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sábado, 17 de julho de 2021

Reginald Pole: o homem que poderia salvar a Inglaterra

Cardeal Pole | Guadium Press

Reginald Pole, último representante da dinastia Plantagenet, foi retirado inexplicavelmente de suas funções eclesiásticas após reconquistar a “Ilha dos Santos” ao Papado. Que terá sucedido?

Redação (15/07/2021 21:05Gaudium Press) O triste reinado de Henrique VIII na Inglaterra (1509-1547) representou uma grande virada de página na história do país, da Europa e do próprio Catolicismo. Após séculos de prosperidade da religião católica na ilha britânica, o monarca desatou uma violenta perseguição aos ingleses fiéis ao Papa, dentre os quais figuram de modo especial o bispo São João Fisher e São Tomás Morus, antigo chanceler do reino, modelos de integridade em meio aos reveses e à perseguição.

Entrementes tanto sangue inocente era derramado sem piedade alguma, homens com verdadeiro ideal tentavam refrear o grande turbilhão provocado pelo cisma anglicano. Reginald Pole (1500-1558) é sem dúvida um dos maiores expoentes desta resistência, o único que pôde dar à nação inglesa alguns anos de anistia das condenações de Roma.

Nobreza de sangue e de alma

No ano de 1500, nasceu, em Straffordshire, Reginald, filho dos condes de Salisbury e pertencente, portanto, à nobre estirpe Plantagenet, o ramo mais próximo da casa real reinante. Desde a juventude deu mostras de grande inteligência e erudição, bem como de virtudes e exemplar religiosidade, enveredando logo pelo caminho da Igreja.

Quando Henrique VIII solicitou-lhe que apoiasse seu divórcio e suas heréticas ideias, retirou-se para a Itália, iniciando uma incansável campanha para salvar a religião em sua pátria, que culminou com a publicação da obra Pro Ecclesiasticae unitatis defensione. Nela instava o rebelde soberano a retratar-se de seus erros e voltar à unidade com Roma. Com efeito, este golpe foi sentido por Henrique que incontinenti mandou prender sua mãe — a bem-aventurada Margaret Pole, martirizada posteriormente — na prisão de Londres e colocou sua cabeça a elevado preço em ouro.[1]

Pole, agora revestido da púrpura eclesiástica e constituído legado papal a latere, não recuou diante das dificuldades que se lhe apresentaram.

Era “um católico zeloso e austero”,[2] que reunia em si “a finura de um prelado à timidez altiva de um grande senhor inglês”,[3] de caráter profundo e sério, coerente em seu pensamento e sua ação, predicados indispensáveis para um bom pastor da Igreja. Entretanto, em meio à emaranhada política europeia, não conseguiu alguém que secundasse seus planos. Foi para ele um período duro, no qual sua voz não fazia eco nem mesmo dentro da Igreja, relegado a esconder-se e esperar tempos melhores… Ainda assim, pôde atuar intensivamente no Concílio de Trento (1545-1563), para o qual fora nomeado presidente pelo Papa.

Deus perdeu, mas voltou a encontrar!”

Por fim, após inúmeras controvérsias nos reinados protestantes de Henrique VIII e de seu filho Eduardo VI, subiu ao trono inglês a princesa Maria Tudor, católica fervorosa, prima do Cardeal Pole e fiel a Roma; era uma porta que se abria ao povo britânico para que abraçasse novamente, por meio da intervenção do Cardeal legado, a religião verdadeira. Uma bula pontifícia concedeu a Pole plenos poderes, e ele logo embarcou para reconquistar sua terra; são memoráveis as palavras dirigidas pelo prelado ao embarcar em Calais rumo à Inglaterra: “Deus perdeu, mas voltou a encontrar!”, manifestando a alegria sobrenatural por finalmente poder cumprir sua grande missão.[4]

Ao desembarcar, foi recebido com toda a pompa e alegria, que só aumentou ao chegar à capital. O rei, a rainha e os nobres reunidos no parlamento após ouvirem a célebre apologia do Catolicismo feita pelo Cardeal, prostrados ante a purpúrea figura, receberam a solene absolvição geral. Levantou-se a excomunhão, o culto voltou às igrejas, e a Inglaterra estava renovada; todos os lordes mostravam-se profundamente contritos, e o regozijo do povo parecia não ter limites, e “rutilaram todas as glórias católicas do passado. No dia seguinte, vinte e cinco mil fiéis, amontoados em Saint Paul e nas imediações, receberam de joelhos a bênção apostólica. Em 3 de janeiro de 1555, foi revogado tudo o que Henrique VIII e Eduardo VI tinham promulgado contra a Igreja”.[5]

O Cardeal Pole, entretanto, estava ciente de que sua missão não estava inteiramente cumprida; era mister difundir entre o povo inglês os sãos costumes da Igreja, tão denegridos nos anos anteriores. Convocou um grande concílio sob o título de Reformatio Angliae, para o qual preparou uma exposição geral da fé católica para prover as necessidades mais prementes da religião.[6] Esta reforma parecia criar uma Igreja rejuvenescida, como antes nunca havia sido a bela Ilha dos Santos.

Perdida a última chance…

Infelizmente, este estado de arrependimento pela volta à unidade eclesial não durou muito tempo, e o anglicanismo voltou à tona com uma sanha ainda mais intensa.

Desde o casamento da rainha Maria Tudor com Felipe II (1527-1598), rei da Espanha, houve um paulatino afastamento da política da Santa Sé em relação ao assunto inglês; e isto se acentuou consideravelmente pela pretensão que os Estados Pontifícios possuíam sobre o reino de Nápoles, então de domínio espanhol.

Foi então que Paulo IV, papa napolitano, julgando que Inglaterra e Espanha representavam uma ameaça aos interesses italianos do Papado, aliou-se aos franceses — que não poucas vezes vemos unirem-se a protestantes ou infiéis — em guerra contra as duas potências e removeu inexplicavelmente o Cardeal Pole de suas funções de jurisdição religiosa na Inglaterra, quando esta justamente mais precisava dele. Sentindo-se impotente e sem meios, Reginald não teve outro remédio senão deixar seu posto e apresentar-se em Roma. “Temos de confessar que era dar um estranho tratamento a um prelado que tinha restituído um reino ao Papado!”[7] Para cúmulo de infortúnio, os franceses acabavam de arrasar os últimos redutos ingleses no continente.

