S. Sofrônio | catedralortodoxa |
Sofrônio tinha ascendência árabe; nasceu em
Damasco, na Síria, no fim do século VI (560?). Piedoso e
com amor pelo conhecimento desde a juventude, foi chamado de “O Sábio” pela
facilidade com a Filosofia. Foi professor de Retórica e mais
tarde destacou-se como teólogo, frente à heresia monotelista.
Em 580 tornou-se asceta, no Egito, e entrou para o Mosteiro de São Teodósio, situado entre Belém e
Jerusalém. Ali tornou-se filho espiritual do monge e sacerdote João Mosco,
famoso cronista. Passaram a viajar juntos na Síria, Ásia Menor e
Egito, registrando e escrevendo sobre a vida de diferentes ascetas (na sua obra
“Prado Espiritual”, dedicada a Sofrônio e obra importante no II Concílio de
Nicéia em 787, ou VII Concílio Ecumênico do Cristianismo, o
último a ser aceito tanto pela Igreja Católica quanto pela Igreja Ortodoxa,
João Mosco refere, por exemplo, a história de São Gerásimo, falecido em 475,
o qual curou um leão que passou a servi-lo como um animal doméstico).
Permaneceram dois anos em Alexandria, auxiliando São João o Esmoleiro (Esmoler;
ou também São João Misericordioso) no combate ao monofisismo. Em
619, tendo ido a Roma em peregrinação, falece João Mosco, e Sofrônio acompanha
o traslado do seu corpo para o sepultamento no Mosteiro de São Teodósio.
Enquanto isso, o imperador romano do Oriente, Heráclio, após concluir a paz com os persas invasores entre
628-630, procurava unir seus súditos, divididos entre cristãos e monofisitas
(heresia surgida dois séculos antes proclamando haver apenas uma natureza em
Cristo, a divina, que teria absorvido a humana). Propôs assim,
juntamente como patriarca Sérgio I de Constantinopla, o chamado
monoenergismo, que admitia corretamente as duas naturezas de
Cristo, mas afirmava ter Ele apenas uma “energia” (energeia), ou “atividade”
(um termo cuja definição foi deixada deliberadamente vaga), divina –
deste modo, pretendiam agradar a ambos os lados. Em 632 foi aceita esta “fusão”
pelos patriarcas de Constantinopla, Alexandria e Antioquia (mas não pelos
fiéis); o Papa Honório, a princípio, parece não ter percebido a gravidade
do problema, e não se manifestou claramente contra o monoenergismo. Contudo
Sofrônio, do seu mosteiro, opôs-se energicamente. Em 633 viajou
parra Alexandria e Constantinopla na tentativa de demover seus patriarcas da
heresia, mas sem sucesso. Infelizmente, as suas muitas
obras sobre o tema foram perdidas – uma como que antologia de cerca de 600
textos dos Padres Gregos, isto é, os apologistas que escreveram em Grego, como
por exemplo Santo Ireneu, São João Crisóstomo, etc., defendendo as
duas vontades em Jesus.
Retornando à Palestina em 634, Sofrônio foi eleito patriarca de Jerusalém pela sua sabedoria, piedade e
ortodoxia na Fé. Logo convocou um sínodo em Chipre para tratar da heresia,
escrevendo uma carta na qual expunha e defendia a correta doutrina cristã
(ratificada no III Concílio de Constantinopla, ou VI Concílio Ecumênico de
680-681, onde ficaram definitivamente condenadas as heresias monoenergita e
monotelita). Os bispos, porém, não o apoiaram. Como a situação
não ficasse bem resolvida, em 638 Heráclio e Sérgio I propuseram outra
alternativa, o monotelismo, onde, além de uma única “energia”, Cristo teria igualmente apenas uma vontade (Sua vontade humana
“absorvida” pela vontade divina). Esta nova versão herética foi tão combatida
quanto a anterior, tanto por São Sofrônio quanto por São
Máximo, estendendo-se o confronto ainda após a morte de Heráclio, em 641. Por
fim, o concílio de 680-681 definiu dogmaticamente a respeito das vontades e
operações, divina e humana, de Jesus, que não se misturam
nem se contradizem, assim como o Concílio de Calcedônia (em 451) esclareceu a
respeito das Suas duas naturezas, divina e humana.
A união dos cristãos era fundamental para o imperador Heráclio, que depois dos persas teve que
enfrentar o avanço do Islamismo na Palestina no ano do patriarcado de Sofrônio
(634), por isso a tentativa monotelita. Mas Damasco foi tomada
pelos maometanos em 636, após a batalha de Jarmuque, acabando com a resistência
imperial na região; o controle muçulmano foi
entendido por São Sofrônio como “o inevitável castigo aos cristãos fracos e
vacilantes pelos involuntários representantes de Deus", uma
referência clara à insistência nas heresias.
Com o cerco a Jerusalém, em 637, São Sofrônio teve que pregar o sermão da Natividade nesta cidade, pois
Belém já era inacessível. A ameaça da fome obrigou a rendição ao
califa Omar em 638, e Sofrônio ainda negociou com ele certas
liberdades civis e religiosas para os cristãos, pelo Acordo de Omar,
que, contudo, não foi plenamente cumprido. Pouco tempo depois, depauperado
pelas lutas contra as heresias e aos 78 anos, Sofrônio faleceu a 11 de março.
Ele é venerado na Igreja Católica e na Ortodoxa (nesta e em algumas fontes
católicas, o dia da sua festa é também 11 de março).
Além dos textos contra as heresias, Sofrônio escreveu muitas outras obras, como: os elogios funerários (encômios) de São Ciro e São João, mártires de Alexandria; um agradecimento pela recuperação da sua própria vista; 23 poemas sobre temas como o cerco muçulmano a Jerusalém e sobre diversas celebrações litúrgicas; a “Vida de Santa Maria do Egito” (ou Maria egipcíaca); comentários sobre a Liturgia; quase mil tropários (poemas de forma típica do rito das Igrejas do Oriente), sermões e homilias, incluindo vários sobre Nossa Senhora.
Reflexão:
O apreço à santidade e à sabedoria levou São Sofrônio
a buscar incansavelmente, ao longo de toda a sua vida, a Verdade, única fonte
de felicidade e realização – e salvação. Na vida ascética monacal e nas
peregrinações e viagens para conhecer e registrar a vida e o exemplo dos
santos, pode-se dizer, na vida contemplativa e na vida ativa, deu-nos ele o
exemplo de tudo direcionar para Cristo e Nele fundamentar as ideias e ações. E
não por mera coincidência defrontou-se este santo com os inimigos internos e
externos da Igreja, no seu caso as últimas heresias cristológicas e o avanço
muçulmano: para nós, hoje, há o combate contra a ideologização política e
socializante da Igreja, vinda de dentro, e os perigos concretos de perseguição
política, cultural e em alguns casos mesmo territorial em nações onde o Catolicismo
é a base histórica. Seu diagnóstico sobre a queda de Constantinopla é um alerta
atualíssimo para os que se afastam da Verdade de Deus: “o inevitável castigo
aos cristãos fracos e vacilantes pelos involuntários representantes de
Deus". “Involuntários” parece indicar o sentido dos que de fato “não têm
vontade” de seguir a sã Doutrina... De certo modo cabe também para a atualidade
prestar atenção se, como nos princípios dos monotelitas e monoenergitas, não
estão os católicos mais afeitos a uma única vontade – mas, neste caso, só a
“humana”, e não à divina – e se não se dá mais importância a “energias” mal
definidas do que à realidade da atividade Toda Poderosa de Deus, e da nossa
concomitante livre-escolha e, portanto, responsabilidade, como imagem e semelhança
que Dele somos por natureza. Vale a pena considerar estes pontos; pois tudo o
que fazemos e o que por fim teremos depende disto.
Oração: