|
Barcos de garimpeiros ilegais no Rio Madeira (AFP or licensors) |
“Há em curso um ataque frontal e articulado aos povos
indígenas, às comunidades tradicionais da Amazônia, à integridade da floresta
amazônica, à segurança hídrica de todos os brasileiros e à estabilidade do
sistema climático planetário “. Essa é a denúncia de Comissões e Organismos
vinculados à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em artigo
divulgado neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro.
Preocupados com a onda de
ataques à Amazônia neste final de ano, as Comissões para a Ecologia Integral e
para a Amazônia da CNBB, a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), o
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a
Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) chamam atenção sobre as
ameaças organizadas contra o bioma.
“Os interesses colonizadores que, legal e ilegalmente,
fizeram – e fazem – aumentar o corte de madeira e a indústria minerária e que
foram expulsando e encurralando os povos indígenas, ribeirinhos e
afrodescendentes, provocam um clamor que brada ao céu (Querida Amazônia, 9).”
Há em curso um ataque frontal
e articulado aos povos indígenas, às comunidades tradicionais da Amazônia, à
integridade da floresta amazônica, à segurança hídrica de todos os brasileiros
e à estabilidade do sistema climático planetário, dos quais dependemos todos
existencialmente como sociedade e como espécie. Nos dois últimos anos, a
floresta amazônica foi entregue pelo governo federal aos desmatadores,
incendiários e garimpeiros. O efeito primeiro desse incentivo ao crime é claro:
um salto de 7.536 km2 em 2018 do desmatamento por corte raso para 13.235
km2 entre Agosto de 2020 e Julho de 2021 (a média histórica dos últimos
dez anos é de 6.493,8 km2). Os incêndios criminosos se propagam como nunca e
até 30 de Novembro de 2021 o bioma amazônico acumulava 73.494 focos de calor.[1] Estima-se que
esses incêndios tenham atingido, apenas no século XXI, cerca de 95% das
espécies de plantas e animais vertebrados conhecidos na Amazônia, bioma que
ostenta cerca de 10% da biodiversidade do planeta, e já afetaram o habitat de
85% das espécies de plantas e vertebrados ameaçados de extinção na região.[2]
Papa Francisco nos recorda, na
exortação depois do Sínodo da Amazônia, que a Amazônia não é “um enorme vazio
que deve ser preenchido”, ou “uma vastidão selvagem que precisa ser domada” (QA
12).
Mas os ataques à Amazônia, em
vez de diminuir, vêm se intensificando! Outra frente desta guerra relâmpago é o
garimpo ilegal, atividade que ocupa um dos centros da agenda governamental.
Mancomunados com o narcotráfico e financiados por grupos não identificados, os
garimpeiros invadem comunidades, matam e aterrorizam as populações indígenas,
destroem florestas, poluem os rios e intoxicam gravemente com mercúrio os
organismos. Os direitos humanos e as salvaguardas socioambientais, conquistas
democráticas dos brasileiros, foram mais uma vez gravemente ameaçados pelo
assentimento prévio outorgado a sete projetos de garimpo pelo general Augusto
Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e
secretário-executivo do Conselho de Defesa Nacional da Presidência da
República, onde têm assento Ministros de Estado e os três comandantes das
Forças Armadas.
[3] Essas
autorizações atendem, frequentemente, a pedidos de políticos e de donos de
garimpos que destroem a vida e poluem as águas de diversos rios da Amazônia,
inclusive recentemente as do rio Madeira, com dragas de sucção. As áreas agora
ameaçadas estendem-se por 12,7 mil hectares e ao menos duas delas são
Territórios Indígenas. Todas se encontram em São Gabriel da Cachoeira, no
Noroeste do estado do Amazonas, uma das regiões mais preservadas da Amazônia,
abrigando 23 etnias indígenas, entre as quais os Baniwa, os Wanano, os Tukano e
os Yanomâmi. Trata-se de um ataque frontal aos direitos dos indígenas,
consagrados na Constituição de 1988, e até mesmo de um ataque simbólico, pois
São Gabriel da Cachoeira é o município com maior densidade populacional de indígenas
no Brasil.
Outra vítima dessa guerra
contra os indígenas, direta ou indiretamente apoiada pelo governo federal, é a
etnia Parakanã. Seus caciques protocolaram dois ofícios no STF nos quais
afirmam aceitar a “proposta” de abrir mão, em favor de três associações de
agricultores, de 392 mil hectares, ou mais da metade do Território Indígena
Apyterewa (PA), não obstante ser este demarcado e homologado pelo governo
federal desde 2007. Na prática, esse território já não mais pertencia aos
indígenas, invadido que foi, impunemente, por devastadores da floresta,
apoiados pelos políticos locais e pela prefeitura de São Félix do Xingu.[4]
Os indígenas, os povos da
floresta em geral, a própria floresta e, portanto, os povos da América do Sul
como um todo estão igualmente na mira de outras pressões e agressões de parte
dos grileiros, garimpeiros, grandes mineradoras e, sobretudo, do agronegócio,
fortemente amparados no Congresso Nacional. Três Projetos de Lei tramitam no
Congresso, visando completar o desmonte da legislação protetiva do patrimônio
étnico, cultural e natural do país.
O primeiro é o PL 191/2020, de
iniciativa do Poder Executivo. Ele regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do
art. 231 da Constituição, visando, em última instância, a liberação da
mineração e do garimpo, bem como a construção de usinas hidrelétricas, em
terras indígenas. Além de ser apresentado sem consulta prévia às populações
afetadas, esse PL foi considerado inconstitucional pela 6ª Câmara de
Coordenação e Revisão do Ministério Público. Apesar disso, ele continua sendo
apreciado pelo Congresso Nacional.
O segundo é o PL 2159/21, que
propõe a “flexibilização” do licenciamento ambiental. Leia-se sob o termo
“flexibilização” a liberação irrestrita e automática de quaisquer projetos não
considerados “de significativo impacto ambiental”, os quais se beneficiariam de
uma “licença por adesão de compromisso”, simplesmente autodeclaratória.
O terceiro é o PL 510/21, que
trata da chamada regularização fundiária. Ele não apenas anistia os
desmatamentos e invasões ilegais de terras feitas até 2014, mas abre caminho
para a ocupação de 37 milhões de hectares, 24 milhões do quais de florestas
situadas em terras da União. Esse PL 510/21 interage com o PL 4843/2019, já
aprovado pelo Senado, permitindo a aplicabilidade do PL 510/21 às áreas já
destinadas aos assentamentos da reforma agrária, ou seja, “aos 66 milhões de
hectares ocupados pelos assentamentos rurais nos estados da Amazônia Legal,
permitindo a titulação de médios e grandes imóveis e retirando os pequenos
produtores dessas áreas.”[5]
A Comissão Episcopal para a
Amazônia, a Comissão Ecologia Integral e Mineração da CNBB, a rede Eclesial
Panamazônica (REPAM-Brasil), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a
Comissão Pastoral da Terra (CPT) atuam na Amazônia e junto com ela e seus
povos, em solidariedade a seu clamor. O Cacique caiapó Raoni Metuktire nos
ensina: “Se eles desmatarem toda a floresta, o tempo vai mudar, o sol vai ficar
muito quente, os ventos vão ficar muito fortes. Eu me preocupo com todos,
porque é a floresta que segura o mundo”.[6] Ir. Dorothy
Stang, morta em Anapu (PA), declarou: “A morte da floresta é o fim de nossa
vida”.
Papa Francisco afirma que os
povos nativos, especialmente os mais excluídos, “são os principais
interlocutores, dos quais devemos primeiro aprender, a quem temos de escutar
por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder
apresentar nossas propostas”.
10 de dezembro de 2021
Dom Sebastião Lima Duarte –
Presidente da Comissão Ecologia Integral e Mineração
Cardeal Cláudio Hummes –
Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia
Dom Erwin Kräutler –
Presidente da REPAM-Brasil
Dom Roque Paloschi –
Presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Dom José Ionilton Lisboa de
Oliveira – Presidente da Comissão Pastoral da Terra – CPT
Daniel Seidel – Secretário
executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz
________________________
[1] Cf.
Cristiane Prizibisczky, “Amazônia acumula 73 mil focos de incêndio em 2021,
segundo dados do INPE”. ((o)) eco, 1/XII/2021.
[2] Cf.
Samuel Fernandes, “Queimadas na Amazônia impactam 90% das espécies de animais e
plantas da floresta”. Folha de São Paulo, 1/IX/2021.
[3] Cf.
Vinicius Sassine, “General Heleno autoriza avanço de garimpo em áreas
preservadas na Amazônia”. Folha de São Paulo, 5/XII/2021.
[4] Cf.
Rubens Valente, “Caciques cedem à invasão e aceitam abrir mão de 392 mil
hectares no Pará”. UOL, 2/XII/2021.
[5] Cf.
Duda Menegassi, “PL 510 abrirá caminho para ocupação de 24 milhões de hectares
de florestas públicas”. ((o)) eco, 4/V/2021.
[6] Cf.
Nicole Oliveira, “Cacique Raoni: ‘É a floresta que segura o mundo. Se acabarem
com tudo, não é só índio que vai sofrer’.” Arayara.org, 20/XI/2019.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt