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sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Terceira pregação do Advento do cardeal Raniero Cantalamessa

Terceira pregação do Advento | You Tube

"Diz uma lenda que, entre os pastores que se dirigiram para encontrar o Menino na noite de Natal, havia um pastorzinho tão pobre, que não tinha nada para oferecer à Mãe, e ficava de lado, envergonhado. Todos disputavam para entregar a Maria o próprio presente. A Mãe não conseguia pegar todos, tendo que segurar o Menino Jesus nos braços. Vendo-o ali ao lado o pastorzinho com as mãos vazias, toma o Menino e o coloca em seus braços. Não ter nada foi a sua sorte. Façamos com que seja também a nossa."

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap

A PORTA DA CARIDADE

Terceira Pregação do Advento de 2022

Um Deus para amar ou um Deus que ama?

“Ó portas, levantai vossos frontões! Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, a fim de que o Rei da glória possa entrar”. Em nosso intuito de abrir as portas a Cristo que vem, chegamos à porta mais interna do “castelo interior”, aquela da virtude teologal da caridade.

Mas o que significa abrir a Cristo a porta do amor? Significa, talvez, tomarmos nós a iniciativa de amar a Deus? Assim teriam respondido os filósofos pagãos, em base à concepção que tinham do amor de Deus. “Deus – dizia Aristóteles – move o mundo na medida em que é amado[1]. Na medida em que é amado, note-se bem, não à medida em que ama! Esta visão filosófica foi completamente invertida no Novo Testamento:

Nisto está o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho... Nós amamos porque ele nos amou primeiro (1Jo 4,10.19).

Henri de Lubac escreveu: “É preciso que o mundo saiba: a revelação do Amor revira tudo o que ele concebera sobre a divindade”[2]. Até hoje não terminamos (e jamais terminaremos) de tirar todas as consequências da revolução evangélica sobre Deus como amor. O Espírito Santo – ensina-nos Santo Irineu – rejuvenesce continuamente o tesouro da revelação, juntamente com o vaso que o contém, que é a tradição da Igreja. Com o seu auxílio, busquemos entender qual é, acerca da virtude teologal da caridade, a consequência a se descobrir e, sobretudo, a se viver.

Existem inúmeros tratados sobre o dever e sobre os graus do amor de Deus, em outras palavras, sobre o “Deus a se amar”, De diligendo Deo; não conheço tratados sobre Deus que ama! A Bíblia é, ela própria, um tratado sobre o Deus que ama; mas, apesar disso, quase sempre, quando se fala de “amor de Deus”, Deus é o objeto, não o sujeito da frase.

Agora, é bem verdade que amar a Deus com todas as forças é “o primeiro e maior mandamento”. Esta é, certamente, a primeira coisa na ordem dos mandamentos; mas a ordem dos mandamentos não é a primeira ordem, a que está no topo de tudo! Antes da ordem dos mandamentos, está a ordem da graça, isto é, do amor gratuito de Deus. O próprio mandamento se funda sobre o dom; o dever de amar a Deus se funda sobre o sermos amados por Deus: “Nós amamos porque ele nos amou primeiro”, recordou-nos há pouco o evangelista João. Esta é a novidade da fé cristã em relação a toda ética baseada no “dever”, ou no “imperativo categórico”. Jamais deveríamos perdê-lo de vista.

Nós cremos no amor de Deus

Abrir a Cristo a porta do amor significa, portanto, algo bem preciso: acolher o amor de Deus, crer no amor. “E nós conhecemos, e cremos no amor que Deus tem para conosco”, escreve João no mesmo contexto (1Jo 4,16). Natal é a manifestação – literalmente, a epifania – da bondade e do amor de Deus para o mundo: “Com efeito, a graça salvadora de Deus manifestou-se (epephane) a toda a humanidade”, escreve São Paulo. E ainda: “Se manifestou a bondade Deus, nosso Salvador, e o seu amor pela humanidade” (Tt 2,11;3,4).

A coisa mais importante a se fazer no Natal é receber com estupor o dom infinito do amor de Deus. Quando alguém recebe um presente, não é delicado apresentar imediatamente, com a outra mão, o próprio presente, talvez já preparado com antecedência. Dá-se, inevitavelmente, a impressão de querer imediatamente se desobrigar. Primeiro, é preciso honrar o presente que se recebe e o seu doador, com o estupor e a gratidão. Depois – quase se envergonhando e com pudor – pode-se apresentar o próprio presente, como se não fosse nada em relação ao que foi recebido (diante de Deus, o nosso presente é, de fato, menos que nada!).

O que devemos fazer, como primeira coisa no Natal, é crer no amor de Deus por nós. O ato de caridade tradicional, ao menos na recitação particular e pessoal, não deveria começar com as palavras: “Senhor Deus, amo-Te sobre todas as coisas”, mas “Senhor Deus, creio de todo o coração que Tu me amas”.

Parece algo fácil. Ao contrário, está entre as coisas mais difíceis no mundo. O homem é mais propenso a ser ativo do que passivo; a fazer, mais do que deixar que lhe façam. Inconscientemente, não queremos ser devedores, mas credores; queremos, sim, o amor de Deus, mas com prêmio, mais do que como dom. Assim, porém, realiza-se insensivelmente um deslocamento e uma inversão: em primeiro lugar, no topo de tudo, no lugar do dom, é colocado o dever; no lugar da graça, a lei; no lugar da fé, as obras.

“Cremos no amor!”: este é um grito para o qual é preciso reunir todas as forças e fazer-se violência. Eu chamo de “fé incrédula”: fé que não sabe se capacitar do que crê, mesmo que creia. Deus – o Eterno, o Ser, o Tudo – me ama e cuida de mim, pequeno nada perdido na imensidão do universo e da história! “O naufragar me é doce neste mar”, deveríamos exclamar com o poeta Leopardi[3].

É preciso que nos tornemos crianças para crer no amor. As crianças creem no amor, mas não em base a um raciocínio. Por instinto, por natureza. Nascem cheios de confiança no amor dos pais. Pedem aos pais as coisas de que necessitam, talvez mesmo batendo os pés, mas o pressuposto tácito não é que já ganharam; é que são filhos e um dia serão herdeiros de tudo. É sobretudo por este motivo que Jesus recomenda frequentemente para que nos tornemos como crianças para entrar no seu Reino.

Mas não é fácil nos tornarmos crianças. A experiência, as amarguras, as desilusões da vida nos tornam cautelosos, prudentes, às vezes, cínicos. Todos parecemos um pouco com Nicodemos. “Como pode alguém nascer – pensamos –, se já é velho?” (Jo 3,4). Como podemos renascer, voltar a nos entusiasmar, a nos maravilhar no Natal, como as crianças? Mas o que Jesus respondeu a Nicodemos? “Em verdade, em verdade, eu te digo: se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5).

Isto não é resultado de esforço e pretensão humanos, ou excitação do coração; é obra do Espírito Santo. Jesus não fala aqui apenas do batismo; pelo menos, não apenas do batismo de água. Trata-se de um renascimento e de um batismo “no Espírito”, ou “do alto” (Jo 3,3), que pode se renovar várias vezes no arco da vida. Foi isso que os apóstolos e os discípulos experimentaram em Pentecostes e que também nós deveríamos desejar conhecer, em certa medida, aquele “novo Pentecostes” que o Papa São João XXIII pediu a Deus para toda a Igreja ao anunciar o Concílio.

O essencial de Pentecostes está encerrado nestas palavras do versículo 4 do capítulo segundo dos Atos dos Apóstolos: “Todos ficaram repletos do Espírito Santo”.  O que quer dizer esta breve frase que já ouvimos milhares de vezes? “Todos ficaram repletos do Espírito Santo”: certo: mas o que é o Espírito Santo? É o amor – diz a teologia – com que o Pai ama o Filho e com que o Filho ama o Pai. Mais livremente, dizemos: é a vida, a doçura, o fogo, a bem-aventurança que corre na Trindade, porque o amor é todas estas coisas juntas e em grau infinito.

Dizer, portanto, que “todos ficaram repletos do Espírito Santo” é como dizer que todos ficaram repletos do amor de Deus. Fizeram uma experiência arrebatadora de serem amados por Deus. Morrendo, Cristo destruíra o muro divisório do pecado e, agora, o amor de Deus podia finalmente ser derramado sobre os apóstolos e os discípulos, submergindo-os em um oceano de paz e felicidade. Ao dizer que “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5), São Paulo não faz outra coisa senão descrever – de forma sintética, ao invés de narrativa – o evento de Pentecostes, atualizado, para cada um, no batismo.

O amor de Deus tem um aspecto objetivo, que chamamos de graça santificante, ou caridade infundida, mas comporta também um elemento subjetivo, uma repercussão existencial, assim como é na própria natureza do amor. Não se tratou, como somos levados a pensar, de algo puramente objetivo, ou ontológico, do qual o interessado não tem qualquer conhecimento. O dom do “coração novo” não acontece sob anestesia total, como os transplantes normais de coração! Nós o vemos a partir da mudança improvisa que se realiza nele. Nada mais de temores, rivalidades, timidez; homens novos, prontos a se lançar pelas estradas do mundo e dar a vida por Cristo.

“O amor constrói”

O discurso sobre a virtude teologal do amor não se conclui, certamente, neste ponto. Seria um discurso incompleto, como uma prótase não seguida pela apódose. A prótase é: “Se Deus tanto nos amou...”; a apódose, ou a consequência, é: “também nós devemos amá-lo e nos amar entre nós”. Mas temos tantas ocasiões para falar sobre o exercício da caridade que, por uma vez, podemos deixar de lado o “dever” para nos ocupar apenas do “dom”. Limito-me apenas a algumas breves considerações sobre o efeito social e eclesial da virtude teologal da caridade.

Sobre ela, afirma-se que “constrói”: “o conhecimento enche de arrogância, mas o amor constrói” (1Cor 8,1). Constrói primeiramente o edifício de Deus, que é a Igreja. “Vivendo segundo a verdade, no amor, cresceremos sob todos os aspectos em relação a Cristo, que é a cabeça. É dele que o corpo recebe coesão e harmonia... e, assim, realiza o seu crescimento, construindo-se no amor” (Ef 4,15-16).

O amor é o que constitui a realidade invisível da Igreja, a societas sanctorum, ou comunhão dos santos, como a chama Agostinho. É a realidade do sacramento (a res sacramenti), o significado do sinal que é a Igreja visível. “O amor permanece”, afirma São Paolo (1Cor 13,13). É o único que permanece. Cessados as Escrituras, a fé, a esperança, os carismas, os ministérios e todo o resto, permanece o amor. Tudo desaparecerá, como quando se desmonta o andaime que serviu para construir um edifício e este aparece em todo o seu esplendor.

Por um certo tempo, na antiguidade, costumou-se designar com o simples termo de caridade, ágape, a realidade inteira da Igreja. Isto logo traz à mente o famoso ditado de Santo Inácio de Antioquia: “A Igreja de Roma é aquela que preside na caridade (ágape)”[4]. Esta frase é normalmente utilizada em função do primado de Roma e do Papa. Mas ela não afirma apenas o fato do primado (“preside”), mas também a sua natureza, ou o modo de exercê-lo (“na caridade”). É o que a Igreja de Roma tem feito em seus melhores momentos e que hoje certamente deseja fazer, tendo escolhido – também na nova Constituição Praedicate Evangelium – o diálogo fraterno, a sinodalidade e o serviço, como método de governo.

A caridade, contudo, não constrói apenas a sociedade espiritual que é a Igreja, mas também a sociedade civil. Na obra A cidade de Deus, Santo Agostinho explica que, na história, coexistem duas cidades: a cidade de Satanás, simbolizada pela Babilônia, e a cidade de Deus, simbolizada por Jerusalém. O que distingue as duas sociedades é o amor diverso com o qual se movem. A primeira tem por motivação o amor a si levado até o desprezo por Deus (amor sui usque ad contemptum Dei), a segunda tem por motivação o amor a Deus levado até desprezo de si (amor Dei usque ad contemptum sui)[5].

A oposição, neste caso, é entre o amor a Deus e o amor a si mesmo. Em outra obra, contudo, Santo Agostinho corrige em parte esta contraposição, ou ao menos a reequilibra. A verdadeira contraposição que caracteriza as duas cidades não é entre o amor a Deus e o amor a si. Estes dois amores, entendidos corretamente, podem – melhor, devem – existir juntos. Não, a verdadeira contraposição é aquela dentro do amor a si, e é a contradição entre o amor exclusivo por si – o amor privatus, como ele o chama , e o amor pelo bem comum – o amor socialis [6]. É o amor privado – isto é, o egoísmo – que cria a cidade de Satanás, a Babilônia, e é o amor social que cria a cidade de Deus, onde reina a concórdia e a paz.

O sentimento social nasceu no solo irrigado pelo Evangelho, e é estranho que, em época moderna, tal conquista tenha sido usada como argumento para se jogar na face do cristianismo. Nos primeiros séculos e por toda a Idade Média, o meio por excelência, para agir no social e ir ao encontro dos pobres, era a esmola. Ela é um valor bíblico e conserva sempre a sua atualidade. Não pode mais, contudo, ser proposto como o modo ordinário de praticar o amor social, ou o amor pelo bem comum, pois não salvaguarda a dignidade do pobre e o mantém em seu estado de dependência.

Compete aos políticos e aos economistas empreender processos estruturais que reduzam o escandaloso abismo entre um reduzido número de megarricos e o infinito número dos deserdados da terra. O meio ordinário para os cristãos é criar as premissas no coração do homem para que isto aconteça. Para quem está empenhado no social, trata-se de promover a chamada “Doutrina Social da Igreja”. Para os empreendedores cristãos, por exemplo, é criar postos de trabalho, como reafirmou o Santo Padre, no encontro de Assis de setembro passado, aos jovens economistas que se inspiram em seu ensinamento.

Só o amor pode nos salvar

Gostaria, antes de concluir, de acenar a um outro efeito benéfico da virtude teologal da caridade sobre a sociedade em que vivemos. A graça, reza um famoso axioma teológico, supõe a natureza, não a destrói, mas a aperfeiçoa[7]. Aplicado à terceira virtude teologal, isso significa que a caridade supões a capacidade e a predisposição natural do ser humano a amar e ser amado. Esta capacidade pode nos salvar hoje de uma tendência em ato, que poderia, se não for corrigida, a uma verdadeira e própria “desumanização”.

Há alguns anos, participei de um debate público em Londres. A moderadora propunha uma série de perguntas a um certo número de teólogos, entre eles, um professor de teologia da universidade de Yale, um bispo e um teólogo anglicanos e eu. A pergunta crucial era a seguinte. Após ter substituído as capacidades operativas do homem com robôs, a técnica já está a ponto de substituir também as suas capacidades mentais com a inteligência artificial. O que resta, portanto, de próprio e exclusivo ao ser humano? Ainda há motivo de considerá-lo à parte no universo? É ainda indispensável, ou não seria nocivo, por natureza?

Quando chegou a minha vez de responder, com o meu pobre e dificultoso inglês, acrescentei uma simples reflexão. Estão trabalhando, eu disse, em um computador que pensa: mas conseguimos imaginar um computador que ama, que se enternece pelas nossas penas e se alegra pelas nossas alegrias? Podemos conceber uma inteligência artificial: mas conseguimos conceber um amor artificial? Talvez seja justamente aqui que devamos colocar o específico do humano e o seu inalienável atributo. Para um crente bíblico, há uma razão que explica este fato: é que fomos criados à imagem de Deus, e “Deus é amor”! (1Jo 4,8).

Apesar de todos os nossos erros e más ações, nós, seres humanos, não somos – e jamais seremos – demais sobre a terra! Ao término das suas reflexões filosóficas sobre o perigo da técnica para o homem moderno, Martin Heidegger, quase jogando a toalha, exclamava: “Só um deus pode nos salvar!”[8]. Podemos parafrasear: só o amor pode nos salvar! Porém, o amor de Deus, certamente não o nosso.

“Nasceu para nós um pequenino”

Voltemos, então, os nossos pensamentos ao Natal, que está às portas. Com a vinda de Cristo, o grande rio da história chegou a uma “eclusa” e recomeça a partir de um nível mais alto. “O que era antigo passou; eis que tudo se fez novo” (2Cor 5,17). Está coberto o grande “desnível” que separava Deus do homem, o Criador da criatura. Não sem razão, daí em diante, a história humana se divide em “antes de Cristo” e “depois de Cristo”.

Existem figuras natalinas ingênuas, mas de profundo significado. Nelas, vê-se o Menino Jesus que, descalço, com neve aos seus pés e uma lâmpada na mão, de noite, esperando diante de uma porta após ter batido. Os pagãos imaginavam o amor como um garotinho, a quem chamavam de Eros. Tratava-se de uma representação simbólica, antes, de um verdadeiro e próprio ídolo. Nós sabemos que o amor realmente se tornou um menino; que ele já é uma realidade, um evento, antes, uma pessoa. “O amor do Pai se fez carne”, assim um autor do II século parafraseava o versículo de João 1,14[9]. O amor realmente se fez menino: o Menino Jesus.

Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu entrarei em sua casa e tomarei a refeição com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). Abramos a porta do coração àquele Menino que bate. A coisa mais bonita que podemos fazer no Natal não é, eu dizia, nós oferecermos algo a Deus, mas acolher com estupor o dom do seu próprio Filho, que Deus Pai dá ao mundo.

Diz uma lenda que, entre os pastores que se dirigiram para encontrar o Menino na noite de Natal, havia um pastorzinho tão pobre, que não tinha nada para oferecer à Mãe, e ficava de lado, envergonhado. Todos disputavam para entregar a Maria o próprio presente. A Mãe não conseguia pegar todos, tendo que segurar o Menino Jesus nos braços. Então, vendo-o ali ao lado o pastorzinho com as mãos vazias, toma o Menino e o coloca em seus braços. Não ter nada foi a sua sorte. Façamos com que seja também a nossa!

Unamo-nos ao estupor e à alegria da liturgia que, no Natal, repete – como fato cumprido e não mais simples profecia – as palavras de Isaías (9,5):

         Pois nasceu para nós um pequenino,
         um filho nos foi dado.
         O principado está sobre seus ombros,
         e seu nome será:
        Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte,
        Pai para sempre, Príncipe da paz.

 

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Tradução de Fr. Ricardo Farias, ofmcap

 

[1] Cf. Aristóteles, Metafísica, XII,7,1072b.

[2] Cf. Henri de Lubac, Histoire et Esprit, Aubier, Paris 1950, cap. V.

[3] Cf. Giacomo Leopardi, L’infinito.

[4] Cf. Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos, saudação inicial.

[5] Cf. Agostinho, De civitate Dei, 14,28.

[6] Cf. Agostinho, De Genesi ad litteram, 11, 15, 20 (PL 32, 582).

[7] Cf. Tomás de Aquino, S.Th. I, q. 2. a. 2 ad 1 (gratia [praesupponit] naturam”); I, q. 1, a. 8, ad 2 (gratia non tollit naturam, sed perficit).

[8] Cf. Martin Heidegger, Antwort. Martin Heidegger im Gespräch, Gesamtausgabe, vol. 16, Frankfurt 1975.

[9] Cf. Evangelium Veritats, 23 (I Vangeli gnostici, a cura di L. Moraldi, Milano, Adelphi, 1984, p. 33).

7 espécies de falsos devotos e falsas devoções a Maria

fot. A. Bugała
Figura płaczącej Maryi w La Salette
Por Aleteia

E antes de apontar o dedo para os outros, examinemos a nossa própria postura.

O texto que propomos a seguir é de São Luiz Maria Grignon de Montfort, em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

* * *

Conheço sete espécies de falsos devotos e falsas devoções, a saber:

  1. Os devotos críticos;
  2. Os devotos escrupulosos;
  3. Os devotos exteriores;
  4. Os devotos presunçosos;
  5. Os devotos inconstantes;
  6. Os devotos hipócritas;
  7. Os devotos interesseiros.

1OS DEVOTOS CRÍTICOS

Os devotos críticos são, ordinariamente, sábios orgulhosos, espíritos fortes e que se bastam a si mesmos. No fundo têm alguma devoção à Santíssima Virgem Maria, mas criticam quase todas as práticas de devoção que as almas simples tributam singela e santamente a esta boa Mãe, porque não condizem com a sua fantasia. Põem em dúvida todos os milagres e narrações referidas por autores dignos de crédito ou tiradas das crônicas de ordens religiosas, e que testemunham as misericórdias e o poder da Santíssima Virgem.

Veem com desgosto pessoas simples e humildes ajoelhadas diante dum altar ou imagem da Virgem, talvez no recanto duma rua, para aí rezar a Deus. Acusam-nas até mesmo de idolatria, como se estivessem a adorar madeira ou pedra. Dizem que, quanto a si, não gostam dessas devoções exteriores, e que não são tão fracos de espírito que vão acreditar em tantos contos e historietas que correm a respeito da Santíssima Virgem. Quando lhes referem os louvores admiráveis que os Santos Padres tecem a Nossa Senhora, ou respondem que isso é exagero, ou explicam erradamente as suas palavras.

Esta espécie de falsos devotos e de gente orgulhosa e mundana é muito para temer, e causam imenso mal à Devoção a Nossa Senhora, afastando eficazmente dela o povo, sob o pretexto de destruir abusos.

2OS DEVOTOS ESCRUPULOSOS

Os devotos escrupulosos são pessoas que temem desonrar o Filho honrando a Mãe, rebaixar um ao elevar a outra. Não podem suportar que se prestem à Santíssima Virgem louvores muito justos, tais como os Santos Padres lhe dirigiram. Não toleram, senão contrariados, que haja mais pessoas de joelhos diante dum altar de Maria que diante do Santíssimo Sacramento. Como se uma coisa fosse contrária à outra, como se aqueles que rezam a Nossa Senhora não rezassem a Jesus Cristo por meio dela! Não querem que se fale tantas vezes da Santíssima Virgem, nem que a Ela nos dirijamos tão frequentemente.

Eis algumas frases que lhes são habituais: Para que servem tantos terços, tantas confrarias e devoções externas à Santíssima Virgem? Há muita ignorância nisto tudo! Faz-se da religião uma palhaçada. Falem-me dos que têm Devoção a Jesus Cristo (frequentemente pronunciam este Santo Nome sem a devida reverência, sem descobrir a cabeça, digo-o entre parênteses). É preciso pregar Jesus Cristo: eis a doutrina sólida! Isto que dizem é verdadeiro num certo sentido; mas quanto à aplicação que disso fazem, para impedir a Devoção à Virgem Santíssima, é muito perigoso. Trata-se duma cilada do inimigo sob pretexto dum bem maior. Pois nunca se honra mais a Jesus Cristo do que quando se honra muito à Santíssima Virgem. A razão é simples: só honramos a Virgem no intuito de honrar mais perfeitamente a Jesus Cristo, indo a ela apenas como ao caminho que leva ao fim almejado, que é Jesus.

A Santa Igreja, com o Espírito Santo, bendiz em primeiro lugar a Virgem e só depois Jesus Cristo: “Bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus” (Lc 1, 42). Não é que Maria seja mais que Jesus, ou igual a Ele: dizê-lo seria uma heresia intolerável. Mas, para mais perfeitamente bendizer Jesus Cristo, é preciso louvar antes a Virgem Maria. Digamos, pois, com todos os verdadeiros devotos da Santíssima Virgem, e contra esses falsos devotos escrupulosos: Ó Maria, bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus!

3OS DEVOTOS EXTERIORES

Os devotos exteriores são pessoas que fazem consistir toda a Devoção à Santíssima Virgem em práticas externas. Ficam apenas na exterioridade desta Devoção, por lhes faltar espírito interior. Rezarão muitos terços às pressas; ouvirão muitas Missas sem atenção; irão sem devoção às procissões; entrarão em todas as confrarias de Nossa Senhora sem mudar de vida, sem fazer violência às suas paixões, nem imitar as virtudes desta Virgem Perfeitíssima. Só apreciam o que há de sensível na Devoção, sem atender ao que tem de sólido. Se não experimentam prazer sensível nas suas práticas, julgam que já não fazem nada, desorientam-se, abandonam tudo, ou fazem as coisas precipitadamente.

O mundo está cheio desta espécie de devotos exteriores, e não há ninguém como eles para criticar as almas de oração. Estas aplicam-se ao interior, por ser o essencial, sem todavia desprezar a modéstia exterior que acompanha sempre a Verdadeira Devoção.