Dentro da psicologia britânica forjou-se então um axioma terrível: “catolicismo e fidelidade a Roma tornaram-se sinônimos de derrota; foi para passar por estas humilhações que a Inglaterra rogou o perdão do Pontífice?”[8]

O resto veio por consequência. Com a ausência do Cardeal, o partido protestante voltou a conquistar as simpatias do povo e, com o falecimento da rainha Maria, o Catolicismo também quase desceu à sepultura nas terras inglesas. Curiosamente, Reginald Pole deixaria esta terra apenas algumas horas após a última rainha católica da Inglaterra; não havia mais motivo para viver sem poder cumprir sua missão. Pela ação dos inimigos da Igreja — e talvez também pela de seus supostos amigos — a atuação do Cardeal Pole passou despercebida na história dos homens, e a Inglaterra imersa nas sombras do cisma.

Por André Luiz Kleina


[1] Cf. BETES, José Luis Repetto. Mil años de santidad seglar: Santos y beatos del segundo milenio. Madrid: BAC, 2002, p. 125-126.

[2] CHURCHILL, Winston. História dos povos de língua inglesa. Trad. Enéas Camargo. São Paulo: IBRASA, 1960, v. 2, p. 82.

[3] MAUROIS, André. Histoire d’Anglaterre. Paris: Fayard & Cie,1937, p. 329.

[4] Cf. MAUROIS, André. Histoire d’Anglaterre. Paris: Fayard & Cie,1937, p. 329.

[5] ROPS, Daniel. A Igreja da Renascença e da Reforma: a Reforma Protestante. Trad. Emérico da Gama. São Paulo: Quadrante, 1996, p.494.

[6] Cf. Ibid., p.495.

[7] Ibid., p.496.

[8] Cf. Ibid., p.496.

Eutanásia é sempre moralmente inaceitável, diz bispo da Colômbia

ACI Digital

BOGOTÁ, 16 jul. 21 / 02:08 pm (ACI).- A eutanásia é moralmente inaceitável em qualquer situação, disse dom Francisco Antonio Ceballos Escobar, bispo de Riohacha, na Colômbia. Uma ação ou uma omissão, com a intenção de provocar a morte para suprimir a dor “constitui um homicídio gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo, seu criador”, disse Ceballos, que é presidente da Comissão Episcopal de Promoção e Defesa da Vida da Colômbia, em mensagem de vídeo.

 https://youtu.be/9KkS1HcCQEk

As declarações do bispo se devem ao avanço da eutanásia rumo à legalização na Colômbia. Em 2015, a Corte Constitucional da Colômbia emitiu uma sentença pela qual a eutanásia, embora continue sendo crime, não é mais punida. No início deste mês, o Ministério da Saúde da Colômbia emitiu resolução sobre os procedimentos para exercer o direito “a morrer com dignidade”, legitimando a aplicação da eutanásia no país.

Em sua vídeo-mensagem, dom Ceballos disse que “é importante afirmar que para a moral cristã a vida é sagrada e deve ser tutelada desde a concepção até a morte natural”. Ele citou o quinto mandamento de Deus que diz: “não matarás”.

Ele citou também o Catecismo da Igreja Católica, que ensina: “Aqueles que têm uma vida deficiente ou enfraquecida reclamam um respeito especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para que possam levar uma vida tão normal quanto possível” (n. 2276).

O bispo frisou que, apesar de que o catecismo legitime a interrupção de tratamentos “onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados”, isso não significa uma pretensão de provocar a morte. Mesmo que a morte seja iminente, “os cuidados habitualmente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos”, porque “os cuidados paliativos constituem uma forma excepcional da caridade desinteressada”.

“Antes que eutanásia, se deveria encorajar, no mundo da medicina e da jurisprudência, os cuidados paliativos. Isso sim é ajudar a morrer com dignidade, pois a medicina paliativa se propõe humanizar o processo da morte e acompanhar até o final”, afirmou. “Não há enfermos incuidáveis, ainda que sejam incuráveis”.

ACI Digital

Amoris laetitia: o matrimônio, um dom que supera qualquer ameaça

Amoris Laetitia | Revista Fé e Razão

Cada mês, em 10 episódios, um vídeo com as reflexões do Papa e o testemunho de famílias de todas as partes do mundo – realizado em colaboração entre o Dicastério Leigos Família e Vida e Vatican News – ajuda a reler a Exortação apostólica, com a contribuição de um subsídio que pode ser baixado para o aprofundamento pessoal e comunitário. Porque ser família, recorda Francisco, é sempre “principalmente uma oportunidade”.

Amoris laetitia

(n. 89-119)

https://youtu.be/IqRUmRNeTP8

O AMOR NO MATRIMÔNIO

89. Tudo o que foi dito não é suficiente para exprimir o Evangelho do matrimónio e da família, se não nos detivermos particularmente a falar do amor. Com efeito, não poderemos encorajar um caminho de fidelidade e doação recíproca, se não estimularmos o crescimento, a consolidação e o aprofundamento do amor conjugal e familiar. De facto, a graça do sacramento do matrimónio destina-se, antes de mais nada, «a aperfeiçoar o amor dos cônjuges».[104] Também aqui é verdade que, «ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou. Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor de nada me vale» (1Cor 13, 2-3). Mas a palavra «amor», uma das mais usadas, muitas vezes aparece desfigurada.[105]

O nosso amor quotidiano

90. No chamado hino à caridade escrito por São Paulo, vemos algumas características do amor verdadeiro:

«O amor é paciente,
o amor é prestável;
não é invejoso,
não é arrogante nem orgulhoso,
nada faz de inconveniente,
não procura o seu próprio interesse,
não se irrita,
nem guarda ressentimento,
não se alegra com a injustiça,
mas rejubila com a verdade.
Tudo desculpa,
tudo crê,
tudo espera,
tudo suporta» (1Cor 13, 4-7).

Isto pratica-se e cultiva-se na vida que os esposos partilham dia a dia entre si e com os seus filhos. Por isso, vale a pena deter-se a esclarecer o significado das expressões deste texto, tendo em vista uma aplicação à existência concreta de cada família.

Paciência

91. A primeira palavra usada é «macrothymei». A sua tradução não é simplesmente «suporta tudo», porque esta ideia é expressa no final do versículo 7. O sentido encontra-se na tradução grega do texto do Antigo Testamento onde se diz que Deus é «lento para a ira» (Nm 14, 18; cf. Ex 34, 6). Uma pessoa mostra-se paciente, quando não se deixa levar pelos impulsos interiores e evita agredir. A paciência é uma qualidade do Deus da Aliança, que convida a imitá-Lo também na vida familiar. Os textos onde Paulo usa este termo devem ser lidos à luz do livro da Sabedoria (cf. 11, 23; 12, 2.15-18): ao mesmo tempo que se louva a moderação de Deus para dar tempo ao arrependimento, insiste-se no seu poder que se manifesta quando atua com misericórdia. A paciência de Deus é exercício da misericórdia de Deus para com o pecador e manifesta o verdadeiro poder.

92. Ter paciência não é deixar que nos maltratem permanentemente, nem tolerar agressões físicas, ou permitir que nos tratem como objetos. O problema surge quando exigimos que as relações sejam idílicas, ou que as pessoas sejam perfeitas, ou quando nos colocamos no centro esperando que se cumpra unicamente a nossa vontade. Então tudo nos impacienta, tudo nos leva a reagir com agressividade. Se não cultivarmos a paciência, sempre acharemos desculpas para responder com ira, acabando por nos tornarmos pessoas que não sabem conviver, antissociais incapazes de dominar os impulsos, e a família tornar-se-á um campo de batalha. Por isso, a Palavra de Deus exorta-nos: «Toda a espécie de azedume, raiva, ira, gritaria e injúria desapareça de vós, juntamente com toda a maldade» (Ef 4, 31). Esta paciência reforça-se quando reconheço que o outro, assim como é, também tem direito a viver comigo nesta terra. Não importa se é um estorvo para mim, se altera os meus planos, se me molesta com o seu modo de ser ou com as suas ideias, se não é em tudo como eu esperava. O amor possui sempre um sentido de profunda compaixão, que leva a aceitar o outro como parte deste mundo, mesmo quando age de modo diferente daquilo que eu desejaria.

Atitude de serviço

93. Vem depois a palavra jrestéuetai – a única vez que aparece em toda a Bíblia –, que deriva de jrestós (pessoa boa, que mostra a sua bondade nas ações). Mas pelo lugar onde está, ou seja, em estrito paralelismo com o verbo anterior, é seu complemento. Deste modo Paulo pretende esclarecer que a «paciência», nomeada em primeiro lugar, não é uma postura totalmente passiva, mas há-de ser acompanhada por uma atividade, uma reação dinâmica e criativa perante os outros. Indica que o amor beneficia e promove os outros. Por isso, traduz-se como «prestável».

94. No conjunto do texto, vê-se que Paulo quer insistir que o amor não é apenas um sentimento, mas deve ser entendido no sentido que o verbo «amar» tem em hebraico: «fazer o bem». Como dizia Santo Inácio de Loyola, «o amor deve ser colocado mais nas obras do que nas palavras».[106] Assim poderá mostrar toda a sua fecundidade, permitindo-nos experimentara felicidade de dar, a nobreza e grandeza de doar-se superabundantemente, sem calcular nem reclamar pagamento, mas apenas pelo prazer de dar e servir.

Curando a inveja

95. Em seguida rejeita-se, como contrária ao amor, uma atitude expressa como zeloi (ciúme ou inveja). Significa que, no amor, não há lugar para sentir desgosto pelo bem do outro (cf. At 7, 9;17, 5). A inveja é uma tristeza pelo bem alheio, demonstrando que não nos interessa a felicidade dos outros, porque estamos concentrados exclusivamente no nosso bem-estar. Enquanto o amor nos faz sair de nós mesmos, a inveja leva a centrar-nos em nós próprios. O verdadeiro amor aprecia os sucessos alheios, não os sente como uma ameaça, libertando-se do sabor amargo da inveja. Aceita que cada um tenha dons distintos e caminhos diferentes na vida; e, consequentemente, procura descobrir o seu próprio caminho para ser feliz, deixando que os outros encontrem o deles.

96. Em última análise, trata-se de cumprir o que pedem os dois últimos mandamentos da Lei de Deus: «Não desejarás a casa do teu próximo. Não desejarás a mulher do teu próximo, o seu servo, a sua serva, o seu boi, o seu burro, e tudo o que é do teu próximo» (Ex 20, 17). O amor leva-nos a uma apreciação sincera de cada ser humano, reconhecendo o seu direito à felicidade. Amo aquela pessoa, vejo-a com o olhar de Deus Pai, que nos dá tudo «para nosso usufruto» (1Tim 6, 17), e consequentemente aceito, no meu íntimo, que ela possa usufruir dum momento bom. Entretanto esta mesma raiz do amor leva-me a rejeitar a injustiça de alguns terem muito e outros não terem nada, ou induz-me a procurar que os próprios descartáveis da sociedade possam viver um pouco de alegria. Mas isto não é inveja; são anseios de equidade.

Sem ser arrogante nem se orgulhar

97. Segue-se o termo perpereuetai, que indica vanglória, desejo de se mostrar superior para impressionar os outros com atitude pedante e um pouco agressiva. Quem ama não só evita falar muito de si mesmo, mas, porque está centrado nos outros, sabe manter-se no seu lugar sem pretender estar no centro. A palavra seguinte – physioutai – é muito semelhante, indicando que o amor não é arrogante. Literalmente afirma que não se «engrandece» diante dos outros; mas indica algo de mais subtil. Não se trata apenas duma obsessão por mostrar as próprias qualidades; é pior: perde-se o sentido da realidade, a pessoa considera-se maior do que é, porque se crê mais «espiritual» ou «sábia». Paulo usa este verbo noutras ocasiões, para dizer, por exemplo, que «a ciência incha», ao passo que «a caridade edifica» (1Cor 8, 1). Por outras palavras, alguns julgam-se grandes, porque sabem mais do que os outros, dedicando-se a impor-lhes exigências e a controlá-los; quando, na realidade, o que nos faz grandes é o amor que compreende, cuida, integra, está atento aos fracos. Noutro versículo, usa-o para criticar aqueles que «se tornaram insolentes» (1Cor 4, 18), mas, na realidade, têm mais palavreado do que verdadeiro «poder» do Espírito (cf. 1Cor 4, 19).

98. É importante que os cristãos vivam isto no seu modo de tratar os familiares pouco formados na fé, frágeis ou menos firmes nas suas convicções. Às vezes, dá-se o contrário: as pessoas que, no seio da família, se consideram mais desenvolvidas, tornam-se arrogantes insuportáveis. A atitude de humildade aparece aqui como algo que faz parte do amor, porque, para poder compreender, desculpar ou servir os outros de coração, é indispensável curar o orgulho e cultivar a humildade. Jesus lembrava aos seus discípulos que, no mundo do poder, cada um procura dominar o outro, e acrescentava: «não seja assim entre vós» (Mt 20, 26). A lógica do amor cristão não é a de quem se considera superior aos outros e precisa de fazer-lhes sentir o seu poder, mas a de «quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo» (Mt 20, 27). Na vida familiar, não pode reinar a lógica do domínio de uns sobre os outros, nem a competição para ver quem é mais inteligente ou poderoso, porque esta lógica acaba com o amor. Vale também para a família o seguinte conselho: «Revesti-vos todos de humildade no trato uns com os outros, porque Deus opõe-se aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes» (1Ped 5, 5).

Amabilidade

99. Amar é também tornar-se amável, e nisto está o sentido do termo asjemonéi. Significa que o amor não age rudemente, não atua de forma inconveniente, não se mostra duro no trato. Os seus modos, as suas palavras, os seus gestos são agradáveis; não são ásperos, nem rígidos. Detesta fazer sofrer os outros. A cortesia «é uma escola de sensibilidade e altruísmo», que exige que a pessoa «cultive a sua mente e os seus sentidos, aprenda a ouvir, a falar e, em certos momentos, a calar».[107] Ser amável não é um estilo que o cristão possa escolher ou rejeitar: faz parte das exigências irrenunciáveis do amor, por isso «todo o ser humano está obrigado a ser afável com aqueles que o rodeiam».[108] Diariamente «entrar na vida do outro, mesmo quando faz parte da nossa existência, exige a delicadeza duma atitude não invasiva, que renova a confiança e o respeito. (...) E quanto mais íntimo e profundo for o amor, tanto mais exigirá o respeito pela liberdade e a capacidade de esperar que o outro abra a porta do seu coração».[109]

100. A fim de se predispor para um verdadeiro encontro com o outro, requer-se um olhar amável pousado nele. Isto não é possível quando reina um pessimismo que põe em evidência os defeitos e erros alheios, talvez para compensar os próprios complexos. Um olhar amável faz com que nos detenhamos menos nos limites do outro, podendo assim tolerá-lo e unirmo-nos num projeto comum, apesar de sermos diferentes. O amor amável gera vínculos, cultiva laços, cria novas redes de integração, constrói um tecido social firme. Deste modo, uma pessoa protege-se a si mesma, pois, sem sentido de pertença, não se pode sustentar uma entrega aos outros, acabando cada um por buscar apenas as próprias conveniências, e a convivência torna-se impossível. Uma pessoa antissocial julga que os outros existem para satisfazer as suas necessidades e, quando o fazem, cumprem apenas o seu dever. Neste caso, não haveria espaço para a amabilidade do amor e a sua linguagem. A pessoa que ama é capaz de dizer palavras de incentivo, que reconfortam, fortalecem, consolam, estimulam. Vejamos, por exemplo, algumas palavras que Jesus dizia às pessoas: «Filho, tem confiança!» (Mt 9, 2). «Grande é a tua fé!» (Mt 15, 28). «Levanta-te!» (Mc 5, 41). «Vai em paz» (Lc 7, 50). «Não temais!» (Mt 14, 27). Não são palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam. Na família, é preciso aprender esta linguagem amável de Jesus.

Desprendimento

101. Como se diz muitas vezes, para amar os outros, é preciso primeiro amar-se a si mesmo. Todavia este hino à caridade afirma que o amor «não procura o seu próprio interesse», ou «não procura o que é seu». Esta expressão aparece ainda noutro texto: «Não tenha cada um em vista os próprios interesses, mas todos e cada um exactamente os interesses dos outros» (Flp 2, 4). Perante uma afirmação assim clara da Sagrada Escritura, deve-se evitar de dar prioridade ao amor a si mesmo, como se fosse mais nobre do que o dom de si aos outros. Uma certa prioridade do amor a si mesmo só se pode entender como condição psicológica, pois uma pessoa que seja incapaz de se amar a si mesma sente dificuldade em amar os outros: «Para quem será bom aquele que é mau para si mesmo? (...) Não há pior do que aquele que é avaro para si mesmo» (Sir 14, 5-6).

102. Mas o próprio Tomás de Aquino explicou «ser mais próprio da caridade querer amar do que querer ser amado»,[110] e que de facto «as mães, que são as que mais amam, procuram mais amar do que ser amadas».[111] Por isso, o amor pode superar a justiça e transbordar gratuitamente «sem nada esperar em troca» (Lc 6, 35), até chegar ao amor maior que é «dar a vida» pelos outros (Jo 15, 13). Mas será possível um desprendimento assim, que permite dar gratuitamente e dar até ao fim? Sem dúvida, porque é o que pede o Evangelho: «Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8).

Sem violência interior

103. Se a primeira expressão do hino nos convidava à paciência, que evita reagir bruscamente perante as fraquezas ou erros dos outros, agora aparece outra palavra – paroxýnetai –que diz respeito a uma reacção interior de indignação provocada por algo exterior. Trata-se de uma violência interna, uma irritação recôndita que nos põe à defesa perante os outros, como se fossem inimigos molestos a evitar. Alimentar esta agressividade íntima, de nada aproveita. Serve apenas para nos adoentar, acabando por nos isolar. A indignação é saudável, quando nos leva a reagir perante uma grave injustiça; mas é prejudicial, quando tende a impregnar todas as nossas atitudes para com os outros.

104. O Evangelho convida a olhar primeiro a trave na própria vista (cf. Mt 7, 5), e nós, cristãos, não podemos ignorar o convite constante da Palavra de Deus para não se alimentar a ira: «Não te deixes vencer pelo mal» (Rm 12, 21); «não nos cansemos de fazer o bem» (Gal 6, 9). Uma coisa é sentir a força da agressividade que irrompe, e outra é consentir nela, deixar que se torne uma atitude permanente: «Se vos irardes, não pequeis; que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento» (Ef 4, 26). Por isso, nunca se deve terminar o dia sem fazer as pazes na família. «E como devo fazer as pazes? Ajoelhar-me? Não! Para restabelecer a harmonia familiar basta um pequeno gesto, uma coisa de nada. É suficiente uma carícia, sem palavras. Mas nunca permitais que o dia em família termine sem fazer as pazes».[112] A reacção interior perante uma moléstia que nos causam os outros, deveria ser, antes de mais nada, abençoar no coração, desejar o bem do outro, pedir a Deus que o liberte e cure. «Respondei com palavras de bênção, pois a isto fostes chamados: a herdar uma bênção» (1Ped 3, 9). Se tivermos de lutar contra um mal, façamo-lo; mas sempre digamos «não» à violência interior.

Perdão

105. Se permitirmos a entrada dum mau sentimento no nosso íntimo, damos lugar ao ressentimento que se aninha no coração. A frase logízetai to kakón significa que se «tem em conta o mal», «trá-lo gravado», ou seja, está ressentido. O contrário disto é o perdão; perdão fundado numa atitude positiva que procura compreender a fraqueza alheia e encontrar desculpas para a outra pessoa, como Jesus que diz: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34). Entretanto a tendência costuma ser a de buscar cada vez mais culpas, imaginar cada vez mais maldades, supor todo o tipo de más intenções, e assim o ressentimento vai crescendo e cria raízes. Deste modo, qualquer erro ou queda do cônjuge pode danificar o vínculo de amor e a estabilidade familiar. O problema é que, às vezes, atribui-se a tudo a mesma gravidade, com o risco de tornar-se cruel perante qualquer erro do outro. A justa reivindicação dos próprios direitos torna-se mais uma persistente e constante sede de vingança do que uma sã defesa da própria dignidade.

106. Quando estivermos ofendidos ou desiludidos, é possível e desejável o perdão; mas ninguém diz que seja fácil. A verdade é que «a comunhão familiar só pode ser conservada e aperfeiçoada com grande espírito de sacrifício. Exige, de facto, de todos e de cada um, pronta e generosa disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão, à reconciliação. Nenhuma família ignora como o egoísmo, o desacordo, as tensões, os conflitos agridem, de forma violenta e às vezes mortal, a comunhão: daqui as múltiplas e variadas formas de divisão da vida familiar».[113]

107. Hoje sabemos que, para se poder perdoar, precisamos de passar pela experiência libertadora de nos compreendermos e perdoarmos a nós mesmos. Quantas vezes os nossos erros ou o olhar crítico das pessoas que amamos nos fizeram perder o amor a nós próprios; isto acaba por nos levar a acautelar-nos dos outros, esquivando-nos do seu afecto, enchendo-nos de suspeitas nas relações interpessoais. Então, poder culpar os outros torna-se um falso alívio. Faz falta rezar com a própria história, aceitar-se a si mesmo, saber conviver comas próprias limitações e inclusive perdoar-se, para poder ter esta mesma atitude com os outros.

108. Mas isto pressupõe a experiência de ser perdoados por Deus, justificados gratuitamente e não pelos nossos méritos. Fomos envolvidos por um amor prévio a qualquer obra nossa, que sempre dá uma nova oportunidade, promove e incentiva. Se aceitamos que o amor de Deus é incondicional, que o carinho do Pai não se deve comprar nem pagar, então poderemos amar sem limites, perdoar aos outros, ainda que tenham sido injustos para connosco. Caso contrário, a nossa vida em família deixará de ser um lugar de compreensão, companhia e incentivo, e tornar-se-á um espaço de permanente tensão ou de castigo mútuo.

Alegrar-se com os outros

109. A expressão jaireiepi te adikíaindica algo de negativo arraigado no segredo do coração da pessoa. É a atitude venenosa de quem, ao ver feita a alguém uma injustiça, se alegra. A frase é completada pela seguinte, que o diz de forma positiva: sygjairei te alétheia – rejubila com a verdade. Por outras palavras, alegra-se como bem do outro, quando se reconhece a sua dignidade, quando se aprecia mas suas capacidades e as suas boas obras. Isto é impossível para quem sente a necessidade de estar sempre a comparar-se ou a competir, inclusive com o próprio cônjuge, até ao ponto de se alegrar secretamente com os seus fracassos.

110. Quando uma pessoa que ama pode fazer algo de bom pelo outro, ou quando vê que a vida está a correr bem ao outro, vive isso com alegria e, assim, dá glória a Deus, porque «Deus ama quem dá com alegria» (2Cor 9, 7), nosso Senhor aprecia de modo especial quem se alegra com a felicidade do outro. Se não alimentamos a nossa capacidade de rejubilar como bem do outro, concentrando-nos sobretudo nas nossas próprias necessidades, condenamo-nos a viver com pouca alegria, porque – como disse Jesus – «a felicidade está mais em dar do que em receber» (At 20, 35). A família deve ser sempre o lugar onde uma pessoa que consegue algo de bom na vida, sabe que ali se vão congratular com ela.

Tudo desculpa

111. O elenco é completado com quatro expressões que falam duma totalidade: «tudo». Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Assim se destaca vigorosamente o dinamismo contracorrente do amor, capaz de enfrentar qualquer coisa que o possa ameaçar.

112. Em primeiro lugar, diz-se que «tudo desculpa – panta stégei». É diferente de «não ter em conta o mal», porque este termo tem a ver com o uso da língua; pode significar «guardar silêncio» a propósito do mal que possa haver noutra pessoa. Implica limitar o juízo, conter a inclinação para se emitir uma condenação dura e implacável: «Não condeneis e não sereis condenados» (Lc 6, 37). Embora isto vá contra o uso que habitualmente fazemos da língua, a Palavra de Deus pede-nos: «Não faleis mal uns dos outros, irmãos» (Tg 4, 11). Deter-se a danificar a imagem do outro é uma maneira de reforçar a própria, de descarregar ressentimentos e invejas, sem se importar com o dano causado. Muitas vezes esquece-se que a difamação pode ser um grande pecado, uma grave ofensa a Deus, quando afecta seriamente a boa fama dos outros, causando-lhes danos muito difíceis de reparar. Por isso a Palavra de Deus se mostra tão dura com a língua, dizendo que «é um mundo de iniquidade [que] contamina todo o corpo» (Tg 3, 6), «um mal incontrolável, carregado de veneno mortal» (Tg 3, 8). Se «com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus» (Tg 3, 9), o amor faz o contrário, defendendo a imagem dos outros e com uma delicadeza tal que leva mesmo a preservar a boa fama dos inimigos. Ao defender a lei divina, é preciso nunca esquecer esta exigência do amor.

113. Os esposos, que se amam e se pertencem, falam bem um do outro, procuram mostrar mais o lado bom do cônjuge do que as suas fraquezas e erros. Em todo o caso, guardam silêncio para não danificar a sua imagem. Mas não é apenas um gesto externo, brota duma atitude interior. Também não é a ingenuidade de quem pretende não ver as dificuldades e os pontos fracos do outro, mas a perspectiva ampla de quem coloca estas fraquezas e erros no seu contexto; lembra-se de que estes defeitos constituem apenas uma parte, não são a totalidade do ser do outro: um facto desagradável no relacionamento não é a totalidade desse relacionamento. Assim é possível aceitar, com simplicidade, que todos somos uma complexa combinação de luzes e sombras. O outro não é apenas aquilo que me incomoda; é muito mais do que isso. E, pela mesma razão, não lhe exijo que seja perfeito o seu amor para o apreciar: ama-me como é e como pode, com os seus limites, mas o facto de o seu amor ser imperfeito não significa que seja falso ou que não seja real. É real, mas limitado e terreno. Por isso, se eu lhe exigir demais, de alguma maneira mo fará saber, pois não poderá nem aceitará desempenhar o papel dum ser divino nem estar ao serviço de todas as minhas necessidades. O amor convive com a imperfeição, desculpa-a e sabe guardar silêncio perante os limites do ser amado.

Confia

114. «Panta pisteuei – tudo crê». Pelo contexto, não se deve entender esta «fé» em sentido teológico, mas no sentido comum de «confiança». Não se trata apenas de não suspeitar que o outro esteja mentindo ou enganando; esta confiança básica reconhece a luz acesa por Deus que se esconde por detrás da escuridão, ou a brasa ainda acesa sob as cinzas.

115. É precisamente esta confiança que torna possível uma relação em liberdade. Não é necessário controlar o outro, seguir minuciosamente os seus passos, para evitar que fuja dos meus braços. O amor confia, deixa em liberdade, renuncia a controlar tudo, a possuir, a dominar. Esta liberdade, que possibilita espaços de autonomia, abertura ao mundo e novas experiências, consente que a relação se enriqueça e não se transforme numa endogamia sem horizontes. Assim, ao reencontrar-se, os cônjuges podem viver a alegria de partilhar o que receberam e aprenderam fora do circuito familiar. Ao mesmo tempo torna possível a sinceridade e a transparência, porque uma pessoa, quando sabe que os outros confiam nela e apreciam a bondade basilar do seu ser, mostra-se como é, sem dissimulações. Pelo contrário, quando alguém sabe que sempre suspeitam dele, julgam-no sem compaixão e não o amam incondicionalmente, preferirá guardar os seus segredos, esconder as suas quedas e fraquezas, fingir o que não é. Concluindo, uma família, onde reina uma confiança sólida, carinhosa e, suceda o que suceder, sempre se volta a confiar, permite o florescimento da verdadeira identidade dos seus membros, fazendo com que se rejeite espontaneamente o engano, a falsidade e a mentira.

Espera

116. Panta elpízei: não desespera do futuro. Ligado à palavra anterior, indica a esperança de quem sabe que o outro pode mudar; sempre espera que seja possível um amadurecimento, um inesperado surto de beleza, que as potencialidades mais recônditas do seu ser germinem algum dia. Não significa que, nesta vida, tudo vai mudar; implica aceitar que nem tudo aconteça como se deseja, mas talvez Deus escreva direito por linhas tortas e saiba tirar algum bem dos males que não se conseguem vencer nesta terra.

117. Aqui aparece a esperança no seu sentido pleno, porque inclui a certeza duma vida para além da morte. Aquela pessoa, com todas as suas fraquezas, é chamada à plenitude do Céu: lá, completamente transformada pela ressurreição de Cristo, cessarão de existir as suas fraquezas, trevas e patologias; lá, o verdadeiro ser daquela pessoa resplandecerá com toda a sua potência de bem e beleza. Isto permite-nos, no meio das moléstias desta terra, contemplar aquela pessoa com um olhar sobrenatural, à luz da esperança, e aguardar aquela plenitude que, embora hoje não seja visível, há-de receber um dia no Reino celeste.

Tudo suporta

118. Panta hypoménei significa que suporta, com espírito positivo, todas as contrariedades. É manter-se firme no meio dum ambiente hostil. Não consiste apenas em tolerar algumas coisas molestas, mas é algo de mais amplo: uma resistência dinâmica e constante, capaz de superar qualquer desafio. É amor que apesar de tudo não desiste, mesmo que todo o contexto convide a outra coisa. Manifesta uma dose de heroísmo tenaz, de força contra qualquer corrente negativa, uma opção pelo bem que nada pode derrubar. Isto lembra-me Martin Luther King, quando reafirmava a opção pelo amor fraterno, mesmo nomeio das piores perseguições e humilhações: «A pessoa que mais te odeia, tem algo de bom nela; mesmo a nação que mais odeia, tem algo de bom nela; mesmo a raça que mais odeia, tem algo de bom nela. E, quando chegas ao ponto de fixar o rosto de cada ser humano e, bem no fundo dele, vês o que a religião chama a “imagem de Deus”, começas, não obstante tudo, a amá-lo. Não importa o que faça, lá vês a imagem de Deus. Há um elemento de bondade de que nunca poderás livrar-te. (...) Outra forma de amares o teu inimigo é esta: quando surge a oportunidade de derrotares o teu inimigo, aquele é o momento em que deves decidir não o fazer. (...) Quando te elevas ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que procuras derrotar são os sistemas malignos. Às pessoas que caíram na armadilha deste sistema, tu ama-las, mas procuras derrotar o sistema. (...) Ódio por ódio só intensifica a existência do ódio e do mal no universo. Se eu te bato e tu me bates, e eu te devolvo a pancada e tu me devolves a pancada, e assim por diante… obviamente continua-se até ao infinito; simplesmente nunca termina. Nalgum ponto, alguém deve ter um pouco de bom senso, e esta é a pessoa forte. A pessoa forte é aquela que pode quebrar a cadeia do ódio, a cadeia do mal. (...) Alguém deve ter bastante fé e moralidade para a quebrar e injectar dentro da própria estrutura do universo o elemento forte e poderoso do amor».[114]

119. Na vida familiar, é preciso cultivar esta força do amor, que permite lutar contra o mal que a ameaça. O amor não se deixa dominar pelo ressentimento, o desprezo das pessoas, o desejo de se lamentar ou vingar de alguma coisa. O ideal cristão, nomeadamente na família, é amor que apesar de tudo não desiste. Deixa-me maravilhado, por exemplo, a atitude das pessoas que, para se proteger da violência física, tiveram de separar-se do seu cônjuge e todavia, pela caridade conjugal que sabe ultrapassar os sentimentos, foram capazes de procurar o seu bem, mesmo através de terceiros, em momentos de doença, tribulação ou dificuldade. Isto também é amor que apesar de tudo não desiste.

Fonte: Vatican News

Bem-aventurado Inácio de Azevedo e companheiros, mártires

Beato Inácio de Azevedo e companheiros | Ed. Paulus
17 de julho
Beato Inácio de Azevedo e companheiros

Nasceu Inácio em Portugal, no Porto, em 1527, filho de D. Emanuel e Dona Vielante, ambos descendentes de famílias lusitanas ricas e nobres. Recebeu cuidadosa educação e tornou-se o administrador dos bens familiares aos 18 anos de idade. Após um retiro realizado em Coimbra, decidiu-se pela vida religiosa, entrando na Companhia de Jesus, em 1548; era a idade dos grandes ideais, dos sonhos e das grandes esperanças.

Revelou-se logo excelente religioso; suas austeridades tiveram de ser moderadas pelo seu provincial, o padre Simão Rodriguez. Não terminara, aos 26 anos de idade, o seu curso de teologia, quando foi nomeado reitor do Colégio Santo Antônio em Lisboa.

Tornou-se vice-provincial em 1556. Depois de terminados seus estudos, foi mandado a Braga, para assessorar o bispo da cidade na reforma da diocese. Mais tarde foi eleito por sua comunidade para ir à Roma para a eleição do novo Geral. Assim, em 1565, este Geral, que outro não foi senão são Francisco Borja, confiou a Inácio a inspecção das missões das Índias e do Brasil. Essa visita durou cerca de três anos. A evangelização do Brasil começara há apenas 16 anos, mas a Companhia de Jesus penetrara já em sete tribos do interior e no litoral possuía escolas e seminários. Em seu relatório, Inácio pedia reforços. São Francisco de Borja ordenou-lhe que recrutasse em Portugal e na Espanha elementos para o Brasil, e que os chefiasse. Após cinco meses de exercícios religiosos e preparativos, partiram, a 5 de junho de 1570, Azevedo e 39 companheiros, no navio mercante São Tiago. Trinta outros seguiam num barco de guerra da esquadra comandada por Dom Luís de Vasconcelos, então governador do Brasil.

Oito dias depois, alcançavam a ilha da Madeira, onde Dom Luís decidiu permanecer a fim de esperar ventos mais favoráveis. Mas o capitão do São Tiago preferiu demandar às ilhas Canárias, apesar de se falar em perigosos piratas, sobretudo franceses. O São Tiago, perto da Grande Canária, antes de seguir para Las Palmas, onde faria escala, ancorou num pequeno porto, onde Inácio foi aconselhado a deixar o barco. Todavia, inspirado talvez por Deus, o bem-aventurado preferiu permanecer a bordo. Deixando o pequenino ancoradouro, a nau alcançou o alto-mar, onde foi alcançada pelo corsário francês Jacques Sourie, que partira de La Rochelle para capturar os jesuítas. Após séria luta corpo a corpo, o São Tiago foi dominado pelos calvinistas; Sourie declarou salvar a vida de todos os sobreviventes com exceção dos jesuítas; estes foram então friamente degolados, com exceção de um, o cozinheiro, que foi tomado como escravo e era coadjutor temporâneo. Mas o número de mártires foi 40, pois degolaram também um postulante, recrutado durante a viagem.

Assim morreu Inácio de Azevedo. De seus quarenta companheiros de martírio, nove eram espanhóis, os demais portugueses. O culto desses mártires foi confirmado por Pio IX em 1854.

Extraído do livro:
Um santo para cada dia, de Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini.

Fonte: https://www.paulus.com.br/

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Novas normas sobre a missa antiga, maior responsabilidade ao bispo

Missal Romano | Vatican News

O Papa publica um motu proprio para redefinir as modalidades de uso do missal pré-conciliar: as decisões voltam à disponibilidade dos pastores das dioceses. Os grupos ligados à antiga liturgia não devem excluir a legitimidade da reforma litúrgica, os ditames do Concílio Vaticano II e o Magistério dos Pontífices.

Vaticann News

O Papa Francisco, após consultar os bispos do mundo, decidiu mudar as normas que regem o uso do missal de 1962, que foi liberalizado como "Rito Romano Extraordinário" há catorze anos por seu predecessor Bento XVI. O Pontífice publicou esta sexta-feira (16/07) o motu proprio "Traditionis custodes", sobre o uso da liturgia romana anterior a 1970, acompanhando-o com uma carta na qual explica as razões de sua decisão. Eis as principais novidades.

A responsabilidade de regulamentar a celebração segundo o rito pré-conciliar volta para o bispo, moderador da vida litúrgica diocesana: "é de sua exclusiva competência autorizar o uso do Missale Romanum de 1962 na diocese, seguindo as orientações da Sé Apostólica". O bispo deve certificar-se de que os grupos que já celebram com o antigo missal "não excluam a validade e a legitimidade da reforma litúrgica, os ditames do Concílio Vaticano II e o Magistério dos Sumo Pontífices".

As missas com o rito antigo não serão mais realizadas nas igrejas paroquiais; o bispo determinará a igreja e os dias de celebração. As leituras devem ser "na língua vernácula", utilizando traduções aprovadas pelas Conferências episcopais. O celebrante deve ser um sacerdote delegado pelo bispo. O bispo também é responsável por verificar se é ou não oportuno manter as celebrações de acordo com o antigo missal, verificando sua "utilidade efetiva para o crescimento espiritual". De fato, é necessário que o sacerdote responsável tenha no coração não apenas a digna celebração da liturgia, mas também o cuidado pastoral e espiritual dos fiéis. O bispo "terá o cuidado de não autorizar a constituição de novos grupos".

Os sacerdotes ordenados após a publicação hodierna do Motu próprio, que pretendem utilizar o missal pré-conciliar "devem enviar um pedido formal ao Bispo diocesano que consultará a Sé Apostólica antes de conceder a autorização". Enquanto aqueles que já o fazem devem pedir a autorização ao bispo diocesano para continuar usando-o. Os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, "na época erigidos pela Pontifícia Comissão Ecclesia Dei", estarão sob a competência da Congregação para os Religiosos. Os Dicastérios para Culto, e para os Religiosos supervisionarão a observância destas novas disposições.

Na carta que acompanha o documento, o Papa Francisco explica que as concessões estabelecidas por seus predecessores para o uso do antigo missal foram motivadas sobretudo "pelo desejo de favorecer a recomposição do cisma com o movimento liderado pelo bispo Lefebvre". O pedido, dirigido aos bispos, de acolher generosamente as "justas aspirações" dos fiéis que solicitavam o uso daquele missal, "tinha, portanto, uma razão eclesial de recomposição da unidade da Igreja". Essa faculdade, observa Francisco, "é interpretada por muitos dentro da Igreja como a possibilidade de usar livremente o Missal Romano promulgado por São Pio V, determinando um uso paralelo ao Missal Romano promulgado por São Paulo VI".

O Papa lembra que a decisão de Bento XVI com o motu proprio "Summorum Pontificum" (2007) foi apoiada pela "convicção de que tal medida não colocaria em dúvida uma das decisões essenciais do Concílio Vaticano II, atingindo de tal modo sua autoridade". Há 14 anos o Papa Ratzinger declarou infundado o temor de divisões nas comunidades paroquiais, porque, escreveu, "as duas formas de uso do Rito Romano poderiam enriquecer-se mutuamente". Mas a sondagem recentemente promovida pela Congregação para a Doutrina da Fé entre os bispos trouxe respostas que revelam, escreve Francisco, "uma situação que me aflige e me preocupa, confirmando-me na necessidade de intervir", vez que o desejo de unidade foi "gravemente desatendido", e as concessões oferecidas com magnanimidade foram usadas "para aumentar as distâncias, endurecer as diferenças, construir contraposições que ferem a Igreja e dificultam seu caminho, expondo-a ao risco de divisões".

O Papa diz ficar triste com os abusos nas celebrações litúrgicas "de um lado e do outro", mas também diz contristar-se por um "uso instrumental do Missale Romanum de 1962, cada vez mais caracterizado por uma crescente rejeição não só da reforma litúrgica, mas do Concílio Vaticano II, com a afirmação infundada e insustentável de que ele traiu a Tradição e a 'verdadeira Igreja'". Duvidar do Concílio, explica Francisco, "significa duvidar das próprias intenções dos Padres, que exerceram solenemente seu poder colegial cum Petro et sub Petro no Concílio ecumênico, e, em última análise, duvidar do próprio Espírito Santo que guia a Igreja".

Por fim, Francisco acrescenta uma razão final para sua decisão de mudar as concessões do passado: "é cada vez mais evidente nas palavras e atitudes de muitos que existe uma relação estreita entre a escolha das celebrações de acordo com os livros litúrgicos anteriores ao Concílio Vaticano II e a rejeição à Igreja e suas instituições em nome do que eles julgam ser a 'verdadeira Igreja'. Este é um comportamento que contradiz a comunhão, alimentando aquele impulso à divisão... contra o qual o Apóstolo Paulo reagiu com firmeza. É para defender a unidade do Corpo de Cristo que sou obrigado a revogar a faculdade concedida por meus Predecessores".

Fonte: Vatican News

Dos Sermões, de São Leão Magno, papa

N. Senhora do Carmo | Derradeiras Graças

Dos Sermões, de São Leão Magno, papa

(Sermo 1 In Nativitate Domini, 2.3:PL54,191-192)                 (Séc. V)

 

Maria concebeu primeiro em seu espírito,

e depois em seu corpo

Uma virgem da descendência real de Davi foi escolhida para a sagrada maternidade; iria conceber um filho, Deus e homem, primeiro em seu espírito, e depois em seu corpo. E para evitar que, desconhecendo o desígnio de Deus, ela se perturbasse perante efeitos tão inesperados, ficou sabendo, no colóquio com o anjo, que era obra do Espírito Santo o que nela se realizaria. Maria, pois, acreditou que, estando para ser em breve Mãe de Deus, sua pureza não sofreria dano algum. Como duvidaria desta concepção tão original, aquela a quem é prometida a eficácia do poder do Altíssimo? A sua fé e confiança são ainda confirmadas pelo testemunho de um milagre anterior: a inesperada fecundidade de Isabel. De fato, quem tornou uma estéril capaz de conceber, pode também fazer com que uma virgem conceba.

Portanto, a Palavra de Deus, que é Deus, o Filho de Deus, que no princípio estava com Deus, por quem tudo foi feito e sem ela nada se fez (cf. Jo 1,2-3), a fim de libertar o homem da morte eterna, se fez homem. Desceu para assumir a nossa humildade, sem diminuir a sua majestade. Permanecendo o que era e assumindo o que não era, uniu a verdadeira condição de escravo à condição segundo a qual ele é igual a Deus; realizou assim entre as duas naturezas uma aliança tão admirável que, nem a inferior foi absorvida por esta glorificação, nem a superior foi diminuída por esta elevação.

Desta forma, conservando-se a perfeita propriedade das duas naturezas que subsistem em uma só pessoa, a humildade é assumida pela majestade, a fraqueza pela força, a mortalidade pela eternidade. Para pagar a dívida contraída pela nossa condição pecadora, a natureza invulnerável uniu-se à natureza passível; e a realidade de verdadeiro Deus e verdadeiro homem associa-se na única pessoa do Senhor. Por conseguinte, aquele que é um só mediador entre Deus e os homens (1Tm 2,5), como exigia a nossa salvação, morreu segundo a natureza humana e ressuscitou segundo a natureza divina. Com razão, pois, o nascimento do Salvador conservou intacta a integridade virginal de sua mãe; ela salvaguardou a pureza, dando à luz a Verdade.  

Tal era, caríssimos filhos, o nascimento que convinha a Cristo, poder e sabedoria de Deus. Por este nascimento, ele é semelhante a nós pela sua humanidade, e superior a nós pela sua divindade. De fato, se não fosse verdadeiro Deus, não nos traria o remédio; se não fosse verdadeiro homem, não nos serviria de exemplo.  

Por isso, quando o Senhor nasceu, os anjos cantaram cheios de alegria: Glória a Deus no mais alto dos céus, e anunciaram paz na terra aos homens por ele amados (Lc 2,14). Eles veem, efetivamente, a Jerusalém celeste ser construída pelos povos do mundo inteiro. Por tão inefável prodígio da bondade divina, qual não deve ser a alegria da nossa humilde condição humana, se até os sublimes coros dos anjos se rejubilam?

Fonte: https://www.liturgiadashoras.online/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF