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quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Os demônios do apostolado

Apostolado | presbiteros

Os demônios do apostolado

“Sejam advertidos, pois, os que são muito ativos, que pensam abarcar o mundo com suas pregações e obras exteriores, que fariam muito mais bem á Igreja e agradariam muito mais a Deus, sem falar no bom exemplo que dariam, se gastassem ao menos a metade deste tempo em estar com Deus em oração… Com isso, fariam mais e com menos trabalho com uma só obra do que com mil, alcançando merecimento de sua oração e recobrando forças espirituais com ela; do contrário, tudo não passa de agitação, de fazer pouco mais que nada e, às vezes, nada e, outras vezes, dano” (São João da Cruz)

Preâmbulo

Uma boa prática profissional, para que seja eficaz, humanizadora e aceitável aos seus beneficiados, requer competência científica e certos valores da parte do profissional.

Um médico deve ser competente: sem competência, ele não pode prestar um serviço à saúde e sua profissão se torna ineficiente; para ter êxito, requer também certas qualidades e atitudes de espírito: inspirar confiança, estar disponível ao enfermo, ter tino, ser confidente… Este conjunto de valores conformam o que se chamaria em linguagem cristã “a espiritualidade” de um médico.

O apostolado, a “profissão apostólica”, exige condições análogas: competência e uso de métodos pertinentes, certos conteúdos e temas que é preciso conhecer, uma mensagem adequada a transmitir… Exige, igualmente, certas atitudes, convicções e valores espirituais da parte do apóstolo. É o que propriamente constitui a “espiritualidade” de um médico.

Entretanto, o apostolado, por sua própria natureza, é diferente de qualquer outra profissão ou atividade: sua espiritualidade é essencial para sua eficácia: a atitude do apóstolo é condição necessária para o fruto de seu apostolado.

Pois, um médico competente, ainda que seja medíocre de espírito e eticamente falando, pode ter êxito e curar pacientes. Mas um apóstolo carente de espírito, normalmente não alcançará êxito decisivo e profundo, a não ser aparente. Dizemos “normalmente”, porque pode suceder que Deus, em sua bondade, faça grandes coisas através de um servidor medíocre. Na realidade, aqui o espírito é mais necessário do que a habilidade.

Por que as coisas são assim? Basicamente porque o apostolado é uma profissão de Deus feito homem, e não é uma profissão humana. Seu objeto é transmitir o caminho, a verdade e a vida de Deus e não a do ser humano. Por isso, Jesus Cristo é o único apóstolo, e os seres humanos são apóstolos na medida em que Jesus os chama para tal e lhes comunica seu poder.

Daí que o espírito e os valores do apóstolo, vêm total e unicamente de sua relação com Jesus Cristo: ele é um eleito dele, seu enviado e seu instrumento, ao mesmo tempo livre e dependente do poder apostólico de Deus. Daí nascem todas as atitudes, os valores e as convicções que configuram a espiritualidade do apostolado.

Estes valores, os encontramos em Jesus, que é sua fonte e modelo, e nos santos por imitação de Cristo. Naqueles que ainda não são santos, estes valores também estão presentes, mas mesclados com incoerências múltiplas e com tentações mais ou menos consentidas. Por isso, um bom modo de conhecer o espírito do apostolado é conhecer as incoerências e tentações a que está submetido. O espírito bom ressalta por contraste com o espírito mau, e se conhece melhor uma virtude, ao conhecer os “demônios” que a tentam.

Vejamos alguns dos “demônios” mais corriqueiros do apostolado. Para identificá-los, sirvamo-nos da experiência, vista a partir do ideal cristão do apostolado. Através das tentações, este ideal revelar-se-á a nós por contraste, como a sombra revela a luz.

1. O Messianismo

O demônio do messianismo induz o apóstolo a constituir-se no centro de toda atividade pastoral em que está engajado. É uma tentação que vai penetrando sutilmente sua vida, até levá-lo a sentir-se indispensável em tudo.

O messianismo constitui basicamente uma atitude deficiente em relação a Deus: eu sou o “piloto” e o Senhor é o “copiloto” ajudante. Quem cai nesta tentação, não é que deixe de levar Deus em conta, de rezar e de recorrer a ele diante dos problemas, mas o faz para que Deus simplesmente lhe ajude no apostolado que ele próprio dirige e planeja. Em última análise, se busca incorporar o Senhor em nosso trabalho e não de incorporarmo-nos no trabalho de Deus, que é o específico do apostolado: Deus é o “piloto”, e eu sou o “copiloto” ajudante. Trata-se, inconscientemente, de substituir o messianismo de Cristo, o único evangelizador, pelo nosso messianismo pessoal.

Esta atitude diante de Deus, se projeta numa atitude deficiente também para com os demais que colaboram conosco. Tornamo-nos incapazes de delegar responsabilidades ou tarefas: não confiamos verdadeiramente nas pessoas, com exceção de uns poucos, habitualmente réplica fiel de nós mesmos, acabando rodeados unicamente por eles. É uma tendência que costuma agravar-se no transcurso dos anos.

Existe sempre uma relação entre a atitude diante de Deus e a atitude frente aos outros e vice-versa. Assim, a desconfiança nos colaboradores do apostolado, reflete uma desconfiança em Deus, que é justamente o que vai implícito no demônio do messianismo. Pois, confiar realmente em Deus, supõe uma confiança prudencial nos outros. E, por sua vez, a confiança nos outros também implica Deus, pois foi ele quem os foi chamando e colocando-os como companheiros nossos de trabalho.

O messianismo tem também conseqüências negativas nos resultados externos do apostolado, ao menos a longo prazo, além de comprometer o fruto profundo da evangelização. Em primeiro lugar, a atitude messiânica não deixa os outros crescerem, uma vez que a expansão e maturação da obra apostólica não caminham paralelamente, como devia ser, com a maturidade e crescimento daqueles que a levam a cabo. Em segundo lugar, sucede, então,  que as iniciativas e criações do apostolado messiânico, não contribuem necessariamente para formar pessoas, nem para preparar sucessores. Normalmente, o apóstolo messiânico se identifica a tal ponto com sua obra que, quando ele desaparece ou se translada, ela se acaba: era demasiadamente pessoal e não havia substitutos preparados.

O verdadeiro apostolado que constrói o Reino de Deus a partir da Igreja ali onde ela ainda não está, contribui sempre para fazer desabrochar a própria Igreja: seus evangelizadores e comunidades. Também se aprende a ser cristão aprendendo a evangelizar, e isso não é possível sem realmente assumir responsabilidades. Um apóstolo maduro revela, entre outras coisas, que alguém confiou nele.

2. O Ativismo

O demônio do ativismo não significa ser muito ativo ou muito trabalhador, ou ter muitas ocupações e apostolados diversos. Ser ativo, apostólico, não é ser “ativista” como tentação.

O ativismo se produz na medida em que aumenta a distância e a incoerência entre o que um apóstolo faz e diz, entre o que ele é e o que ele vive como cristão. É verdade que na condição humana aceitamos como normal a inadequação entre o “ser” e o “agir”, mas, no caso do ativismo, ela é acentuada e tende a crescer, não a diminuir, como seria o ideal do processo cristão.

O ativismo tem muitas expressões. Uma delas é a falta de renovação na vida pessoal do apóstolo. Neste caso, normalmente a oração é insuficiente e deficiente. Não há momentos prolongados de silêncio e retiro. Não se cultiva o estudo, apenas se lê. Nem sequer se deixa tempo para descansar o suficiente e repor-se. Paralelamente, há sobrecarga de trabalho, de atividades múltiplas, e a agenda de compromissos costuma estar cheia. O ativista dá a impressão de que é necessário, como estilo de vida, um grande volume de trabalho externo. Daí a criação de um círculo vicioso, cuja origem – excessiva atividade ou negligência em renovar-se – não é fácil identificar: por um lado está o aumento de atividades que faz cada vez mais difícil tomar as medidas de renovação interior, e que são as que conduzem ao crescimento no “ser”; por outro lado a incapacidade (que tende a crescer) de renovar-se tende a compensar-se e disfarçar-se com a entrega a um ativismo desenfreado. Em última análise, o ativismo é a desculpa do “escapismo”.

O ativismo também se exprime numa das distorções mais radicais do apostolado: colocar toda a alma nos meios de ação e de apostolado, no que se organiza e se faz, esquecendo-se de Deus, quem é, afinal de contas, por quem se faz, se organiza e se trabalha. Com isso, o apóstolo se transforma num profissional que multiplica iniciativas, habitualmente boas, não parando para discernir, para perguntar a Deus se são necessárias ou oportunas ou se é preciso fazê-las agora e desta maneira. Assim, os meios do apostolado acabam obscurecendo seu sentido e seu fim.

Outra expressão do demônio do ativismo é não trabalhar ao ritmo de Deus, substituindo-o pelo próprio ritmo. Isso ocorre quando se vai mais rápido ou mais lento do que Deus. Normalmente, o ativista, pelo menos num primeiro momento, costuma pecar por aceleração. É o resultado da desproporção, sempre existente, entre a visão e os projetos do apóstolo e a realidade das pessoas envolvidas. O normal é que um agente de pastoral tenha mais visão que sua comunidade e que seu povo, e saiba antes e melhor que eles onde e como chegar. Além disso, as pessoas não respondem ao ritmo que a gente quer, pois o ritmo do crescimento corresponde ao ritmo de Deus e não das previsões da gente. O ritmo de Deus é constante, mas de um processo lento. Os seres humanos, como as plantas e o resto da criação, não mudam e nem crescem à força, artificialmente, queimando etapas. É preciso esperar e ter paciência sem, com isso, deixar de educar, cultivar e exigir: é preciso ser como Deus, adequando-nos ao seu ritmo e forma de agir e transmitir a vida.

Pedagogicamente, esta forma de ativismo pode ser desastrosa. Ao acelerar o ritmo das pessoas e dos processos, não somente se dificulta o crescimento destas pessoas, como se pode também destruir e “queimar” muitas delas; outras se afastarão e será muito difícil recuperá­-las. Em todo caso, dado o aparente fracasso de seu projeto, o ativista, uma vez tendo experimentado o demônio da impaciência apostólica, facilmente cai na tentação do desânimo. “Aqui, com essa gente, não se pode fazer nada”. Pois, a impaciência e o desânimo são gêmeos. Ambos são filhos do orgulho, da autossuficiencia, do esquecer que “tanto o que planta como o que rega não são nada, e sim Deus que faz crescer” (1 Cor 3,7).

3. Fazer da confiança em Deus uma farsa

A principal característica deste demônio do apostolado é, obviamente, esquecer que a desconfiança na gente mesmo, acompanhada por uma total confiança em Deus, é a essência da espiritualidade do apóstolo. A tentação é pôr a confiança em Deus num segundo plano, como um recurso em caso de necessidade e de emergência, esquecendo de fazê-lo presente nos apostolados ordinários e cotidianos. Ao não colocar a confiança em Deus, com toda a convicção da alma, se está pondo a confiança na gente mesmo, ainda que se diga o contrário. Quando se trata dos resultados profundos e teológicos da evangelização (o Reino da graça) e não de resultados psicológicos ou de pura influência humana, é preciso confiança absoluta no Senhor e desconfiança absoluta na gente mesmo. No apostolado, as duas confianças não podem fazer-se presentes simultaneamente: ou se confia realmente em Deus e se desconfia da gente, ou se confia na gente e se desconfia de Deus.

Desconfiança ou confiança na gente é aqui uma qualidade teológica e não psicológica. Isto é, não se trata de ser inseguro, com complexo de inferioridade, não reconhecer dons e condições humanas e de vida cristã que Deus nos deu, certamente em abundância. A confiança humana e psicológica é necessária ao apóstolo. A desconfiança de que estamos falando está num outro nível, no âmbito dos frutos do Espírito. E paradoxalmente, uma autêntica confiança no Deus do apostolado comunica ao apóstolo a confiança psicológica que lhe pode faltar diante da evidência de suas limitações humanas.

O evangelizador que colocou sua confiança nele mesmo e não no Senhor, como atitude habitual e profunda (tão profunda que muitas vezes nem percebe mais que Deus está presente, tornando-se cego em sua autossuficiencia), reforça esta tentação com certos tipos de êxito proporcionados pelas suas qualidades humanas e sua influência. Ora, as atividades apostólicas seguem as leis da eficácia humana, que é sempre exitosa num primeiro momento, mas que nem sempre está ligada à graça e à obra permanente de Deus. Todos conhecemos evangelizadores inteligentes, preparados e com muitas qualidades, que exerciam grande atração e influência. Talvez por esta razão, colocavam sua confiança apostólica em si mesmos, mais do que em Deus. Evangelizadores estes, que durante alguns anos brilharam no apostolado. Eram convidados para pregar retiros e dar conferências, suscitaram vocações sacerdotais e tiveram muitos seguidores. Num determinado momento, surgiram algumas contradições e fracassos e, quase da noite para o dia, se apagaram. E mais, muitos de seus jovens seguidores, com o tempo, se distanciaram da Igreja. Os grupos e comunidades que tinham formado não perseveraram e as vocações que haviam suscitado foram se retirando do seminário… O que aconteceu? Deus deu-lhes a entender “Eu não estou contigo”. Deus deixou este apóstolo sozinho, revertendo sua promessa de “estarei convosco até o final dos tempos” (Mt 28,20). Apenas concedeu-lhe os resultados de sua autossuficiencia.

O colocar a confiança primeiramente em Deus e não na gente mesmo, tem uma caricatura: recorrer à confiança de Deus nas ocasiões em que a gente não fez o que devia fazer na atividade apostólica, ou em momentos que a gente se comportou de maneira irresponsável ou não se preparou como devia. Estas confianças oportunistas são uma manipulação da verdadeira confiança em Deus. Ora, a confiança, para que seja autêntica, supõe que o apóstolo tenha se preparado e trabalhado como se tudo dependesse dele e que, uma vez feito tudo o que estava ao seu alcance, às vezes até ao heroísmo, não põe sua confiança em seu trabalho e em sua preparação, mas no poder de Deus.

4. Não confiar na força da verdade

Este demônio é uma variante da pouca confiança em Deus, ainda que seja uma tentação com características próprias.

A verdade cristã, exposta por Cristo e transmitida pelo magistério da Igreja, apresenta desafios doutrinais e morais que hoje vão na contracorrente das ideologias e dos critérios éticos das culturas dominantes e secularizadas. Verdades como a vida depois da morte, a confiança na providência amorosa de Deus, o valor positivo do sofrimento, da cruz ou da austeridade, a necessidade, às vezes, de crer ou de aceitar sem entender, assim como o valor da castidade ou da virgindade, da preservação do matrimônio ou da defesa da vida, ainda que em casos extremos, não são hoje afirmações “populares”. Inclusive para os que crêem nelas, não deixam de ser uma pedra de tropeço quando lhes afetam pessoalmente.

Ora, diante disso, todo apóstolo está exposto à tentação de vacilar, de não oferecer a verdade de Cristo tal como ela é (ainda com as necessárias considerações pedagógicas de tempo, oportunidade, etc.), supondo que ela não vai ser seguida ou aceita, ou que é inconveniente fazê-lo. É desta maneira que nas diversas formas do apostolado da palavra se passa por cima de certas verdades ou se cai na ambigüidade, confiando mais na prudência humana, que não se confunde com a conveniente pedagogia, do que na força e no poder de persuasão da própria verdade. Cai-se igualmente nesta tentação na formação de pessoas, na hora de oferecer um conselho, uma orientação, uma esperança… Em lugar das exigências e da luz do Evangelho, se oferece às pessoas mera experiência humana, conselhos “razoáveis”, privando-as da oportunidade de conhecerem progressivamente a verdade que nos faz livres.

Confiar na força do apostolado supõe para o apóstolo ter a convicção de que a verdade da fé e da moral coincide com a humanização do ser humano e seus grandes ideais. É preciso crer que na verdade está o autêntico bem das pessoas e, portanto, sua única felicidade verdadeira.

5. Pregar problemas e não certezas

Este demônio leva a confundir os distintos níveis e momentos do apostolado da palavra. Há momentos e públicos em que o que se espera é uma conversa ou uma palestra sobre alguma questão em discussão, conjecturas, opiniões e problemas de Igreja. Mas, em se tratando da catequese, da homilia, da pregação missionária, é necessário sempre transmitir a mensagem cristã, que é a mensagem de Cristo, em toda a sua integridade. Neste âmbito, as pessoas esperam receber as certezas da fé para renovar a própria vida. Elas não esperam e nem querem que seus qüestionamentos e perguntas lhes sejam devolvidos sem resposta. Muito menos querem que se repitam relatos de conflitos e de problemas, sem estarem iluminados com as certezas da fé. A essência da evangelização é anunciar uma mensagem e não problemas. Estes podem ser anunciados, mas só como ponto de partida. Trata-se de anunciar certezas e não conjecturas ou opiniões pessoais.