4OS DEVOTOS PRESUNÇOSOS

Os devotos presunçosos são pecadores entregues às suas más paixões, ou amigos do mundo. Sob o belo nome de cristãos e devotos da Santíssima Virgem escondem ou o orgulho, ou a avareza, ou a impureza, ou a embriaguez, ou a cólera, ou a blasfêmia, ou a maledicência, ou a injustiça etc. Dormem em paz nos seus maus hábitos, sem se esforçar muito para os corrigir, sob o pretexto de que são devotos de Nossa Senhora.

Dizem para consigo mesmos que Deus lhes perdoará, que não hão de morrer sem confissão e não serão condenados porque rezam o Terço, porque jejuam aos sábados e pertencem à confraria do Santo Rosário ou do escapulário, ou às suas congregações, ou porque trazem o hábito ou a cadeia da Santíssima Virgem etc. Se alguém lhes diz que a sua devoção não passa de ilusão do demônio e de perniciosa presunção capaz de os condenar, não querem acreditar. Dizem que Deus é bom e misericordioso, que não nos criou para a condenação, que todos pecam, que não morrerão impenitentes, que um bom “Pequei” (2 Sm 12, 13; Sl 50) à hora da morte será suficiente.

E, para mais, são devotos de Nossa Senhora, usam o escapulário, rezam diariamente, sem falha e sem vaidade, sete Pai-Nossos e sete Ave-Marias em sua honra. E, às vezes, até rezam o Terço e o ofício da Santíssima Virgem, e até jejuam! Para confirmar o que dizem e para ainda mais se cegarem, citam algumas histórias que ouviram ou leram em algum livro, histórias verdadeiras ou falsas (isso pouco importa).

Nestas se conta como pessoas mortas em pecado mortal sem confissão, foram ressuscitadas para se confessarem, porque durante a vida tinham recitado orações ou praticado alguns atos de devoção à Santíssima Virgem. Ou ainda como a alma ficou miraculosamente no corpo até a confissão, ou obteve de Deus contrição e perdão dos seus pecados no momento da morte pela misericórdia da Virgem, sendo assim salva. E estes falsos devotos esperam o mesmo.

Nada é tão prejudicial no Cristianismo como esta presunção diabólica. Pois poder-se-á dizer, com verdade, que se ama e honra a Santíssima Virgem, quando se fere, traspassa, crucifica e ultraja impiedosamente Jesus Cristo, seu Filho, com o pecado?! Se Maria se comprometesse a salvar, por misericórdia, esta espécie de pessoas, autorizaria o crime, ajudaria a crucificar e ofender seu Filho! Quem ousará sequer pensar coisa semelhante?!

A Devoção à Santíssima Virgem é, depois da Devoção a Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, a mais santa e a mais sólida. Por isso afirmo: abusar assim dela é cometer um horrível sacrilégio que, depois do sacrilégio da Comunhão indigna, é o menos perdoável de todos. Concordo que, para ser verdadeiro devoto da Santíssima Virgem, não é absolutamente necessário ser tão santo que se evite todo pecado, embora isso fosse de desejar, mas, pelo menos, é preciso (e note-se bem o que vou dizer):

1º. Ter uma sincera resolução de evitar, ao menos, todo pecado mortal, que ultraja tanto a Mãe como o Filho.

2º. Fazer violência contra si mesmo para evitar o pecado.

3º. Entrar em confrarias, rezar o Terço, o Santo Rosário ou outras orações, jejuar aos sábados etc.

Isto é duma utilidade maravilhosa para a conversão dum pecador, mesmo endurecido. Se o meu leitor está nesse caso, aconselho-o a que o faça, ainda mesmo que já tenha um pé no abismo. Faça estas boas obras unicamente com o fim de obter de Deus, por intercessão da Santíssima Virgem, a graça da contrição e do perdão dos seus pecados, e a graça de vencer os seus maus hábitos. Não as faça, porém, pensando que poder-se-á demorar tranquilamente no estado de pecado, indo contra o remorso da sua consciência,o exemplo de Jesus Cristo e dos santos, e as máximas do Santo Evangelho.

5OS DEVOTOS INCONSTANTES

Os devotos inconstantes são aqueles que praticam alguma devoção à Santíssima Virgem a intervalos e por capricho: ora são fervorosos, ora tíbios; ora parecem dispostos a fazer tudo para servir Nossa Senhora, ora, e pouco depois, já não parecem os mesmos. A princípio abraçarão todas as devoções à Santíssima Virgem, entrarão em suas confrarias, mas logo depois já não praticarão as regras com fidelidade. Mudam como a Lua (Eclo 27, 12), e Maria esmaga-os sob os Seus pés como ao crescente (Ap 12, 1), porque são volúveis e indignos de serem contados entre os servos desta Virgem Fiel. Estes têm a fidelidade e a constância por herança. Mais vale não se sobrecarregar com tantas orações e práticas de devoção, e fazer pouco com amor e fidelidade, a despeito do mundo, do demônio e da carne.

6OS DEVOTOS HIPÓCRITAS

Há ainda outros falsos devotos da Santíssima Virgem, que são os devotos hipócritas. Cobrem os seus pecados e maus hábitos com a capa desta Virgem Fiel, a fim de passar pelo que não são aos olhos dos homens.

7OS DEVOTOS INTERESSEIROS

Os devotos interesseiros só recorrem à Santíssima Virgem para ganhar algum processo, para evitar algum perigo, para obter a cura de alguma doença, ou para qualquer outra necessidade deste gênero, sem o que a esqueceriam. Uns e outros são falsos devotos, e não têm aceitação diante de Deus nem de sua Santa Mãe. Guardemo-nos das falsas devoções.

Evitemos, portanto, pertencer ao número dos devotos críticos, que não acreditam em nada e criticam tudo; dos devotos escrupulosos, que temem ser demasiado devotos da Santíssima Virgem, por respeito para com Jesus Cristo; dos devotos exteriores, que fazem consistir toda a sua devoção em práticas externas; dos devotos presunçosos, que, ao abrigo da sua falsa devoção à Santíssima Virgem, apodrecem nos seus pecados; dos devotos inconstantes que, por leviandade, variam as suas práticas de devoção, ou as deixam completamente à menor tentação; dos devotos hipócritas, que entram em confrarias e usam as insígnias da Virgem a fim de se passar por bons, e finalmente, dos devotos interesseiros, que só recorrem à Santíssima Virgem para ser livres dos males do corpo, ou obter bens temporais.

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Do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luiz Maria Grignon de Montfort

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Cardeal Tempesta: monsenhor Jonas Abib, um homem de Deus e da Igreja

Monsenhor Jonas Abib e o cardeal Orani João Tempesta | VNews

Mons. Jonas, ao se colocar aberto ao plano de Deus tornou-se, junto com outros, um dos que ajudaram a missão evangelizadora no Brasil a partir da segunda metade do século XX e iniciou uma obra que leva adiante esse carisma.

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. - Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

Recebemos, no dia 12/12 último, celebração de Nossa Senhora de Guadalupe, a notícia do passamento do nosso querido Monsenhor Jonas Abib à Casa do Pai, depois de uma longa enfermidade que o levou a alternar seus últimos meses entre sua residência e o hospital. Nestes dias de comoção geral, em que, junto com a dor da separação aparece o agradecimento a Deus pela sua vida de doação e serviço à Igreja expresso algumas reflexões a serem ainda mais amadurecidas com o passar do tempo procurando entender os sinais dos tempos. A sua biografia já foi amplamente divulgada. As reflexões nos ajudam a viver este momento da história.

Durante meu tempo de estudante em São Paulo pude conhecer sua família que participava de nossa paróquia cisterciense na Região Norte da cidade. Pe. Jonas, nascido em Elias Fausto, pequena cidade do interior de São Paulo, em 21 de dezembro de 1936, entrou, já na adolescência, para a Sociedade de Dom Bosco, os conhecidos salesianos, e, em 8 de dezembro de 1964, foi ordenado sacerdote com o lema “Feito tudo para todos”. Este é o primeiro aspecto da nossa reflexão: o sacerdócio como entrega total a Deus, na Igreja, a serviço dos irmãos e irmãs. Aqui, é praticamente impossível não se lembrar de São Joao Paulo II na Carta aos Sacerdotes, da Quinta-Feira Santa de 1996. Nela, depois de lembrar, à luz da Lumen Gentium, sobre a interligação entre o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial, escreve: “O sacerdócio ministerial está ao serviço do sacerdócio comum dos fiéis. De fato, quando o sacerdote celebra a Eucaristia e administra os sacramentos, torna os fiéis conscientes da sua peculiar participação no sacerdócio de Cristo. Deste modo, fica claro que a vocação sacerdotal constitui, no âmbito mais vasto da vocação cristã, um chamamento específico. E isto está de acordo, de modo geral, com a nossa experiência pessoal de sacerdotes: recebemos o batismo e a confirmação; participamos na catequese, nas celebrações litúrgicas e sobretudo na Eucaristia. A nossa vocação ao sacerdócio desabrochou no contexto da vida cristã”.

E continua: “Todavia, cada vocação ao sacerdócio tem a sua história individual, relacionada com momentos bem precisos da vida de cada um. Quando chamava os Apóstolos, Cristo dizia a cada um: ‘Segue-Me!’ (Mt 4, 19; 9, 9; Mc 1, 17; 2, 14; Lc 5, 27; Jo 1, 43; 21, 19). Desde há dois mil anos que Ele continua a dirigir o mesmo convite a tantos homens, particularmente aos jovens. Às vezes, chama de modo surpreendente, embora nunca se trate de um chamamento totalmente inesperado. Mas, habitualmente, o convite de Cristo a segui-Lo é preparado num longo período de tempo. Presente já na consciência do adolescente, ainda que ofuscado depois pela indecisão ou pela solicitação a seguir outras estradas, quando o convite volta a fazer-se ouvir não constitui uma surpresa. Por isso, não é caso para maravilhar-se, se precisamente esta vocação foi a que prevaleceu sobre as outras, acabando o jovem por tomar o caminho que lhe foi indicado por Cristo: deixa a família e vai começar a preparação específica para o sacerdócio”.

Como não ver esta passagem refletida na vida totalmente doada, desde a infância até a plena maturidade, do “Padre Jonas”. Um sacerdote que pregou pelo exemplo, pela escrita e pela palavra: falando ou cantando. Um padre que viveu os sacramentos e os ministrou a tantas e tantas pessoas. E, dando um passo além na sua paternidade espiritual, fundou, com muito esforço e não poucas cruzes, a Comunidade Canção Nova, em 1978, sob a convocação e a inspiração do saudoso Dom Antônio Affonso de Miranda, SDN, na época Bispo de Lorena, SP. Em 2008, essa Comunidade, que já crescera muito, foi reconhecida pela Santa Sé como Associação Internacional Privada de Fiéis. Se pelo fruto se conhece a árvore (cf. Mt 7,16; Lc 6,44), a obra toda de monsenhor Jonas (título eclesiástico recebido em 9 de outubro de 2007 de Sua Santidade Bento XVI) testemunha fartamente quem ele é e sua importância peculiar à Igreja no Brasil.

Monsenhor Jonas foi um homem de extrema fidelidade ao bispo diocesano, ou seja, ao pastor que Deus colocou à frente da Igreja particular de Lorena, SP, onde atuou. Para ele, como bom filho de D. Bosco, isso sempre foi ponto inegociável. A sua fidelidade é que o fez ser reconhecido e amado pelo Povo de Deus que, mesmo em meio ao secularismo e à confusão religiosa, viu nele uma seta firme a apontar Cristo por meio de Maria Auxiliadora: Cristo tal qual a Mãe Igreja nos apresenta à luz da Escritura e da Tradição sadiamente interpretadas pelo Magistério da Igreja.

Recordamos aqui do Decreto Christus Dominus, do Concílio Ecumênico Vaticano II a tratar dos bispos, pois lendo-o, com vagar, é possível ver reverberar suas sábias palavras nos gestos de Monsenhor Jonas Abib em sua comunhão com o seu Pastor diocesano e, por conseguinte, o seu devotamento ao Santo Padre, o Papa, como sucessor de Pedro. Eis as passagens do referido Decreto que nos vêm à mente nesta hora especial para toda a Canção Nova e também para nós: “Nesta Igreja de Cristo, o Romano Pontífice, como sucessor de Pedro, a quem o mesmo Cristo mandou que apascentasse as suas ovelhas e os seus cordeiros, está revestido, por instituição divina, de poder supremo, pleno, imediato e universal, em ordem à cura das almas. Por isso, tendo sido enviado como pastor de todos os fiéis para promover o bem comum da Igreja universal e o de cada uma das igrejas particulares, ele tem a supremacia do poder ordinário sobre todas as igrejas”.

“Por outro lado, porém, também os Bispos, constituídos pelo Espírito Santo, sucedem aos Apóstolos como pastores das almas, e, juntamente com o Sumo Pontífice e sob a sua autoridade, foram enviados a perpetuar a obra de Cristo, pastor eterno. Na verdade, Cristo deu aos Apóstolos e aos seus sucessores o mandato e o poder de ensinar todas as gentes, de santificar os homens na verdade e de os apascentar. Por isso, foram os Bispos constituídos, pelo Espírito Santo que lhes foi dado, verdadeiros e autênticos mestres, pontífices e pastores” (n. 2). Mais: “Cada Bispo, a quem é confiada uma igreja particular, apascenta em nome do Senhor as suas ovelhas, sob a autoridade do Sumo Pontífice, como próprio, ordinário e imediato pastor, exercendo em favor das mesmas o múnus de ensinar, santificar e governar. Deve, porém, reconhecer os direitos que legitimamente competem quer aos Patriarcas quer a outras autoridades hierárquicas. Apliquem-se os Bispos ao seu múnus apostólico como testemunhas de Cristo diante de todos os homens, interessando-se não só por aqueles que já seguem o Príncipe dos pastores, mas consagrando-se com toda a alma àqueles que de algum modo se transviaram do caminho da verdade ou ignoram o Evangelho e a misericórdia salvadora de Cristo, até conseguirem que todos caminhem ‘em toda a bondade, justiça e verdade’ (Ef. 5, 9)” (n. 11). Monsenhor Jonas não só admirou e testemunhou tudo isso em sua vida como também ensinou outros a fazê-lo. Por isso, só temos a agradecer tão grande zelo eclesial em favor da unidade da Igreja, uma de suas notas distintivas.

O terceiro aspecto que desejo realçar – até mesmo como palavra de estímulo a tantos filhos e tantas filhas espirituais de Monsenhor Jonas – é o de que sigam o belo exemplo de seu Pai-Fundador que está no alicerce de toda vida consagrada, leiga ou religiosa. Os documentos da Igreja que nos recordam esse dever são muitos. Cito, a título de ilustração, aqui, algumas passagens suas.

Da Evangelia Testificatio, de São Paulo VI, publicada em 29 de junho de 1971, recordo o número 11, pois embora faça referência especial aos religiosos e religiosas serve, por analogia, para manifestar estima à obra dos fundadores: “Só assim podereis despertar de novo os corações para a Verdade e para o Amor divino, segundo o carisma dos vossos Fundadores, suscitados por Deus na sua Igreja. Desta forma, insiste o Concílio e justamente, na obrigação dos Religiosos e das Religiosas, de serem fiéis ao espírito dos seus Fundadores, às suas intenções evangélicas e ao exemplo da sua santidade, vendo nisso precisamente um dos princípios da renovação em curso e um dos critérios mais seguros daquilo que cada instituto deveria empreender. O carisma da vida religiosa, na realidade, longe de ser um impulso nascido da carne e do sangue ou ditado por uma mentalidade que se conforma com o mundo presente” é antes o fruto do Espírito Santo que age continuamente na Igreja”. Também São João Paulo II: “Anima-vos aquilo que é o sentido ínsito à vida consagrada: crescer no conhecimento e no amor, para serdes testemunhas e profetas de Cristo no mundo de hoje, em fidelidade dinâmica à vocação religiosa e ao carisma dos vossos fundadores” (Mensagem aos participantes da XIV Assembleia Geral da Conferência dos religiosos do Brasil, 11/7/1986).

Mais recentemente, o Papa Francisco recordou: “Como membros de associações de fiéis, de movimentos eclesiais internacionais e de outras comunidades, desempenhais uma verdadeira missão eclesial. Com dedicação, procurais viver e fazer frutificar aqueles carismas que o Espírito Santo, através dos fundadores, confiou a todos os membros das vossas realidades agregativas, em benefício da Igreja e dos numerosos homens e mulheres a quem vos dedicais no apostolado. Penso especialmente naqueles que, encontrando-se nas periferias existenciais das nossas sociedades, experimentam na própria carne o abandono e a solidão, e padecem muitas necessidades materiais e formas de pobreza moral e espiritual. Fará bem a todos nós recordar diariamente não só a pobreza do próximo, mas também, e sobretudo, a nossa” (Aos participantes no Encontro das Associações de Fiéis, dos Movimentos Eclesiais e das Novas Comunidades, 16/09/2021).

A seguir, o Papa Francisco toca no Decreto As associações internacionais de fiéis e, aqui, interessa o que diz respeito aos fundadores vivos e falecidos. Cito-o para recordar e convidar à unidade, à filialidade e à fraternidade em torno do carisma do fundador. Isso é o que desejamos ver na Canção Nova, mesmo sem a presença física de Monsenhor Jonas. Diz, com efeito, o Papa: “O documento do Dicastério refere-se aos fundadores. Parece-me muito sábio. O fundador não deve ser mudado, continua, vai em frente. Simplificando um pouco, diria que devemos distinguir, nos movimentos eclesiais (e também nas congregações religiosas), entre aqueles que estão em processo de formação e os que já adquiriram uma certa estabilidade orgânica e jurídica. São duas realidades diferentes. Os primeiros, os institutos, têm o fundador ou a fundadora vivos”.

“Embora todos os institutos – quer sejam religiosos ou movimentos laicais – tenham o dever de averiguar, nas assembleias ou nos capítulos, o estado do carisma fundacional e fazer as mudanças necessárias nas próprias legislações (que depois serão aprovadas pelo respetivo Dicastério); ao contrário, nos institutos em formação – e digo em formação no sentido mais lato: os institutos que têm um fundador ainda vivo, e é por isso que o Decreto fala do fundador vitalício – que estão em fase fundacional, esta averiguação do carisma é, por assim dizer, mais contínua. Portanto, no documento fala-se de uma certa estabilidade dos superiores durante esta fase. É importante fazer tal distinção a fim de poder mover-se com mais liberdade no discernimento”.

“Somos membros vivos da Igreja e por isso devemos confiar no Espírito Santo, que age na vida de cada associação, de cada membro, atua em cada um de nós. Daqui deriva a confiança no discernimento dos carismas, confiado à autoridade da Igreja. Estais conscientes da força apostólica e do dom profético que hoje vos são confiados de maneira renovada” (idem).

Eu mesmo, no dia 14 de dezembro, segundo dia do velório do Mons. Jonas fiz questão de me deslocar do Rio de Janeiro até Cachoeira Paulista quando tive a graça de presidir uma das missas de exéquias pelo seu eterno descanso. Fiz questão de comparecer ao velório e de presidir a Eucaristia para manifestar a minha unidade com a sua obra e publicamente manifestar minha gratidão ao bem que o Mons. Jonas fez em favor da evangelização no Brasil e em toda a América Latina. Mons. Jonas, ao se colocar aberto ao plano de Deus tornou-se, junto com outros, um dos que ajudaram a missão evangelizadora no Brasil a partir da segunda metade do século XX e iniciou uma obra que leva adiante esse carisma. A sua voz transformou em uma Canção Nova que nos leva a santidade de Cristo que deve ser a santidade de todos os fiéis e da Igreja! Que, de junto de Deus, Monsenhor Jonas interceda por todos nós que, mesmo certos da vida eterna, como Cristo, Deus feito homem por amor de nós, choramos a sua partida (cf. Jo 11,35). Amém!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Estou namorando. Como saber se está na hora de me casar?

Jacob Lund | Shutterstock
Por Prof. Felipe Aquino

Qual deve ser o tempo ideal de namoro?

AIgreja no Brasil fixa as idades mínimas para alguém receber o sacramento do matrimônio: 18 anos para o homem e 16 anos para a mulher. Antes disso, só com autorização expressa do bispo diocesano. Se a Igreja fixa essa idade mínima, então, ela está dizendo que não se deve casar antes, falta maturidade. A Igreja também não fixa a idade máxima para se casar.

Mas, qual deve ser o tempo ideal do namoro?

Isso é muito relativo e depende de muitos fatores que se referem à vida dos namorados. Penso que um namoro normalmente deve durar cerca de três a quatro anos antes do casamento, mas isso não é algo rígido; depende da situação pessoal de cada um, dos estudos, da situação financeira, da maturidade do casal, do seu bom entendimento, das dúvidas que possam ter, etc. O casal deve se casar logo que chegar à conclusão que encontraram-se mutuamente como a “pessoa adequada” para cada um, além de já terem meios financeiros para construírem um novo lar.

O momento certo do noivado é aquele em que os dois estão maduros e prontos para assumir o matrimônio e uma nova família. Ao celebrar o noivado, os noivos já devem marcar a data do casamento; penso que sem isso o noivado não deve acontecer. Cada um tem um tempo mesmo, mas reflitam sobre as inconveniências de se adiar cada vez mais o casamento. A melhor época para se ter os filhos, por exemplo, é quando a mulher é jovem; e é muito mais fácil criar os filhos quando os pais ainda são jovens, saudáveis, etc.

Mas então, quando sabemos se estamos prontos para o casamento? Como superar o medo da convivência a dois?

Um casal está pronto para o casamento quando ambos desejam se casar, querem mesmo, não têm dúvidas sobre a pessoa do outro; cada um conhece bem o outro, suas qualidades, seus defeitos, seus anseios, sua história, seus problemas, etc., e cada um aceita o outro como ele é, com seus defeitos e qualidades; enfim, quando a vida de cada um é um livro aberto para o outro, sem segredos; e assim, se deseja viver com o outro e para o outro; quando sente-se alegria de estar com ele ou ela, e se deseja ter filhos.

Além disso, é preciso que haja o sustento material e financeiro garantido, sem depender dos outros, dos pais principalmente. O povo diz que “quem casa quer casa”. Esse grau de liberdade é importante para a vida do casal. Podem até morar um pouco de tempo com os pais, talvez até porque o pai ou a mãe são doentes e já não podem viver sozinhos. Mas a convivência com os pais ou outras pessoas não deve dificultar o relacionamento do novo casal.

Sempre haverá um pouco de receio do futuro, mas o amor do casal deve superar esse medo, com fé em Deus. O Sacramento do matrimônio é um suplemento de graça para o casal enfrentar com a força de Cristo todas as dificuldades do casamento (doenças, problemas de relacionamento, dinheiro, etc.). São Paulo diz que “O justo vive pela fé” (Rom 1, 17), e pergunta: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rom 8,31).

Quanto tempo é necessário para se conhecer uma pessoa, para casar?

Esse tempo vai depender do perfil de cada um. É preciso que cada um conheça o outro muito bem antes de se casar, sua família, suas qualidades, seus defeitos. O mistério que é cada um deve ser revelado; a história de cada um deve ser bem contada ao outro e bem entendida e aceita.

O que faz um casamento ser válido é o SIM que um diz ao outro no altar, isto é o consentimento pleno, o desejo real de se casar com o outro sem estar enganado, pressionado, chantageado ou ameaçado. Ao celebrar o matrimônio o sacerdote faz três perguntas chaves, exatamente para checar se os noivos estão preparados para o casamento. A primeira é esta: “Fulano e fulana, viestes aqui para unir-vos em matrimônio. Por isso, eu vos pergunto perante a Igreja: É de livre e espontânea vontade que o fazeis?” E os noivos devem responder convictamente: Sim!

Depois o padre pergunta: “Abraçando o matrimônio, ides prometer amor e fidelidade um ao outro. É por toda a vida que o prometeis?” Noivos: Sim!

E por fim o sacerdote pergunta: “Estais dispostos a receber com amor os filhos que Deus vos confiar, educando-os na lei de Cristo e da Igreja?” Noivos: Sim!

Então, o casal só deve se casar quando sente segurança em poder cumprir bem tudo o que vai prometer no altar a Deus, diante do seu ministro e do sue povo. A palavra chave é “maturidade”. Nós já temos maturidade para assumirmos um lar, sermos esposos, pai e mãe?

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Nove recomendações da Igreja para viver o Natal

Presépio / Foto: Pixabay (Domínio público)

REDAÇÃO CENTRAL, 15 Dez. 22 / 05:00 am (ACI).- O Natal é a solenidade que recorda o nascimento de Jesus Cristo, Deus feito homem para salvar a humanidade, e para vivê-lo corretamente e aprofundar seu significado, a Igreja fez uma série de recomendações.

Estas recomendações estão no Capítulo IV do Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia, elaborado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos da Santa Sé e publicado em 2002.

As recomendações são as seguintes:

1. Aprofundar no dom dado por Deus

A Santa Sé exortou a aprofundar que o Natal é um “dom que é uma expressão do amor infinito de Deus que ‘tanto amou o mundo que nos deu o seu Filho único’”.

Por isso, nesta solenidade , deve-se valorizar a “solidariedade com o homem pecador, pelo qual, em Jesus, Deus se fez homem” e que “o Filho de Deus ‘sendo rico se fez pobre’ para nos enriquecer ‘por meio da sua pobreza’”.

2. Refletir sobre o valor da vida

A Santa Sé recordou que no Natal se destaca “o valor sagrado da vida” e “o maravilhoso evento que acontece no parto de cada mulher, porque Maria deu à luz” ao Salvador do mundo.

3. Celebrar com simplicidade

No Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia, o Vaticano recomendou viver esta celebração em um “clima de simplicidade, de pobreza, de humildade e de confiança em Deus, que envolve os acontecimentos do nascimento do Menino Jesus”.

Indicou que é importante aprofundar o sentido religioso do Natal para que “não se torne um terreno fértil para o consumismo nem para a infiltração do neopaganismo”.

4. Cantar canções de Natal

No texto, a Santa Sé sublinhou que os cantos de Natal são “instrumentos muito poderosos para transmitir a mensagem da alegria e da paz do Natal” e, por isso, recomendam cantá-los na véspera do Natal.

5. Ler em família a passagem do nascimento de Jesus

O documento do Vaticano indicou que a véspera do Natal é “uma ocasião de oração para toda a família” e recomendou ler “a passagem do nascimento de Jesus segundo São Lucas”.

Além disso, incentivou a cantar “as canções típicas do Natal e a rezar as orações e os louvores, especialmente das crianças, protagonistas deste encontro familiar”.

6. Rezar diante da árvore de Natal

A Santa Sé convidou as famílias a rezar em torno da árvore de Natal, porque “independentemente da sua origem histórica, atualmente é um símbolo fortemente evocativo, bastante comum nos ambientes cristãos; evoca tanto a árvore da vida, plantada no jardim do Éden, como a árvore da cruz, e assim adquire um significado cristológico”.

“Cristo é a verdadeira árvore da vida, nascida da nossa linhagem, da terra virgem Santa Maria, árvore sempre verde, fecunda de frutos”, precisou.

7. Dar presentes aos pobres

No documento, a Igreja Católica indicou que, “entre os presentes colocados na árvore de Natal, não deveriam faltar os presentes para os pobres: eles fazem parte de toda a família cristã”.

8. Compartilhar a ceia de Natal

Outro gesto sugerido pelo Vaticano é fazer uma ceia de Natal porque nela “se manifestam com toda a sua força a firmeza e a alegria dos laços familiares”.

“A família cristã que todos os dias, segundo a tradição, abençoa a mesa e agradece ao Senhor pelo dom dos alimentos, realizará este gesto com maior intensidade e atenção na ceia do Natal”, assegurou.

9. Participar da Missa

A Santa Sé convidou os fiéis a participar da Missa na véspera de Natal porque “tem um grande sentido litúrgico e um apreço popular”.

Destacou que, no início da Eucaristia, entoa-se “a canção do anúncio do nascimento do Senhor, com a fórmula do Martirológio Romano”, no momento da “apresentação dos dons para o ofertório sempre haverá uma lembrança concreta dos pobres” e  a “oração dos fiéis deverá assumir um caráter verdadeiramente universal, inclusive, onde for apropriado, com o uso de várias línguas como um sinal”.

“No final da celebração, poderá haver a adoração dos fiéis ao Menino Jesus e o momento de colocá-lo no presépio da igreja ou em algum lugar próximo”, manifestou o Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia.

Papa Francisco: a humildade é a via mestra da vida cristã

Papa Francisco: Audiência Geral | Vatican News

"Vigiar o coração, porque a vigilância é sinal de sabedoria, é acima de tudo sinal de humildade, porque temos medo de cair e a humildade constitui a via mestra da vida cristã". São palavras do Papa Francisco na catequese desta quarta-feira, 14 de dezembro, na Sala Paulo VI.

Jane Nogara - Vatican News

“Para que o discernimento tenha um bom êxito, é preciso uma atitude de vigilância”, partindo deste ponto o Papa Francisco falou na catequese desta quarta-feira (14/12) sobre a importância de sermos humildes e vigilantes. Disse ainda que depois de um percurso de catequeses sobre o discernimento, e aqui recordou que começou com o exemplo de Santo Inácio de Loyola; seguido pelos elementos do discernimento - isto é, a oração, o conhecimento de si, o desejo e o “livro da vida” – pela meditação sobre a desolação e a consolação, que formam a sua “matéria”;  chegou-se à confirmação da escolha feita.

A atitude da vigilância

“Nesta altura”, disse o Papa, “considero necessário incluir a atenção a uma atitude essencial, a fim de que não se perca todo o trabalho levado a cabo para discernir o melhor e tomar a boa decisão: a atitude da vigilância”. E explicou que o risco existe e que este risco é que o “desmancha-prazeres”, ou seja, o Maligno, possa arruinar tudo, fazendo-nos voltar ao ponto de partida, aliás, a uma condição ainda pior. Eis por que é indispensável estar vigilante. Acrescentou ainda que esta atitude é fundamental para que “o processo de discernimento tenha bom êxito”. "Vigiar para cuidar do nosso coração e compreender o que se passa dentro". E disse:

“Com efeito, na sua pregação, Jesus insiste muito que o bom discípulo é vigilante, não adormece, não se deixa tomar pela segurança excessiva quando tudo corre bem, mas permanece atento e pronto para cumprir o seu dever.”

Insistindo neste ponto o Papa disse ainda: “Se faltar a vigilância, como dissemos, será muito forte o risco de que tudo se perca. Não se trata de um perigo de ordem psicológica, mas sim espiritual, uma verdadeira cilada do espírito maligno”. E disse que esta cilada ocorre “quando nos sentimos demasiado seguros de nós próprios, quando tudo corre bem, quando as coisas vão ‘às mil maravilhas’”. E dá um exemplo recordando a parábola evangélica ouvida que diz que “o espírito impuro, quando regressa à casa de onde tinha saído, ‘encontra-a vazia, limpa e adornada’ (Mt 12, 44). Tudo está no lugar, tudo está em ordem, mas onde se encontra o dono da casa? Não está presente. Eis o problema!". Ao esclarecer que o dono da casa não está presente diz:

“Não está vigilante, não está atento, pois sente-se demasiado seguro de si mesmo e perdeu a humildade de salvaguardar o próprio coração.”

E isso faz com que o espírito maligno aproveite e regresse àquela casa. Advertindo “o Evangelho diz que não regressa sozinho, mas com ‘outros sete espíritos piores do que ele’ (v. 45). Uma companhia de malfeitores, um bando de bandidos".

Presunção e orgulho

Mas como isso pode acontecer? Francisco recorda que o dono da casa “apaixonou-se demasiado pela casa, ou seja, por ele mesmo, e deixou de esperar o Senhor, de aguardar a vinda do Esposo”. "Uma coisa é certa", completou, "tem a ver com o mau orgulho, com a presunção de estar certo, de ser bom, de estar bem".

“Quando confiamos demasiado em nós próprios e não na graça de Deus, então o Maligno encontra a porta aberta.”

Concluindo este ponto o Papa adverte com as palavras de Jesus: “A condição daquele homem torna-se pior do que a primeira”. Por fim o Papa recomenda a todos: “Não é suficiente fazer um bom discernimento e uma boa escolha. É preciso permanecer vigilante. Precisamos permanecer vigilante, vigiar o coração. Se eu perguntasse a cada um de vocês e a mim mesmo: 'o que está acontecendo no teu coração?' Talvez não possamos dizer tudo: diríamos uma ou duas coisas, mas não tudo. Vigiar o coração, porque a vigilância é sinal de sabedoria, é acima de tudo sinal de humildade, porque temos medo de cair e a humildade constitui a via mestra da vida cristã".

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

“Maranata, vem Senhor Jesus”

Santissimo Nome de Jesus, monograma  (Musei Vaticani)

A palavra advento evoca em sua raiz o verbo advir, que aponta para o futuro. O futuro em questão é, por um lado, um “futuro do passado”, pois leva a comunidade de fé a “reapresentar-se” ao acontecido em Belém há mais de dois mil anos atrás.

Geraldo De Mori – Religioso jesuíta

É hora de despertar […] A noite já vai adiantada, o dia vem chegando” (Rm 13,11.12).

A Igreja católica inicia a cada ano o ciclo litúrgico do Natal com as semanas do advento, que a preparam para o nascimento de Jesus. Em geral, as leituras propostas para as celebrações eucarísticas dessas quatro semanas são marcadas por um chamado a acolher “Aquele que vem em nome do Senhor”. Para isso, é necessária a conversão, não só do olhar, mas, sobretudo, do coração, e que se traduz em mudança de atitudes, do modo de se relacionar consigo, com os outros, com o mundo e com Deus. Diferente da quaresma, que também é um tempo de preparação, mas para celebrar o mistério pascal, com ênfase na necessidade de conversão e penitência, no período do advento os fiéis são chamados a experimentar a alegria do mistério do Deus que se faz carne da carne humana, um “menino que nasce” de Maria, um “filho dado” à humanidade, que será chamado “Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is 9,6).

Boa parte da simbólica natalina, que inclusive é fortemente explorada pelo comércio, é profundamente marcada pelo universo europeu, que nessa época do ano caminha para iniciar a estação de inverno, feita de dias curtos, com pouco sol e luz, neve, que cobre grande parte da vegetação e torna a vida difícil. Nos trópicos, no qual se situa o Brasil, é o inverso que acontece. Os dias são longos, cheios de muita luz, a vida alcança seu apogeu, com o verão que aquece tudo e torna possível o crescimento das plantas. Mesmo assim, a maior parte das decorações natalinas recorrem à simbólica que esteve na origem das festas que a cristandade foi criando para celebrar a vinda do menino Deus.

Para além dessa aparente contradição, nas Igrejas, a liturgia católica insiste no convite a preparar-se para o advento do Filho de Deus, nascido pobrezinho em Belém. O comércio faz de tudo para oferecer “objetos de consumo” com motivos natalinos, levando muita gente a pensar que Natal, mais que uma festa religiosa, é o tempo para dar e receber presentes, acolher familiares e amigos, viajar para encontrar-se com pessoas queridas, alegrar-se porque mais um ano termina, e o Natal é uma espécie de antessala do ano que termina uma semana depois, com a chegada do “Ano Novo”. A Igreja do Brasil, em seu esforço por incutir no coração dos fiéis o sentido autêntico do Natal, propõe uma série de itinerários para os preparar à chegada do “Menino Jesus”.

Seja no mundo “profano”, seja na vida dos fiéis com alguma prática religiosa, preparar-se para o Natal pode parecer uma repetição do que é sempre o mesmo. Se Jesus já veio há mais de dois mil anos, para quê celebrar sua vinda como se ele estivesse vindo de novo? Não estaria a Igreja colaborando para alimentar o consumismo de empresas ávidas por explorar, com seus produtos, os desejos de possíveis consumidores? Qual o sentido de a cada ano fazer o caminho do advento e celebrar o Natal de Senhor?

A palavra advento evoca em sua raiz o verbo advir, que aponta para o futuro. O futuro em questão é, por um lado, um “futuro do passado”, pois leva a comunidade de fé a “reapresentar-se” ao acontecido em Belém há mais de dois mil anos atrás. É importante fazer a memória desse acontecimento do passado, preparando-se para celebrá-lo no presente? Certamente que sim, pois, como diz Angelus Silesius no Peregrino Querubínico, Cristo poderia ter nascido mil vezes em Belém, mas se não nascesse em cada um que nele crê, de nada adiantaria. Mas, o futuro do advento de Jesus não se reduz ao ato de fazer memória, mesmo que ela aponte para a adoração e a acolhida de um mistério central da fé cristã, que é a encarnação do Verbo eterno do Pai. Por isso, ao “futuro do passado” é preciso acrescentar o “futuro do futuro”, presente igualmente no que a Igreja é chamada a celebrar, preparando-se durante o advento. Que futuro é esse e que significado pode ter para a fé cristã e para os que a professam?

Não por acaso, o penúltimo versículo das Sagradas Escrituras termina com a invocação: “Vem, senhor Jesus!” (Ap 22,20). Em algumas bíblias, essa invocação é antecedida pelo termo aramaico “Maranata”, que no texto canônico do Apocalipse encontra-se em grego, e que quer dizer a mesma coisa. É interessante constatar isso e comparar com o que muitos estudiosos do Novo Testamento dizem sobre as primeiras expressões para falar da ressurreição de Jesus. Segundo o teólogo belga Edward Schillebeeckx, o termo “Maranata” recolhe a primeira confissão da fé na ressurreição. O termo é a junção da palavra Maran, que em aramaico é “Senhor”, e “ta”, que é “Vem”. O nascimento da fé cristã, portanto, já que a ressurreição é seu fundamento e origem, se dá como invocação a que o Senhor venha, ou seja, à sua segunda vinda. Essa expectativa da “segunda volta” do Cristo é central nos textos mais antigos do Novo Testamento, como a Primeira carta aos Tessalonicenses e a Primeira carta aos Coríntios. Em ambas Paulo pensa a vida cristã como que um contínuo se voltar para o futuro, que aponta para a chegada nos “novos céus e da nova terra”, nos quais paz e justiça florirão.

Iniciar, portanto, um novo ano litúrgico na Igreja não é repetir o mesmo a cada ano, mas deixar-se surpreender pela promessa dada na expectativa do “Vem, Senhor!”. Essa expectativa não diz respeito somente a uma segunda vinda de Cristo no final dos tempos, mas em cada instante da existência dos que o seguem. Num dos textos propostos pela liturgia do Ano A para o primeiro domingo do advento, Paulo diz que “é hora de despertar”, pois a “noite vai adiantada” e o “dia vem chegando” (Rm 13,11.12). A “hora” desse “despertar” para muitos que se dizem cristãos/ãs no Brasil pode ser a que é proposta no advento desse ano de 2022, que vai concluindo um período difícil e complexo da história do povo brasileiro. Trata-se de despertar da cegueira à qual muitos foram conduzidos, por discursos ideológicos, cheios de ódio, que veem no outro, não o diferente, que pode enriquecer, mesmo através da divergência, mas o inimigo ao qual se deve eliminar. Certamente esse tipo de sentimento e de ação do qual tantos participaram ao longo dos últimos anos, não tem nenhuma promessa do advento da paz trazida pelo “Príncipe da Paz”, na noite de Natal. Mais que “Maranata” é fechamento a acolher a promessa do novo que teima em se alojar no coração de quem crê em Jesus.

O movimento da memória, que convida a revisitar o caminho de Nazaré a Belém, necessita, portanto, do movimento da esperança, que, cansada da “noite que vai adiantada”, caminha decididamente para o “dia que vem chegando”. Que o tempo do advento em 2022 ajude os que sinceramente acreditam no mistério do Natal a de novo se deixarem surpreender pela imensa bondade e humildade divina, que, mais uma vez, quer adentrar na vida de cada pessoa que crê na imensidão de seu amor, capaz de tudo perdoar, insistente em convidar os que se dizem seus seguidores a possuírem os “mesmos sentimentos” que são os dele, traduzindo-os em uma vida que “faz novas todas as coisas”, pois ela também foi renovada pelo advento do Filho de Deus ao mundo.

Geraldo De Mori é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF