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quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Meditações sobre a Ressurreição (Parte IX-Final)

Virgem Imaculada | WordPress

9. MARIA, MÃE DA SANTA ESPERANÇA

A Mãe que soube esperar 

Uma tradição muito antiga, que atravessou os séculos e ficou plasmada em muitas obras de arte, afirma que a primeira aparição de Cristo ressuscitado foi à sua Mãe Santíssima.

É natural que Jesus, que ficava feliz – depois da ressurreição – trazendo a alegria aos que amava, tivesse dado a precedência da alegria à sua Mãe. Não era ela quem mais a merecia? Ela que acreditara firmemente, desde o momento da Encarnação, que aquele seu filho, que ao mesmo tempo era o filho do Altíssimo, seria – como o anjo Gabriel lhe havia anunciado – o Messias descendente de Davi, que reinaria eternamente e seu Reino não teria fim;  ela que se unira ao Redentor em todos os momentos da sua vida e especialmente na Paixão, oferecendo a sua imensa dor juntamente com o sacrifício redentor do Filho; ela que ouvira sair dos lábios murchos de Jesus agonizante sobre a Cruz aquela “nomeação” como Mãe dos discípulos, mãe de todos os homens: Mulher, eis aí teu filho”…; ela certamente merecia ter as primícias do júbilo da ressurreição. E é o que Jesus ressuscitado lhe deve ter dado, sem dúvida, como atesta a tradição.

É muito bonito pensar que, naqueles momentos de escuridão quase total que envolvia os discípulos logo após a morte e o sepultamento de Jesus, a única luz de esperança que não se apagou, que continuou a brilhar, foi o coração de Maria. Seu coração, que acabava de ser atravessado por uma espada de dor, como profetizara Simeão era, ao mesmo tempo, a única lâmpada que ardia com a chama da santa Esperança. Ela foi a única que, no silêncio do sábado santo, esperou na ressurreição ao terceiro dia

A Mãe que ensina a confiar

Certamente, ao longo de toda a sua vida, ela viveu e encarnou a esperança como ninguém. Movida pelo Espírito Santo, Santa Isabel louvou-a assim no dia da Visitação: Feliz a que acreditou, porque se cumprirão todas as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor.  Acreditou, e desse solo fecundo da fé, brotou a esperança como uma planta viçosa, como uma fonte

Conta-nos São Lucas, no Evangelho, que no dia da Visitação, Santa Isabel, movida pelo Espírito Santo, louvou Nossa Senhora com estas palavras: Feliz a que acreditou, porque se cumprirão todas as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor (Lc 1,45). Maria acreditou e, do solo fecundo da sua fé, brotou a esperança como uma planta viçosa, como uma fonte cristalina, como um diamante único, indestrutível. Por isso a Igreja a chama Mãe da santa Esperança, e por isso nós a invocamos como Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa… não são apenas belas palavras. Têm um conteúdo profundo. Descrevem a missão que Jesus lhe confiou em relação aos seus irmãos – a nós, que somos todos irmãos de Jesus (cf. Rm 8,29) e filhos de Maria (Jo 19, 26).

Quando Jesus nos deu Maria como Mãe, no momento solene da agonia na Cruz, quis garantir-nos a esperança. É verdade que a nossa esperança deve estar, toda ela, colocada em Deus. Deus, e só Deus, é o motivo e a fonte radical da esperança. Mas Ele deu-nos uma Mãe – a sua Mãe – para que, com o calor de seu coração, nos ensinasse a confiar; para que estendesse a mão a estas pobres crianças suas que somos nós, para que as guiasse e as introduzisse no mundo maravilhoso da esperança.

Uma das orações mais antigas dirigidas a Nossa Senhora é aquela que ainda hoje os católicos piedosos sabem de cor: “À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as súplicas que em nossas necessidades vos dirigimos, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. Rogai por nós, santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo”. É uma expressão da confiança filial em Maria que nos encaminha para a esperança plena em Deus.

Na verdade, o Espírito Santo – inspirador da Sagrada Escritura – deixou-nos motivos mais do que suficientes para que aprendêssemos a confiar na “Esperança nossa”. Bastaria lembrar a cena das bodas de Caná (Jo 2,1-11), onde a petição de Maria – suave, discreta, sussurrada ao ouvido – obteve de Jesus o seu primeiro milagre, a transformação da água em vinho.

Naquela festa de bodas, começou a faltar o vinho. Maria teve pena dos noivos. Aquilo podia estragar a alegria singela do banquete. Então falou com seu Filho: Não têm vinho! A resposta de Jesus pôde parecer um balde de água fria – Mulher, isto nos compete a nós? A minha hora ainda não chegou –, mas Maria não achou que fosse assim, e com toda a paz disse aos serventes: Fazei tudo o que ele vos disser…; e não precisou de fazer mais. Jesus mandou, na hora, encher de água umas grandes talhas que lá estavam e depois indicou que fosse servido o seu conteúdo aos convidados: foi o melhor vinho da festa!

Maria adiantou assim, misteriosamente, a hora dos milagres de Jesus. E graças a esse primeiro milagre, obtido pela intercessão da Virgem, o Evangelho diz que Jesus manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele. Tudo, pela solicitude de Maria, pela ternura do seu coração. Se Jesus fez isso, a pedido de Maria, o que não fará por nós? É como se Ele próprio nos estivesse dizendo: “Vocês vêem? Confiem na Mãe! Eu a ouvirei sempre! Ela conseguirá tudo de mim!”

A Mãe de misericórdia

É por isso que os santos e os bons teólogos a chamam a “onipotência suplicante”, uma maneira hiperbólica – mas realista – de referir-se ao poder das súplicas de Maria diante de Jesus. São Bernardo, o “trovador da Virgem”, gostava de compará-la ao aqueduto que recebe a água da fonte (a água da graça, da fonte que é Deus) e a faz chegar a nós, da mesma maneira que um aqueduto recolhia então a água das montanhas e a conduzia até os povoados. E assim dizia: “Recebendo a plenitude (da graça) da própria fonte do coração do Pai, no-la torna acessível… Com o mais íntimo, pois, da nossa alma, com todos os afetos do nosso coração e com todos os sentimentos e desejos da nossa vontade, veneremos Maria, porque esta é a vontade daquele Senhor que quis que tudo recebêssemos por Maria”.

Que confiança, que consolo isto nos dá! Não é verdade que, às vezes, o que mais nos custa é esperar na misericórdia divina, porque vemos que não a merecemos, e  que Deus, sendo justo, deveria castigar-nos, especialmente depois de tantos arrependimentos efêmeros, de tantas reincidências meio cínicas?  E, no entanto, nem no pior dos casos devemos desesperar da misericórdia de Deus, mesmo que nos sintamos afundados – como o filho pródigo – na mais espessa, suja e viscosa lama do pecado. Nessa triste situação, ninguém como Maria para ajudar-nos a confiar na misericórdia de Deus. Ela é Mãe. Não tenhamos medo, por mais sujos e machucados que estejamos. Ela não deixará de propiciar um bom banho aos seus meninos. Ela nos moverá a ter arrependimento, ela nos levará – se for preciso, pela orelha — até à confissão, e nos carregará finalmente no colo, limpos e felizes.

“Se eu fosse leproso – escrevia São Josemaría Escrivã -, minha mãe me abraçaria. Sem medo nem repugnância alguma, beijar-me-ia as chagas. – Pois bem, e a Virgem Santíssima? Ao sentir que temos lepra, que estamos chagados, temos de gritar: Mãe! E a proteção de nossa Mãe é como um beijo nas feridas, que nos obtém a cura”.

A poderosa intercessora

A confiança em Nossa Senhora sempre foi tão grande entre os bons cristãos, que alguns até “exageraram”. Mas exageraram de uma maneira bonita, assim como se amplia um detalhe de uma flor belíssima, muito além do seu tamanho normal, para poder apreciá-la melhor. Não há “mentira” nisso!  Um exemplo entre mil são uns versos do “poeta da esperança”, o francês Charles Péguy, que põe na boca de Deus Pai as seguintes palavras (deliciosamente “exageradas”):

“Eu não vi no mundo – diz Deus – nada mais belo que uma criança que adormece fazendo a sua oração (…). [o poeta estende-se, em versos tocantes, falando da maravilha que é a criança que dorme rezando, e aí nenhuma das coisas bonitas que diz é exagero].

“Nada é tão belo! – continua a dizer Deus -. E este é mesmo um ponto em que a Virgem Santa está de acordo comigo. Lá em cima (no Céu).

“Inclusive, eu posso dizer que este é o único ponto em que estamos plenamente de acordo. Pois geralmente os nossos pareceres são contrários.

“Porque ela está do lado da misericórdia,

“E eu…, bem, é preciso que eu esteja do lado da justiça”.

Esses versos fazem sorrir (e até comovem um pouquinho), mas são “verdadeiros” pelo sentimento de confiança em Maria que transmitem. Junto dela, só um cego espiritual, um tolo… ou um demônio, podem perder a esperança.

Foi assim que o entenderam os cristãos desde o começo. Não podemos esquecer o que nos mostra a Sagrada Escritura, nos Atos dos Apóstolos, logo depois da Ascensão do Senhor. Jesus tinha-se despedido recomendando aos seus que permanecessem em Jerusalém, até que sejais revestidos da força do Alto (Lc 24,49), ou seja, até a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Pois bem, no livro dos Atos diz-se que todos – os Apóstolos, os discípulos, as santas mulheres – obedeceram, e se reuniram, durante dez dias, no Cenáculo, com Maria, a Mãe de Jesus. Lá, junto dela, como uma família apinhada em torno da mãe, perseveravam unanimemente na oração (At 1,14). Junto de Nossa Senhora, tornava-se fácil cumprir o que Jesus mandara. Sempre é assim! A única coisa que ela nos pede é o que pediu aos serventes de Caná: Fazei tudo o que Ele vos disser. E ela fica junto de nós para nos ajudar a cumpri-lo.

Por isso, uma vida espiritual impregnada de devoção a Nossa Senhora é uma vida espiritual sadia, voltada inteiramente para o cumprimento da Vontade de Deus. “Antes, sozinho, não podias… – dizia Mons. Escrivá -. – Agora, recorreste à Senhora, e, com Ela, que fácil!”

Quem quer a graça de Deus, a Ela recorre

É uma experiência universal na história do cristianismo. Dante Alighieri deixou-a maravilhosamente expressa no canto trinta e três do “Paraíso” da “Divina Comédia”, o último canto do livro, que começa com uma oração de São Bernardo à Virgem Maria, um cântico que, entre outras coisas, diz assim:

“Ó Virgem mãe, filha do teu Filho,

humilde e alta mais que criatura alguma,

termo imutável dos desígnios divinos […]

…Cá no Céu, tu és para nós sol radiante

de amor; e em baixo, entre os mortais,

és uma fonte viva de esperança.

Senhora, és tão grande e tanto podes,

que quem quer graça e a ti não recorre

o seu desejo quer voar sem asas. […]

…Em ti, misericórdia; em ti, piedade,

em ti magnificência, em ti se junta

quanto há nas criaturas de bondade….

Mesmo que a tradução faça perder o sabor inexprimível do texto italiano, mantém a alma desses versos.

Anteriores a Dante são umas palavras anônimas, cheias de devoção, que alguém rabiscou num manuscrito medieval, falando das rosas que compõem o “rosário” de Maria: “Quando a bela Rosa Maria começa a florescer, o inverno das nossas tribulações se desvanece e o verão da eterna alegria começa a brilhar”.  É popular, é muito simples, mas é muito expressivo.

Confiar em Maria como uma criança confia na mãe

             Na realidade, a nossa confiança em Maria não só deve ser simples – como a fé do povo mais simples –, mas deve adquirir a pureza e a singeleza total da infância. Podemos dizer que a nossa confiança só será perfeita quando, como Jesus nos pede, nos transformarmos e nos fizermos como crianças (Mt 18,3).

A este propósito, penso que vale a pena evocar uma lembrança de há bastantes anos. Trata-se de um pequeno episódio da vida de um padre de aldeia, de dois metros de altura, ossudo e desengonçado como um don Camilo de Guareschi, e que foi meu amigo. Aconteceu que, na altura do Natal, seguindo o costume da sua terra, preparava-se para receber algum presente trazido na corcunda dos camelos pelos Reis Magos. Nessa ocasião, seguindo um sistema do tipo do “amigo secreto”, os “reis magos” íamos ser um grupo de colegas, padres como ele. Cada um escreveria uma carta aos Reis, fazendo o pedido. O nosso don Camilo (que se chamava Pedro) escreveu esta:

“Meus caros Reis Magos:

Muito embora sempre vos tenha amado e pedido favores, especialmente quando fazeis a vossa visita à terra, não vos tinha escrito desde faz, se bem me lembro, uns trinta anos. Eu era então um garoto com muitos sonhos na cabeça, que se foram apagando com o decorrer do tempo. Mas agora acontece que, graças a Deus, torno a sonhar, muito embora os sonhos sejam, naturalmente, diferentes dos que tinha então. O meu desejo atual é o de tornar a ser criança, apesar da minha respeitável estatura, para assim conseguir de vós quanto deseja e precisa meu coração de menino. Sim, o que para mim eu quero é isto: que me alcanceis a infância espiritual, para que sempre possa caminhar agarrado à mão de Deus; pois provavelmente vos seria meio difícil conceder-me a infância corporal. A Providência divina fez-me também pai de umas boas centenas de almas, que amo entranhadamente, e para as quais vos peço muita saúde espiritual, visto que há muitas que estão doentes. Com a certeza de que me haveis de conceder o que vos peço, beijo as vossas mãos benfazejas”.

Os Rei Magos atenderam seu pedido, e ele recebeu como presente uma imagem de Nossa Senhora, linda, com um olhar de mãe, com um sorriso cálido de mãe, que fazia com que qualquer um se sentisse, perto dela, uma criança amparada, totalmente aconchegada…

Como história puxa história, aí vai outro belo episódio dos tempos atuais. Um dos maiores poetas do século vinte foi Paul Claudel, um diplomata francês que se converteu ao catolicismo, por graça de Nossa Senhora, certa vez em que assistia – sem fé – a uma Missa natalina na catedral de Nôtre-Dame de Paris. Maria tocou-lhe o coração, alcançando-lhe do Espírito Santo a graça da fé, e o meteu para sempre no coração de seu Filho Jesus. Claudel tornou-se um grande católico e foi um dos maiores poetas e dramaturgos do seu século. A graça da sua conversão ficou-lhe tão gravada na alma que, sempre que podia, dava uma passada por Nôtre-Dame, entrava na catedral e ficava a olhar para a imagem da Senhora, da Mãe que o salvara.  Ele mesmo, num dos seus poemas, descreve qual era, nessas ocasiões, a sua oração. A tradução dá uma idéia dela, ainda que, como toda tradução, desbote o colorido do original:

É meio-dia. Vejo a igreja aberta. É preciso entrar.

Mãe de Jesus Cristo, não venho rezar.

Nada tenho a oferecer e nada a pedir.

Mãe, venho apenas olhar para ti.

Olhar para ti, chorar de alegria, recordar

que sou teu filho e que tu estás aqui.

Apenas um instante, enquanto tudo pára.

Meio-dia!

Estar contigo, Maria, neste lugar onde tu estás.

Nada dizer, olhar para o teu rosto,

Deixar o coração cantar em sua própria linguagem […]

…porque tu és a Mãe de Jesus Cristo,

que é a verdade entre os teus braços e a única esperança… […]

Porque estás aqui para sempre, simplesmente porque tu és Maria,

simplesmente porque existes,

Mãe de Jesus Cristo, nós te agradecemos!

Esta é que é a verdadeira devoção a Maria. Isto é o que devemos colocar em cada Ave Maria, em cada Terço, em cada Salve Rainha, em cada oração silenciosa, em cada jaculatória da ladainha, em cada olhar e em cada suspiro filial…

Agradeçamos a Jesus a Mãe que nos deu, porque – com ela – é impossível perder a esperança. Digamos-lhe, com palavras da antiquíssima antífona Salve, RainhaVida, doçura e esperança nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei!

Fonte: https://presbiteros.org.br/

“Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.”

Editora Cidade Nova

“Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.” (1Cor 9,19) | Palavra de Vida Setembro 2022

A PALAVRA de Vida deste mês se encontra na Primeira Carta de Paulo aos cristãos de Corinto (Grécia).

por Web Master   publicado em 25/08/2022

Ele está em Éfeso (antiga cidade grega, na atual Turquia) e por meio dessas palavras procura dar uma série de respostas aos problemas que surgiram na comunidade grega de Corinto, cidade cosmopolita e grande centro comercial, famosa pelo templo de Afrodite, mas também pela proverbial corrupção. 

Alguns anos antes, os destinatários da Carta haviam se convertido do paganismo à fé cristã, graças à pregação do apóstolo. Uma das controvérsias que dividia a comunidade era: podemos ou não podemos comer carnes sacrificadas aos ídolos nos ritos pagãos?

Dando relevo à liberdade que temos em Cristo, Paulo introduz uma ampla análise de como se comportar diante de certas escolhas, aprofundando particularmente o conceito de liberdade.

“Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.”

Uma vez que os cristãos sabem que “no mundo não existe nenhum ídolo e nenhum deus, a não ser um só” (1Cor 8,4), é claro que se torna indiferente comer ou não comer carnes sacrificadas aos ídolos. Mas o problema surge quando um cristão se encontra na presença dos que ainda não possuem esta compreensão, este conhecimento da fé, e a atitude dele pode, desse modo, escandalizar uma consciência fraca.

Quando o conhecimento e o amor estão em jogo, para Paulo não há dúvida: o discípulo deve escolher o amor, renunciando até mesmo à sua própria liberdade, como fez Cristo, que livremente se tornou servo por amor. 

A atenção ao irmão fraco, àquele cuja consciência é frágil e que tem pouco conhecimento das coisas, é fundamental. O objetivo é “ganhar”, no sentido de levar a vida do Evangelho, tão boa e bonita, ao maior número possível de pessoas.

“Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.”

Como escreve Chiara Lubich: Se estamos incorporados em Cristo, se somos Ele, ter divisões, pensamentos conflitantes, é dividir Cristo. [...] Quando, [...] entre os primeiros cristãos, havia o perigo de quebrar a concórdia, eles eram aconselhados a ceder nas próprias ideias, contanto que se mantivesse a caridade. [...] O mesmo acontece também hoje: às vezes, mesmo estando nós convencidos de que um determinado modo de pensar é o melhor, o Senhor nos sugere que é melhor ceder nas próprias ideias, é melhor o menos perfeito, mas de acordo com os outros, do que o mais perfeito em desacordo – contanto que seja salva a caridade com todos. 

E este “dobrar-se para não romper” é uma das características, talvez dolorosas, mas também mais eficazes e abençoadas por Deus, que mantém a unidade segundo o pensamento mais autêntico de Cristo, e consequentemente sabe apreciar o seu valor1.

“Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.”

A experiência do cardeal vietnamita François van Thuân, que passou treze anos preso, nove deles em isolamento total, testemunha que, quando o amor é verdadeiro e desinteressado, também obtém como resposta o amor. Durante a sua prisão, ele ficou sendo vigiado por cinco guardas, mas os superiores decidiram substituí-los a cada quinze dias por outro grupo, porque estavam sendo “contaminados” pelo bispo. No final decidiram deixar sempre os mesmos, senão ele acabaria “contaminando” todos os guardas da prisão. O próprio cardeal conta: No início, os guardas não falavam comigo. Só respondiam sim e não. [...] Uma noite me veio um pensamento: “François, você ainda é muito rico, você tem o amor de Jesus em seu coração; ame-os como Jesus amou você”. No dia seguinte, comecei a querê-los bem ainda mais, a amar Jesus neles, sorrindo, trocando palavras gentis com eles. [...] Pouco a pouco nos tornamos amigos.2 Na prisão, com a ajuda de seus carcereiros, ele fez a cruz peitoral que usaria até a morte, símbolo da amizade nascida com eles: pequenos pedaços de madeira e uma correntinha de ferro.

1) LUBICH, Chiara. L’arte di amare, Roma: Città Nuova, 2005, pp. 120-121 (tradução nossa).

2) François-Xavier Nguyn Văn Thun. Testimoni della speranza, Roma: Città Nuova, 2000, p. 98. Nascido em 1928 em uma família católica, ele morreu em Roma, em 2002. No dia 15 de agosto de 1975, pouco depois de ter sido nomeado arcebispo coadjutor de Saigon pelo Papa Paulo VI, ele foi preso pelas autoridades vietnamitas. Assim, começou sua atribulada jornada, que durou treze anos, entre prisão domiciliar, celas de isolamento, campos de reeducação e torturas de todo tipo, constantemente iluminado por uma esperança inabalável.

Independência do Brasil: o dia em que D. Pedro I parou para rezar em Aparecida

Shutterstock
Monumento no Parque da Independência lembra o "Grito do Ipiranga"
Por Ricardo Sanches

Os detalhes da visita que aconteceu poucos dias antes da proclamação da Independência.

Desde que foi encontrada por pescadores no rio, em 1717, a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida já atraiu milhões de peregrinos. Entre os devotos estão anônimos, famosos e até personalidades importantes da história do Brasil, como é o caso de D. Pedro I.

De acordo com o site do Santuário Nacional de Aparecida, o então Príncipe Regente do Brasil Colônia viajava a cavalo do Rio de Janeiro para São Paulo. A viagem, que tinha cunho político, previa várias paradas no caminho. Uma delas era em Aparecida, onde o príncipe rezaria e conheceria a já famosa “Capela da Santa”, que hoje é a Basílica Histórica.

A visita aconteceu na manhã do dia 20 de agosto de 1822, conforme descreve uma placa na entrada da basílica. A reportagem do site do Santuário afirma:

“O príncipe se colocou em plena oração pedindo a intercessão de Nossa Senhora da Conceição, fazendo suas preces e promessas, e como principal promessa que, ao completar o processo da independência, ele iria decretar Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil, além de consagrar a nação à Virgem Maria caso as negociações na província paulista dessem certo.”

Paz e esperança em um momento conturbado

Em entrevista ao jornalista Victor Hugo Barros, a historiadora Tereza Pasin afirma que após sair da capela e rezar a Nossa Senhora, D. Pedro “levou consigo a paz, que é o que o nosso devoto vem procurar”. Ela lembra que o príncipe estava muito preocupado com a situação política do Brasil e de São Paulo.

E como não acreditar que esta paz espiritual influenciou a decisão de D. Pedro de, dezoito dias após visitar Aparecida, ou seja, em 7 de setembro de 1822, proclamar a Independência do Brasil?

Vale lembrar que em 12 de outubro de 1822 D. Pedro I tornou-se o Imperador do Brasil, mas, por pressão da Coroa Portuguesa, escolheu São Pedro de Alcântara como padroeiro do país.

Com informações de A12.com

https://pt.aleteia.org/

Santa Regina

Santa Regina | Jornal O São Paulo
07 de setembro
Santa Regina

Santa Regina viveu no terceiro século. Era filha de uma mulher chamada Clement Alise. Seu pai era um pagão da região de Burgundy, na França. A situação financeira de sua família era boa. Tinham muitos bens. Sua mãe simpatizava com os cristãos, mas não praticava a religião.

Morte de sua mãe

Sua mãe faleceu quando Regina era ainda muito nova. Antes de morrer, porém, sua mãe a confiou aos cuidados da empregada que já cuidava dela. Era uma mulher da confiança de sua mãe. Essa mulher era cristã. Santa Regina continuou morando em sua casa e sendo cuidada pela mulher cristã.

Reviravolta em sua vida

Quando o pai de Regina ficou sabendo que a empregada que cuidava de sua filha era cristã, demitiu a empregada e simplesmente expulsou a filha de sua casa. Sem ter para onde ir, Santa Regina encontrou abrigo na casa da mulher que a tinha criado. Esta casa ficava no bairro pobre da cidade. Lá, ela foi acolhida como membro da família e continuou recebendo a formação cristã que a empregada já vinha lhe dando. Para ajudar, ela assumiu um trabalho pouco nobre naquela época: ela foi pastorear ovelhas.

A Beleza de Santa Regina

A história de Santa Regina diz que ela era uma jovem portadora de grande beleza. E, por causa de sua beleza, o prefeito da cidade, que se chamava Olybrius, apaixonou-se por ela e pediu sua mão em casamento. O prefeito, porém, era pagão e assumidamente anticristão. E Regina, consolidada na fé cristã, recusou o pedido.

Sofrimentos de Santa Regina

Furioso, o prefeito ordenou que Regina fosse presa acusando-a de desacato a autoridade e bruxaria. Em seguida, ordenou que Regina fosse torturada até o momento em que ela renegasse a fé cristã e oferecesse sacrifícios aos ídolos pagãos que o prefeito cultuava. Santa Regina resistiu às torturas em nome de sua fé e não renegou Jesus Cristo.

O prefeito não pode prosseguir com as torturas por causa de uma viagem que tinha que fazer. Assim, mandou que ela continuasse presa, acorrentada com ferros em sua cintura e amarrada às paredes de sua cela. Quando o prefeito voltou da viagem, ainda insistiu no seu pedido de casamento, mas Regina recusou novamente.

Torturas

Não se conformando com a rejeição de Santa Regina, o prefeito passou a concentrar todas as suas forças no intuito de fazer Regina renegar Jesus Cristo. Por isso, submeteu-a as maiores torturas. Começou com açoites que fizeram sangrar todo o seu corpo. Em seguida, deitou-a em cima de um cavalo feito de madeira que machucava sua coluna e esfolava sua pele. Em seguida, suas unhas foram arrancadas e sua pele foi dilacerada por ganchos enferrujados.

Santa Regina, porém não renegou sua fé e continuou firme. Sua família adotiva sofria, chorava e rezava ao saberem de todas as torturas que Regina sofria. Ao ver que ela ainda estava viva, o prefeito mandou que a levassem novamente à sua cela. Lá, milagrosamente ela ficou curada. Ao saberem deste fato, muitos do povo se converteram a Jesus Cristo.

A visão da Cruz de Cristo

Sem saber o que fazer, o prefeito deixou-a alguns na prisão, sem comida e sem água. Numa das noites na prisão, Regina teve uma maravilhosa visão da  cruz de Jesus Cristo. Nesse momento, uma voz lhe falou que, muito em breve, ela seria libertada. Santa Regina sentiu uma grande consolação em seu coração.

Martírio

No dia seguinte, o prefeito Olybrius, vendo que Santa Regina estava curada,  começou a torturá-la de novo. Dessa vez, porém, com mais fúria ainda. Ele mandou que ela fosse queimada com tochas nas laterais de seu corpo. Depois, mandou que ela fosse crucificada. Ainda uma última vez, ele quis que Santa Regina renegasse a fé, mas ela não cedeu. Então, ele mandou que ela fosse decapitada.

Sinal de Deus

Muitas pessoas testemunharam a força e a fé de Santa Regina diante do martírio. E muitas se converteram ao presenciarem seu testemunho de fé. E Deus, que ama e defende seus santos, também quis dar um sinal em favor de Santa Regina diante de todos. De fato, antes de Santa Regina ser decapitada, uma pomba totalmente branca pousou sobre sua cabeça.

O carrasco fazia a pomba sair dali, mas a ave símbolo da paz voltava à cabeça de Santa Regina. O povo pediu que o prefeito reconsiderasse, mas este não cedeu. Então, finalmente, o carrasco decapitou Santa Regina e ela foi libertada para a felicidade eterna como lhe tinha sido prometido na visão do dia anterior.

A iconografia da Santa

Na arte cristã Santa Regina é representada de várias maneiras, fazendo referência ao seu martírio. Primeiro, como uma jovem presa à cruz e tochas acesas sendo queimando seus lados.

Outra representação é uma jovem com uma pomba branca sobre sua cabeça. Ela também é representada como uma jovem na prisão, uma pomba sobre a cabeça e uma cruz cheia de brilho. Por fim, ela é representada tendo um cordeiro junto de si e sendo açoitada com ferros.

Devoção a Santa Regina

Santa Regina até hoje é bastante venerada na região de Autun, na França e também na região sul da Alemanha. A festa litúrgica de Santa Regina acontece no dia sete de setembro.

Fonte: https://cruzterrasanta.com.br/

"Discernir é ouvir o próprio coração", afirma o Papa na Audiência Geral

Audiência Geral na Praça São Pedro | Vatican News

“Deus trabalha através de acontecimentos não programáveis, e até nos contratempos”, afirmou Francisco, dando continuidade ao ciclo sobre o discernimento espiritual. Sua catequese foi inspirada num episódio da vida de Santo Inácio de Loyola.

Bianca Fraccalvieri – Vatican News

Santo Inácio de Loyola foi o protagonista da catequese do Papa na Audiência Geral desta quarta-feira.

Francisco deu continuidade ao seu novo ciclo sobre discernimento, contando como o fundador da Companhia de Jesus aprendeu a discernir a partir de um episódio concreto de sua vida, mais precisamente quando feriu sua perna durante a guerra.

Santo Inácio fez uma longa convalescença em casa, durante a qual se dedicou à leitura. Ele procurava por livros de cavalaria, mas, por falta de opção, pôs-se a ler a vida dos santos. Foi então que começou a descobrir outro mundo, que o fascinou. De modo especial, admirou as figuras de São Francisco de Assis e de São Domingos de Gusmão e sentiu o desejo de os imitar.

Entretanto, o mundo da cavalaria continuava a encantá-lo, mas se dava conta que os pensamentos mundanos no início eram atraentes, mas, ao deixá-los, sentia-se desiludido e vazio, ao passo que a leitura da vida dos Santos deixava-o consolado, cheio de alegria e com uma paz que perdurava no tempo.

Ouvir o próprio coração

O mesmo acontece conosco, acrescentou o Papa, quando por exemplo fazemos uma obra de caridade e sentimos felicidade. Inácio nos ensina isto: ouvindo o próprio coração, ele fez a primeira experiência de Deus.

“Para conhecer o que acontece, qual decisão tomar, julgar uma situação, ouvir o próprio coração. Nós ouvimos a televisão, o rádio, o celular, somos mestres da escuta, mas pergunto: você sabe ouvir o próprio coração? Você para para dizer: ‘Mas o meu coração como está? Está satisfeito, triste, busca algo?’. Para tomar boas decisões, é preciso ouvir o próprio coração.”

Só depois de um certo período é que Inácio percebeu esta diferença e, debruçando-se sobre ela, procurou discerni-la. Eis então o elemento da casualidade. Tudo parece nascer de um banal contratempo: não havia livros de cavaleiros, mas apenas vidas de santos. “Deus trabalha através de acontecimentos não programáveis, e até nos contratempos”, explicou Francisco.

O Pontífice então aconselhou a ficar atento às coisas inesperadas, pois ali a vida está nos falando, aprender a discernir se é o Senhor ou diabo. Até mesmo nas coisas do dia a dia, a visita inesperada da sogra ou um colega que nos pede dinheiro emprestado, devemos ficar atentos à nossa reação para aprendermos a conhecer o nosso coração.

É o discernimento que nos ajuda a reconhecer os sinais com que Deus Se faz encontrar por nós, mesmo nas situações imprevistas e contratempos, como foi para Inácio de Loyola aquela ferida na perna. Daí pode nascer um encontro, que muda a vida para sempre.

“Que o Senhor nos ajude a ouvir o nosso coração e a ver quando é Ele que atua e quando não é.”

terça-feira, 6 de setembro de 2022

É a oração a chave da vida cristã

A oração é a chave da vida cristã | Ao Único Deus
Extraído do número 01/02 - 2012 Revista 30Dias

É a oração a chave da vida cristã

“É preciso muita humildade, para rezar o Rosário e as orações mais simples, como as da devoção popular: lá entendemos como muito frequentemente é o povo que transmite a fé aos sábios”. Entrevista com o agostiniano Prosper Grech, criado cardeal por Bento XVI no último consistório.

Entrevista com o cardeal Prosper Grech por Paolo Mattei

Nas paredes do segundo andar do Institutum Patristicum Augustinianum estão pregadas algumas fotos em preto e branco. Nas molduras discretas se abrem vistas de praças e igrejas ao pôr do sol, perspectivas de marinas prateadas, perfis de homens e mulheres ao sol. No meio da manhã, os estudantes as observam tomando café no intervalo entre uma aula e outra. Talvez recuperem um pouco de fôlego, deixando que o olhar, até alguns minutos antes concentrado numa página de teologia ou de patrologia, repouse por alguns instantes nas luminosidades e nos claro-escuros dessas belíssimas cenas de vida comum.

O autor dessa mostra permanente de fotografia é um dos docentes mais conhecidos do Patristicum e atualmente um dos especialistas mais ilustres em Sagrada Escritura: o agostiniano Prosper Grech, que foi criado cardeal por Bento XVI no último Consistório. Nascido em Malta em 1925, Grech foi, ao lado do padre Agostino Trapè, o fundador do Patristicum – um centro de alta especialização que concede o bacharelado em Teologia e o mestrado e o doutorado em Teologia e Ciências Patrísticas –, que se encontra ao lado da Basílica de São Pedro. Em sua longa atividade de docência, Grech lecionou também por vinte anos Teologia Bíblica na Universidade Lateranense e por trinta anos Hermenêutica Bíblica no Pontifício Instituto Bíblico. Autor de muitos livros e artigos em revistas científicas, por mais de vinte anos consultor da Congregação para a Doutrina da Fé, é atualmente membro da Pontifícia Comissão Bíblica.

Nós o encontramos no Colégio Internacional Santa Mônica, no mesmo conjunto que hospeda o Patristicum.

 

Padre Prosper Grech | 30Disas

O senhor recebeu sua educação cristã em Malta...

PROSPER GRECH: Malta tem uma longa tradição católica, e Birgu, a antiga cidadezinha em que nasci, era, e é, cheia de igrejas. Eu frequentava a de São Lourenço – onde fui batizado e depois participei da Ação Católica – e a de São Domingos. Quando criança fui educado pelas Irmãs de São José, numa cidadezinha perto de Birgu, e com elas fiz a primeira comunhão. As lembranças da minha infância e da minha juventude são cheias de imagens da devoção popular, como as procissões que ziguezagueavam, fizesse chuva ou sol, pelas ruas da pequena cidade, ou o som dos sinos que enchia o ar quando o padre levava o viático pelas ruas...

Como nasceu a vocação ao sacerdócio?

Quando eu era menino sentia alguma coisa no coração, algo não claramente definível, que me fazia pensar no sacerdócio como caminho para a minha salvação. Depois, naturalmente, como muitas vezes acontece, ao crescer a pessoa muda de ideia, e isso aconteceu comigo também. Mas aquela espécie de sugestão secreta aflorou de novo durante a guerra, no ano em que concluía o ensino médio. Foi nesse período que a semente da vocação deu seu fruto. Voltei a olhar para toda a minha vida até então e respondi sim àquele chamado.

Os anos da guerra foram duros...

Malta sofreu bombardeios devastadores, Birgu era alvo dia e noite e assim fui obrigado a refugiar-me com a minha família em Attard, um povoado no meio da ilha, longe do arsenal, mas próximo de um aeródromo constantemente metralhado. Eu tinha dezessete anos e tinha começado a frequentar a faculdade de Medicina. Chamaram-me para prestar serviço na brigada antiaérea e consequentemente eu ia às aulas de uniforme para estar sempre pronto a correr para a bateria quando chegavam os inimigos. Depois do ataque, se a universidade ainda estivesse de pé e eu, ainda vivo, voltava para a aula com os meus colegas...

Por que escolheu entrar na Ordem Agostiniana?

Bem, muito simplesmente porque tinha um primo agostiniano a quem me dirigi para obter um conselho. Em Malta já havia na época uma província da Ordem, na qual entrei em 1943.

E como nasceu o amor por Santo Agostinho?

Eu o conhecia bem pouco, mas em nosso noviciado havia um professor idoso, padre Antonino Tonna-Barthet, de origem francesa, especialista em Santo Agostinho, que nos levou realmente a amá-lo muito. Ele tinha organizado uma bela antologia de seus escritos espirituais, intitulada De vita christiana, que foi também traduzida para o italiano, e que mereceria ser republicada. Aquele foi o meu primeiro contato com Agostinho. Depois o aprofundei um pouco estudando filosofia em Malta, e também, naturalmente, no Colégio Internacional Santa Mônica, aqui em Roma, aonde cheguei em 1946 para estudar teologia e onde encontrei padre Agostino Trapè, que foi meu professor: ele era um apaixonado por Agostinho, sobre o qual eu, de qualquer forma, não sou um especialista. Eu me aprofundei mais no pensamento dos Padres dos séculos II e III.

Em Roma, o senhor prosseguiu seus estudos...

Sim, na Gregoriana para o doutorado, e no Pontifício Instituto Bíblico para o mestrado em Sagrada Escritura. E em Roma fui ordenado sacerdote, em 1950, em São João de Latrão. Depois, em 1954, deixei a cidade por um tempo, para estudar e lecionar...

Onde?

Primeiro na Terra Santa, depois novamente em Malta, onde ensinei Sagrada Escritura por alguns anos em nosso estudantado agostiniano. Em 1957, recebi uma bolsa de estudos e fui a Oxford aprender bem o hebraico, e no ano seguinte estava em Cambridge, como assistente de pesquisa do professor Arberry... Voltei a Roma em 1961.

Novamente para estudar e lecionar?

Sim, e também para escrever a tese em Ciências Bíblicas. Mas mal voltei fui nomeado secretário de dom Pietro Canisio Van Lierde, que era sacrista do Palácio Apostólico e vigário-geral de Sua Santidade para a Cidade do Vaticano. Com ele “preparamos” o conclave em 1963, aquele em que foi eleito Paulo VI.

O que o senhor quer dizer com isso?

Enquanto sacrista, Van Lierde supervisionava as cerimônias litúrgicas do Pontífice, preparava os utensílios, os paramentos e os altares para a celebração das missas. O conclave também precisava ser organizado em seus aspectos “logísticos”. Por exemplo, como na época ainda não era costume concelebrar, tínhamos de aprontar todos os altares para que cada um dos cardeais pudesse dizer a missa privadamente.

O senhor encontrou Montini naquela ocasião?

É claro. Ouvi sua última confissão como cardeal...

Foto tirada por padre Prosper Grech | 30Dias

E como foi que isso aconteceu?

Eu cruzei com ele no Palácio Apostólico e ele me perguntou se eu era o confessor do conclave. “Não, eminência, não sou eu”, respondi; “vou procurá-lo para o senhor...” “Não, não, não precisa... Não posso me confessar com o senhor mesmo?” Assim fomos à capela Matilde, que hoje se chama Redemptoris Mater, e eu ouvi sua confissão. Depois de algumas horas era Papa. Espero não lhe ter dado uma penitência pesada demais...

O senhor não ficou muito tempo nos Palácios Vaticanos...

Não, porque em 1965 padre Trapè, tão logo eleito prior geral da Ordem, me disse: “Em vez de perder tempo no Vaticano”, o que aliás era verdade, “venha ser diretor do Instituto”, que era o Studium Theologicum Augustinianum.

Alguns anos depois, com Trapè, o senhor fundou o Institutum Patristicum Augustinianum...

Sim, o Patristicum era um pouco o nosso sonho, o de ter um lugar no qual cultivar e aprofundar as ciências sagradas, o pensamento dos Padres da Igreja, de Santo Agostinho e de seus herdeiros. Como havia muitas dúvidas sobre ser possível realizá-lo e ao mesmo tempo uma certa pressa de instituí-lo, padre Trapè pediu audiência a Paulo VI, o qual o abençoou com as duas mãos e o exortou a ir em frente. Foi inaugurado em maio de 1970. No início houve dificuldades, mas depois, com o tempo, consolidou-se.

Em Roma o senhor conheceu também Albino Luciani...

Quando vinha à Urbe, hospedava-se no nosso Colégio. Era realmente bom e simpático, um homem humilde, que se escondia... Mas também afável, ríamos muito juntos. Quando estava ali, celebrávamos a missa juntos todos os dias às sete da manhã.

Ele se hospedou com vocês também antes do conclave que o elegeu Papa?

Sim, com outros dois cardeais. Naquele período eu era o “prior suplente” do Colégio, pois o titular estava ausente, e na noite antes de entrarem no conclave não sabia que palavras usar para me despedir deles: “Bem, agora não sei como cumprimentá-los, pois um ‘até breve’ é de mau gosto, e boa sorte é ainda pior...” Imediatamente depois de sua eleição, à noite, antes de ir dormir, papa Luciani nos escreveu uma carta, dirigida a mim enquanto superior temporário do Colégio, agradecendo-nos pela hospitalidade e lembrando particularmente o irmão Franceschino.

Quem era Franceschino?

O irmão leigo idoso que arrumava o seu quarto. Eu me lembro de que, numa das oportunidades em que Luciani estava conosco, Franceschino me disse: “Temos de tomar conta deste cardeal, porque um dia vai ser papa”. Eu corri o risco também de me tornar secretário suplente de João Paulo I...

Por quê?

Seu secretário, que tinha de ir a Veneza pegar suas coisas para levá-las ao Vaticano, me pediu que o substituísse por algum tempo. Eu, porém, hesitava, porque naquele momento era alvo de ataque público de certos ambientes ultraconservadores ressentidos com o fato de eu ensinar Teologia Bíblica na Lateranense: “A teologia bíblica é coisa protestante, não existe, nós temos a teologia dogmática”, diziam. Enfim, eu não queria criar embaraços. Assim, Mons. Magee foi auxiliar o Papa.

A propósito de Teologia Bíblica: o senhor a ensinou por vinte anos na Universidade Lateranense e por trinta anos manteve a cátedra de Hermenêutica Bíblica no Pontifício Instituto Bíblico. Como nasceu essa paixão pela Sagrada Escritura?

Eu a tive desde menino. Entre outras coisas, nas escolas malteses ensinavam seriamente a Escritura e eu me lembro de que como tarefa para os exames nas escolas secundárias nos apresentavam uma passagem do Evangelho pedindo-nos que explicássemos sua proveniência e a interpretássemos em seu contexto. Mas eu gostava também da leitura solitária do Novo Testamento, e preferia São Mateus e São João. Já na época do seminário manifestei ao mestre dos noviços o desejo de me dedicar ao estudo da Escritura, mas ele certamente não me encorajou: “É difícil, é preciso conhecer muitas línguas... Essa exegese, além disso, com a atenção exasperada a cada vírgula...” De fato, não exagerou demais. Seja como for, depois, o meu propósito se realizou.

Lecionando Hermenêutica Bíblica, o senhor aprofundou também questões de filosofia contemporânea...

Teólogos como Bultmann e seus discípulos – Käsemann e Bornkamm –, enfrentando a questão da separação do Jesus histórico do Jesus da fé e a da demitização do Novo Testamento, se apoiavam também no pensamento de Heidegger, que eu estudei, tal como estudei também o que afirmava Gadamer sobre o subjetivismo da interpretação, sobre a interpretação como “processo contínuo”. Eu tinha de entrar na cabeça desses filósofos, aprofundar a influência de Kant sobre o seu pensamento, e, mesmo não aceitando todas as ideias que defendiam, devo dizer que aprendi muito com eles.

Foto tirada por padre Prosper Grech | 30Dias

A paixão pela palavra escrita provavelmente deve tê-lo levado também a amar a literatura...

Sim, certamente. Gosto muito de Shakespeare, Eliot, Wordsworth e Pound. Além da literatura anglo-americana, lembro-me de que na escola líamos também poetas e escritores italianos, como Dante, Manzoni e outros clássicos, e eu gosto particularmente de Quasimodo e Montale, enquanto entre os de língua alemã prefiro Rilke e Hölderlin. Quando estava em Cambridge, me ocupei também da literatura maltesa, na qual o professor Arberry estava interessado. Com ele organizei uma coletânea bilíngue de líricas maltesas com tradução em inglês, e uma antologia de versos do poeta nacional de Malta, o sacerdote Dun Karm Psaila. Mas não sou um literato; digamos que me considero um simples diletante. Sinto-me mais preparado em relação à arte, fui amigo de Lello Scorzelli, pintor e escultor que Paulo VI chamou para trabalhar em Roma, com o qual fui também levar um busto do papa Montini à St. Patrick’s Cathedral de Nova York.

E há também a fotografia...

Sim, justamente, para mim a arte é importante também porque certas obras me servem como modelo para as minhas fotos. Há algum tempo comecei a usar também máquinas fotográficas digitais.

O senhor escreveu um notável número de ensaios e livros científicos sobre a hermenêutica e sobre a teologia bíblica. A última obra que organizou, porém, é um pequeno livro sobre a oração: Senhor, ensina-nos a rezar.

É uma coletânea, organizada por monjas agostinianas de Lecceto e editada pela Lev, das meditações que fiz aos meus confrades do Colégio de Santa Mônica durante os exercícios espirituais realizados em Cássia em 1995. Acredito ser a oração, e não certamente a hermenêutica, a chave da vida cristã. Precisamos descer dos nossos pedestais, esvaziar-nos do nosso intelectualismo e do nosso orgulho. É preciso muita humildade, para rezar o Rosário e as orações mais simples, como as da devoção popular: lá entendemos como muito frequentemente é o povo que transmite a fé aos sábios.

Fonte: http://www.30giorni.it/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF