Presbíteros |
Pe. Francisco Faus
II. Que condições pessoais que deve ter um bom diretor espiritual?
Em primeiro lugar, ter a consciência clara de que o diretor espiritual não é nem o modelo nem o modelador: «O modelo é Jesus Cristo; o modelador, o Espírito Santo, por meio da graça»[5].
O seu papel é apenas (nada mais e nada menos) o de ser instrumento nas mãos de Deus. As orientações que o diretor espiritual dá não podem ser “opiniões pessoais”. Ele deve ser sempre, o mais possível, «luz de Deus, voz de Deus, fogo de Pentecostes» (São Josemaria, em São Paulo, em 1974) [6].
E, como estará em condições de poder falar e agir desse modo? Tendo também a convicção (que é, ao mesmo tempo, uma responsabilidade) de que a direção espiritual, por ser tarefa sobrenatural (santificadora), deve-se apoiar, antes de mais nada, nos meios sobrenaturais [7]. Concretamente:
a) na sua oração: a começar pela petição humilde e insistente das graças e luzes do Espírito Santo e dos seus dons; e a constante petição pelas pessoas concretas que atende;
b) na sua mortificação [8], consciente de que – como lembra São Josemaria Escrivá- «o Espírito Santo é fruto da Cruz […]. Só quando homem, fiel à graça, decide colocar no centro da sua alma a Cruz […], só então é que recebe com plenitude o grande fogo, a grande consolação do Espírito Santo» [9];
c) de modo geral, numa sólida vida interior, própria de quem procura seriamente a santidade. Como lemos no Decreto Presbyterorum Ordinis, n. 12: «Embora a graça possa levar a termo a obra da salvação também por ministros indignos, no entanto, prefere Deus ordinariamente manifestar as suas maravilhas através daqueles que se fizeram mais dóceis ao impulso e à direção do Espírito Santo, pela sua íntima união com Cristo e santidade de vida»;
d) como fruto da vida interior, o instrumento de Deus estará em condições de manter aceso o zelo apostólico, a vibração que se contagia e leva os outros a vibrar, a desejar servir (suscitam-se, assim, vocações) e a fazer apostolado.
Pelo que acabamos de comentar, fica claro que o maior inimigo da verdadeira direção espiritual é a tibieza: «O apóstolo tíbio: este é o grande inimigo das almas» (Forja, n. 488). Por quê?
a) em primeiro lugar, porque a tibieza “cega” para as coisas de Deus. Ao tíbio, Cristo diz: És pobre, cego e nu. Dou-te um conselho: […] compra um colírio para curar os teus olhos, para que enxergues (Apoc 3,7-8). E São Paulo afirma, categórico: O homem não-espiritual não aceita o que é do Espírito de Deus… Ele não é capaz de entendê-lo (1 Cor 2,14);
b) em segundo lugar, porque não basta saber, ter ciência, para orientar bem. Além da doutrina bem assimilada, é necessária uma verdadeira vida interior, para que atuem em nós os dons do Espírito Santo: sabedoria, inteligência, conselho… Na realidade, só o santo, ou o que luta por sê-lo, é capaz de “entender”, de “captar” e transmitir a “voz do Espírito Santo”, porque capta “por conaturalidade” (S. Tomás) as luzes de Deus;
c) Faltando a luz do Espírito Santo, será fácil que o sacerdote baseie a orientação dos fiéis na simples sensatez, no palpite do momento; ou então nas ciências humanas: pedagogia, psicologia, que, quando muito, podem ser auxiliares secundárias. Por esse caminho, mesmo que o diretor espiritual dê alguma ajuda, acabará causando muitos estragos. Deixará o organismo sobrenatural em estado de coma (tal é o caso do diretor espiritual “muito amigo”, que escuta e conversa de mil coisas, mas não toca no essencial, e deixa as almas, do ponto de vista da vida sobrenatural, numa “anemia perniciosa”).
Dentro dessa perspectiva, a Exortação Pastores dabo vobis, n. 53, frisa que deve haver uma união indissolúvel entre estudo e piedade. O diretor espiritual deve ter a doutrina – as idéias, as soluções e conselhos – iluminada e aquecida pela piedade.
O perigo é que, quando não se é exigente consigo mesmo nestes pontos, é fácil acabar na situação medíocre de alguns sacerdotes, diáconos e seminaristas que, nas paróquias ou comunidades, contam com agentes de pastoral, ministros e colaboradores, que são gente de confiança, “braços direitos”, mas que são muito fracos na doutrina, na piedade e nas virtudes. Isso leva inevitavelmente a cair no ativismo, e a pensar que tudo está feito apenas com essa “movimentação”, que às vezes não passa de agitação superficial. É importante que não esqueçamos a grande verdade que se encerra nesta breve frase de Caminho: «Estas crises mundiais são crises de santos» (n. 301), e só os que lutam por ser “santos” as poderão superar.
Convençamo-nos de que, sem levar a sério o forte apelo para a santidade da Novo millennio ineunte, sem compreender que essa é a mais evidente «urgência pastoral» (n. 30), não será possível superar as grandes crises morais que, no mundo atual, se alastram e agravam de forma cada vez mais sensível, entre fiéis de todas as idades.
Essas convicções, o diretor espiritual deve aplicar, em primeiro lugar, a si mesmo. É preciso ter sempre presente que a caridade – «vínculo da perfeição» – não tem fim (Cf. 1 Cor,13,8), exige um crescimento contínuo, até a alma chegar à estatura do Cristo em toda a sua plenitude (Ef 4,13). Por isso, o próprio diretor espiritual deverá esforçar-se sinceramente em “crescer” (procurando ter um sólido plano de vida espiritual; recebendo, também ele, o auxílio de uma direção espiritual eficaz, etc.). Caso contrário, deixará facilmente as almas estagnadas, num nível inferior ao que Deus quer.
Notas:
[5] S. Josemaria Escrivá, Carta 8/8/1956
[6] Que todos nos considerem como ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus (1 Cor 4,1).
[7] Na Carta Novo millennio ineunte, n. 38, João Paulo II insistia na necessidade de «respeitar um princípio essencial da visão cristã da vida: o primado da graça. Há uma tentação que sempre insidia qualquer caminho espiritual e também a ação pastoral: pensar que os resultados dependem da nossa capacidade de agir e programar. É certo que Deus nos pede uma real colaboração com a sua graça, convidando-nos por conseguinte a investir, no serviço pela causa do Reino, todos os nossos recursos de inteligência e de ação; mas ai de nós, se esquecermos que, “sem Cristo, nada podemos fazer” (cf. Jo 15,5)».
[8] «Os Presbíteros, consagrados pela unção do Espírito Santo e enviados por Cristo, mortificam em si mesmos as obras da carne e se dedicam totalmente ao serviço dos homens, e assim podem avançar na santidade…» (Decreto Presbyterorum Ordinis, n. 12).
[9] É Cristo que passa, n. 137