As causas desta tentação podem ser várias: uma poderia ser a falta de critério, de experiência ou de discernimento por parte do apóstolo; outra, a tendência em projetar seu estado interior. Ora, quando se vacila em relação a convicções, quando a vida cristã é mais um conjunto de problemas e de perguntas do que de certezas, a tendência é transmitir isso aos outros. O ditado antigo que diz: “a boca fala do que o coração está cheio”, se aplica ao apostolado ao pé da letra.

A comunidade cristã se edifica basicamente sobre a fé, a esperança e a caridade de seus membros. Ela não se edifica sobre as dúvidas, as confusões e as problematizações compartilhadas.

6. Reduzir a esperança

Este demônio seculariza o anúncio da esperança cristã. Ora, esta se funda nas promessas de Cristo: a ressurreição depois da morte, a vida eterna, a certeza de seu amor e de sua graça nesta vida que tornam possível o ser humano ser santo em qualquer circunstância, viver com dignidade e ser capaz de superar o mal moral e a tentação em todas as suas formas. Esta é a esperança que essencialmente alimenta o apostolado.

Neste caso, a tentação consiste em transmitir uma mensagem de esperanças humanas em detrimento da esperança cristã fundamental. O apóstolo prega e promove a confiança em relação a um futuro social e político melhor, a superação de uma enfermidade, de um problema humano ou da pobreza, ou promete ainda o êxito das libertações que a humanidade busca nos dias de hoje… Entretanto, ainda que estas esperanças humanas sejam legítimas e se deva lutar por elas, não estão garantidas por Cristo para esta terra. Não sabemos com certeza se elas se realizarão. Anunciá-las como esperança cristã seria enganar as pessoas e reduzir o Evangelho a uma mensagem de libertações humanas legítimas ou de otimismo no porvir, o que não é alheio ao apostolado, mas que não tem a certeza da esperança cristã.

Reduzir a esperança é esvaziar o anúncio da vocação do ser humano à vida eterna, à santidade, à fé e á caridade como o motor e o valor supremo das libertações humanas. É converter o apostolado em inspiração de expectativas humanas e de empenho para um mundo melhor, coisas boas e que desafiam o cristianismo, mas que não deveriam reduzir sua essência, que é a proclamação de Cristo como a verdadeira esperança do ser humano.

7. Perder o sentido das pessoas

Este demônio converte o apóstolo num executivo da pastoral. Alguns cargos e trabalhos se prestam mais a isso, mas em todo caso, o resultado, progressiva e às vezes imperceptivelmente, se dá de maneira semelhante. Isso ocorre quando o apóstolo se vai deixando absorver de tal modo pelo administrativo, o organizativo, o planejamento e a supervisão, que já não tem tempo, e sobretudo espaço psicológico, para dedicar-se às pessoas pelas quais trabalha, para dedicar-lhes o tempo necessário e para estar próximo delas.

O demônio da despersonalização do apostolado faz com que o apóstolo esteja tão dedicado aos meios de ação e de serviço, que esqueçe das pessoas a quem serve e em função das quais estão organizações e programas que tanto o absorvem.

Esta tentação pode tomar outras formas. Por exemplo, o apóstolo que se converte em executivo pastoral, poderá ter a tendência a dar um valor excessivo aos planos, aos programas e às linhas de ação, esquecendo-se da realidade das pessoas que devem levar a cabo tudo isso. Acaba impondo esquemas às pessoas em lugar de adaptar os esquemas e programas à realidade delas. E assim, realidade o apóstolo executivo vão se tornando cada vez mais distante.

O ponto de partida de todo apostolado são as pessoas, com suas possibilidades e seus limites, e não os esquemas, por melhores e mais ideais que sejam.

8. Fazer acepção de pessoas

Deste demônio praticamente ninguém escapa. Não é fácil tomar consciência desta tentação. Ele ataca até o apóstolo mais espiritual, não porque não saiba disso, mas por cegueira. Por isso a expulsão deste demônio implica um longo caminho de iluminação das motivações apostólicas, que como toda iluminação de motivos normalmente se faz durante a vida toda.

Habitualmente nesta tentação do apostolado (salvo que tenha caído em níveis muito baixos), as acepções e discriminações de pessoas não são motivadas por preconceitos graves: racismo, classicismo, nacionalismo, tratamento diferenciado de ricos e pobres, etc. Estes graus de discriminação normalmente não estão presentes na pastoral da Igreja, a não ser em casos extremos. O demônio da acepção de pessoas costuma apresentar-se de maneira mais sutil.

Trata-se aqui de dar mais tempo, interessar-se mais e estar mais disponível às pessoas em geral e para os membros da comunidade cristã que têm mais qualidades humanas, que são mais inteligentes, mais interessantes ou agradáveis, mais simpáticos e atraentes… Conseqüentemente, se deixa de modo sutil num segundo plano, os que são menos dotados, mais opacos e menos atraentes, menos inteligentes e gratificantes… Esta é a forma mais comum de acepção de pessoas no apostolado, tanto mais sutil, profunda e persistente, quanto mais inconsciente ela for.

Além disso, no apostolado, no caso da predileção pelos pobres, ela não pode restringir-se ao nível sociológico, que é sempre essencial, é verdade. Ela precisa chegar igualmente a todos os “pobres” em qualidades humanas externas, psicologicamente discriminados em atenção e acolhida. Ora, o apostolado não pode guiar-se unicamente pelo critério da eficácia, que aconselha investir preferencialmente nos mais dotados e nos líderes potenciais. Deve, igualmente, testemunhar o primado da caridade fraterna, que se revela preferencialmente com os desprezados e esquecidos.

9. 0 sectarismo

O demônio do sectarismo leva o apóstolo a isolar-se em seu campo de trabalho, em suas idéias, em seu grupo… Pouco a pouco, ele vai perdendo seu sentido de pertença e de integração numa Igreja mais ampla, mais rica, numa Igreja universal, na qual todo cristão é solidário em seus êxitos e cruzes, em seus problemas e conquistas, seja em seu país ou no mundo todo. O apóstolo sectário se fecha em sua visão das coisas, nos limites de sua experiência e, través disso, vê e julga a Igreja. Com isso, sua visão deixou de ser verdadeiramente católica.

O sectarismo tem sintomas pessoais e grupais. No nível pessoal, um dos mais típicos, é o isolar-se. O apóstolo trabalha sozinho, sem integrar-se numa missão de conjunto. Não participa das reuniões programadas para esta finalidade, nem de encontros de atualização e de capacitação. Não lhe interessa incorporar-se a critérios e planos comuns, a instâncias de avaliação ou revisão, nem procura relacionar-se com outros evangelizadores.

Conseqüentemente, o sectário isola seu trabalho do resto. Faz “sua coisa” e tem “sua gente”, sua própria experiência e sua visão do apostolado. Tudo o que é diferente de sua visão e experiência é questionável: só vê “poréns” e defeitos. A própria autoridade pastoral da Igreja é ignorada ou criticada quando não concorda com sua visão e idéias próprias .

Outro sintoma desta tentação é reduzir o apostolado a um só tema ou pouco mais, a uma determinada linha de pastoral, como grupos de oração, direitos humanos, liturgia, jovens… O resto não interessa.

Isto não quer dizer que não deva haver evangelizadores especializados. É que o bom especialista precisa ter uma visão mais ampla e de conjunto.

O resultado é que o apóstolo se torna sectário também em relação às pessoas ás quais se dirige. Se ele for monotemático, sua freguesia habitual também o será: falará sempre ao mesmo público, que partilha sua visão e seus interesses limitados. Ora, isso leva ao perigo de suscitar comunidades tão sectárias quanto ele.

O demônio do sectarismo pode ser, portanto, também grupal. Não se trata, porém, do que é normal no apostolado e na Igreja, isto é,  o fato de pessoas mais afins em espiritualidade, em pastoral ou simplesmente por pertencerem a uma mesma geração, formarem grupos de trabalho, de vida cristã ou de amizade. Isto não é sectarismo, ainda que todo grupo afim precise saber que poderia estar exposto a esta tentação. O sectarismo grupal consiste em fechar-se nas idéias do grupo ou do movimento teológico, pastoral, espiritual… Os participantes do grupo acabam pensando que têm a melhor versão da verdade ou toda a verdade, que sua orientação é privilegiada, que não têm muito que receber de outros grupos ou movimentos de Igreja.

Este tipo de sectarismo nos faz marcadamente proselitistas, ignorando o legítimo pluralismo. Não há integração com outros movimentos em tarefas comuns: se costuma ter a própria agenda. Esta tentação pode conduzir, sutilmente, a fazer da própria espiritualidade, da própria pastoral ou de sua teologia, em princípio legítimas, uma ideologia, um integrismo conservador, progressista ou de qualquer outra cor.

10. Fechar-se em sua própria experiência

Este demônio não é sectário, nem tem muita gravidade. E uma tentação mais benigna e sutil Basicamente, consiste em elevar as experiências apostólicas pessoais à categoria de princípio universal. Se tal ou tal experiência foi boa, todos os que trabalham neste tipo de apostolado deveriam fazê-la. Se a experiência foi má, ninguém deveria fazê-la. E caso se esteja numa posição de autoridade, se procurará simplesmente suprimi-la.

A tentação está em esquecer que toda experiência é relativa: tem circunstâncias próprias, agentes e evangelizadores próprios, tempo e lugar próprios e irrepetíveis. Assim, o que não deu resultado positivo num certo momento, com determinadas pessoas e num certo conjunto de circunstâncias, não significa que não possa dar resultados com protagonistas e circunstâncias diferentes.

Com o passar dos anos, evidentemente, esta tentação se agrava, dado que o apóstolo já acumulou um número significativo de experiências falidas e frustrantes. A tendência, então, é instalar-se e promover só o que deu resultado a ele próprio, desconfiando de outras experiências e iniciativas.

A verdadeira sabedoria, em contrapartida, consiste em não deixar-se condicionar pelos fracassos, nem pelo acervo positivo das experiências passadas, mas em estar disposto a tentar outras formas de apostolado e a abrir-se à experiências de outros.

11. Esperar do apostolado uma carreira gratificante

Este demônio do apostolado é muito ativo. O apostolado da Igreja é bastante organizado e hierarquizado, como é normal que aconteça em toda instituição humana que tem uma missão a cumprir. Assim, na Igreja, há cargos e tarefas de maior autoridade ou de maior poder ou prestígio que outras. Também existem títulos e honras externas: a Igreja mantém isso com sábio realismo e consideração com a condição humana. A tentação está em ir identificando o apostolado com uma carreira eclesiástica e sua importância e eficácia profunda com o cargo que se ocupa.

O demônio das gratificações terrenas pode tentar de muitas maneiras. A maneira mais rude é quando se une ao apostolado a ganância pelo dinheiro, fazendo dele, não tanto no nível das convicções como na prática, uma profissão lucrativa, seguramente mais generosa e idealista que outras. Algo muito deferente é ganhar a vida com o trabalho apostólico, sem ânsias de lucro, sobretudo quando se está dedicado a ele em tempo integral. Quando esta tentação se agrava, se chega a fazer do apostolado a aparência de um negócio que, embora não seja “negócio” estritamente falando, é suficiente para tirar-lhe a credibilidade. Esta tendência pode levar o apóstolo a interessar-se exclusivamente pelas tarefas apostólicas remuneradas, perdendo, com isso, o sentido da gratuidade no serviço e na evangelização.

Uma outra tentação mais sutil deste demônio, é esperar reconhecimento e até elogios das pessoas e da hierarquia da Igreja. Quem cai nesta tentação, passa a necessitar deste tipo de gratificação para manter seu entusiasmo e seu élan. Pareceria que no apostolado não se devesse buscar agradar a Deus, mas recompensas humanas. Quando não há elogios e reconhecimentos explícitos, se interpreta isso como uma ingratidão e uma falta de valorização, provocando uma baixa na própria motivação e entrega. De modo semelhante, quando há críticas por parte das pessoas com quem trabalha ou da hierarquia da Igreja, o apóstolo se sente rechaçado e perseguido. Mais uma gota d’água, e o apóstolo deixará o seu trabalho.

Entretanto, talvez o demônio mais sutil se dá na aspiração de postos e cargos; na necessidade de que toda mudança de apostolado signifique igualmente uma promoção. Há uma expectativa latente por “ascender”. O apóstolo marcado por esta tentação, se não ascende em tempo, fica ressentido e, às vezes, se “desestrutura”. Trata-se de um demônio sutil, que costuma fantasiar-se de “anjo da luz” (2 Cor 11,14): dissimula a ambição de promoções e postos com a desculpa do apostolado mais eficaz, de serviço à Igreja, etc… Na prática, se faz da “carreira” um fator de apostolado, e da ascensão um referencial constante, em geral não totalmente consciente. O resultado desta tentação é a imperfeição das motivações: lhe interessa não só servir à Igreja gratuitamente e seguir a Cristo pobre, mas ficar bem com todos e “ganhar pontos”. Esta tentação produz também uma falta de liberdade no apostolado e uma preocupação pela própria imagem. Evita-se toda discordância ou oposição legitima com a autoridade, que em certos momentos pode ser um dever no apostolado, não tanto por lealdade, mas pelo interesse de mostrar-se agradável e dialogante.

12. Perder o gosto pelo apostolado

Este demônio transforma a evangelização em rotina e num dever, quando deveria ser a principal fonte de alegria para a apóstolo. A alegria e a plenitude interior de colaborar com a vinda do Reino de Deus e de trabalhar na vinha do Senhor devem ser para o apóstolo uma experiência constante.

Esta tentação está ilustrada precisamente na parábola dos operários contratados para a vinha, em que alguns chegam cedo e outros mais tarde (Mt 20,lss). Os que haviam trabalhado o dia inteiro, se queixam de que seu salário é igual ao daqueles que haviam trabalhado só uma hora. Ora, o que eles não tinham compreendido, é que o salário não era importante, nem era a verdadeira gratificação pelo seu trabalho. Seu prêmio e gratificação era o próprio fato de terem dedicado o dia inteiro à vinha do Senhor, com a satisfação e a alegria que isso lhes poderia ter ocasionado.

O apóstolo que sucumbe a esta tentação, fará de seu apostolado um trabalho a mais, como outros, limitado pelo peso do dever e da rotina. Como os operários que trabalharam o dia todo, trabalhará bem e com dedicação, mas perderá de vista o sentido último do que ele faz: um trabalho para a eternidade, pelo qual Deus age nele, para libertar a condição humana e semear vida de fé, de esperança e de amor a Deus e aos outros, que é o Reino de Deus que se antecipa.

É no apostolado que o apóstolo encontra sua alegria e o sentido de sua vida. É parte de sua alegria comprovar o bem que Deus faz através dele, e dar graças a Deus, sem vanglória, porque Cristo o elegeu como seu instrumento livre e responsável, para “dar fruto que permaneça” (Jo 15,16). O que não dispensa o apóstolo de, sem perder a paz e sua entrega alegre, também pedir perdão com humildade, pois devido às suas falhas pessoais e falta de santidade, Deus não pôde fazer através dele todo o bem que ele queria. Pedir perdão porque, por ele não ter sido melhor, muitos não se tornaram melhores, nem se converteram e nem recuperaram a esperança.

O gosto e a gratuidade por trabalhar na vinha do Senhor não deve fazer-nos complacentes. Há muito o que mudar e do que nos arrepender no apostolado. Por nossa falta de santidade, seus frutos, reais pela graça de Deus, são, às vezes, medíocres.

13. A instalação

O demônio da instalação, às vezes com boas desculpas, corrói no apóstolo o espírito de superação em todos os aspectos. É uma tentação que costuma chegar, ainda que nem sempre, com o passar dos anos e a chegada da maturidade. Ela se expressa no fato do apóstolo ter encontrado seu cantinho, seu ritmo e seu modo de trabalhar, e de se ter arraigado em seus critérios e idéias. Ele é consciente de que o apostolado da Igreja avançou, que ele apresenta novos desafios e exigências, mas não tem disposição para mudar e renovar-se. Aos mais jovens que trabalham junto dele, os deixa fazer, mas não se deixa questionar. Pode até participar de reuniões e cursos de renovação, mas estes não têm influência sobre ele. Tudo o que ele espera é o que o deixem em paz, instalado em sua pastoral que, além do mais, costuma realizar de forma irrepreensível. Apesar disso, é possível até que ocupe altos cargos na Igreja.

Esta tentação, que vai tomando conta lentamente e se faz inevitável quando o apóstolo perde a espiritualidade do trabalho, costuma ir combinada com a instalação em seus próprios defeitos. Provavelmente nem se trate de algo realmente grave, mas o dinamismo espiritual está estancado. Sob uma aparência exterior honesta, há uma mediocridade interior. Desanimado, já não tem suficiente esperança e nem confiança em Deus para melhorar e, tacitamente, já fez um pacto com seus defeitos e mediocridade que ele pensa, falsamente, que não pode ou não vale a pena superar. “Eu sou assim mesmo…”.

Este demônio induz a pensar, sobretudo depois de certa idade, que se tem o direito de buscar compensações e de aburguesar-se. E, então, o apóstolo termina contentando-se com as exigências mínimas.

14.Carecer de fortaleza ou vigor

Este demônio debilita o apóstolo em algo que é fundamental para exercer um apostolado de envergadura, abnegado e constante, apesar de toda sorte de contradições: a fortaleza.

Este debilitamento e carência adquire formas contrárias às que caracterizam a fortaleza apostólica. Afeta, em primeiro lugar, o vigor físico, que não pode ser o mais relativo no apostolado. Não se pode, por exemplo, menosprezar a saúde das pessoas. Afeta, também, os hábitos alimentares: a gente pode tornar-se exigente em qualidade e quantidade; no horário; apega-se a certos hábitos; chegando à incapacidade de dar um sentido evangélico ao comer pouco ou nada, caso o serviço pastoral o requeira. O mesmo ocorre com o sono e o descanso, que muitas vezes o serviço pede sacrificar. Converte-se numa dificuldade habitual viajar em meios populares, a pé, em transporte coletivo. Se busca sistematicamente o meio mais rápido e cômodo, com a desculpa da eficácia apostólica, sem discernimento, uma vez que, em muitos casos, a escusa pode ser válida. Também o cuidado excessivo da saúde e a adoção de todas as formas de prevenção às quais recorrem os mais privilegiados, pode tornar mais aguda esta fase de austeridade e fortaleza. Poder-se-ia agregar outros exemplos.

A tentação afeta igualmente a fortaleza psicológica, tanto mais necessária que a física para o verdadeiro apostolado. Neste campo, é preciso educar-se num alto grau de resistência psicológica, o que não exclui ser emocionalmente vulnerável como todo ser humano normal. A fortaleza consiste em assimilar os golpes psicológicos, sem desanimar e, muito menos, desestruturar-se. Esta deve ser a atitude diante das críticas injustas ou parciais, diante das calúnias, das acusações… E, logicamente, diante das perseguições e das diversas formas de sofrimento, que podem chegar ao martírio, por causa do Reino. A aspiração de muitos apóstolos à última bem-aventurança – “bem-aventurados os perseguidos por minha causa e a justiça do Reino” -, não se improvisa, e é vã se não for preparada e se não estiver acompanhada pela aceitação das provações e crises psicológicas, com fortaleza evangélica.

A tentação pode ser mais grave se a provação da fortaleza provém do interior da Igreja. Um dos piores sofrimentos do apóstolo é o da “contradição dos bons”, de sua comunidade, de seus irmãos e companheiros de trabalho, de autoridades da Igreja. Em certos momentos do apostolado, em muitas ocasiões em que se trata de experimentar ou inovar dentro daquilo que é legítimo, o apóstolo precisa aceitar, com coração sadio e atitude evangélica, ser minoria ou simplesmente estar sozinho. Por isso, necessitará fortaleza diante das tensões e conflitos existentes no interior da Igreja, diante das incompreensões, das suspeitas, da falta de confiança e de colaboração.

A fortaleza apostólica purifica, amadurece e prepara para o futuro. O demônio da inércia e da fragilidade mantém o apóstolo na adolescência, numa certa mediocridade rotineira, dificultando-lhe exercer o melhor serviço da Igreja, agora e no futuro.

15. A inveja pastoral

O demônio da inveja não é alheio ao apostolado. Trata-se de um demônio universal. Obviamente, sua ação entre os apóstolos não tem os resultados devastadores que tem na política, na arte ou em outras atividades do “mundo”: as invejas no interior da Igreja são muito menos graves, mas se apresentam de uma forma sutil.

A tentação se expressa habitualmente em forma oblíqua. Manifesta-se com a tendência em encontrar e assinalar, à primeira vista, defeitos em todas as iniciativas pastorais e em atividades apostólicas que se destacam e se sobressaem do comum. Se despreza toda forma de apostolado que tem algo de diferente, com comentários, piadas, etc. Também no corpo apostólico da Igreja se sofre a tentação do corpo social: defender a mediocridade e derrubar tudo o que se sobressai e que, por isso, questiona. A tentação se manifesta também mediante o cinismo diante de trabalhos, iniciativas ou apóstolos que querem viver radicalmente seu chamado à evangelização. O cinismo é a expressão mais sutil da inveja; é seu melhor dissolvente.

Agora, em alguns casos, o demônio da inveja apostólica se revela em forma direta, em formas de rivalidade e de competição latente ou aparente. Esta tentação atua em todos os meios e níveis, normalmente dissimulada pelo “zelo pela verdade”, pelo “serviço do Reino” etc., palavras que escondem, às vezes, inveja pela reputação ou pelo êxito de um companheiro de apostolado.

Este demônio age também entre os teólogos, campo em que nem todo conflito ou disputa teológica está inspirada na busca da verdade; costuma haver questões pessoais misturadas. Age nos meios pastorais, em todos os níveis. Quantas vezes, apóstolos valiosos, projetos e experiências prometedoras são marginalizados, postergadas sem motivo, ou ignoradas, por questões de rivalidade!

O demônio da inveja pastoral leva a considerar projetos ou atividades de outros, como uma ameaça à própria influência apostólica. Quando se cai nesta tentação, o relacionamento apostólico fica inevitavelmente comprometido.

16. Perder o sentido do humor

Este demônio dramatiza e faz vítimas. Neste caso, o sentido do humor consiste em ver o lado bom das coisas, ainda que aparentemente de todo negativas; consiste em aprender a relativizar, a olhar “desde fora” as situações que nos afetam. O sentido do humor, por isso, ajuda a equilibrar as coisas, a não dramatizar e não ver tudo de maneira trágica. Ter sentido de humor é não fazer-se de importante, não levar a sério títulos, nem os problemas, nem os conflitos pastorais e eclesiais. É rir sadiamente da gente mesmo, das situações e de seus protagonistas.

O demônio que arranca ou adormece o sentido do humor, arrasta progressivamente o apóstolo à crítica sistemática, ao azedume, ao complexo de vítima que dramatiza tudo o que o afeta desfavoravelmente. O apóstolo que se dá muita importância, que acha seu trabalho o máximo, que busca cargos importantes ou que simplesmente se leva muito a sério, perde a simplicidade evangélica e, com ela, o sentido cristão do humor.

O apostolado requer o sentido do humor. A Igreja também precisa de humor e, obviamente, todos nós. O sentido do humor é uma qualidade tão humana quanto cristã. Trata­-se de uma qualidade presente nos santos, nos apóstolos e nos missionários mais atraentes. Teve importância no apostolado de ontem e tem no de agora.

De fato, em tempos de particular tensão e conflito na vida apostólica e da Igreja em geral, o sentido do humor se torna imprescindível. Por isso, contribuir com seu desaparecimento da vida eclesial e pastoral constitui uma tentação permanente, um demônio. Os cismas, heresias, dissidências, divisões, conflitos insolúveis e falta de diálogo e de comunhão são atitudes de pessoas que normalmente perderam o sentido do humor; que dão grande importância a si mesmos e às suas idéias. Sem sentido de humor, qualquer contradição, reprovação ou questionamento provindos da Igreja, é um drama, uma perseguição. Portanto, um apóstolo sem sentido de humor é um apóstolo vulnerável e débil.

Em última análise, o sentido do humor forma parte da fortaleza cristã e, certamente, a propicia.

Este texto é um extrato do livro do teólogo chileno Segundo GALILEA, Tentación y Discernimiento, Narcea, Madrid 1991, p. 29-67.

O sentido de Maria concebida sem o pecado nos santos Padres da Igreja

Maria colaborou com o mistério da encarnação do Filho de Deus,
na superação do pecado e da morte | Vatican News

"Maria foi concebida sem o pecado original por graça de Deus. A Igreja deve seguir os passos de Maria porque ainda que neste mundo haja a deficiência, a limitação, a maldade, o pecado, a graça de Deus triunfará sobre o pecado e a morte, em Jesus Cristo. Em Cristo Jesus são chamadas as pessoas a lutar pelo bem, pelo amor a Deus, ao próximo e a si mesmo."

Por Dom Vital Corbellini, bispo de Marabá (PA)

No dia 08 de dezembro celebrou a Igreja, uma festa cristã muito importante: a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Desde os primórdios do cristianismo, a comunidade eclesial teve fé em Maria imaculada, porque ela recebeu a graça de Deus, vivendo sem o pecado original para conceber na carne o Filho de Deus sem o pecado. Ela é a Imaculada, a mulher sem a mancha do pecado; conceição, concebida na realidade humana, mas sem o pecado que passa dos pais para os filhos, as filhas e o batismo dá a graça de sua superação, de uma vida nova. A palavra Imaculada vem de Immaculatus, cujo significado é sem mancha, cândida, imune do pecado original, no caso de Maria[1]. Os Padres da Igreja desenvolveram uma doutrina a respeito da Mãe do Filho de Deus, sem o pecado.

O Verbo de Deus na carne humana

Por que o Verbo de Deus se encarnou? | cancaonova

Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir no século I afirmou que Jesus é o verdadeiro médico, carnal e espiritual, Deus feito carne, Filho de Maria e Filho de Deus, vida passível na realidade humana e impassível na realidade divina, Jesus Cristo nosso Senhor[2]. O bispo tinha presente o plano de salvação assumido por Jesus à humanidade, sendo ele levado no seio de Maria, da descendência de Davi e do Espírito Santo[3]. Santo Inácio enfrentou os gnósticos que negavam a realidade humana de Jesus de modo que ele é verdadeiramente da descendência de Davi, segundo a carne e Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus, nascido verdadeiramente da virgem, batizado por João, para que toda a justiça fosse cumprida por ele[4].

A morte e a vida

São Justino de Roma, padre da Igreja, século II disse que na relação entre Eva e Maria houve a morte e a vida. Quando era ainda virgem e incorrupta, Eva tendo concebido a palavra que a serpente lhe disse, deu à luz à desobediência e à morte. No entanto, a virgem Maria, concebeu fé e alegria quando o anjo Gabriel lhe deu a boa notícia de que o Espírito do Senhor viria sobre ela e a força do Altíssimo a cobriria com a sua sombra, e o menino que nasceria dela, seria santo, o Filho de Deus, de modo que ela disse sim à palavra do Senhor, e que tudo se fizesse nela segundo a vontade do Senhor (Lc 1, 35-38).

As duas mulheres

Eva e Maria | comshalom

Tertuliano, padre da Igreja dos séculos II e III também colocou a diferença de concepções de Eva e de Maria, pelo fato de que tudo era em vista da salvação que se realizaria em Jesus. Se Eva era ainda virgem, introduziu na humanidade a palavra edificadora de morte, de modo que o Verbo de Deus, deveria por sua vez entrar numa virgem, para reconstruir na humanidade dada à morte, pela vida. Aquilo que através da mulher caiu na perdição, voltaria à salvação através do mesmo sexo. Enquanto Eva acreditou na serpente, Maria acreditou no anjo Gabriel. Se o pecado que Eva cometeu com a sua fé, Maria o reparou com a sua própria fé em Deus[5].

A obediência que leva à graça em Maria

Santo Irineu, bispo de Lião, séculos II e III afirmou que a obediência de Maria levou à graça da salvação, pela vinda do Salvador da humanidade. Se Eva desobedeceu levando ao pecado, tornando-se para si e para todo o gênero humano causa de morte, assim Maria, pela sua obediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa de salvação[6]. Desta forma, o nó da desobediência de Eva, segundo Santo Irineu foi desatado pela obediência de Maria e o que Eva, a primeira mulher amarrou pela sua incredulidade, Maria, a segunda mulher, livre do pecado, soltou pela sua fé[7].

Maria, advogada de Eva

Maria | Devoção e Fé

Santo Irineu colocou que Maria tornou-se a advogada de Eva, no sentido de que ela obedeceu à palavra do Senhor, tornando-se a mãe do Salvador. Assim como Eva foi seduzida pela fala de um anjo e na qual ela afastou-se de Deus, fazendo a transgressão da sua Palavra, Maria recebeu a boa-nova pela boca de um anjo e trouxe Deus em seu seio virginal, obedecendo à sua palavra. Se uma deixou-se seduzir de modo que entrou na realidade humana a desobediência a Deus, a outra se deixou persuadir a obedecer a Deus, para que, da virgem Eva, a Virgem Maria se tornasse a sua advogada[8].

A relação entre Eva e Maria

Santo Irineu colocou a relação entre Eva e Maria que se pela desobediência de uma virgem o ser humano foi ferido, caiu e morreu, assim também por causa de uma virgem obediente à Palavra de Deus, o ser humano ressuscitou e recobrou a vida por Jesus. Na verdade, Jesus veio buscar a ovelha perdida, ou seja, o ser humano que se perdeu (Mt 15,24), de modo que ele assumiu um corpo não diverso de Adão, igual ao ser humano em tudo menos o pecado, de modo que Adão foi recapitulado por Cristo, a fim de que o mortal fosse submetido na imortalidade e Eva em Maria para que por meio de uma virgem, dissolvesse e destruísse com a sua obediência de virgem a desobediência de uma virgem. O pecado cometido por causa da arvore foi anulado pela obediência a Deus, na qual o Filho do Homem foi pregado na árvore, proporcionando a obediência, o bem, a paz e o amor aos seres humanos[9]

Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher (Gl 4,4)

O bispo de Lião, seguindo a palavra de São Paulo, disse que Deus enviou o seu Filho, Jesus Cristo que nasceu de uma mulher, para recapitular todo o ser humano através do Senhor Jesus. O inimigo não teria sido vencido com justiça se não tivesse nascido de mulher o homem que o venceu, Jesus, na qual dominou o ser humano, opondo-se a ele desde o princípio. Assim o próprio Senhor declarou ser o Filho do Homem, recapitulando em si aquele primeiro ser humano, homem e mulher, para desta forma dar-lhes a vida verdadeira, a eterna[10].

A fé no Filho de Deus que nasceu de Maria

Santo Agostinho, bispo de Hipona, afirmou que a fé cristã leva a pessoa a crer no Filho de Deus que na realidade humana, nasceu pelo Espírito Santo, da Virgem Maria. O dom de Deus, isto é o Espírito Santo possibilitou a grandeza da humildade por parte de Deus tão magnífico, tão poderoso a ponto de se dignar tomar a natureza toda inteira no seio de uma virgem, vindo habitar entre as pessoas, pelo seio materno, deixando-o intacto. Da mesma forma como no sepulcro onde o corpo do Senhor fora depositado, para ele ressuscitar para a vida nova dada por Deus, assim também no seio virginal de Maria, nem antes nem depois, ser mortal algum foi concebido, a não ser Jesus, o Cristo[11].

Jesus assumiu a vida humana

Jesus Cristo | Vatican News

A alegria humana é grande porque o Senhor desceu até a vida humana. Ele tomou sobre si a morte de todas as pessoas, exterminando-a com a superabundância de sua própria vida. Ele entrou no seio da Virgem Maria, onde se uniu à natureza humana, à carne mortal, a fim de torná-la imortal. Através de sua vida, paixão, morte e ressurreição elevou ele a natureza humana até o alto[12]. Maria colaborou com o mistério da encarnação do Filho de Deus, na superação do pecado e da morte.

A fé em Jesus e em sua mãe

Santo Agostinho também disse que a fé cristã colocou que Jesus nasceu da Virgem Maria, porque assim está escrito no evangelho, a palavra de Deus. Ele passou pela cruz, morte e ressuscitou dos mortos pelo poder de Deus, porque tudo isso está escrito no evangelho. A fé nos evangelhos está acima de tudo, porque é palavra de Deus de modo que o ser humano louva Deus[13].

Jesus concebido na carne humana

O bispo de Hipona afirmou também a pureza dada pelo seio da Virgem Maria, o qual ainda que o corpo do Senhor se originou na carne de pecado, todavia ela não concebeu por influxo do pecado. Assim o corpo de Cristo, no seio de Maria, não esteve submetido ao pecado, à lei nas quais o corpo humano leva ao pecado, fator fundamental que não se realizou em Jesus, pela sua mãe livre do pecado e o seu Filho, da mesma forma. A carne de Jesus Cristo, nascida de Maria, não foi concebida em pecado, mas totalmente livre, pura do pecado original, para resgatar a toda a humanidade no pecado e na morte[14].

O ser de Maria: Imaculada Conceição

Imaculada Conceição | cancaonova

Santo Agostinho também disse que a Virgem Maria precedeu a Igreja como sua figura, afirmando que Jesus nasceu de uma Virgem chamada Maria, que viveu esta realidade não só na concepção, mas no parto e até a morte iluminando a vida da Igreja. Desta forma Jesus acabou com toda a vaidade da nobreza carnal. Ele tornou-se pobre (2 Cor 8,9) aquele a quem tudo pertence e por meio do qual tudo foi criado (Cl 1,16) para que assim toda a pessoa que nele crer não ousasse de se orgulhar de suas riquezas terrenas[15], mas partilhasse com os outros.

Maria foi concebida sem o pecado original por graça de Deus. A Igreja deve seguir os passos de Maria porque ainda que neste mundo haja a deficiência, a limitação, a maldade, o pecado, a graça de Deus triunfará sobre o pecado e a morte, em Jesus Cristo. Em Cristo Jesus são chamadas as pessoas a lutar pelo bem, pelo amor a Deus, ao próximo e a si mesmo. Um dia viverá a pessoa livre do pecado de modo que também nós seremos por graça do Senhor, imaculados, assim como foi Maria, pelos méritos de Cristo, para viver para sempre, a graça de Deus da imortalidade.

[1] Cfr. Immacolato. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg. 721.

[2] Cfr. Inácio de Antioquia aos Efésios, 7,2. São Paulo, Paulus, 1995, pg. 84.

[3] Cfr. Idem, 18, 2, pg. 88.

[4] Cfr. Idem, aos Esmirniotas, 1,1, pg. 115.

[5] Cfr. Tertulliano. La Carne di Cristo, XVII, 5Introduzione, traduzione e Note di Claudio Moreschini. Milano, 1996, pgs. 429-431.

[6] Cfr. Ireneu de Lião, III, 22,4. São Paulo, Paulus, 1995, pgs. 351-352.

[7] Cfr. Idem, pg. 352.

[8] Cfr. Idem, V, 19, 1, pg. 569.

[9] Cfr. Irineu de Lyon. Demonstração da pregação apostólica, 33. São Paulo, Paulus, 2014, pg. 95.

[10] Cfr. Idem, V, 21,1, pg. 573.

[11] Cfr. De Fide et symbolo V,11. In: Santo AgostinhoA Virgem Maria. Cem textos marianos com comentários. São Paulo, Paulus, 1996, pgs. 28-29.

[12] Cfr. Confissões, IV, 12,19Santo Agostinho. São Paulo, Paulus, 1997, pg. 104.

[13] Cfr. Contra Faustum, 26,7. In: Santo Agostinho. A Virgem Maria, pgs. 37-38.

[14] Cfr. De Genesi ad Literram, 18,32. In: Idem, pg. 43.

[15] Cfr. Santo Agostinho. Primeira Catequese aos não cristãos, XXII, 40. São Paulo, Paulus, 2013, pg. 127.

A oração do Papa Francisco aos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael

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Por Aleteia

O Santo Padre disse que os arcanjos "têm um papel importante no nosso caminho rumo à salvação".

Nós e os anjos temos a mesma vocação: “cooperar juntos para o desígnio de salvação de Deus”. Foi o que disse o Papa em uma homilia da missa celebrada na Casa Santa Marta (2017), por ocasião da Festa dos três arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel.

O Papa Francisco indicou esta oração para dirigir aos nossos companheiros ao serviço de Deus e da nossa vida:

Miguel, ajude-nos na luta;
cada um sabe qual luta tem em sua vida hoje.
Cada um de nós conhece a luta principal,
que faz arriscar a salvação. Ajude-nos.
Gabriel, traga-nos notícias,
traga-nos a Boa Notícia da Salvação,
que Jesus está conosco,
que Jesus nos salvou e nos dê esperança.
Rafael, segure a nossa mão
e nos ajude no caminho para não errarmos a estrada,
para não permanecermos parados.
Sempre caminhando, mas ajudados por você.

Guerra ao diabo

Em sua homilia, o Papa disse ainda:

Somos – por assim dizer – ‘irmãos’ na vocação. E eles estão diante do Senhor para servi-lo, louvá-lo e também para contemplar a glória do rosto do Senhor. Os anjos são os grandes contemplativos. Eles contemplam o Senhor; servem e contemplam. Mas também o Senhor os envia para nos acompanhar no caminho da vida.

Em especial, Miguel, Gabriel e Rafael – explicou o Papa Francisco – têm um “papel importante no nosso caminho rumo à salvação”.

“O Grande Miguel é que declara guerra ao diabo”, ao “grande dragão”, à “velha serpente” que “perturba a nossa vida” , seduz “toda a terra habitada” assim como seduziu a nossa mãe Eva com argumentos convincentes e, depois, quando caímos, nos acusa diante de Deus.

Defesa

Mas coma o fruto! Lhe fará bem, lhe fará conhecer muitas coisas”… E começa, assim como a serpente, a seduzir, a seduzir … E depois, quando caímos nos acusa diante de Deus: “É um pecador, é meu!”. Ele é meu: é justamente a palavra do diabo. Nos vence com a seduação e, depois, nos acusa diante de Deus: “É meu. Eu o levo comigo”. E Miguel declara guerra. O Senhor lhe pediu que declarasse guerra. Para nós que estamos em caminho nesta vida rumo ao Céu, Miguel nos ajuda a declarar guerra ao diabo, a não nos deixar seduzir.

É um trabalho de defesa que Miguel faz pela “Igreja” e por “cada um de nós”, diferente do papel de Gabriel, “o outro arcanjo de hoje”, aquele que, recorda o Papa, “traz as boas notícias; aquele que levou a notícia a Maria, a Zacarias, a José”: a notícia da salvação. Também Gabriel está conosco, assegura ainda o Papa, e ajuda-nos no caminho, quando “esquecemos” o Evangelho de Deus, que “Jesus veio conosco” para nos salvar.

O terceiro arcanjo que celebramos hoje é Rafael, aquele que “caminha conosco” e que nos ajuda neste caminho: devemos pedir-lhe, é o convite do Papa, para nos proteger da “sedução de dar um passo errado”.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

São João da Cruz

S. João da Cruz | Elo7
14 de dezembro

São João da Cruz

Protetor das almas aflitas e desconsoladas

Origens

Juan de Yepes era seu nome de batismo. Nasceu em 1542, em Fontivaros, pertencente à província de Ávila, na Espanha. Seu pai, Gonzalo de Yepes, descendia de uma família tradicional e rica de Toledo. Porém, por ter se casado com uma jovem de família humilde, perdeu os direitos da herança. Catarina Alvarez, sua esposa e mãe de São João da cruz, era vista como sendo de classe inferior. Gonzalo, pai de São João da Cruz, faleceu ainda jovem, quando João ainda era uma criança. Por isso, a viúva, desprezada pela família do marido e obrigada a trabalhar para sobreviver, mudou-se com os filhos para a cidade de Medina.

Trabalho e vocação

Em Medina, João, já jovem, começou a trabalhar. Ele tentou algumas profissões. A última foi a de ajudante no hospital da cidade. À noite, João estudava gramática no colégio dos jesuítas. Sob a influência dos padres da Companhia de Jesus, a espiritualidade do jovem João de Yepes desabrochou. Por isso, aos vinte e um anos, ele entrou na Ordem Carmelita, procurando uma vida de oração profunda.

Estudos e caridade

Após o noviciado, João de Yepes foi transferido para a Universidade de Salamanca, com o objetivo de terminar o estudo da filosofia e da teologia. Mesmo cursando a Universidade, que exigia dele toda a dedicação aos estudos, João encontrava tempo para a caridade e fazia questão de visitar os doentes nos hospitais ou nas residências, onde prestava seu precioso serviço de enfermeiro.

Santa Tereza de Ávila cruza seu caminho

João foi ordenado sacerdote quando tinha vinte e cinco anos. Nessa ocasião, mudou seu nome para João da Cruz, pois já tinha o desejo de se aproximar dos sofrimentos da cruz de Cristo. Por causa disso, achava a Ordem dos Carmelitas muito suave, sem austeridade. Pensou, inclusive, em entrar numa congregação mais austera. Foi nessa ocasião que Madre Tereza de Ávila atravessou seu caminho. Na época, ela tinha autorização fundar conventos reformados da Ordem Carmelita. Tinha também autorização de todos os superiores da Espanha para intervir nos conventos masculinos. O entusiasmo de Santa Tereza contagiou o Padre João da Cruz e ele começou a trabalhar na reforma da Ordem Carmelita, voltando às origens da mesma, procurando reviver em todos o carisma fundante da Ordem e ajustando a disciplina.

Formador A partir de então, a Ordem Carmelita encarregou o Pe. João da Cruz na missão formador dos noviços. Por isso, ele assumiu o posto de reitor de um convento dedicado à formação e aos estudos dos novos carmelitas. Assim, ele contagiou um grande número de carmelitas e, por conseguinte, reformou vários conventos.

Barreiras e perseguições

Como era de se esperar, padre João da Cruz começou a enfrentar dificuldades dentro da Ordem. Conventos inteiros e vários superiores se opuseram às reformas quando ele começou a aplica-las efetivamente. Por isso, ele passou por sofrimentos insuportáveis se não fossem vistos com os olhos da fé. Chegou, por exemplo, a ficar preso durante nove meses num convento que recusava terminantemente a reforma proposta por ele. Tudo isso sem contar as perseguições que começaram a aparecer de todos os cantos.

Paciência, fé e louvor

Testemunhas dizem, no entanto, que Pe. João da Cruz fez jus ao nome que escolheu abraçando a cruz, os sofrimentos e as perseguições com alegria e louvor a Deus. E esta foi a grande marca de sua vida, além de seus escritos preciosos. São João da Cruz abraçou o sofrimento com prazer, desejando ao máximo, sofrer como Cristo e unir seus sofrimentos aos do Mestre, em sacrifício pela própria conversão e também da Igreja.

Doutor da Igreja

O espírito de sacrifício, o fugir das glórias humanas, a busca da humildade, a oração profunda e o conhecimento da Palavra de Deus renderam a São João da Cruz vários escritos de grande profundidade teológica e sabedoria divina. Dentre eles, destacam-se os livros Cântico Espiritual, Subida do Carmelo e Noite Escura. Por isso, ele foi aclamado Doutor da Igreja, equiparado a Santa Tereza de Ávila, também Doutora. Deixou uma grande obra escrita, que é lida, estudada e seguida até hoje por religiosos e leigos.

Apenas três pedidos a Deus

Os biógrafos de São João da Cruz relatam que ele sempre fazia três pedidos a Deus. Conta-se que ele pedia, insistentemente, três coisas a Deus. Primeiro, que ele tivesse forças para sofrer e trabalhar muito. Segundo, que ele não saísse deste mundo estando no cargo de superior de nenhuma comunidade. E, terceiro, que ele tivesse a graça de morrer humilhado e desprezado por todos, como aconteceu com Jesus. Isto fazia parte de sua mística: igualar-se ao máximo a Jesus no momento de sua paixão.

Três pedidos atendidos

Pouco antes de falecer, São João da Cruz passou, de fato, por grandes sofrimentos, advindos de calúnias e incompreensões. Foi destituído de todos os cargos que ocupava na Ordem Carmelita e passou os últimos meses de sua vida no abandono e na solidão. Antes de falecer, sofreu de uma terrível doença, sempre louvando e agradecendo a Deus por tudo. Faleceu no Convento de Ubeda, Espanha, no dia 14 de dezembro de 1591, tendo somente quarenta e nove anos. A reforma da Ordem Carmelita Descalça proposta por ele, por fim, tornou-se realidade. Pouco tempo após sua morte, São João da Cruz passou a ser venerado e seguido pelos seus confrades. Em 1952 foi aclamado como o Padroeiro dos Poetas da Espanha.

Oração a São João da Cruz (extraída do Primeiro dia da Novena)

Glorioso São João da Cruz, que desde vossa infância fostes terno amante de Maria Santíssima e da cruz de seu Santíssimo Filho, merecendo por este amor ser protetor singular das almas aflitas e desconsoladas: Vos suplico, Pai meu, interponhais vossos rogos para com Mãe e Filho a fim de que me concedam viva fé, firme esperança, fervente caridade e terníssimo amor à cruz de meu Senhor, em cujo exercício viva e more amparado sempre de sua graça, e também consiga, se me convém, o que peço nesta novena. Amém.”

Fonte: https://cruzterrasanta.com.br/

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

“Confiai para sempre no Senhor: pois o Senhor é uma rocha eterna.”(Is 26,4)

Movimento dos Focolares

“Confiai para sempre no Senhor: pois o Senhor é uma rocha eterna.”(Is 26,4) | Palavra de Vida Dezembro 2022

Confira a Palavra de Vida de dezembro 2022 nos formatos texto, podcast, vídeo e baixe agora o PDF.

por Letizia Magri   publicado em 28/11/2022

A Palavra de Vida que queremos viver neste mês se encontra no Livro do profeta Isaías, um texto amplo e rico, muito precioso também para a tradição cristã. De fato, contém páginas muito apreciadas, como o anúncio do Emanuel, “o Deus conosco”1, ou ainda, a figura do servo sofredor2, usado como pano de fundo nos relatos sobre a paixão e morte de Jesus.

Este versículo faz parte de um cântico de ação de graças que o profeta põe na boca do povo de Israel quando, superada a terrível prova do exílio, finalmente retornaria a Jerusalém. Tais palavras abrem os corações à esperança, porque a presença de Deus ao lado de Israel é fiel, inabalável como a rocha; Ele mesmo apoiará todos os esforços do povo na reconstrução civil, política e religiosa.

Enquanto a cidade que se considera “cidadela inacessível” será humilhada até o chão3, porque não foi construída de acordo com o plano de amor de Deus, aquela que foi construída sobre a rocha da sua proximidade gozará de paz e prosperidade.

“Confiai para sempre no Senhor: pois o Senhor é uma rocha eterna.”

Como é atual essa exigência de estabilidade e de paz! Também nós, pessoal e coletivamente, estamos passando por momentos sombrios da história, que ameaçam nos esmagar sob o peso da incerteza e do medo pelo futuro.

O que fazer para vencer a tentação de nos deixarmos abater pelas dificuldades do presente, de nos fecharmos em nós mesmos e cultivarmos sentimentos de suspeita e desconfiança em relação aos outros?

Como cristãos, a resposta é certamente “reconstruir”, corajosamente, antes de tudo a relação de confiança com Deus que, em Jesus, se fez nosso próximo pelos caminhos da vida, mesmo nos mais escuros, estreitos, tortuosos e íngremes.

Mas esta fé não significa permanecer em uma espera passiva. Pelo contrário, exige que “coloquemos as mãos na massa”, para sermos protagonistas criativos e responsáveis na construção de uma “cidade nova”, fundamentada no mandamento do amor recíproco. Uma cidade de portas abertas, que acolhe a todos, especialmente “os indigentes e os pobres4”, desde sempre os prediletos do Senhor.

E nesta caminhada temos a certeza de encontrar como companheiros muitos homens e mulheres que cultivam em seus corações os valores universais da   solidariedade e da dignidade de cada pessoa, no respeito à Criação, nossa “casa comum”.

“Confiai para sempre no Senhor: pois o Senhor é uma rocha eterna.”

Na aldeia espanhola de Aljucer, toda uma comunidade está empenhada em construir relações de fraternidade por meio de formas de participação aberta e inclusiva.

Eles mesmos nos contam: No verão de 2008, criamos uma associação cultural com o objetivo de realizar vários tipos de atividades, tanto por nossa iniciativa quanto em colaboração com outras associações locais, para promover espaços de diálogo e projetos humanitários internacionais.

Por exemplo, desde o primeiro ano promovemos um jantar de solidariedade para o projeto Fraternity with Africa (Fraternidade com a África), a fim de financiar bolsas de estudo para jovens africanos que se comprometam a trabalhar em seu próprio país durante pelo menos cinco anos. São jantares que reúnem cerca de duzentas pessoas e contam com a colaboração de comerciantes e associações.

Estamos muito felizes por trabalhar também há vários anos com outra associação. Juntos organizamos um evento anual, aberto a personalidades do mundo da cultura, música, pintura e literatura, mas também a expoentes do mundo da política, da economia e da medicina. Para todos eles é uma oportunidade de compartilhar suas experiências de vida e as motivações mais profundas de suas escolhas.5

 “Confiai para sempre no Senhor: pois o Senhor é uma rocha eterna.”

Estamos perto do Natal. Preparemo-nos para essa festa, acolhendo desde já Jesus na sua Palavra.

Ela é a rocha sobre a qual construímos também a cidade dos homens: Vamos encarná-la, assumi-la como nossa. Experimentemos quanta potência de vida ela irradia em nós e ao nosso redor quando a vivemos. Apaixonemo-nos pelo Evangelho até o ponto de nos deixarmos transformar nele e de transbordá-lo sobre os outros. […] Não seremos mais nós a viver: Cristo tomará forma em nós. Tocaremos com as próprias mãos o quanto ficaremos livres de nós mesmos, dos nossos limites, das nossas escravidões. E não é só: veremos explodir a revolução de amor que Jesus, livre para viver em nós, provocará no ambiente social no qual estamos imersos.6

Confira a Palavra de Vidade de Dezembro nos formatos podcast, vídeo infantil e PDF para compartilhar e ler offline clicando aqui.

1) Cf. Is 7,14 e Mt 1,23.

2) Cf. Is 52,13-53,12.

3) Cf. Is 26,5.

4) Cf. Is 26,6.

5) Experiência extraída do site www.focolare.org. 

6) LUBICH, Chiara. A Palavra em fatos, Palavra de Vida, setembro de 2006.

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF