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L'Osservatore Romano |
Há sempre duas maneiras de celebrar os aniversários.
Uma consiste em lamentar o tempo decorrido. Viver de recordações. Olhar para trás com pesar e nostalgia. E olhar em frente com medo, vivendo o tempo que passa como a condenação a assistir a uma inevitável consumação das coisas.
A outra consiste em olhar para o futuro com a urgência das coisas a fazer, mais do que com a satisfação daquilo que já foi feito, dos caminhos a percorrer mais do que os já percorridos. Não para cancelar o passado, mas eventualmente o contrário, não para lhe tirar o impulso à mudança que sempre o distingue, e que precisamente o faz passar. Para não ficarmos presos nele. Para dele tirar seiva e dinamismo.
Isto é válido também para «L’Osservatore Romano», o mais antigo dos meios de comunicação social da Santa Sé, do qual celebramos 160 anos.
Uma meta importante, como se diz na gíria. Mas até a gíria atraiçoa. Pois meta indica um ponto de chegada, o fim de um percurso. E não é este o caso.
Mas é exatamente este o ponto.
Para celebrar verdadeiramente um aniversário é necessário festejar uma nova partida, um novo início; não uma chegada. Fazer o balanço de uma navegação que continua. Ver os sinais dos tempos. Lançar a âncora, sim, mas para o futuro, não para o passado. Fazer as perguntas certas. E encontrar as respostas certas, respostas abertas, não fechadas.
Para que serve um jornal? Para que serve hoje; e para que servirá amanhã um jornal como «L’Osservatore Romano»? Como se integra e se integrará na era digital, que é a realidade do nosso tempo?
Se estas são as perguntas, quais são as respostas?
No nosso mundo, fragmentado e ao mesmo tempo globalizado, as sociedades fundamentam-se nos meios de comunicação social.
Os meios de comunicação social são um poderoso instrumento de relacionamento, de diálogo e de confronto entre as pessoas.
São um espaço real onde agimos como homens públicos.
Criam identidade. Criam comunidade.
Ligam em rede indivíduos cada vez mais solitários.
Mas podem trair-se também a si próprios, reduzindo tudo ao zero absoluto de uma ligação sem comunicação, de uma palavra que se torna brado e nega a escuta.
Podem tornar-se uma armadilha onde as pessoas, pensando que só existem se se exibirem num jogo onde só se pode perder, acabam por se confundir; presas num labirinto, numa teia e não numa rede.
Os meios de comunicação social têm um poder enorme.
Falam a uma multidão imensa.
Correm o risco de acreditar que são Deus.
Tudo isto nos desafia a ser (ou a não ser) ponto de referência ascendente. A fazer um jornal em sintonia com os tempos, a renovar as nossas linguagens, a aceitar o desafio sem perder a nossa alma.
Um jornal como o nosso nunca poderá ser forma sem conteúdo.
Esta é a razão pela qual existimos. Oferecer um olhar cristão. Iluminar a realidade com este olhar que a transcende.
Não para impor um pensamento. Mas para o estimular. No diálogo. No confronto. Num caminho que continua, ao serviço do sucessor de Pedro.
Numa das suas canções mais bonitas, Leonard Cohen — que antes de ser cantor e compositor foi um poeta; e que, como muitos poetas, conseguia ver e descrever as coisas para além da aparência — escreveu um dístico que poderia ser o ícone da nossa fronteira comunicativa, neste nosso tempo tão dividido e fragmentado.
«Há uma fenda em tudo. É assim que a luz entra».
Eis o nosso modo de ver as fendas, procurando caminhar dentro delas: ver a luz que as atravessa.
Como o Papa afirmou na sua Mensagem para o Dia mundial das comunicações sociais de 2020, «mesmo quando narramos o mal, podemos aprender a deixar espaço à redenção; podemos reconhecer no meio do mal também o dinamismo do bem e dar-lhe espaço».
Sem a capacidade de reconduzir a experiência à unidade, sem uma perspetiva, tudo se nivela; não há sabedoria, nem sequer conhecimento; tudo se reduz a um elenco sem sentido, a uma grande confusão de detalhes, a uma anarquia de migalhas.
É para isto que serve um jornal. É para isto que servem os meios de comunicação social. Para oferecer uma perspetiva.
Em anos em que o futuro da comunicação corre o risco de ir rumo a uma progressiva perda de relação com a realidade, e com o seu Criador; construindo um universo autorreferencial, hipnótico e infantil, temos o dever de seguir um caminho completamente diferente.
Podemos perguntar como? De que modo?
Se olharmos para os meios que a tecnologia coloca à nossa disposição, o futuro de «L’Osservatore Romano» reside na sua verdadeira universalidade, hoje exaltada pela sua integração num universo mais amplo, reside na sua abertura ao mundo. Reside na possibilidade de ser impresso em qualquer lugar, onde quer que seja necessário. Reside na possibilidade de construir uma verdadeira comunidade de leitores e de escritores, unidos pela mesma missão, onde quer que se encontrem no mundo. E de o fazer em comunhão com a Rádio, com Vatican News, com as redes sociais. Muitos carismas, tantas línguas, uma única missão. Hoje, mais do que nunca, é hora que a Igreja saia dos seus muros, que o seu pensamento não seja estático, mas dinâmico.
Só assim, reforçando o nosso ser rede e em rede, podemos ser ponto de referência, sal e fermento, e gerir o conflito potencial entre liberdade e responsabilidade.
Podemos encetar processos, incentivar a construção de uma rede de redes baseadas num modo diferente e cristão de viver a era da comunicação.
Mas se olharmos para a finalidade, a finalidade do nosso trabalho, é complicado precisamente porque não é instrumental. E é bonita, porque é missionária. Não é preestabelecida, está aberta.
Se olharmos para trás, como Igreja cometemos erros, inclusive na comunicação.
Iludimo-nos de que o testemunho pudesse ser separado da verdade e da transparência; que um véu deplorável era melhor do que uma dolorosa tomada de consciência e purificação.
Por preguiça, fizemos nossos paradigmas antitéticos ao Evangelho.
Às vezes cedemos e sucumbimos à lógica do inimigo e do bode expiatório.
Tivemos também a ilusão de que o caminho para sermos ouvidos pudesse ser o mais fácil, o mais superficial.
No entanto — perante a insignificância cada vez maior do pensamento único, do pensamento homologado — experimentamos todos os dias a verdade aberta da mensagem evangélica. E a nossa capacidade potencial de ser verdadeiramente livres, de fazer perguntas, de não nos resignarmos nem de sermos condescendentes.
Eis a resposta do porquê de um jornal, e da nossa comunicação através de todos os meios que o tempo coloca à nossa disposição.
Para reconduzir as pessoas à verdade do encontro.
Eis o sentido de celebrar os aniversários lançando o coração para além do obstáculo, a âncora para outra dimensão do tempo.
«Se perdermos esta perspetiva, disse o Papa Francisco, a vida torna-se estática e aquilo que não se move corrompe-se».
Esperar é como lançar a âncora para a outra margem.
Caso contrário, até a comunicação acaba por ser autorreferencial, incapaz de se abrir à novidade de Deus.
A comunicação é um fluxo dinâmico. Deve fluir, como a água. Deve esperar que as situações mudem. Trabalhar para que as coisas mudem. Abrir, não fechar. É para isto que serve um jornal. Eis em que consiste o olhar cristão sobre a comunicação.
Paolo Ruffini
prefeito do Dicastério para a comunicação