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Cúpula da Basílica Vaticana | Vatican Ness |
Reflexão
de Monsenhor André Sampaio de Oliveira, pároco da Paróquia Nossa Senhora da
Misericórdia, no Rio de Janeiro sobre o Motu Próprio "Traditionis
Custodes". Na Carta aos Bispos o Papa Francisco afirma que é “competência
exclusiva” do bispo autorizar o uso do Missal Romano de 1962 na sua diocese.
Mons. André Sampaio de Oliveira
Os ritos litúrgicos ocidentais da Igreja Católica,
também chamados de ritos litúrgicos latinos, desenvolveram-se numa zona da
Europa ocidental e do norte da África onde o latim era a língua da educação e
da cultura, sendo distintos daqueles utilizados pelas Igrejas de rito oriental
que se desenvolveram no Oriente Médio, em partes do Norte da África (Egito e
Etiópia), em certas áreas da Ásia e na Europa oriental. Estes ritos ocidentais
são utilizados pela Igreja Católica Latina. Existem vários ritos ocidentais ou
latinos, como, por exemplo o rito romano (o mais utilizado), o rito ambrosiano,
o rito bracarense, o rito galicano e o rito moçárabe. Existiam também variações
em uso em certas Ordens religiosas mais antigas, como o rito dos dominicanos,
dos cartuxos e dos carmelitas. Antigamente, havia muitos outros ritos
litúrgicos ocidentais latinos, que foram substituídos pelo rito romano tanto
pelas reformas litúrgicas do Concílio de Trento como pelas do Concílio do
Vaticano II.
Recentemente, com a recepção de fiéis oriundos do
anglicanismo na Igreja Católica, foi regulamentado o Uso Anglicano e, na África
subsaariana, para atender a características culturais locais, também se criou o
Uso Zairense. Ambos os ritos constituem variantes do rito romano. Atualmente, o
rito litúrgico católico mais conhecido e mais utilizado na Igreja Católica
espalhada pelo mundo inteiro é o rito romano. Ele é também o rito mais
utilizado em toda a Igreja Católica de Rito Latino. Como dito, o rito romano é
um dos ritos litúrgicos latinos, ou seja, um dos ritos litúrgicos ocidentais da
Igreja Católica. Tornou-se o rito padrão para a celebração da Missa no Ocidente
desde a emissão, em 14 de julho de 1570, da bula “Quo Primum Tempore” por São
Pio V, que revisou o Missal Romano a pedido do Concílio de Trento.
O rito romano é a maneira como se celebra a Santa
Missa (Missal romano), os demais sacramentos (ritual romano), a Liturgia das
Horas (Breviário) e demais celebrações litúrgicas e para-litúrgicas (Cerimonial
dos Bispos) pela Igreja de Roma e pelas Igrejas particulares ou Ordens e
Congregações que o adotaram, por escolha ou tradição, compreendendo a maior
parte da Igreja Católica Latina. O Missal Romano de São Pio V (1570) e sua
liturgia evoluíram, geralmente, de maneira mínima: sobretudo adições, ajustes e
supressões de festas litúrgicas e detalhamento de rubricas, mas também com
algumas alterações de textos, como a inserção do nome de São José no cânon da
Missa. A revisão mais substancial é a do Venerável Pio XII em 1955, com novos
textos e cerimônias no Domingo de Ramos e no Tríduo Pascal.
A Constituição “Sacrosanctum Concilium” do Concílio
do Vaticano II pediu uma nova revisão do Missal Romano. Após o aparecimento, em
1965, antes da conclusão do Concílio, de uma revisão provisória do Ordinário da
Missa de São Pio V, promulgou-se, aos 3 de abril de 1969, o Missal Romano
instaurado segundo este decreto do Concílio do Vaticano II. A edição do Missal
Romano de 1970 teve, em vez de “ex decreto Sacrosancti Concilii Tridentini
restitutum" (“restaurado por decreto do Sagrado Concílio de Trento”), a
indicação “ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II instauratum”
(“instaurado por decreto do Sagrado Concílio Ecumênico do Vaticano II”). A
terceira edição deste Missal, que é o atual do rito romano, apareceu em 2002,
“promulgado sob a autoridade do papa Paulo VI e revisado sob os cuidados do
papa João Paulo II”.
Dentro do rito romano atual, existem duas formas: a
forma ordinária (a mais utilizada e a mais nova, instaurada pelo Missal Romano
de 1970, hoje em sua 3ª edição) e a forma extraordinária (também conhecida como
a Missa Tridentina ou de São Pio V, ou seja, aquele ritual previsto no Missal
Romano de 1570, com as sucessivas adições feitas até a última edição de 1962).
Com relação ao rito romano na sua forma extraordinária, o papa Francisco
emitiu, em 16 de julho de 2021, a carta apostólica em forma de motu próprio
“Traditionis custodes” (“Guardiães da Tradição”), sobre o uso da liturgia
romana anterior a 1970, restringindo as missas celebradas sob a forma
extraordinária do rito romano (também conhecido como rito tridentino), no qual
as orações são obrigatoriamente feitas em latim e que era a forma única do rito
romano antes da reforma litúrgica determinada pelo Concílio do Vaticano II. O
uso da forma extraordinária depende agora da autorização do bispo local a
grupos que queiram a Missa tradicional (art. 2), só podendo ocorrer em igrejas
em locais determinados por ele que não sejam igrejas paroquiais (art. 3, § 2),
e não poderão ser autorizados novos grupos (art. 3, § 6) ou novas paróquias
pessoais (art. 3, § 2).
O Papa Francisco fez mudanças radicais na carta
apostólica em forma de motu próprio “Summorum Pontificum” de 2007, de seu
predecessor Bento XVI, que reconhecia o direito de todos os sacerdotes de rito
latino a celebrarem Missa usando o Missal Romano de 1962 (última edição do
Missal de São Pio V de 1570). Assim se pronunciou o papa Francisco na carta
endereçada aos Bispos do mundo inteiro explicando sua decisão: “Em defesa da
unidade do Corpo de Cristo, sou obrigado a revogar a faculdade concedida pelos
meus Predecessores [...] O uso distorcido que foi feito desta faculdade é
contrário às intenções que levaram a conceder a liberdade de celebrar a Missa
com o Missale Romanum de 1962”.
Para o Papa Francisco, seus predecessores
permitiram a celebração da missa anterior ao Vaticano II para encorajar a
unidade da Igreja: “Uma oportunidade oferecida por São João Paulo II e, com
ainda maior magnanimidade, por Bento XVI, destinada a recuperar a unidade de um
corpo eclesial com diversas sensibilidades litúrgicas, foi explorada para
alargar as lacunas, reforçar as divergências, e encorajar discórdias que ferem
a Igreja, bloqueiam o seu caminho, e a expõem ao perigo da divisão”, escreveu.
O Papa diz que a celebração da forma extraordinária do rito romano se tornou
uma rejeição ao Concílio do Vaticano II. Há uma “rejeição da Igreja e das suas
instituições em nome do que é chamado a 'verdadeira Igreja'”, diz Francisco,
para quem duvidar do Concílio é "duvidar do próprio Espírito Santo que
guia a Igreja".
"Traditiones Custodes", os
artigos
A partir de agora, o uso da forma antiga
(extraordinária) da liturgia pode ser autorizado pelos bispos “para prover ao
bem daqueles que estão enraizados na forma anterior de celebração e precisam
regressar em devido tempo ao Rito Romano promulgado pelos Santos Paulo VI e
João Paulo II”, diz o Papa. Em seu primeiro artigo, o motu próprio, chamado
“Traditionis custodes”, sobre o “uso da Liturgia Romana anterior à reforma de
1970”, define os livros litúrgicos promulgados por São Paulo VI e São João
Paulo II após o Concílio do Vaticano II como “a única expressão da lex orandi
do Rito Romano”. “Lex orandi” é expressão latina que significa “Lei de como se
deve orar”. Quer-se com isso dizer que a liturgia romana reformada após o
Concílio do Vaticano II é a forma ordinária, normal e comum dessa “Lex orandi”,
mas o próprio motu próprio trará nos artigos subsequentes as normas para que
ainda se possa fazer uso da forma extraordinária com autorização do bispo
diocesano.
O artigo segundo afirma que é “competência
exclusiva” do bispo autorizar o uso do Missal Romano de 1962 na sua diocese. O
terceiro estabelece as responsabilidades dos bispos cujas dioceses já têm um ou
mais grupos que oferecem Missa com a liturgia tradicional em latim. O texto
determina que os bispos “se assegurem de que estes grupos não neguem a validade
do Vaticano II e do Magistério dos sumos pontífices”. O bispo deve indicar um
ou mais lugares onde se pode usar a liturgia na forma extraordinária, “mas não
em igrejas paroquiais e sem erigir novas paróquias pessoais”. O Papa também
manda que os bispos locais verifiquem se as paróquias pessoais já estabelecidas
para que as missas sejam celebradas no rito antigo “são eficazes para o
crescimento espiritual e determine se devem ou não ser mantidas”. Fica proibida
a criação de novos grupos ou a ereção de novas paróquias pessoais.
O motu próprio diz que as missas oferecidas segundo
o Missal Romano de 1962 devem utilizar leituras “proclamadas na língua
vernácula, utilizando traduções da Sagrada Escritura aprovadas para uso
litúrgico pelas respectivas Conferências Episcopais”. O texto também ordena a
criação de um delegado diocesano selecionado pelo bispo para supervisionar o
cuidado pastoral destes grupos: “Esse sacerdote deve ter no coração não só a
celebração correta da liturgia, mas também o cuidado pastoral e espiritual dos
fiéis”, afirma. O quarto artigo do documento determina que os sacerdotes
ordenados após 16 de julho de 2021, que desejem oferecer a forma extraordinária
da Missa, terão de apresentar um pedido formal ao bispo diocesano, o qual
consultará previamente a Sé Apostólica antes de conceder a autorização. O
quinto artigo estabelece que os padres ordenados antes de 16 de julho de 2021 e
que já oferecem a Missa tradicional devem pedir autorização ao seu bispo
diocesano para “continuarem a usufruir desta faculdade”. O sexto artigo informa
que, a partir da data de 16 de julho de 2021, “os Institutos de Vida Consagrada
e Sociedades de Vida Apostólica, estabelecidos pela Pontifícia Comissão
Ecclesia Dei, são de competência da Congregação para os Institutos de Vida
Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica”.
Por sua vez, estabelece o artigo 7 que: “A
Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e a Congregação
para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, em
assuntos de sua competência, exercem a autoridade da Santa Sé, supervisionando
a observância destas disposições”. O oitavo e último artigo do motu próprio
declara que “as normas, instruções, permissões e costumes anteriores que não
estejam em conformidade com as disposições do presente motu próprio ficam
revogados”.
O
motu próprio entrou em vigor imediatamente na data de sua publicação, isto é,
em 16 de julho de 2021. Eis aí, em síntese, as novas disposições sobre o uso da
forma extraordinária do rito romano, a serem seguidas doravante por todos os sacerdotes
celebrantes no rito romano.
Fonte: Vatican News