, São João Paulo II acrescentou todos os mártires chineses em uma única Causa, embora beatificados em momentos diferentes. Todos foram testemunhas corajosas do Evangelho de Cristo, que o anunciaram, com palavras e a vida, até ao extremo sacrifício.

Fonte: Vatican News

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Os falsos extremos e a visão cristã do progresso

Jolantis
Por John Zmirak

Onde encontrar a nossa verdadeira humanidade?

As pessoas, em sua maioria, entendem mal a virtude. Elas pensam que a virtude é simplesmente o oposto do pecado, quando, na verdade, o oposto de um pecado é geralmente outro tipo de pecado. O oposto de ir longe demais à direita, por exemplo, é ir longe demais à esquerda.

A maioria das observações sobre os sete pecados capitais se limita a apontar os vícios e a indicar as virtudes que devemos praticar no lugar deles. O que essas observações negligenciam é que o significado original da palavra “virtude” evoca “masculinidade”: ela vem do latim “vir”, que significa homem, varão. Em termos modernos, poderíamos traduzi-la como “humanidade”: humanidade plena e saudável, oposta à humanidade doente e distorcida.

Tomás de Aquino, baseando-se em Aristóteles, situava a virtude no saudável equilíbrio da pessoa que vive de acordo com a natureza humana e com o próprio estado de vida, sem se desviar nem para um extremo nem para outro. A virtude da temperança consiste, por exemplo, em apreciar a comida e a bebida em quantidades razoáveis e saudáveis. Pode-se pecar contra a temperança tanto pela gula quanto pelo comer pouco demais ou descuidadamente, vício este que implica desprezo do corpo e que Aquino chamava de insensibilidade.

Ocorre o mesmo com cada um dos outros pecados mortais: a virtude está no saudável equilíbrio entre duas distorções pecaminosas. A maior parte das neuroses, raivas e disfunções que eu tenho visto entre nós, católicos, se manifesta em pessoas que não captaram este ponto crucial: ao tentarem evitar desesperadamente a luxúria, a gula, a avareza, a preguiça, a ira, a vaidade e a inveja, eles acabam caindo em uma ou em mais das “sete neuroses capitais”: frigidez, insensibilidade, prodigalidade, fanatismo, servilismo, escrupulosidade e pusilanimidade. Meu objetivo, ao escrever sobre os sete pecados capitais, é restaurar a saudável visão tomista das virtudes. Se mais pessoas seguissem Tomás de Aquino, muitos psiquiatras fechariam as portas dos seus consultórios.

Chesterton observou que a Igreja teve que lutar contra uma série de heresias iguais e opostas, que cortavam um pedaço de uma verdade complexa e faziam dela um slogan simplório. Os arianos proclamavam: “Deus é um!”. E negavam que Cristo fosse divino. Os monofisitas retrucavam: “Jesus é Deus”. E negavam que ele fosse também humano. Mais recentemente, a vasta maioria dos católicos rejeitou o ensinamento de Paulo VI de que a contracepção é definitivamente proibida. Dos católicos restantes, uma alta porcentagem rejeita o ensinamento de Paulo VI de que o planejamento familiar natural é permitido.

Da mesma forma, os católicos excessivamente tolerantes entenderam os ensinamentos da Igreja sobre o ecumenismo e a liberdade religiosa, no Vaticano II, como se eles significassem que todas as religiões são basicamente iguais: caminhos “diversos” que levam ao mesmo Deus. A isso, os tradicionalistas radicais responderam rejeitando todo o Vaticano II e exigindo que o Estado prendesse todos os “hereges”.

E assim por diante. Esta oscilação entre falsos extremos certamente permeará a vida humana até o dia da volta de Jesus.

Dois erros profundos quanto à relação entre a graça de Deus e o esforço humano têm duelado ao longo dos últimos 1500 anos. Simplificando: é a luta entre o pelagianismo e o calvinismo. Há muitas sutilezas teológicas no meio, mas, grosso modo, os pelagianos acham que a salvação depende do esforço humano em imitar o exemplo de Cristo, enquanto os calvinistas (e os seguidores da interpretação calvinista de Agostinho, como os jansenistas e alguns dominicanos) acreditam que Deus faz tudo sozinho e que o homem não é livre nem para resistir à graça de Deus. Pelágio via Jesus não tanto como um redentor, mas como um modelo. Calvino imaginava um Deus que cria bilhões de almas explicitamente para o inferno.

O brilhante novelista Anthony Burgess, um pagão que nunca lamentou a sua educação católica, aplicou esta polaridade à política, imaginando a história humana como a oscilação entre as ideologias que pensam que a vida humana pode se aperfeiçoar aqui na terra e as ideologias que não têm esperança de melhoria e se entregam à crueldade e à injustiça. Burgess retrata os perfeccionistas como socialistas friamente burocráticos, malthusianos, cientistas sociais e ateus que promovem a esterilização, o homossexualismo e até a castração como resposta desesperada para a escassez econômica. Os “imperfeccionistas”, por sua vez, são obscurantistas supersticiosos que se prestam a cultos de fertilidade, à guerra e até ao canibalismo.

Em termos atuais, podemos ver os perfeccionistas como os teólogos da libertação e os imperfeccionistas como os cínicos capitalistas de compadrio. Ao longo da história da Igreja, temos visto os dois extremos em ação: os cristãos que imaginaram impor o reino de Deus na terra pela força revolucionária e aqueles que viam no pecado original a impossibilidade de qualquer progresso real. Jason Jones e eu exploramos esta polaridade em “The Race to Save Our Century” [“A corrida para salvar o nosso século“].

Por um lado:

O louvor derramado sobre os pobres nos Evangelhos e as promessas de uma perfeita “Nova Jerusalém” na terra, feitas no livro do Apocalipse, serviram como combustível para os pregadores radicais, para os comerciantes descontentes e para os intelectuais deslocados que, muitas vezes, atraíram seguidores em milhares de movimentos violentos para erradicar todo vestígio do mal e construir a sociedade perfeita, aqui e agora. Os flagelantes começaram fazendo penitência, mas acabaram conclamando à destruição da “corrupta” Igreja católica. A “Cruzada do Povo”, quando se mostrou incapaz de lutar contra os muçulmanos na Terra Santa, passou a focar na perseguição dos judeus em casa, na Europa. Tais movimentos causaram desastres em dezenas de cidades e custaram a vida para milhares de pessoas. Nos anais do antissemitismo histórico, estes eventos estão entre os piores registrados antes do Holocausto. Alguns governantes invocaram temas utópicos quando prometeram acabar com o “mal” em seus reinos, o que, para eles, significava converter à força ou expulsar as minorias religiosas (os judeus foram expulsos, em dada altura, de todos os principais países da Europa, exceto da Polônia). Os líderes da Igreja, apesar de regular e firmemente condenarem tais movimentos utópicos, eram muitas vezes impotentes para evitar as ações lideradas por sujeitos incultos e desequilibrados que se proclamavam profetas.

O contrário de tal idealismo radical é um cinismo cansado do mundo, diante do qual os clérigos, como seres caídos que são, não ficaram imunes:

As crueldades, guerras e extravagâncias ideológicas das revoluções francesa e afins empurraram ainda mais a maioria dos clérigos para os braços de monarquias autoritárias, como pensadores que viam os princípios cristãos legítimos da igualdade moral e da dignidade humana sempre à espreita por trás da retórica iluminista de alguns revolucionários, como Hugues-Felicité Robert de Lamennais, que foi alvo da condenação dos papas que temiam o retorno de surtos anticlericais. Os povos das nações católicas sob ocupação estrangeira, como a Polônia e a Irlanda, ficaram chocados quando os papas confirmaram os seus “legítimos” governantes não católicos em meio a revoltas nacionais populares.

Como o cardeal Josef Ratzinger escreveu em 1982, grande parte do trabalho do Concílio Vaticano II visava desvencilhar da Igreja do abraço pegajoso do Estado e renovar a sua proposta de servir à humanidade com crítica profética de todos os sistemas mundanos (ele também observou com tristeza que muitos católicos interpretavam a disposição da Igreja de criticar o próprio passado como uma licença para abraçar promiscuamente o mundo moderno, com todos os seus erros).

Hoje, o poder do Estado laico cresce diariamente e ameaça a liberdade da Igreja. Bem-intencionados e mal informados, os católicos investem contra um livre mercado de tipo “laissez-faire”, morto há muito tempo, e olham para o Estado laico como para um meio de se estabelecer a justiça terrena. É tentador responder cometendo o erro oposto, dar de ombros e dizer que a justiça na terra é inatingível. Mas isso não funciona.

Os críticos da utopia católica precisam acreditar na justiça e afirmar com clareza que a justiça e a igualdade material não são a mesma coisa. A igualdade perfeita na terra não é possível, nem desejável e nem mesmo justa. Um mundo em que o governo reprime toda diferença humana e controla a vida de cada pessoa é um retrato do inferno na terra. E os governos que tentaram impor esse tipo de igualdade acumularam centenas de milhões de civis assassinados: em comparação com eles, os piores excessos do capitalismo desenfreado parecem obras de misericórdia corporais.

É simplesmente um fato da natureza que as habilidades das pessoas, as suas ambições e as suas circunstâncias são diferentes, assim como é fato que as pessoas só vão trabalhar duro se for pelo próprio benefício e pelo da sua família. Os sistemas econômicos que aceitam estes fatos da natureza humana produzem riqueza muito mais eficazmente do que os sistemas baseados em idealismos ou em coerção. Se quisermos abolir a pobreza extrema e atender às necessidades humanas básicas, teremos que trabalhar com a espécie humana que realmente existe, não com fantasias como a de um Adão não caído ou a de um futuro “homem socialista”.

Mas ao aceitarmos que o homem é um ser verdadeiramente caído, temos que lembrar que ele também foi redimido; que somos chamados a amenizar os piores efeitos da desigualdade e a proteger a dignidade humana de cada pessoa. Portanto, deve haver linhas vermelhas que a competição não pode ultrapassar, e meios para os cidadãos mais pobres defenderem os seus direitos humanos. Na maior parte do mundo desenvolvido, essas linhas e meios foram estabelecidos há décadas e a pobreza extrema foi superada. A desigualdade que existe na América da Norte e na maioria dos países europeus é moralmente sem sentido. Há problemas sociais reais e há meios injustos, que os capitalistas de compadrio empregam para brincar com o sistema. A desigualdade em si, porém, não é um problema. É perfeitamente justo que Bill Gates tenha ficado rico e eu não.

desigualdade entre as nações é uma questão complexa, mas, no essencial, ela não resulta nem de exploração, nem de colonialismo, e sim de uma luta darwiniana entre sistemas sociais. As nações cujas culturas fundadoras acreditavam na livre concorrência, no governo descentralizado e no Estado de Direito prosperaram. Aquelas cuja cultura fundadora implicava coerção, paternalismo e nepotismo, não. A resposta para esta desigualdade não consiste em empobrecer os países ricos ou inundá-los de imigrantes carentes, mas em promover, de formas não coercitivas, os hábitos que levam à prosperidade.

Durante o transcurso da minha vida, nações como a Coreia do Sul e a Índia fizeram progressos enormes para erradicar a pobreza e permitir que centenas de milhões de pessoas adotem esses hábitos saudáveis, que deveríamos chamar de virtudes políticas. Ao mesmo tempo, centenas de milhões de outras pessoas foram desumanizadas, intimidadas e mantidas na pobreza pela prática de ideologias que negam a natureza humana e tentam reger sociedades como se elas fossem versões coercivas de mosteiros. Temos que chamar essas ideologias pelo nome que elas têm: pecados políticos.

Portanto, devemos olhar para as questões políticas e econômicas de uma perspectiva cristã “realista”, informada por um conhecimento da história e do que ela nos conta sobre a natureza humana. As pessoas foram feitas por Deus para zelarem primeiro por si mesmas e pelas suas famílias, e, depois, pela comunidade mais ampla. Essa inclinação foi acentuada pelo pecado. O impulso humano de melhorar, crescer, adquirir, é a fonte de energia que alimenta todo trabalho, esforço e crescimento. É um combustível que emite seus poluentes: a comunidade deve regulá-los. Mas, sem esse combustível, nada se mexe. Proíba os desejos “egoístas” de um homem e você verá que, sem eles, a única forma de fazê-lo se mexer é a ameaça de bala.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF