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Os demônios do apostolado
“Sejam advertidos, pois, os que
são muito ativos, que pensam abarcar o mundo com suas pregações e obras
exteriores, que fariam muito mais bem á Igreja e agradariam muito mais a Deus,
sem falar no bom exemplo que dariam, se gastassem ao menos a metade deste tempo
em estar com Deus em oração… Com isso, fariam mais e com menos trabalho com uma
só obra do que com mil, alcançando merecimento de sua oração e recobrando
forças espirituais com ela; do contrário, tudo não passa de agitação, de fazer
pouco mais que nada e, às vezes, nada e, outras vezes, dano” (São João da
Cruz)
Preâmbulo
Uma boa prática profissional,
para que seja eficaz, humanizadora e aceitável aos seus beneficiados, requer
competência científica e certos valores da parte do profissional.
Um médico deve ser competente:
sem competência, ele não pode prestar um serviço à saúde e sua profissão se
torna ineficiente; para ter êxito, requer também certas qualidades e atitudes
de espírito: inspirar confiança, estar disponível ao enfermo, ter tino, ser
confidente… Este conjunto de valores conformam o que se chamaria em linguagem
cristã “a espiritualidade” de um médico.
O apostolado, a “profissão
apostólica”, exige condições análogas: competência e uso de métodos
pertinentes, certos conteúdos e temas que é preciso conhecer, uma mensagem
adequada a transmitir… Exige, igualmente, certas atitudes, convicções e valores
espirituais da parte do apóstolo. É o que propriamente constitui a
“espiritualidade” de um médico.
Entretanto, o apostolado, por sua
própria natureza, é diferente de qualquer outra profissão ou atividade: sua
espiritualidade é essencial para sua eficácia: a atitude do apóstolo é condição
necessária para o fruto de seu apostolado.
Pois, um médico competente, ainda
que seja medíocre de espírito e eticamente falando, pode ter êxito e curar
pacientes. Mas um apóstolo carente de espírito, normalmente não alcançará êxito
decisivo e profundo, a não ser aparente. Dizemos “normalmente”, porque pode
suceder que Deus, em sua bondade, faça grandes coisas através de um servidor
medíocre. Na realidade, aqui o espírito é mais necessário do que a habilidade.
Por que as coisas são assim?
Basicamente porque o apostolado é uma profissão de Deus feito homem, e não é
uma profissão humana. Seu objeto é transmitir o caminho, a verdade e a vida de
Deus e não a do ser humano. Por isso, Jesus Cristo é o único apóstolo, e os
seres humanos são apóstolos na medida em que Jesus os chama para tal e lhes
comunica seu poder.
Daí que o espírito e os valores
do apóstolo, vêm total e unicamente de sua relação com Jesus Cristo: ele é um
eleito dele, seu enviado e seu instrumento, ao mesmo tempo livre e dependente
do poder apostólico de Deus. Daí nascem todas as atitudes, os valores e as
convicções que configuram a espiritualidade do apostolado.
Estes valores, os encontramos em
Jesus, que é sua fonte e modelo, e nos santos por imitação de Cristo. Naqueles
que ainda não são santos, estes valores também estão presentes, mas mesclados
com incoerências múltiplas e com tentações mais ou menos consentidas. Por isso,
um bom modo de conhecer o espírito do apostolado é conhecer as incoerências e
tentações a que está submetido. O espírito bom ressalta por contraste com o
espírito mau, e se conhece melhor uma virtude, ao conhecer os “demônios” que a
tentam.
Vejamos alguns dos “demônios”
mais corriqueiros do apostolado. Para identificá-los, sirvamo-nos da
experiência, vista a partir do ideal cristão do apostolado. Através das
tentações, este ideal revelar-se-á a nós por contraste, como a sombra revela a
luz.
1. O Messianismo
O demônio do messianismo induz o
apóstolo a constituir-se no centro de toda atividade pastoral em que está
engajado. É uma tentação que vai penetrando sutilmente sua vida, até levá-lo a
sentir-se indispensável em tudo.
O messianismo constitui
basicamente uma atitude deficiente em relação a Deus: eu sou o “piloto” e o
Senhor é o “copiloto” ajudante. Quem cai nesta tentação, não é que deixe de
levar Deus em conta, de rezar e de recorrer a ele diante dos problemas, mas o
faz para que Deus simplesmente lhe ajude no apostolado que ele próprio dirige e
planeja. Em última análise, se busca incorporar o Senhor em nosso trabalho e
não de incorporarmo-nos no trabalho de Deus, que é o específico do apostolado:
Deus é o “piloto”, e eu sou o “copiloto” ajudante. Trata-se, inconscientemente,
de substituir o messianismo de Cristo, o único evangelizador, pelo nosso
messianismo pessoal.
Esta atitude diante de Deus, se
projeta numa atitude deficiente também para com os demais que colaboram
conosco. Tornamo-nos incapazes de delegar responsabilidades ou tarefas: não
confiamos verdadeiramente nas pessoas, com exceção de uns poucos, habitualmente
réplica fiel de nós mesmos, acabando rodeados unicamente por eles. É uma
tendência que costuma agravar-se no transcurso dos anos.
Existe sempre uma relação entre a
atitude diante de Deus e a atitude frente aos outros e vice-versa. Assim, a
desconfiança nos colaboradores do apostolado, reflete uma desconfiança em Deus,
que é justamente o que vai implícito no demônio do messianismo. Pois, confiar
realmente em Deus, supõe uma confiança prudencial nos outros. E, por sua vez, a
confiança nos outros também implica Deus, pois foi ele quem os foi chamando e
colocando-os como companheiros nossos de trabalho.
O messianismo tem também
conseqüências negativas nos resultados externos do apostolado, ao menos a longo
prazo, além de comprometer o fruto profundo da evangelização. Em primeiro
lugar, a atitude messiânica não deixa os outros crescerem, uma vez que a
expansão e maturação da obra apostólica não caminham paralelamente, como devia
ser, com a maturidade e crescimento daqueles que a levam a cabo. Em segundo
lugar, sucede, então, que as iniciativas e criações do apostolado
messiânico, não contribuem necessariamente para formar pessoas, nem para preparar
sucessores. Normalmente, o apóstolo messiânico se identifica a tal ponto com
sua obra que, quando ele desaparece ou se translada, ela se acaba: era
demasiadamente pessoal e não havia substitutos preparados.
O verdadeiro apostolado que
constrói o Reino de Deus a partir da Igreja ali onde ela ainda não está,
contribui sempre para fazer desabrochar a própria Igreja: seus evangelizadores
e comunidades. Também se aprende a ser cristão aprendendo a evangelizar, e isso
não é possível sem realmente assumir responsabilidades. Um apóstolo maduro
revela, entre outras coisas, que alguém confiou nele.
2. O Ativismo
O demônio do ativismo não
significa ser muito ativo ou muito trabalhador, ou ter muitas ocupações e
apostolados diversos. Ser ativo, apostólico, não é ser “ativista” como
tentação.
O ativismo se produz na medida em
que aumenta a distância e a incoerência entre o que um apóstolo faz e diz,
entre o que ele é e o que ele vive como cristão. É verdade que na condição
humana aceitamos como normal a inadequação entre o “ser” e o “agir”, mas, no
caso do ativismo, ela é acentuada e tende a crescer, não a diminuir, como seria
o ideal do processo cristão.
O ativismo tem muitas expressões.
Uma delas é a falta de renovação na vida pessoal do apóstolo. Neste caso,
normalmente a oração é insuficiente e deficiente. Não há momentos prolongados
de silêncio e retiro. Não se cultiva o estudo, apenas se lê. Nem sequer se
deixa tempo para descansar o suficiente e repor-se. Paralelamente, há
sobrecarga de trabalho, de atividades múltiplas, e a agenda de compromissos
costuma estar cheia. O ativista dá a impressão de que é necessário, como estilo
de vida, um grande volume de trabalho externo. Daí a criação de um círculo
vicioso, cuja origem – excessiva atividade ou negligência em renovar-se – não é
fácil identificar: por um lado está o aumento de atividades que faz cada vez
mais difícil tomar as medidas de renovação interior, e que são as que conduzem
ao crescimento no “ser”; por outro lado a incapacidade (que tende a crescer) de
renovar-se tende a compensar-se e disfarçar-se com a entrega a um ativismo
desenfreado. Em última análise, o ativismo é a desculpa do “escapismo”.
O ativismo também se exprime numa
das distorções mais radicais do apostolado: colocar toda a alma nos meios de
ação e de apostolado, no que se organiza e se faz, esquecendo-se de Deus, quem
é, afinal de contas, por quem se faz, se organiza e se trabalha. Com isso, o
apóstolo se transforma num profissional que multiplica iniciativas,
habitualmente boas, não parando para discernir, para perguntar a Deus se são
necessárias ou oportunas ou se é preciso fazê-las agora e desta maneira. Assim,
os meios do apostolado acabam obscurecendo seu sentido e seu fim.
Outra expressão do demônio do
ativismo é não trabalhar ao ritmo de Deus, substituindo-o pelo próprio ritmo.
Isso ocorre quando se vai mais rápido ou mais lento do que Deus. Normalmente, o
ativista, pelo menos num primeiro momento, costuma pecar por aceleração. É o
resultado da desproporção, sempre existente, entre a visão e os projetos do
apóstolo e a realidade das pessoas envolvidas. O normal é que um agente de
pastoral tenha mais visão que sua comunidade e que seu povo, e saiba antes e
melhor que eles onde e como chegar. Além disso, as pessoas não respondem ao
ritmo que a gente quer, pois o ritmo do crescimento corresponde ao ritmo de
Deus e não das previsões da gente. O ritmo de Deus é constante, mas de um
processo lento. Os seres humanos, como as plantas e o resto da criação, não
mudam e nem crescem à força, artificialmente, queimando etapas. É preciso
esperar e ter paciência sem, com isso, deixar de educar, cultivar e exigir: é
preciso ser como Deus, adequando-nos ao seu ritmo e forma de agir e transmitir
a vida.
Pedagogicamente, esta forma de
ativismo pode ser desastrosa. Ao acelerar o ritmo das pessoas e dos processos,
não somente se dificulta o crescimento destas pessoas, como se pode também
destruir e “queimar” muitas delas; outras se afastarão e será muito difícil
recuperá-las. Em todo caso, dado o aparente fracasso de seu projeto, o
ativista, uma vez tendo experimentado o demônio da impaciência apostólica,
facilmente cai na tentação do desânimo. “Aqui, com essa gente, não se pode
fazer nada”. Pois, a impaciência e o desânimo são gêmeos. Ambos são filhos do
orgulho, da autossuficiencia, do esquecer que “tanto o que planta como o que
rega não são nada, e sim Deus que faz crescer” (1 Cor 3,7).
3. Fazer da confiança em Deus uma
farsa
A principal característica deste
demônio do apostolado é, obviamente, esquecer que a desconfiança na gente
mesmo, acompanhada por uma total confiança em Deus, é a essência da
espiritualidade do apóstolo. A tentação é pôr a confiança em Deus num segundo
plano, como um recurso em caso de necessidade e de emergência, esquecendo de
fazê-lo presente nos apostolados ordinários e cotidianos. Ao não colocar a
confiança em Deus, com toda a convicção da alma, se está pondo a confiança na
gente mesmo, ainda que se diga o contrário. Quando se trata dos resultados
profundos e teológicos da evangelização (o Reino da graça) e não de resultados
psicológicos ou de pura influência humana, é preciso confiança absoluta no
Senhor e desconfiança absoluta na gente mesmo. No apostolado, as duas
confianças não podem fazer-se presentes simultaneamente: ou se confia realmente
em Deus e se desconfia da gente, ou se confia na gente e se desconfia de Deus.
Desconfiança ou confiança na
gente é aqui uma qualidade teológica e não psicológica. Isto é, não se trata de
ser inseguro, com complexo de inferioridade, não reconhecer dons e condições
humanas e de vida cristã que Deus nos deu, certamente em abundância. A
confiança humana e psicológica é necessária ao apóstolo. A desconfiança de que
estamos falando está num outro nível, no âmbito dos frutos do Espírito. E
paradoxalmente, uma autêntica confiança no Deus do apostolado comunica ao
apóstolo a confiança psicológica que lhe pode faltar diante da evidência de
suas limitações humanas.
O evangelizador que colocou sua
confiança nele mesmo e não no Senhor, como atitude habitual e profunda (tão
profunda que muitas vezes nem percebe mais que Deus está presente, tornando-se
cego em sua autossuficiencia), reforça esta tentação com certos tipos de êxito
proporcionados pelas suas qualidades humanas e sua influência. Ora, as
atividades apostólicas seguem as leis da eficácia humana, que é sempre exitosa
num primeiro momento, mas que nem sempre está ligada à graça e à obra
permanente de Deus. Todos conhecemos evangelizadores inteligentes, preparados e
com muitas qualidades, que exerciam grande atração e influência. Talvez por
esta razão, colocavam sua confiança apostólica em si mesmos, mais do que em
Deus. Evangelizadores estes, que durante alguns anos brilharam no apostolado.
Eram convidados para pregar retiros e dar conferências, suscitaram vocações
sacerdotais e tiveram muitos seguidores. Num determinado momento, surgiram
algumas contradições e fracassos e, quase da noite para o dia, se apagaram. E
mais, muitos de seus jovens seguidores, com o tempo, se distanciaram da Igreja.
Os grupos e comunidades que tinham formado não perseveraram e as vocações que
haviam suscitado foram se retirando do seminário… O que aconteceu? Deus
deu-lhes a entender “Eu não estou contigo”. Deus deixou este apóstolo sozinho,
revertendo sua promessa de “estarei convosco até o final dos tempos” (Mt
28,20). Apenas concedeu-lhe os resultados de sua autossuficiencia.
O colocar a confiança
primeiramente em Deus e não na gente mesmo, tem uma caricatura: recorrer à
confiança de Deus nas ocasiões em que a gente não fez o que devia fazer na
atividade apostólica, ou em momentos que a gente se comportou de maneira
irresponsável ou não se preparou como devia. Estas confianças oportunistas são
uma manipulação da verdadeira confiança em Deus. Ora, a confiança, para que
seja autêntica, supõe que o apóstolo tenha se preparado e trabalhado como se
tudo dependesse dele e que, uma vez feito tudo o que estava ao seu alcance, às
vezes até ao heroísmo, não põe sua confiança em seu trabalho e em sua
preparação, mas no poder de Deus.
4. Não confiar na força da
verdade
Este demônio é uma variante da
pouca confiança em Deus, ainda que seja uma tentação com características
próprias.
A verdade cristã, exposta por
Cristo e transmitida pelo magistério da Igreja, apresenta desafios doutrinais e
morais que hoje vão na contracorrente das ideologias e dos critérios éticos das
culturas dominantes e secularizadas. Verdades como a vida depois da morte, a
confiança na providência amorosa de Deus, o valor positivo do sofrimento, da
cruz ou da austeridade, a necessidade, às vezes, de crer ou de aceitar sem
entender, assim como o valor da castidade ou da virgindade, da preservação do
matrimônio ou da defesa da vida, ainda que em casos extremos, não são hoje
afirmações “populares”. Inclusive para os que crêem nelas, não deixam de ser
uma pedra de tropeço quando lhes afetam pessoalmente.
Ora, diante disso, todo apóstolo
está exposto à tentação de vacilar, de não oferecer a verdade de Cristo tal
como ela é (ainda com as necessárias considerações pedagógicas de tempo,
oportunidade, etc.), supondo que ela não vai ser seguida ou aceita, ou que é
inconveniente fazê-lo. É desta maneira que nas diversas formas do apostolado da
palavra se passa por cima de certas verdades ou se cai na ambigüidade,
confiando mais na prudência humana, que não se confunde com a conveniente
pedagogia, do que na força e no poder de persuasão da própria verdade. Cai-se
igualmente nesta tentação na formação de pessoas, na hora de oferecer um
conselho, uma orientação, uma esperança… Em lugar das exigências e da luz do
Evangelho, se oferece às pessoas mera experiência humana, conselhos
“razoáveis”, privando-as da oportunidade de conhecerem progressivamente a
verdade que nos faz livres.
Confiar na força do apostolado
supõe para o apóstolo ter a convicção de que a verdade da fé e da moral
coincide com a humanização do ser humano e seus grandes ideais. É preciso crer
que na verdade está o autêntico bem das pessoas e, portanto, sua única
felicidade verdadeira.
5. Pregar problemas e não
certezas
Este demônio leva a confundir os
distintos níveis e momentos do apostolado da palavra. Há momentos e públicos em
que o que se espera é uma conversa ou uma palestra sobre alguma questão em
discussão, conjecturas, opiniões e problemas de Igreja. Mas, em se tratando da
catequese, da homilia, da pregação missionária, é necessário sempre transmitir
a mensagem cristã, que é a mensagem de Cristo, em toda a sua integridade. Neste
âmbito, as pessoas esperam receber as certezas da fé para renovar a própria
vida. Elas não esperam e nem querem que seus qüestionamentos e perguntas lhes
sejam devolvidos sem resposta. Muito menos querem que se repitam relatos de conflitos
e de problemas, sem estarem iluminados com as certezas da fé. A essência da
evangelização é anunciar uma mensagem e não problemas. Estes podem ser
anunciados, mas só como ponto de partida. Trata-se de anunciar certezas e não
conjecturas ou opiniões pessoais.
As causas desta tentação podem
ser várias: uma poderia ser a falta de critério, de experiência ou de
discernimento por parte do apóstolo; outra, a tendência em projetar seu estado
interior. Ora, quando se vacila em relação a convicções, quando a vida cristã é
mais um conjunto de problemas e de perguntas do que de certezas, a tendência é
transmitir isso aos outros. O ditado antigo que diz: “a boca fala do que o
coração está cheio”, se aplica ao apostolado ao pé da letra.
A comunidade cristã se edifica
basicamente sobre a fé, a esperança e a caridade de seus membros. Ela não se
edifica sobre as dúvidas, as confusões e as problematizações compartilhadas.
6. Reduzir a esperança
Este demônio seculariza o anúncio
da esperança cristã. Ora, esta se funda nas promessas de Cristo: a ressurreição
depois da morte, a vida eterna, a certeza de seu amor e de sua graça nesta vida
que tornam possível o ser humano ser santo em qualquer circunstância, viver com
dignidade e ser capaz de superar o mal moral e a tentação em todas as suas
formas. Esta é a esperança que essencialmente alimenta o apostolado.
Neste caso, a tentação consiste
em transmitir uma mensagem de esperanças humanas em detrimento da esperança
cristã fundamental. O apóstolo prega e promove a confiança em relação a um
futuro social e político melhor, a superação de uma enfermidade, de um problema
humano ou da pobreza, ou promete ainda o êxito das libertações que a humanidade
busca nos dias de hoje… Entretanto, ainda que estas esperanças humanas sejam legítimas
e se deva lutar por elas, não estão garantidas por Cristo para esta terra. Não
sabemos com certeza se elas se realizarão. Anunciá-las como esperança cristã
seria enganar as pessoas e reduzir o Evangelho a uma mensagem de libertações
humanas legítimas ou de otimismo no porvir, o que não é alheio ao apostolado,
mas que não tem a certeza da esperança cristã.
Reduzir a esperança é esvaziar o
anúncio da vocação do ser humano à vida eterna, à santidade, à fé e á caridade
como o motor e o valor supremo das libertações humanas. É converter o
apostolado em inspiração de expectativas humanas e de empenho para um mundo
melhor, coisas boas e que desafiam o cristianismo, mas que não deveriam reduzir
sua essência, que é a proclamação de Cristo como a verdadeira esperança do ser
humano.
7. Perder o sentido das pessoas
Este demônio converte o apóstolo
num executivo da pastoral. Alguns cargos e trabalhos se prestam mais a isso,
mas em todo caso, o resultado, progressiva e às vezes imperceptivelmente, se dá
de maneira semelhante. Isso ocorre quando o apóstolo se vai deixando absorver
de tal modo pelo administrativo, o organizativo, o planejamento e a supervisão,
que já não tem tempo, e sobretudo espaço psicológico, para dedicar-se às
pessoas pelas quais trabalha, para dedicar-lhes o tempo necessário e para estar
próximo delas.
O demônio da despersonalização do
apostolado faz com que o apóstolo esteja tão dedicado aos meios de ação e de
serviço, que esqueçe das pessoas a quem serve e em função das quais estão
organizações e programas que tanto o absorvem.
Esta tentação pode tomar outras
formas. Por exemplo, o apóstolo que se converte em executivo pastoral, poderá
ter a tendência a dar um valor excessivo aos planos, aos programas e às linhas
de ação, esquecendo-se da realidade das pessoas que devem levar a cabo tudo
isso. Acaba impondo esquemas às pessoas em lugar de adaptar os esquemas e
programas à realidade delas. E assim, realidade o apóstolo executivo vão se
tornando cada vez mais distante.
O ponto de partida de todo
apostolado são as pessoas, com suas possibilidades e seus limites, e não os
esquemas, por melhores e mais ideais que sejam.
8. Fazer acepção de pessoas
Deste demônio praticamente
ninguém escapa. Não é fácil tomar consciência desta tentação. Ele ataca até o
apóstolo mais espiritual, não porque não saiba disso, mas por cegueira. Por
isso a expulsão deste demônio implica um longo caminho de iluminação das
motivações apostólicas, que como toda iluminação de motivos normalmente se faz
durante a vida toda.
Habitualmente nesta tentação do
apostolado (salvo que tenha caído em níveis muito baixos), as acepções e
discriminações de pessoas não são motivadas por preconceitos graves: racismo,
classicismo, nacionalismo, tratamento diferenciado de ricos e pobres, etc.
Estes graus de discriminação normalmente não estão presentes na pastoral da
Igreja, a não ser em casos extremos. O demônio da acepção de pessoas costuma
apresentar-se de maneira mais sutil.
Trata-se aqui de dar mais tempo,
interessar-se mais e estar mais disponível às pessoas em geral e para os
membros da comunidade cristã que têm mais qualidades humanas, que são mais
inteligentes, mais interessantes ou agradáveis, mais simpáticos e atraentes…
Conseqüentemente, se deixa de modo sutil num segundo plano, os que são menos
dotados, mais opacos e menos atraentes, menos inteligentes e gratificantes…
Esta é a forma mais comum de acepção de pessoas no apostolado, tanto mais
sutil, profunda e persistente, quanto mais inconsciente ela for.
Além disso, no apostolado, no
caso da predileção pelos pobres, ela não pode restringir-se ao nível
sociológico, que é sempre essencial, é verdade. Ela precisa chegar igualmente a
todos os “pobres” em qualidades humanas externas, psicologicamente
discriminados em atenção e acolhida. Ora, o apostolado não pode guiar-se
unicamente pelo critério da eficácia, que aconselha investir preferencialmente
nos mais dotados e nos líderes potenciais. Deve, igualmente, testemunhar o
primado da caridade fraterna, que se revela preferencialmente com os
desprezados e esquecidos.
9. 0 sectarismo
O demônio do sectarismo leva o
apóstolo a isolar-se em seu campo de trabalho, em suas idéias, em seu grupo…
Pouco a pouco, ele vai perdendo seu sentido de pertença e de integração numa
Igreja mais ampla, mais rica, numa Igreja universal, na qual todo cristão é
solidário em seus êxitos e cruzes, em seus problemas e conquistas, seja em seu
país ou no mundo todo. O apóstolo sectário se fecha em sua visão das coisas,
nos limites de sua experiência e, través disso, vê e julga a Igreja. Com isso,
sua visão deixou de ser verdadeiramente católica.
O sectarismo tem sintomas
pessoais e grupais. No nível pessoal, um dos mais típicos, é o isolar-se. O
apóstolo trabalha sozinho, sem integrar-se numa missão de conjunto. Não
participa das reuniões programadas para esta finalidade, nem de encontros de
atualização e de capacitação. Não lhe interessa incorporar-se a critérios e
planos comuns, a instâncias de avaliação ou revisão, nem procura relacionar-se
com outros evangelizadores.
Conseqüentemente, o sectário
isola seu trabalho do resto. Faz “sua coisa” e tem “sua gente”, sua própria
experiência e sua visão do apostolado. Tudo o que é diferente de sua visão e
experiência é questionável: só vê “poréns” e defeitos. A própria autoridade
pastoral da Igreja é ignorada ou criticada quando não concorda com sua visão e
idéias próprias .
Outro sintoma desta tentação é
reduzir o apostolado a um só tema ou pouco mais, a uma determinada linha de
pastoral, como grupos de oração, direitos humanos, liturgia, jovens… O resto
não interessa.
Isto não quer dizer que não deva
haver evangelizadores especializados. É que o bom especialista precisa ter uma
visão mais ampla e de conjunto.
O resultado é que o apóstolo se
torna sectário também em relação às pessoas ás quais se dirige. Se ele for
monotemático, sua freguesia habitual também o será: falará sempre ao mesmo
público, que partilha sua visão e seus interesses limitados. Ora, isso leva ao
perigo de suscitar comunidades tão sectárias quanto ele.
O demônio do sectarismo pode ser,
portanto, também grupal. Não se trata, porém, do que é normal no apostolado e
na Igreja, isto é, o fato de pessoas mais afins em espiritualidade, em
pastoral ou simplesmente por pertencerem a uma mesma geração, formarem grupos
de trabalho, de vida cristã ou de amizade. Isto não é sectarismo, ainda que
todo grupo afim precise saber que poderia estar exposto a esta tentação. O
sectarismo grupal consiste em fechar-se nas idéias do grupo ou do movimento
teológico, pastoral, espiritual… Os participantes do grupo acabam pensando que
têm a melhor versão da verdade ou toda a verdade, que sua orientação é
privilegiada, que não têm muito que receber de outros grupos ou movimentos de
Igreja.
Este tipo de sectarismo nos faz
marcadamente proselitistas, ignorando o legítimo pluralismo. Não há integração
com outros movimentos em tarefas comuns: se costuma ter a própria agenda. Esta
tentação pode conduzir, sutilmente, a fazer da própria espiritualidade, da
própria pastoral ou de sua teologia, em princípio legítimas, uma ideologia, um
integrismo conservador, progressista ou de qualquer outra cor.
10. Fechar-se em sua própria
experiência
Este demônio não é sectário, nem
tem muita gravidade. E uma tentação mais benigna e sutil Basicamente, consiste
em elevar as experiências apostólicas pessoais à categoria de princípio
universal. Se tal ou tal experiência foi boa, todos os que trabalham neste tipo
de apostolado deveriam fazê-la. Se a experiência foi má, ninguém deveria
fazê-la. E caso se esteja numa posição de autoridade, se procurará simplesmente
suprimi-la.
A tentação está em esquecer que
toda experiência é relativa: tem circunstâncias próprias, agentes e
evangelizadores próprios, tempo e lugar próprios e irrepetíveis. Assim, o que
não deu resultado positivo num certo momento, com determinadas pessoas e num
certo conjunto de circunstâncias, não significa que não possa dar resultados
com protagonistas e circunstâncias diferentes.
Com o passar dos anos,
evidentemente, esta tentação se agrava, dado que o apóstolo já acumulou um
número significativo de experiências falidas e frustrantes. A tendência, então,
é instalar-se e promover só o que deu resultado a ele próprio, desconfiando de
outras experiências e iniciativas.
A verdadeira sabedoria, em contrapartida,
consiste em não deixar-se condicionar pelos fracassos, nem pelo acervo positivo
das experiências passadas, mas em estar disposto a tentar outras formas de
apostolado e a abrir-se à experiências de outros.
11. Esperar do apostolado
uma carreira gratificante
Este demônio do apostolado é
muito ativo. O apostolado da Igreja é bastante organizado e hierarquizado, como
é normal que aconteça em toda instituição humana que tem uma missão a cumprir.
Assim, na Igreja, há cargos e tarefas de maior autoridade ou de maior poder ou
prestígio que outras. Também existem títulos e honras externas: a Igreja mantém
isso com sábio realismo e consideração com a condição humana. A tentação está
em ir identificando o apostolado com uma carreira eclesiástica e sua
importância e eficácia profunda com o cargo que se ocupa.
O demônio das gratificações
terrenas pode tentar de muitas maneiras. A maneira mais rude é quando se une ao
apostolado a ganância pelo dinheiro, fazendo dele, não tanto no nível das
convicções como na prática, uma profissão lucrativa, seguramente mais generosa
e idealista que outras. Algo muito deferente é ganhar a vida com o trabalho
apostólico, sem ânsias de lucro, sobretudo quando se está dedicado a ele em
tempo integral. Quando esta tentação se agrava, se chega a fazer do apostolado
a aparência de um negócio que, embora não seja “negócio” estritamente falando,
é suficiente para tirar-lhe a credibilidade. Esta tendência pode levar o
apóstolo a interessar-se exclusivamente pelas tarefas apostólicas remuneradas, perdendo,
com isso, o sentido da gratuidade no serviço e na evangelização.
Uma outra tentação mais sutil
deste demônio, é esperar reconhecimento e até elogios das pessoas e da
hierarquia da Igreja. Quem cai nesta tentação, passa a necessitar deste tipo de
gratificação para manter seu entusiasmo e seu élan. Pareceria que no apostolado
não se devesse buscar agradar a Deus, mas recompensas humanas. Quando não há
elogios e reconhecimentos explícitos, se interpreta isso como uma ingratidão e
uma falta de valorização, provocando uma baixa na própria motivação e entrega.
De modo semelhante, quando há críticas por parte das pessoas com quem trabalha
ou da hierarquia da Igreja, o apóstolo se sente rechaçado e perseguido. Mais
uma gota d’água, e o apóstolo deixará o seu trabalho.
Entretanto, talvez o demônio mais
sutil se dá na aspiração de postos e cargos; na necessidade de que toda mudança
de apostolado signifique igualmente uma promoção. Há uma expectativa latente
por “ascender”. O apóstolo marcado por esta tentação, se não ascende em tempo,
fica ressentido e, às vezes, se “desestrutura”. Trata-se de um demônio sutil,
que costuma fantasiar-se de “anjo da luz” (2 Cor 11,14): dissimula a ambição de
promoções e postos com a desculpa do apostolado mais eficaz, de serviço à
Igreja, etc… Na prática, se faz da “carreira” um fator de apostolado, e da
ascensão um referencial constante, em geral não totalmente consciente. O
resultado desta tentação é a imperfeição das motivações: lhe interessa não só
servir à Igreja gratuitamente e seguir a Cristo pobre, mas ficar bem com todos
e “ganhar pontos”. Esta tentação produz também uma falta de liberdade no
apostolado e uma preocupação pela própria imagem. Evita-se toda discordância ou
oposição legitima com a autoridade, que em certos momentos pode ser um dever no
apostolado, não tanto por lealdade, mas pelo interesse de mostrar-se agradável
e dialogante.
12. Perder o gosto pelo
apostolado
Este demônio transforma a
evangelização em rotina e num dever, quando deveria ser a principal fonte de
alegria para a apóstolo. A alegria e a plenitude interior de colaborar com a
vinda do Reino de Deus e de trabalhar na vinha do Senhor devem ser para o apóstolo
uma experiência constante.
Esta tentação está ilustrada
precisamente na parábola dos operários contratados para a vinha, em que alguns
chegam cedo e outros mais tarde (Mt 20,lss). Os que haviam trabalhado o dia
inteiro, se queixam de que seu salário é igual ao daqueles que haviam
trabalhado só uma hora. Ora, o que eles não tinham compreendido, é que o
salário não era importante, nem era a verdadeira gratificação pelo seu
trabalho. Seu prêmio e gratificação era o próprio fato de terem dedicado o dia
inteiro à vinha do Senhor, com a satisfação e a alegria que isso lhes poderia
ter ocasionado.
O apóstolo que sucumbe a esta
tentação, fará de seu apostolado um trabalho a mais, como outros, limitado pelo
peso do dever e da rotina. Como os operários que trabalharam o dia todo,
trabalhará bem e com dedicação, mas perderá de vista o sentido último do que
ele faz: um trabalho para a eternidade, pelo qual Deus age nele, para libertar
a condição humana e semear vida de fé, de esperança e de amor a Deus e aos outros,
que é o Reino de Deus que se antecipa.
É no apostolado que o apóstolo
encontra sua alegria e o sentido de sua vida. É parte de sua alegria comprovar
o bem que Deus faz através dele, e dar graças a Deus, sem vanglória, porque
Cristo o elegeu como seu instrumento livre e responsável, para “dar fruto que
permaneça” (Jo 15,16). O que não dispensa o apóstolo de, sem perder a paz e sua
entrega alegre, também pedir perdão com humildade, pois devido às suas falhas
pessoais e falta de santidade, Deus não pôde fazer através dele todo o bem que
ele queria. Pedir perdão porque, por ele não ter sido melhor, muitos não se
tornaram melhores, nem se converteram e nem recuperaram a esperança.
O gosto e a gratuidade por
trabalhar na vinha do Senhor não deve fazer-nos complacentes. Há muito o que
mudar e do que nos arrepender no apostolado. Por nossa falta de santidade, seus
frutos, reais pela graça de Deus, são, às vezes, medíocres.
13. A instalação
O demônio da instalação, às vezes
com boas desculpas, corrói no apóstolo o espírito de superação em todos os
aspectos. É uma tentação que costuma chegar, ainda que nem sempre, com o passar
dos anos e a chegada da maturidade. Ela se expressa no fato do apóstolo ter
encontrado seu cantinho, seu ritmo e seu modo de trabalhar, e de se ter
arraigado em seus critérios e idéias. Ele é consciente de que o apostolado da
Igreja avançou, que ele apresenta novos desafios e exigências, mas não tem
disposição para mudar e renovar-se. Aos mais jovens que trabalham junto dele,
os deixa fazer, mas não se deixa questionar. Pode até participar de reuniões e
cursos de renovação, mas estes não têm influência sobre ele. Tudo o que ele
espera é o que o deixem em paz, instalado em sua pastoral que, além do mais,
costuma realizar de forma irrepreensível. Apesar disso, é possível até que
ocupe altos cargos na Igreja.
Esta tentação, que vai tomando
conta lentamente e se faz inevitável quando o apóstolo perde a espiritualidade
do trabalho, costuma ir combinada com a instalação em seus próprios defeitos.
Provavelmente nem se trate de algo realmente grave, mas o dinamismo espiritual
está estancado. Sob uma aparência exterior honesta, há uma mediocridade
interior. Desanimado, já não tem suficiente esperança e nem confiança em Deus
para melhorar e, tacitamente, já fez um pacto com seus defeitos e mediocridade
que ele pensa, falsamente, que não pode ou não vale a pena superar. “Eu sou
assim mesmo…”.
Este demônio induz a pensar,
sobretudo depois de certa idade, que se tem o direito de buscar compensações e
de aburguesar-se. E, então, o apóstolo termina contentando-se com as exigências
mínimas.
14.Carecer de fortaleza ou vigor
Este demônio debilita o apóstolo
em algo que é fundamental para exercer um apostolado de envergadura, abnegado e
constante, apesar de toda sorte de contradições: a fortaleza.
Este debilitamento e carência
adquire formas contrárias às que caracterizam a fortaleza apostólica. Afeta, em
primeiro lugar, o vigor físico, que não pode ser o mais relativo no apostolado.
Não se pode, por exemplo, menosprezar a saúde das pessoas. Afeta, também, os
hábitos alimentares: a gente pode tornar-se exigente em qualidade e quantidade;
no horário; apega-se a certos hábitos; chegando à incapacidade de dar um
sentido evangélico ao comer pouco ou nada, caso o serviço pastoral o requeira.
O mesmo ocorre com o sono e o descanso, que muitas vezes o serviço pede
sacrificar. Converte-se numa dificuldade habitual viajar em meios populares, a
pé, em transporte coletivo. Se busca sistematicamente o meio mais rápido e
cômodo, com a desculpa da eficácia apostólica, sem discernimento, uma vez que,
em muitos casos, a escusa pode ser válida. Também o cuidado excessivo da saúde
e a adoção de todas as formas de prevenção às quais recorrem os mais
privilegiados, pode tornar mais aguda esta fase de austeridade e fortaleza. Poder-se-ia
agregar outros exemplos.
A tentação afeta igualmente a
fortaleza psicológica, tanto mais necessária que a física para o verdadeiro
apostolado. Neste campo, é preciso educar-se num alto grau de resistência
psicológica, o que não exclui ser emocionalmente vulnerável como todo ser
humano normal. A fortaleza consiste em assimilar os golpes psicológicos, sem
desanimar e, muito menos, desestruturar-se. Esta deve ser a atitude diante das
críticas injustas ou parciais, diante das calúnias, das acusações… E,
logicamente, diante das perseguições e das diversas formas de sofrimento, que
podem chegar ao martírio, por causa do Reino. A aspiração de muitos apóstolos à
última bem-aventurança – “bem-aventurados os perseguidos por minha causa e a
justiça do Reino” -, não se improvisa, e é vã se não for preparada e se não
estiver acompanhada pela aceitação das provações e crises psicológicas, com
fortaleza evangélica.
A tentação pode ser mais grave se
a provação da fortaleza provém do interior da Igreja. Um dos piores sofrimentos
do apóstolo é o da “contradição dos bons”, de sua comunidade, de seus irmãos e
companheiros de trabalho, de autoridades da Igreja. Em certos momentos do
apostolado, em muitas ocasiões em que se trata de experimentar ou inovar dentro
daquilo que é legítimo, o apóstolo precisa aceitar, com coração sadio e atitude
evangélica, ser minoria ou simplesmente estar sozinho. Por isso, necessitará
fortaleza diante das tensões e conflitos existentes no interior da Igreja,
diante das incompreensões, das suspeitas, da falta de confiança e de
colaboração.
A fortaleza apostólica purifica,
amadurece e prepara para o futuro. O demônio da inércia e da fragilidade mantém
o apóstolo na adolescência, numa certa mediocridade rotineira, dificultando-lhe
exercer o melhor serviço da Igreja, agora e no futuro.
15. A inveja pastoral
O demônio da inveja não é alheio
ao apostolado. Trata-se de um demônio universal. Obviamente, sua ação entre os
apóstolos não tem os resultados devastadores que tem na política, na arte ou em
outras atividades do “mundo”: as invejas no interior da Igreja são muito menos
graves, mas se apresentam de uma forma sutil.
A tentação se expressa
habitualmente em forma oblíqua. Manifesta-se com a tendência em encontrar e
assinalar, à primeira vista, defeitos em todas as iniciativas pastorais e em
atividades apostólicas que se destacam e se sobressaem do comum. Se despreza
toda forma de apostolado que tem algo de diferente, com comentários, piadas,
etc. Também no corpo apostólico da Igreja se sofre a tentação do corpo social:
defender a mediocridade e derrubar tudo o que se sobressai e que, por isso,
questiona. A tentação se manifesta também mediante o cinismo diante de
trabalhos, iniciativas ou apóstolos que querem viver radicalmente seu chamado à
evangelização. O cinismo é a expressão mais sutil da inveja; é seu melhor dissolvente.
Agora, em alguns casos, o demônio
da inveja apostólica se revela em forma direta, em formas de rivalidade e de
competição latente ou aparente. Esta tentação atua em todos os meios e níveis,
normalmente dissimulada pelo “zelo pela verdade”, pelo “serviço do Reino” etc.,
palavras que escondem, às vezes, inveja pela reputação ou pelo êxito de um
companheiro de apostolado.
Este demônio age também entre os
teólogos, campo em que nem todo conflito ou disputa teológica está inspirada na
busca da verdade; costuma haver questões pessoais misturadas. Age nos meios
pastorais, em todos os níveis. Quantas vezes, apóstolos valiosos, projetos e
experiências prometedoras são marginalizados, postergadas sem motivo, ou
ignoradas, por questões de rivalidade!
O demônio da inveja pastoral leva
a considerar projetos ou atividades de outros, como uma ameaça à própria
influência apostólica. Quando se cai nesta tentação, o relacionamento
apostólico fica inevitavelmente comprometido.
16. Perder o sentido do humor
Este demônio dramatiza e faz
vítimas. Neste caso, o sentido do humor consiste em ver o lado bom das coisas,
ainda que aparentemente de todo negativas; consiste em aprender a relativizar,
a olhar “desde fora” as situações que nos afetam. O sentido do humor, por isso,
ajuda a equilibrar as coisas, a não dramatizar e não ver tudo de maneira
trágica. Ter sentido de humor é não fazer-se de importante, não levar a sério
títulos, nem os problemas, nem os conflitos pastorais e eclesiais. É rir
sadiamente da gente mesmo, das situações e de seus protagonistas.
O demônio que arranca ou adormece
o sentido do humor, arrasta progressivamente o apóstolo à crítica sistemática,
ao azedume, ao complexo de vítima que dramatiza tudo o que o afeta
desfavoravelmente. O apóstolo que se dá muita importância, que acha seu
trabalho o máximo, que busca cargos importantes ou que simplesmente se leva
muito a sério, perde a simplicidade evangélica e, com ela, o sentido cristão do
humor.
O apostolado requer o sentido do
humor. A Igreja também precisa de humor e, obviamente, todos nós. O sentido do
humor é uma qualidade tão humana quanto cristã. Trata-se de uma qualidade
presente nos santos, nos apóstolos e nos missionários mais atraentes. Teve
importância no apostolado de ontem e tem no de agora.
De fato, em tempos de particular
tensão e conflito na vida apostólica e da Igreja em geral, o sentido do humor
se torna imprescindível. Por isso, contribuir com seu desaparecimento da vida
eclesial e pastoral constitui uma tentação permanente, um demônio. Os cismas,
heresias, dissidências, divisões, conflitos insolúveis e falta de diálogo e de
comunhão são atitudes de pessoas que normalmente perderam o sentido do humor;
que dão grande importância a si mesmos e às suas idéias. Sem sentido de humor,
qualquer contradição, reprovação ou questionamento provindos da Igreja, é um
drama, uma perseguição. Portanto, um apóstolo sem sentido de humor é um
apóstolo vulnerável e débil.
Em última análise, o sentido do
humor forma parte da fortaleza cristã e, certamente, a propicia.