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terça-feira, 12 de outubro de 2021

Cristo Redentor: 90 anos de um símbolo do Brasil

Cristo Redentor | Vatican News

Cristo Redentor do Corcovado tornou-se destino oficial de peregrinações do Brasil e do mundo inteiro. Anualmente, o Santuário Cristo Redentor acolhe aproximadamente dois milhões de visitantes. O complexo formado pelo cume do Monte Corcovado e pela imagem do Redentor constitui o primeiro santuário católico a céu aberto no mundo, em contemplação perene de Deus, da natureza e do próximo.

Alexandre Pinheiro*

No dia 12 de outubro de 2021, o monumento do Cristo Redentor completa 90 anos de inauguração, reconhecido em nosso país e internacionalmente como um dos mais importantes símbolos do Brasil. A história da Humanidade assim como a história do Monte Corcovado divide-se em duas partes: antes do Cristo e depois do Cristo. Muitas pessoas têm dificuldade em imaginar a montanha cartão-postal da cidade do Rio de Janeiro sem a estátua do Cristo Redentor, tamanha a unidade entre o sinal da criação e o famoso símbolo da redenção. Ainda assim, as pinturas do Rio Antigo e as fotografias da cidade no início do século passado atestam que antes da construção da estátua havia apenas a montanha. Então, houve um momento em que a estátua do Cristo Redentor surgiu sobre o Monte Corcovado, passando a fazer parte visível e perene da nossa existência humana.

Esta analogia entre o simbolismo do monumento e a existência de Jesus ajuda-nos a entender a encarnação do Verbo de Deus na história humana, para nos redimir por sua morte e ressurreição, o mistério da Páscoa.  De fato, o passado e o futuro da história do Brasil estão representados no alto do Monte Corcovado, na estátua do Cristo ressuscitado em forma de cruz. Numa quarta-feira após a Páscoa, no dia 22 de abril de 1500, as naus portuguesas avistaram um monte, que foi batizado ‘Pascoal’. O primeiro nome do Brasil, ‘Terra de Santa Cruz’, era um prelúdio ao monumento do Corcovado, que também pode ser compreendido como um ‘Monte Pascoal’. Ali foi inaugurado, em 12 de outubro de 1931, o monumento que representa a morte e a ressurreição de Jesus.

Papa João Paulo II celebrando no Cristo Redentor | Vatican News

Em 1934, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Cerejeira, vislumbrou a imagem do Monte Corcovado, e teve a ideia de construir um monumento similar, de braços abertos, abençoando Lisboa. A estátua do Cristo Rei, inaugurada em 1959, se ergue a 113 metros de altura e assim como o Cristo do Corcovado, também é dedicada ao Sagrado Coração de Jesus. A evangelização portuguesa deu bons frutos no Brasil, entre os quais está a estátua do Cristo Redentor. O Brasil recebeu a fé cristã da Península Ibérica, e a estátua do Cristo Redentor levou o fruto desta fé de volta a Portugal.

Dom Sebastião Leme faleceu em 1942, aos 60 anos de idade, após três décadas de fecundo episcopado. Dentre seus legados para a Arquidiocese do Rio de Janeiro e para a Igreja no Brasil, além da estátua do Cristo Redentor, estão a criação do Centro Dom Vital, da Pontifícia Universidade Católica e dezenas de paróquias. Seu sucessor, Dom Jaime de Barros Câmara, inaugurou as longas escadarias entre a estação do Corcovado e o monumento em 1945. Mas foi o Cardeal Eugenio de Araújo Sales o responsável pela organização da primeira visita de uma Papa ao monumento do Cristo Redentor, em 1980.  Antes de subir as escadarias do Monte Corcovado, o Papa João Paulo II desejou conhecer a realidade carente da Favela do Vidigal, na zona sul do Rio de Janeiro.

Naquela época, a comunidade do Vidigal enfrentava a ameaça da remoção de 320 barracos, sob a alegação de que havia risco de deslizamentos da encosta do morro na Avenida Niemeyer. Na verdade, havia o interesse comercial da construção de apartamentos de luxo no morro do Vidigal. Por isso, o Cardeal Eugênio de Araujo Sales posicionou-se em defesa dos pobres. O arcebispo do Rio de Janeiro iniciou o trabalho da Pastoral das Favelas na comunidade e contratou engenheiros para um novo estudo do terreno, que concluiu que não havia risco de desabamento.

Em 1989, a censura à imagem do Cristo Redentor para o desfile da escola de samba Beija-Flor, do carnavalesco Joãozinho Trinta, entre os foliões vestidos de mendigos, denotava desde os limites do diálogo até a fragmentação da experiência religiosa, enquanto os símbolos do monumento, embora encobertos, ainda se impunham para dar vez à voz de quem dizia: ‘mesmo proibido, rogai por nós’. Naquele episódio, surgiu o retrato equivocado de uma Igreja distante, que ignorava a miséria social e se afastava dos pobres.

Dom Eusébio Oscar Scheid foi responsável pela construção das escadas rolantes e dos elevadores panorâmicos do monumento do Cristo Redentor, em 2003, com apoio da prefeitura e da Fundação Roberto Marinho. A união entre a Arquidiocese do Rio de Janeiro e a sociedade civil demonstrava que o monumento adquiriu um significado que vai além do catolicismo, representando também o Rio de Janeiro e a cultura brasileira para o mundo. Também a Igreja Católica, segundo o espírito do Concílio Vaticano II, desejava se apresentar de ‘braços abertos’ para o mundo, para anunciar o Evangelho ‘a toda criatura’ (Mc 16,15).

O Papa Bento XVI alertava sobre ‘uma preocupante perda do sentido do sagrado’, que se refletia também no alto do Monte Corcovado, onde o turismo se impunha sobre o sentimento religioso. A própria administração do monumento exigia um novo impulso para a presença da Igreja no Monte Corcovado. Diante de tantos desafios, numa sociedade que deixava gradativamente de ser predominantemente católica, Dom Eusébio Oscar Scheid decidiu erigir, através de decreto arquidiocesano, o Santuário do Cristo Redentor do Corcovado, por ocasião do 75° aniversário de inauguração do monumento.

A construção do Cristo Redentor | Vatican News

Com esta medida pastoral, o Cristo Redentor do Corcovado tornou-se destino oficial de peregrinações do Brasil e do mundo inteiro. Anualmente, o Santuário Cristo Redentor acolhe aproximadamente dois milhões de visitantes. O complexo formado pelo cume do Monte Corcovado e pela imagem do Redentor constitui o primeiro santuário católico a céu aberto no mundo, em contemplação perene de Deus, da natureza e do próximo. Assim, o Santuário Cristo Redentor é um verdadeiro lugar teológico, onde Deus fala com a Humanidade e onde a Humanidade pode falar com Deus.

Em 2007, o monumento do Corcovado foi eleito uma das Sete Novas Maravilhas do Mundo Moderno, numa eleição que contabilizou por volta de 100 milhões de votos no mundo inteiro. Em 2009, foi assinado acordo de geminação entre o Santuário Cristo Redentor e o Santuário Cristo Rei, de Portugal, para a partilha das experiências pastorais e o incentivo às peregrinações. Naquela ocasião, os reitores dos santuários, padre Omar Raposo e padre Sezinando Alberto, presentearam-se com esculturas das respectivas estátuas, para que fossem guardadas nas capelas dos santuários.

Em 2011, o calendário do ano jubilar da inauguração do Cristo do Corcovado foi intenso, até as comemorações do dia 12 de outubro. O designer Hans Donner produziu a logomarca comemorativa dos 80 anos. Em fevereiro daquele ano, houve a inauguração da nova iluminação do monumento, assinada pelo iluminador Peter Gasper. A iluminação computadorizada permite um diálogo criativo do Santuário Cristo Redentor com a sociedade, possibilitando cores e imagens específicas para ocasiões especiais. Em março de 2011, o santuário também recebeu a visita do então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com sua esposa Michelle e as duas filhas do casal, que passaram a integrar a longa lista de visitantes ilustres do monumento.

No ano jubilar dos 80 anos de inauguração, o monumento do Cristo Redentor também foi escolhido como símbolo e embaixador da Jornada Mundial da Juventude de 2013. Com este objetivo, foram confeccionadas 40 réplicas do monumento com 3,80m de altura, 1,10 da estátua real, que tem 38m desde o pedestal até a cabeça.  Naquela ocasião, padre Omar Raposo afirmou que ‘o Cristo é o símbolo maior do Rio de Janeiro e, dessa maneira, ele não é somente um receptor de todos os turistas e peregrinos, mas, com os seus braços abertos, vai ao encontro das demais culturas e países, mostrando que o Rio é uma cidade aberta e acolhedora.

As réplicas do Cristo Redentor percorreram os bairros do Rio de Janeiro, diversos estados brasileiros e vários países do mundo, como Argentina, Espanha, Itália, França, Portugal, Moçambique, Estados Unidos, Japão, Canadá e o Vaticano. Esta iniciativa integrava a exposição itinerante ‘Cristo Redentor para todos’, numa experiência audiovisual que contava a história dos 80 anos do monumento. O Santuário Cristo Redentor permaneceu aberto 24 horas durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013, recebendo um número recorde de 74.021 visitantes durante o evento.

A parceria entre o Santuário Cristo Redentor e várias empresas da sociedade civil possibilita iniciativas de ações sociais, como a campanha Ação de amor do Cristo Redentor, iniciada em 2011. Esta ação pastoral hoje é dividida nos eixos da cidadania e assistência social, do apoio ao refugiado, do apoio à mulher, do apoio à criança e ao adolescente, da sustentabilidade e meio ambiente e da iluminação do monumento como apoio a grandes causas sociais.

As ações sociais desenvolvidas são norteadas pelos objetivos da Agenda 2030 da ONU, como plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade da população, em benefício da fraternidade e da paz universal. A Agenda 2030 indica objetivos de desenvolvimento sustentável e metas para erradicar a pobreza e promover a vida plena para todos. Neste sentido, o Santuário Cristo Redentor firmou uma parceria com o Centro Dom Vital para a promoção da educação, e também com a Fundação Getúlio Vargas, para análise do impacto socioeconômico do monumento.

Em 2021, a campanha social Cristo Redentor, eu quero doar, em parceria com a Associação Tarde com Maria, vem atendendo centenas de famílias necessitadas de todo o Estado do Rio de Janeiro. São milhares de pessoas atendidas em cerca de 200 comunidades carentes, com a distribuição de aproximadamente 400 toneladas de alimentos, itens de higiene pessoal, limpeza e proteção facial. De forma particular, a parceria entre o Santuário Cristo Redentor e a padaria solidária do Santuário de Nossa Senhora de Fátima registra a doação de mais de 2 milhões de pães aos pobres.

O início da campanha de vacinação contra a Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro aconteceu no Monte Corcovado, na tarde do dia 18 de janeiro de 2021, e foi precedido por um momento inter-religioso de oração aos pés da estátua do Cristo Redentor. Estavam presentes o arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, o reitor do santuário, padre Omar Raposo, o governador do estado, Cláudio Castro, o prefeito da cidade, Eduardo Paes, e agentes da Secretaria Municipal de Saúde, além de vários líderes religiosos. Após a saudação inicial do arcebispo, cada representante proferiu uma mensagem de esperança e de paz para a sociedade, e o encontro foi concluído com a Oração de São Francisco.

O ato simbólico de vacinação atesta a importância do Santuário Cristo Redentor no diálogo entre a Igreja e a sociedade. O evento teve grande visibilidade na imprensa, e representou um alento de esperança para a população. Assim, o cume do Monte Corcovado fica caracterizado como um púlpito, através do qual a Igreja Católica pode anunciar o Evangelho a todas as nações, em diálogo ecumênico com as demais denominações cristãs, e em diálogo inter-religioso com as diversas religiões.

A estátua do Cristo Redentor apresenta a Igreja Católica em postura de acolhimento, abertura e diálogo com a sociedade, como característica dos caminhos traçados pelo Concílio Vaticano II e pelo Papa Francisco na encíclica "Laudato Si"’, para a preservação de nossa casa comum. O rosto do Cristo Redentor, sereno e bondoso no alto do Monte Corcovado, voltado para a natureza do Rio de Janeiro, representa a harmonia do Verbo encarnado com toda a criação e um convite para que o ser humano construa uma sociedade mais justa e fraterna.

Seminarista, doutorado em teologia sistemática pela PUC-Rio, coordenador do Núcleo de Acervo e Memória do Santuário Cristo Redentor e autor do livro "90 anos de braços abertos para os grandes eventos”

Fonte: https://www.vaticannews.va/

Nossa Senhora Aparecida, Mãe da Esperança

Nossa Senhora Aparecida | Guadium Press
12 de outubro
NOSSA SENHORA APARECIDA

Redação (09/10/2020 15:00, Gaudium Press) No dia 12 de outubro celebramos a festa de Nossa Senhora Aparecida. A data é tão importante que se tornou feriado nacional. Mas como essa invocação mariana alcançou o patamar de padroeira do Brasil?

A imagem de terracota encontrada em outubro de 1717, por três pescadores no Rio Paraíba do Sul em São Paulo, foi conservada em uma pequena capela. Entretanto, a quantidade de romeiros atraídos pelos inúmeros relatos de milagres da imagem de Nossa Senhora foi tão grande que em pouco tempo o local se transformou em uma cidade: Aparecida do Norte.

Santuário de Aparecida: o principal ponto de turismo religioso do Brasil

Atualmente Aparecida é o principal ponto de turismo religioso do país, reunindo anualmente por volta de 12 milhões de romeiros. O Santuário Nacional já foi visitado pelos três últimos Papas: João Paulo II, Bento XVI e Francisco.

Guadium Press

Mas nem sempre foi assim. Segundo alguns historiadores, a devoção a Nossa Senhora Aparecida demorou para efetivamente se espalhar pelo Brasil. Os missionários da Congregação Redentorista, que se instalaram em Aparecida em 1895, tiveram grande papel na divulgação nacional dessa devoção.

Como Nossa Senhora Aparecida se tornou Rainha do Brasil?

Em 1868, a Princesa Isabel, que estava tendo dificuldades para ter um filho, foi até Aparecida pedir a intercessão da Mãe de Deus. Pouco tempo depois suas orações foram atendidas de forma abundante: a princesa teve três filhos, que garantiriam a sucessão imperial.

Guadium Press

Como forma de agradecer a graça alcançada, a princesa retornou a Aparecida em novembro de 1888 e doou uma coroa de ouro cravejada de diamantes e rubis e um manto azul. Esta mesma coroa foi utilizada em 1904 durante uma cerimônia oficial na qual um representante do Papa a coroou oficialmente como Rainha do Brasil. Alguns historiadores acreditam que o ocorrido teve forte influência da Princesa Isabel junto ao Vaticano.

Quando Nossa Senhora Aparecida foi proclamada oficialmente como padroeira do Brasil?

Entretanto, essa coroação não tornou Nossa Senhora Aparecida padroeira oficial do Brasil. Isso só ocorreu no 16 de julho de 1930, através de um decreto do Papa Pio XI. O ato apenas legitimou algo que os brasileiros já levavam no coração. Em 31 de maio de 1931, a imagem foi em romaria até o Rio de Janeiro, então capital federal, onde foi realizada uma Missa Solene na qual se oficializou o decreto papal.

No dia 30 de junho de 1980, data na qual João Paulo II desembarcava pela primeira vez no Brasil, o presidente João Figueiredo declarou, a partir do decreto de Lei n° 6.802, 12 de outubro como feriado nacional para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.

Guadium Press

Consagração Oficial à Nossa Senhora Aparecida

“Ó Maria Santíssima, pelos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, em vossa querida imagem de Aparecida, espalhais inúmeros benefícios sobre todo o Brasil.

Eu, embora indigno de pertencer ao número de vossos filhos e filhas, mas cheio do desejo de participar dos benefícios de vossa misericórdia, prostrado a vossos pés, consagro-vos o meu entendimento, para que sempre pense no amor que mereceis; consagro-vos a minha língua, para que sempre vos louve e propague a vossa devoção; consagro-vos o meu coração, para que, depois de Deus, vos ame sobre todas as coisas.

Recebei-me, ó Rainha incomparável, vós que o Cristo crucificado deu-nos por Mãe, no ditoso número de vossos filhos e filhas; acolhei-me debaixo de vossa proteção; socorrei-me em todas as minhas necessidades espirituais e temporais, sobretudo na hora de minha morte.

Abençoai-me, ó celestial cooperadora, e com vossa poderosa intercessão, fortalecei-me em minha fraqueza, a fim de que, servindo-vos fielmente nesta vida, possa louvar-vos, amar-vos e dar-vos graças no céu, por toda eternidade. Assim seja!”. (EPC)

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A inveja da graça alheia

A oferta de Abel e Caim, mosaico do século XII, Capela Palatina,
Palermo [© Franco Cosimo Panini Editore]
Arquino /30Giorni / Dezembro/2011

A inveja da graça alheia


“A tristeza pela bondade de um outro, sobretudo se é irmão, é o pecado que Deus condena mais que qualquer outro” (De civitate Dei XV, 7, 1).

Entrevista com padre Nello Cipriani sobre Abel e Caim, como imagens dos dois tipos de cidade (ou seja, de Igreja) que aparecem no De civitate Dei


Entrevista com Nello Cipriani por Lorenzo Cappelletti


Na virada do ano voltamos a conversar com padre Nello Cipriani, professor ordinário no Instituto Patrístico Augustinianum, de Roma, sobre Abel e Caim como imagens dos dois tipos opostos de cidade (ou seja, de Igreja) que aparecem no De civitate Dei de Santo Agostinho. Uma peregrina na terra, a outra que precisa atestar-se neste mundo. Uma peregrina, não porque caduca, como erroneamente se entende, mas porque não pretende construir-se por si mesma e se reconhece constantemente criada por Deus; e portanto é livre, livre para pedir e oferecer a si mesma. A outra que pretende construir para si uma morada estável neste mundo e que, portanto, se concebe necessariamente em alternativa ou pelo menos em concorrência com qualquer um que neste mundo queira afirmar sua presença.


Dados os binômios usados pelo próprio Santo Agostinho (cidade dos homens/cidade de Deus; cidade terrena/cidade celeste, etc.), uma das maiores dificuldades para quem se aproxima do De civitate Dei é entender que as duas cidades não são uma real e outra ideal, mas fazem parte ambas, continuamente, do panorama histórico; e a outra grande dificuldade é que a sua oposição absoluta não coincide de modo algum com uma impermeabilidade absoluta de uma em relação à outra. Há algum texto em que Santo Agostinho mostra com maior clareza a imanência à história e o aspecto dinâmico da relação entre as duas cidades?
NELLO CIPRIANI: No passado houve um grande debate em torno da noção das duas cidades, objeto do De civitate Dei de Santo Agostinho. Alguns estudiosos, sobretudo protestantes, entenderam a cidade de Deus apenas como uma comunidade espiritual e invisível, uma communio sanctorum, ou como uma comunidade meramente escatológica, que não teria nenhuma relação com a Igreja que vive no tempo, unida pela comunhão dos sacramentos e ordenada por uma hierarquia. A razão dessa interpretação se deve ao fato de que o critério seguido pelo bispo de Hipona para distinguir as duas cidades, a de Deus, ou celeste, e a dos homens, ou terrena, vem da sua postura interior oposta. Elas nascem de dois amores contrários: a cidade de Deus nasce do amor a Deus que chega até o desprezo de si mesmo, a cidade terrena, do amor a si mesmo que chega até o desprezo de Deus; a primeira vive segundo o Espírito ou segundo Deus, a outra segundo a carne ou segundo o homem. As duas cidades, além disso, mesmo tendo sentimentos opostos, já que são animadas por uma fé, uma esperança e um amor diferentes, vivem através do tempo confundidas e mescladas uma à outra. Portanto, a impressão é de que o discurso está no plano da meta-história e não da concretude histórica, que pode ser reconhecida. Semelhante conclusão, porém, não corresponde de modo algum ao pensamento de Santo Agostinho, que repete muitas vezes que a Igreja é a cidade de Deus, ou melhor, a parte dela que vive na história “entre as perseguições dos homens e as consolações de Deus”1. Já no início da obra, de fato, ele distingue a parte da cidade de Deus que vive na estabilidade da sé eterna e a parte que “neste correr dos séculos caminha peregrina entre os infiéis, vivendo de fé e esperando com perseverança”2 a vida eterna. No livro dezoito do De civitate Dei ele retoma a história da Igreja: fundada por Cristo sobre o fundamento dos Apóstolos, difunde-se primeiramente de Jerusalém para a Judeia e para a Samaria; depois, com o anúncio do Evangelho aos povos pagãos, se estende a todo o mundo conhecido. Delineia depois suas características principais: na Igreja há uma hierarquia, há praepositi, de modo particular o bispo, chamados a servir os irmãos, e há simples fiéis, que são também cristos, ou seja, consagrados, e participam do sacerdócio de Cristo. O momento central da vida da Igreja é a celebração eucarística, quando ela se une ao sacrifício de Cristo na cruz e com ele oferece a si mesma. Da Eucaristia os cristãos extraem a força para suportar as perseguições e o martírio. A Igreja, de resto, não tem apenas inimigos externos que a perseguem; sofre também em razão dos hereges e de muitos que são cristãos só de nome. A cidade de Deus, que é a Igreja peregrina, vive no mundo submetida às leis e às autoridades do Estado, respeita tudo o que não é contrário à religião e não deixa de dar a sua contribuição para criar uma sociedade pacífica, pois considera a paz temporal um bem precioso para todos. Por fim, a cidade de Deus, que caminha peregrina no mundo, é a Igreja, ou seja, a comunidade bem visível dos crentes, que vive no tempo com o olhar fixo na eternidade, mas que sofre e se esforça na história para aliviar as misérias dos homens, pois é animada por uma fé “que age pela caridade” (Gl 5,6). Se a esperança escatológica a projeta para o céu, a caridade a liga à história, para antecipar em alguma medida já aqui a paz que não tem ocaso.

Pode-se dizer que a essência da cidade celeste, representada por Abel, segundo Agostinho, está toda no fato de Abel ter aceito ser peregrino, enquanto Caim pôs-se a construir uma cidade? Se dermos atenção a algo mencionado no livro XV do De civitate Dei, poderíamos dizer que Abel põe-se a si mesmo à disposição para que um Outro se manifeste (sua praesentia servientem) e Caim, ao contrário, precisa demonstrar que está ali e, portanto, que tem importância (suam praesentiam demonstrantem)3?
Abel, que não constrói nenhuma cidade, e Caim, que a constrói, são figuras bem representativas das duas cidades, pois para Santo Agostinho a esperança escatológica e, respectivamente, o retraimento no mundo são suas principais características distintivas. Os cidadãos da cidade terrena são tais justamente porque vivem retraídos na terra, buscam apenas os bens deste mundo e, pela posse deles, se esforçam e lutam entre si. O cristão, por sua vez, vive no mundo sem se apegar a ele; faz bom uso dos bens temporais, sem se deixar possuir por eles, pois se considera exilado neste mundo e tem os olhos sempre voltados para a pátria do céu, que é o próprio Deus. Todavia, as diferentes esperanças não são o único elemento distintivo das duas cidades. Santo Agostinho considera a cidade de Deus diferente da cidade terrena também pelo amor à verdade e sobretudo pela humildade de quem se reconhece criatura de Deus e portanto vive na obediência e na submissão ao Criador. Escreve: “Na cidade de Deus e à cidade de Deus exilada no tempo é recomendada sobretudo a humildade, que é exaltada em grau supremo em seu rei, que é Cristo, enquanto em seu adversário, que é o diabo, domina, como ensina a Sagrada Escritura, o vício oposto a essa virtude, ou seja, a soberba. Está portanto aqui a grande diferença entre as duas cidades de que falamos: uma é a sociedade dos homens pios, a outra a dos ímpios; cada uma unida a seus anjos, a primeira unida aos anjos nos quais prevaleceu o amor de Deus, a outra aos anjos em que prevaleceu o amor a si”4. Outro elemento distintivo da cidade de Deus é a caridade que impele seus membros a servirem-se mutuamente, enquanto na cidade terrena domina a paixão pelo poder e pelo predomínio (cf. De civitate Dei XIV, 28).

Em outro lugar, do livro XV, Agostinho faz uma comparação entre as duas cidades com base numa outra imagem bíblica, a das ofertas feitas a Deus por Abel e Caim, uma recebida e a outra recusada. Recusada – Agostinho comenta – não porque Caim não tenha oferecido algo seu, mas porque, justamente oferecendo algo a Deus, pretendia na realidade não servir, mas servir-se de Deus. Essa também pode ser uma imagem eficaz e atual, pois permite entender até onde pode chegar o equívoco da religiosidade até mesmo dos cristãos, que pode existir não a serviço, mas como justificação de si.
Sim, é verdade. Os dois irmãos, Abel e Caim, são vistos como representativos das duas cidades também pela expressão da sua religiosidade. Segundo o livro do Gênesis, Caim sentiu tristeza, pois Deus tinha recebido a oferta de Abel e não a sua (cf. Gn 4,4-5). Como observa Santo Agostinho, pelo relato bíblico “não é fácil precisar por quais motivos Caim desagradou a Deus”5. Na primeira carta de João, porém, lemos que Caim estava tomado pelo maligno e matou seu irmão, “porque as suas obras eram más, ao passo que as do seu irmão eram justas” (1Jo 3,12). O bispo de Hipona entende essas palavras no sentido de que Caim com a sua oferta “dava a Deus algo seu, mas dava-se também a si mesmo”6. E explica: “Assim fazem todos aqueles que, mesmo não seguindo a vontade de Deus, mas a sua, ou seja, mesmo não vivendo com o espírito reto, mas perverso, oferecem todavia a Deus uma dádiva, com a qual pensam torná-lo propício, a fim de que os ajude não a curar seus desejos maus, mas a satisfazê-los”7. Provavelmente tinha em mente em primeiro lugar os sacrifícios públicos que no império romano os pagãos ofereciam a seus deuses, para serem por eles ajudados a reinar sobre os outros povos, “não pelo desejo de prover o seu bem, mas por querer dominá-los”8. Porém, ele oferece, em seguida à observação histórica, um princípio geral que infelizmente pode ser aplicado também à religiosidade de muitos fiéis: “Os bons se servem do mundo para gozar de Deus, os maus ao contrário querem servir-se de Deus para gozar o mundo”9. A análise de Santo Agostinho, de qualquer forma, não se detém aqui. Ele observa ainda que Caim, ao ver que Deus tinha aceito a oferta do irmão e não a sua, não deveria ter-se indignado nem sentido inveja, mas ter-se arrependido e imitado o irmão bom, pois – conclui – “a tristeza pela bondade de um outro, sobretudo se é irmão, é o pecado que Deus condena mais que qualquer outro”10.
Santo Agostinho num afresco do século VI,
Basílica de São João de Latrão, Roma
Como é possível dizer, seguindo sempre o livro XV do De civitate Dei, que depositar a esperança na invocação do nome do Senhor Deus (como faz Enos, outra figura veterotestamentária da cidade celeste) é a atividade totalizante e suprema da cidade de Deus sem sermos tachados de espiritualismo e de quietismo e mantendo, todavia, a radicalidade dessa afirmação?
Também Enos, o filho de Set, é visto por Santo Agostinho como uma figura representativa da cidade de Deus, porque foi o primeiro que “começou a invocar o nome do Senhor”11. E essa – explica – “na presente condição de morte é toda e a máxima ocupação da cidade de Deus peregrina neste mundo”12. Em sua radicalidade, a afirmação é realmente forte, mas não nos deve surpreender, se levarmos em conta que a oferta a Deus vem de Deus não menos que a invocação de seu nome13. Já no décimo livro da obra Agostinho dissera que toda a vida de cada cristão e de toda a cidade remida é um sacrifício agradável a Deus. Esse culto espiritual da cidade de Deus não é uma evasão dos compromissos da vida concreta de cada dia. O verdadeiro culto de Deus, de fato, consiste no amor a Deus e inseparavelmente no amor ao próximo (cf. De civitate Dei X, 3, 2). Para Santo Agostinho, “os verdadeiros sacrifícios são as obras de misericórdia, que fazemos para nós mesmos e para o próximo em louvor a Deus”14. É sacrifício agradável a Deus, portanto, tudo o que os membros do corpo de Cristo fazem para manter unida na caridade a comunidade eclesial, exercendo cada um o seu carisma em benefício dos outros membros. Enfim, a Eucaristia é culmen et fons da vida da cidade de Deus peregrina no mundo: “Este é o sacrifício dos cristãos: ‘Muitos e um só corpo em Cristo’. A Igreja celebra esse mistério com o sacramento do altar, conhecido dos fiéis, no qual lhe é mostrado que, na coisa que oferece, ela mesma é oferecida”15.

Para concluir, portanto, padre Cipriani nos recorda oportunamente que é o sacramento a fonte da verdadeira imagem da Igreja, justamente porque ela, celebrando-o, nada demonstra ( demonstrat), mas lhe é mostrado ( demonstratur) que naquilo que oferece ( offert) ela mesma é oferecida ( offeratur). Do ativo ao passivo, poderia, como bom orador, comentar Agostinho.

 

 

Notas

1 “Inter persecutiones mundi et consolationes Dei” (Agostinho, De civitate Dei XVIII, 51, 2).
2 “...In hoc temporum cursu, cum inter impios peregrinatur ex fide vivens, sive in illa stabilitate sedis aeternae, quam nunc exspectat per patientiam...” (Agostinho, De civitate Dei I, Praefatio).
3 “Invenimus ergo in terrena civitate duas formas, unam suam praesentiam demonstrantem, alteram caelesti civitati significandae sua praesentia servientem” (Agostinho, De civitate Dei XV, 2).
4 “Quapropter quod nunc in civitate Dei et civitati Dei in hoc peregrinanti saeculo maxime commendatur humilitas et in eius rege, qui est Christus, maxime praedicatur contrariumque huic virtuti elationis vitium in eius adversario, qui est diabolus, maxime dominari sacris Litteris edocetur: profecto ista est magna differentia, qua civitas, unde loquimur, utraque discernitur, una scilicet societas piorum hominum, altera impiorum, singula quaeque cum angelis ad se pertinentibus, in quibus praecessit hac amor Dei, hac amor sui” (Agostinho, De civitate Dei XIV, 13, 1).
5 “In quo autem horum Deo displicuerit Cain, facile non potest inveniri” (Agostinho, De civitate Dei XV, 7, 1).
6 “Dans Deo aliquid suum, sibi autem se ipsum” (Agostinho, De civitate Dei XV, 7, 1).
7 “Quod omnes faciunt, qui non Dei, sed suam sectantes voluntatem, id est non recto, sed perverso corde viventes, offerunt tamen Deo munus, quo putant eum redimi, ut eorum non opituletur sanandis pravis cupiditatibus, sed explendis” (Agostinho, De civitate Dei XV, 7, 1).
8 “Non caritate consulendi, sed dominandi cupiditate” (Agostinho, De civitate Dei XV, 7, 1).
9 “Boni quippe ad hoc utuntur mundo, ut fruantur Deo; mali autem contra, ut fruantur mundo, uti volunt Deo” (Agostinho, De civitate Dei XV, 7, 1).
10 “Hoc peccatum maxime arguit Deus, tristitiam de alterius bonitate, et hoc fratris” (Agostinho, De civitate Dei XV, 7, 1).
11 “Speravit invocare nomen Domini Dei” (Agostinho, De civitate Dei XV, 21).
12 “In hoc mundo peregrinantis civitatis Dei totum atque summum in hac mortalitate negotium” (Agostinho, De civitate Dei XV, 21).
13 “Illa autem, quae caelestis peregrinatur in terra, falsos deos non facit, sed a vero Deo ipsa fit, cuius verum sacrificium ipsa sit” (Agostinho, De civitate Dei XVIII, 54, 2).
14 “Vera sacrificia opera sint misericordiae sive in nos ipsos sive in proximos, quae referuntur ad Deum” (Agostinho, De civitate Dei X, 6).
15 “Hoc est sacrificium christianorum: Multi unum corpus in Christo. Quod etiam sacramento altaris fidelibus noto frequentat Ecclesia, ubi ei demonstratur, quod in ea re, quam offert, ipsa offeratur” (Agostinho, De civitate Dei X, 6).


Fonte: http://www.30giorni.it/

O PAPA NA IGREJA

ACI Digital

Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney 

O Papa na Igreja

Um dos alicerces da nossa catolicidade, da Igreja Católica, é a instituição do Papado: o Papa como sucessor de São Pedro, constituído como chefe da Igreja, aquele que tem as chaves, o poder de ligar e desligar, sancionado por Deus no Céu. Nele se cumpre a promessa que Jesus fez à sua Igreja: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28, 20).

Repito isso porque, alguns cristãos, zelosos pela ortodoxia, no ímpeto de defender algum dos valores e riquezas da Igreja, esquecem-se desse valor primordial. Destruído esse, os outros valores se desmoronam. Perde-se o vínculo da unidade na Igreja e da união com o fundador.

Uma das provas de que a Igreja é indefectível, apesar das fraquezas humanas, e goza da assistência contínua e infalível do seu fundador, é a instituição do Papado, que nos dá a garantia da presença contínua dele na sua Igreja, através daquele que lhe faz as vezes, o seu Vigário.

Jesus escolheu como seu vigário (que lhe faz as vezes, repito) na terra, Pedro, a pedra. E Pedro, primeiro Papa, é uma figura emblemática e paradigmática. Pedro se chamava Simão. Jesus lhe mudou o nome, significando sua missão, como é habitual nas Escrituras: “Tu és Simão, filho de João. Tu te chamarás Cefas! (que quer dizer Pedro – pedra)” (Jo 1, 42). Quando Simão fez a profissão de Fé na divindade de Jesus, este lhe disse: “Não foi carne e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as forças do inferno não poderão vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus (a Igreja): tudo o que ligares na terra será ligado nos céus e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 13-19). Corajoso e com imenso amor pelo Senhor, sentiu também sua fraqueza humana, ao negar três vezes que o conhecia. “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para vos peneirar, como o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31-32).  E Pedro, depois de ter chorado seu pecado, foi feito por Jesus o Pastor da sua Igreja.

São Pedro, fraco por ele mesmo, mas forte pela força que lhe deu Jesus, representa bem a Igreja de Cristo. “Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica, edificada por Jesus Cristo sobre a pedra que é Pedro… Cremos que a Igreja, fundada por Cristo e pela qual Ele orou, é indefectivelmente una, na fé, no culto e no vínculo da comunhão hierárquica. Ela é santa, apesar de incluir pecadores no seu seio; pois em si mesma não goza de outra vida senão a vida da graça. Se realmente seus membros se alimentam dessa vida, se santificam; se dela se afastam, contraem pecados e impurezas espirituais, que impedem o brilho e a difusão de sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por esses pecados, tendo o poder de livrar deles a seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo” (Credo do Povo de Deus).

Nenhuma sociedade humana sobreviveria a tantas fraquezas e dificuldades, se não fosse a ação do Espírito Santo que a mantém incólume no meio de todas essas tempestades, até a consumação dos séculos.

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

A proclamação da verdade num ambiente de cancelamento cultural

Public Domain
Por Francisco Borba Ribeiro Neto

Os cristãos devem sempre proclamar corajosamente a verdade e condenar o erro.

Frequentemente ouvimos que devemos ser tolerantes para poder dialogar, pois os cristãos devem amar e procurar a convivência harmoniosa com todos. Mas também ouvimos que essa ideia é, na verdade, uma tibieza dos que tem medo do cancelamento social praticado pela mentalidade dominante (que foi tema do último artigo). Os cristãos, nessa segunda posição, devem sempre proclamar corajosamente a verdade e condenar o erro.

A reflexão cristã nos mostrou, ao longo dos séculos, que a verdade e o amor não podem ser separados um do outro. Assim, como qualquer pessoa que já tenha tido a responsabilidade de educar outra pode testemunhar, a correção fraterna é uma dimensão importante do amor mútuo. E não só na relação educativa! Um casamento no qual os cônjuges não se corrijam mutuamente provavelmente fracassará. Os amigos sinceros também sabem que devem corrigir um ao outro em muitas ocasiões.

Correção não é acusação

O problema não está na correção mútua, e sim na tendência de transformar a proclamação da verdade em denúncia e condenação, um ato de contraposição, não um gesto de amor. Na mentalidade “do mundo”, os erros normalmente são denunciados com vistas à culpabilização e condenação de alguém. Mesmo entre os que se amam, muitas vezes indica-se o erro para culpar o outro, não para ajudá-lo a melhorar. A correção fraterna, proposta no cristianismo (cf. Mt 18,15-20), é um gesto de amor com vistas à conversão mútua. Aquele que corrige também se converte, pois aprende a compreender e se torna mais capaz de amar o outro. A lógica que orienta a correção fraterna é muito diversa daquela que orienta a denúncia pública, ainda que ambas tenham afinidades e uma possa levar à outra.

Uma sabedoria “mundana”, que pode servir a todos nós, é aquela dos grupos que estudam acidentes aéreos e de transportes em geral. Os investigadores fazem questão de frisar que seu objetivo é descobrir as causas dos acidentes, para que elas sejam evitadas no futuro, e não encontrar culpados. Aliás, essas investigações frequentemente mostram que os envolvidos são vítimas antes de culpados pelos erros.

Um exercício de empatia

“Tolerância” é uma palavra ambígua. Originalmente, tem uma acepção que chega a ser supremacista: os “superiores” toleram os “inferiores”. Com o tempo, ganhou um outro sentido, significando uma ausência de preconceitos, que pode chegar à falta de critérios de discernimento – uma posição extremada, que não é obrigatória quando falamos em tolerância, mas frequente.

A correção fraterna implica muito mais empatia do que tolerância. A empatia é a capacidade de compreender o outro, entender suas motivações, comover-se com suas dores e com seus ideais. A tolerância pode ser um aspecto da empatia, que é muito mais ampla. Numa relação empática, as dores do outro se tornam evidentes e dolorosas também para nós. Na perspectiva da empatia, a correção fraterna se torna imprescindível na medida que ajuda o outro a ser mais feliz e não em função da afirmação de nossas próprias ideias.

Tudo isso, que já é difícil no relacionamento interpessoal, se torna muito mais difícil quando se trata da esfera pública, das relações institucionais, da vida cultura e política. Mas são esses, justamente, os desafios que os cristãos devem enfrentar se querem superar o cancelamento e a hegemonia cultural, mantendo-se fiéis à sua inspiração evangélica.

Quando a ordem dos fatores importa

Para começar, temos que entender que, nesse aspecto, a ordem dos fatores altera muito o produto. Revisemos nossa história pessoal: como é diferente a correção feita por alguém que nos ama daquela feita por outra pessoa. A correção pelos que nos amam se expressa como ato de amor, sabemos que aquela pessoa também está triste por ter que fazer a correção. A correção feita por qualquer outro nos constrange, humilha, gera uma reação de negação – mesmo quando sabemos que o outro está certo.

O desafio, de enormes proporções, impossível negar a dificuldade da empreitada, é demonstrar publicamente que é o amor que nos orienta nesse esforço de anunciar a verdade. Demonstrar amor antes de corrigir não é uma atitude piegas ou um pretexto para a omissão, e sim uma aplicação do espírito evangélico às situações concretas de hoje.

Trazer beleza e esperança ao mundo

Na arena social, duas premissas podem nos ajudar a ter uma posição cristã justa. A primeira é compreender que o erro sempre causa uma ferida na humanidade de quem erra. É para curar ou evitar essa chaga que fazemos a correção fraterna. Se não conseguimos identificar e explicitar essa ferida, dificilmente conseguiremos ajudar quem pensa diferente de nós a reconhecer uma postura errada. Sinal claro de que precisamos procurar entender mais a situação do outro, se queremos ser um real auxílio fraterno.

A segunda premissa é que a verdade sempre aponta para o amor, a beleza e a esperança. Uma correção que só denuncia o erro, mas não aponta uma solução na qual transparece o amor, a beleza e a esperança, não é realmente verdadeira – mesmo que formalmente correta. Os fariseus dos tempos de Jesus eram capazes de apontar com precisão o desrespeito à Lei. Para o seu tempo, podiam estar formalmente certos, mas lhes faltava o amor – por isso não conseguiam reconhecer a Verdade diante deles, nem se deixavam contaminar pelo Amor. Se nossa correção só aponta o erro, é sinal de que nos falta a comunhão com Cristo, que pode fazer de qualquer situação uma ocasião para conhecer o Amor e a Verdade – enchendo a vida de beleza e superando a dor com esperança.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Ser rico diante de Deus

Guadium Press
O que é ser rico diante de Deus? A liturgia deste 28º Domingo aborda uma verdade muitas vezes esquecida pela sociedade moderna.

Redação (10/10/2021 14:29Gaudium Press): O Evangelho deste domingo centra a atenção em uma verdade muitas vezes esquecida pela sociedade moderna. A atitude de negação do moço rico perante o pedido de entrega feita por Nosso Senhor e o consequente abatimento e tristeza bem representam a reação do mundo contemporâneo face às contradições e fracassos da vida: não se conformam com o modo de a Sabedoria divina agir nas almas ao longo da História.

Vem e segue-me!

A primeira leitura trata do “espírito de sabedoria” que se move em direção ao homem, fazendo-o assim, almejá-la acima de todas as honras, riquezas e poderes terrenos:

“Preferi a sabedoria aos cetros e tronos e, em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza” (Sab 7, 8).

            Muitos há que se perguntam: como obter a felicidade? A resposta parece ser simples: fazer a vontade de Deus. Todavia, como custa muitas vezes aceitar as decisões de Deus, sobretudo quando elas indicam um caminho que não desejamos e não queremos transitar. Esta foi justamente a reação do moço rico, descrita no Evangelho de São Marcos:

“Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna? [Respondeu-lhe Jesus:] Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mc 10, 17-21).

Este jovem podia esperar qualquer resposta de Nosso Senhor, menos aquela que seus ouvidos acabaram de escutar. Jesus “olhou-o com amor” (Mc 17, 21), convidando-o a um imenso chamado de ser um dentre os apóstolos. A resposta foi uma negação instantânea; e uma profunda tristeza tomou conta daquela pobre alma. Por que? O apego aos próprios critérios fez com que ele não recebesse com alegria o mandato divino de entregar tudo e segui-Lo.

Ora, Deus não podia ter esclarecido, dando-lhe as razões de tão exigente entrega? Não. A Divina Sabedoria queria provar o seu amor, dizendo no fundo de seu interior: Faze o que lhe peço, e terás a alegria e a paz que tanto almejas. Tu não encontrarás a felicidade nas riquezas e honras deste mundo, mas somente em mim terás o descanso que tanto procuras. “Vinde a mim tu que estais cansado e fatigado sob o peso de teus fardos, e eu te darei descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Cf. Mt 11, 28-30). Infelizmente, a rejeição foi sua resposta.

Quantos há que preferem seguir os próprios critérios e caprichos, trilhando um caminho para si mesmos. Recusam e rejeitam as determinações da Sabedoria Divina, revoltam-se diante das incompreensões deste “vale de lágrimas”. Estes representam nitidamente a imagem do mundo presente: “abatido” e “triste”.

Como então, se tornar rico diante de Deus? Desapegando-se deste mundo e aceitando os seus desígnios com mansidão de alma, pois deste modo obterão “um tesouro no céu” (Mc 10 21).

Troféus de glória

Verdadeiro exemplo de sujeição a Deus foram os santos. Conta-se que no século XI, em plena Idade Média, São Roberto,[1] um monge beneditino, ansiava por ver em seus irmãos de hábito exímios praticantes da regra de São Bento e homens realmente ardorosos e piedosos nos seus deveres de piedade. Este seu desejo levou-o a reformar a ordem, juntamente com Santo Alberico e Santo Estêvão Harding, fundando uma primeira abadia em Cister (região francesa da Borgonha), futuramente conhecida como ordem dos Cistercienses.

Contudo, até a consecução desta reforma, várias dificuldades apresentaram-se ao longo do caminho. Muitos monges, acomodados com a medíocre rotina levada dentro dos claustros, opuseram grande resistência aos planos de São Roberto. Certa feita, um monge, que o santo conhecera desde os primórdios de sua vida beneditina, ao evidenciar o seu fracasso na tentativa de reformar o mosteiro de Saint Michel (Tonerre, França), disse-lhe:

– Poderás suportar outro fracasso, indo agora, para a Abadia de Saint Ayol?”

– Posso? – interrogou o santo olhando para um crucifixo – Tonerre fez-me ficar de joelhos diante do Crucificado, pedindo e implorando seu auxílio, e ali, aprendi a lição da Cruz! O cristianismo não é um culto que leva ao êxito pessoal!

Prosseguiu São Roberto:

– Compreendem agora por que não tenho medo do fracasso? – E olhando novamente, sem tirar os olhos do crucificado, continuou: – Para mim, o fracasso não existe! Para as almas que se conformam com a vontade divina, os “fracassos” não são motivo de desânimo, mas são troféus de glória que os conduzem ao Céu.

Por Guilherme Motta


RAYMOND. Mary. Três monges rebeldes. Dois Irmãos: Biblioteca Católica, 2018, p. 110-111.

Fonte: https://gaudiumpress.org/

Papa Francisco no Ângelus: "Sua fé está cansada e você quer revigorá-la?

Papa Francisco no Ângelus de 10 de outubro. Foto: Vatican Media

Vaticano, 10 out. 21 / 04:24 pm (ACI).- O papa Francisco ofereceu alguns conselhos aos católicos que sentem que sua fé está "cansada" e desejam revigorá-la em seu discurso prévio à oração do Ângelus deste domingo, 10 de outubro.

Em seu discurso prévio à oração do Ângelus de 10 de outubro, o papa falou que a renovação pessoal deve ser um processo em três etapas.

"Sua fé, minha fé, está cansada, e queremos revigorá-la? Procure o olhar de Deus: sente-se em adoração, permita-se ser perdoado na Confissão, fique diante do Crucificado. Em suma, deixe-se amar por Ele", disse o papa.

"Este é o começo da fé: deixai-vos amar por Ele, que é Pai".

O Papa ofereceu este conselho enquanto refletia sobre a leitura do Evangelho do dia, em que Jesus exorta o jovem rico: "Vai, vende o que tens, e dá aos pobres ... depois vem, segue-me".

No balcão virado para a Praça de São Pedro, o papa disse aos presentes que todos podemos nos ver refletidos no jovem rico porque ele não foi nomeado no Evangelho.

Ele disse: "O jovem começa com uma pergunta: 'O que devo fazer para herdar a vida eterna?". Note os verbos que ele usa: 'deve fazer', 'herdar'. Aqui está sua religiosidade: um dever, um fazer para obter; 'faço algo para obter o que preciso'".

"Mas esta é uma relação comercial com Deus, um quid pro quo". A fé, no entanto, não é um frio, um ritual mecânico, um fazer uma coisa em troca de outra. É uma questão de liberdade e amor".

O papa, que havia celebrado há pouco a missa de inauguração do processo de dois anos que levou ao sínodo sobre sinodalidade, pediu a seus ouvintes que considerassem se sua fé era principalmente uma questão de dever ou uma espécie de "moeda de troca".

"A primeira coisa a fazer é libertar-nos de uma fé comercial e mecânica, que insinua a falsa imagem de um Deus contábil e controlador, não de um pai", disse.

"Jesus, no segundo passo, ajuda este homem, oferecendo-lhe a verdadeira face de Deus". De fato, o texto diz: "Jesus olhando para ele, amou-o": isto é Deus!", acrescentou.

"É aqui que nasce e renasce a fé: não de um dever, não de algo que deve ser feito ou pago, mas de um olhar de amor a ser acolhido". Desta forma, a vida cristã se torna bela, se for baseada não em nossas capacidades e em nossos planos, mas no olhar de Deus".

O papa disse que na terceira e última etapa, Jesus convidou o jovem a dar generosamente de si mesmo aos outros.

"Talvez seja também o que estamos perdendo". Muitas vezes, fazemos o mínimo possível, enquanto Jesus nos convida a fazer o máximo possível", comentou ele.

"Quantas vezes ficamos satisfeitos por cumprir nossos deveres - os preceitos, algumas orações, etc. - enquanto Deus, que nos dá a vida, nos pede o impulso da vida"!

Concluindo sua meditação, o papa disse: "Uma fé sem dar, sem obras de caridade, no final nos entristece: assim como aquele homem cujo 'rosto caiu' e voltou para casa 'triste,' apesar de ter sido olhado com amor por Jesus em pessoa".

"Hoje podemos nos perguntar": Em que ponto está minha fé? Será que eu a sinto como algo mecânico, como uma relação de dever ou interesse para com Deus? Será que me lembro de alimentá-la, deixando-me olhar e ser amado por Jesus? ... E, atraído por Ele, respondo livremente, com generosidade, com todo o meu coração"?

Depois de rezar ao Angelus, o Papa Francisco saudou duas beatificações que aconteceram neste fim de semana.

Ele disse: "Ontem, em Nápoles, Maria Lorenza Longo, esposa e mãe de família do século XVI, foi beatificada. Viúva, ela fundou em Nápoles o Hospital dos Incuráveis e das Clarissas Capuchinhas".

"Uma mulher de grande fé e intensa vida de oração, ela fez tudo o que podia pelas necessidades dos pobres e dos que sofrem".

Ele acrescentou: "Hoje, em Tropea, Calábria, o padre Francesco Mottola, fundador dos Oblatos do Sagrado Coração, falecido em 1969, foi beatificado".

"Pastor zeloso e incansável anunciador do Evangelho, ele foi um testemunho exemplar de um sacerdócio vivido na caridade e na contemplação".

Depois de pedir uma salva de palmas para os novos beatos, o papa observou que o dia 10 de outubro é o Dia Mundial da Saúde Mental, marcado pela Santa Sé com uma mensagem do Cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral.

O papa reconheceu aqueles que sofrem de problemas de saúde mental, assim como as vítimas de suicídio, inclusive os jovens.

"Oremos por eles e suas famílias, para que não sejam deixados sozinhos ou discriminados, mas acolhidos e apoiados", disse.

Ao saudar os peregrinos na praça, ele apontou uma grande imagem de Madre Maria Bernardetta da Imaculada, uma professora irmã das Irmãs Pobres de São José, sustentada por visitantes de sua terra natal, Montella, no sul da Itália.

Ela passou um tempo na capital argentina, Buenos Aires, e foi amiga do papa Francisco, que foi sacerdote e bispo nesta cidade, entre os anos de 1979 até a morte dela em 2001. O Vaticano anunciou a abertura de sua causa em 2019.

"Rezemos por sua pronta canonização", disse o papa, concluindo seu discurso do Ângelus dominical.

Fonte: https://www.acidigital.com/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF