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segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

O Papa: "assinei a minha renúncia em caso de impedimento médico"

Papa Francisco durante a entrevista ao jornal espanhol ABC |
Vatican News

Em entrevista ao diário espanhol ABC, Francisco revela que, no início de seu pontificado, entregou ao então secretário de Estado Bertone uma carta na qual declara de renunciar no caso de impedimentos graves e permanentes ligados à saúde que o impossibilitassem de exercer seu papel de bispo de Roma e pastor da Igreja universal. Paulo VI tinha feito o mesmo.

Salvatore Cernuzio - Vatican News

Quase dez anos atrás, no início de seu pontificado em 2013 (era então secretário de Estado o cardeal Tarcisio Bertone), o Papa Francisco entregou uma carta de renúncia "em caso de impedimento por razões médicas". A revelar esta decisão, que Paulo VI já havia tomado, é o próprio Papa Francisco na ampla entrevista concedida ao jornal espanhol ABC, que neste sábado divulgou uma breve antecipação. O Papa, em conversa com o editor Julián Quirós e o correspondente no Vaticano, Javier Martínez-Brocal, aborda numerosos tópicos sobre os acontecimentos atuais na Igreja e no mundo. Estes incluem a guerra na Ucrânia, da qual o Pontífice diz não ver "um fim a curto prazo porque é uma guerra mundial", depois os casos de abusos, o papel das mulheres na Cúria Romana, Lula e Catalunha, a renúncia de Bento XVI em 2013 e sua eventual renúncia.

A carta de renúncia 

Sobre este assunto, o Papa revela a existência desta carta. "Eu já assinei a minha renúncia. Foi quando Tarcisio Bertone era secretário de Estado. Assinei a renúncia e lhe disse: "em caso de impedimento médico ou o que quer que seja, aqui está a minha renúncia". O senhor a tem". Não sei a quem Bertone deu, mas eu dei a ele quando ele era secretário de Estado". "O senhor quer que isto seja conhecido?" perguntam os dois entrevistadores. "É por isso que estou lhes dizendo", responde Francisco, lembrando que Paulo VI também deixou sua demissão por escrito no caso de um impedimento e que provavelmente Pio XII também o tenha feito. "Esta é a primeira vez que digo isto", acrescenta o Pontífice. "Agora talvez alguém vai e pergunte a Bertone: 'Dê-me essa carta'.... (Risos). Certamente ele o terá dado ao novo secretário de Estado. Eu entreguei a ele enquanto secretário de Estado”.

Papa Francisco durante a entrevista ao jornal espanhol ABC |
Vatican News

A guerra na Ucrânia: uma enorme crueldade

Naturalmente, à entrevista não falta uma reflexão sobre o conflito em curso na Ucrânia, contra o qual o Papa já se pronunciou mais de cem vezes. Também na entrevista ao jornal ABC ele afirma sem meios termos: "o que está acontecendo na Ucrânia é aterrorizante. Há uma enorme crueldade. É muito sério...". Para Francisco não se vê "um fim a curto prazo". "Trata-se”, diz ele, "de uma guerra mundial. Não nos esqueçamos disso. Já há várias mãos envolvidas na guerra. É global. Penso que uma guerra é travada quando um império começa a se enfraquecer, e quando há armas para usar, vender e testar. Parece-me que há muitos interesses envolvidos". O Pontífice é lembrado que já falou mais de cem vezes contra a guerra: "Eu faço o que posso. Eles não ouvem", responde. E acrescenta: "O que está acontecendo na Ucrânia é aterrorizante". Há uma enorme crueldade. É muito sério. E isto é o que eu denuncio continuamente". O Papa confirma que recebe e escuta a todos: "agora Volodymir Zelensky me enviou um de seus conselheiros religiosos pela terceira vez. Eu estou em contato, eu recebo, eu ajudo...".

Jornal ABC com a entrevista feita ao Papa | Vatican News

A diplomacia do Vaticano: sua arma é o diálogo

O trabalho do Papa se move em sincronia com o trabalho diplomático da Santa Sé. A este respeito, os entrevistadores perguntam por que o Vaticano é tão cauteloso ao falar contra regimes totalitários como o de Ortega na Nicarágua ou o de Maduro na Venezuela. "A Santa Sé sempre procura salvar os povos. Sua arma é o diálogo e a diplomacia", responde o Papa Francisco. "A Santa Sé nunca sai por conta própria. É expulsa. Ela sempre procura salvar as relações diplomáticas e salvar o que pode ser salvo com paciência e diálogo".

Abusos: "Um único caso é monstruoso"

Nenhuma diplomacia, porém, por parte do Papa para estigmatizar casos de abusos do clero: "é muito doloroso, muito doloroso", diz ele em referência aos encontros com as vítimas que pontilharam seu pontificado. "Estas são pessoas que foram destruídas por aqueles que deveriam tê-las ajudado a amadurecer e crescer. Isto é muito difícil. Mesmo que fosse apenas um caso, é monstruoso que a pessoa que deveria levá-la a Deus a destrua ao longo do caminho. E nenhuma negociação é possível sobre isso”.

O papel das mulheres

O foco da entrevista com o jornal ABC muda para temas de natureza mais "eclesial", começando com um possível papel de ápice para uma mulher na Cúria Romana. "Haverá", assegura Francisco. "Tenho em mente uma para um Dicastério que ficará vago dentro de dois anos. Não há obstáculo para uma mulher liderar um Dicastério onde um leigo possa ser prefeito". "Se for um Dicastério de natureza sacramental, deve ser presidido por um sacerdote ou um bispo", esclarece o Papa.

Os futuros Conclaves

Ele então amortece as polêmicas de que os trabalhos dos futuros Conclaves poderiam ser dificultados pela falta de conhecimento entre os cardeais que ele criou, que vêm todos de lugares diferentes e distantes. É verdade, poderia haver problemas "do ponto de vista humano", mas "é o Espírito Santo que trabalha no Conclave", explica o Papa. E ele lembra a proposta de um cardeal alemão nos encontros de agosto sobre a Praedicate Evangelium "que na eleição do novo Papa só participem os cardeais que vivem em Roma". "É esta a universalidade da Igreja?", pergunta-se o bispo de Roma.

Papa Francisco com o Papa emérito Bento XVI | Vatican News

Bento XVI: um santo, um grande homem

Ele então volta ao assunto de sua relação com seu predecessor Bento XVI, "um santo" e "um homem de alta vida espiritual", como o Papa reinante o descreve, revelando que ele o visita com frequência e sempre se sente "edificado" por seu olhar transparente. "Ele tem um bom senso de humor, está lúcido, muito vivo, fala suavemente, mas segue a conversa. Admiro sua lucidez. Ele é um grande homem". O Papa Francisco, por outro lado, diz não ter intenção de definir o status jurídico do Papa emérito: “tenho a sensação de que o Espírito Santo não tem interesse em que eu me ocupe dessas coisas”.

A Igreja na Alemanha

Sobre a Igreja na Alemanha, lidando com o processo sinodal que tinha despertado e ainda desperta várias reações, inclusive negativas, Francisco recorda a carta "muito clara" que escreveu em junho de 2019: "Eu a escrevi sozinho. Levei um mês. Era uma carta como que para dizer: "Irmãos, reflitam sobre isto".

A questão da Catalunha

En passant Papa Bergoglio explica na entrevista que uma viagem a Marselha para o Encontro Mediterrâneo está nos planos, especificando que não é, no entanto, uma viagem à França e que a prioridade das suas viagens apostólicas é visitar os países menores da Europa. Perguntado sobre a questão da Catalunha, o Papa disse que "cada país deve encontrar seu próprio caminho histórico para resolver estes problemas". Não há uma solução única". Ele então cita o caso da Macedônia do Norte ou do Alto Adige, na Itália, com seu próprio status. Quanto ao papel que a Igreja deve manter neste assunto, enfatiza: "o que a Igreja não pode fazer é fazer propaganda para um ou outro lado, mas sim acompanhar o povo para que ele possa encontrar uma solução definitiva". Na mesma linha, o Papa reitera isso: "quando um sacerdote se intromete na política, não é bom.... O padre é um pastor. Ele deve ajudar as pessoas a fazerem boas escolhas. Acompanhá-las. Mas não ser um político. Se você quer fazer política, deixe o sacerdócio e se torne um político".

Reler a história com a hermenêutica do tempo

A uma pergunta sobre a releitura negativa do descobrimento da América, Francisco nos convida a interpretar um acontecimento histórico com a hermenêutica do tempo e não do momento atual. "É óbvio que pessoas foram mortas lá", diz ele, "é óbvio que houve exploração, mas os índios também se mataram uns aos outros". A atmosfera de guerra não foi exportada pelos espanhóis. E a conquista pertencia a todos. Faço a distinção entre colonização e conquista. Eu não gosto de dizer que a Espanha simplesmente "conquistou". É discutível, quanto quiserem, mas colonizou". 

O "caso Lula

Outro caso "paradigmático" que chamou a atenção do Papa é o do recém-eleito presidente do Brasil, Inácio Lula. Paradigmático porque o julgamento do líder político - condenado por corrupção passiva, durante 580 dias na prisão, impedido de concorrer nas eleições presidenciais de 2018, até 2021, quando a Suprema Corte anulou todas as sentenças - começou com "fake news". Estas, diz o Papa, "criaram uma atmosfera que favoreceram seu julgamento.... O problema das notícias falsas sobre líderes políticos e sociais é muito sério. Elas podem destruir uma pessoa". No caso específico de Lula, segundo o Papa Francisco, não foi "um julgamento à altura". "Cuidado", adverte, "com aqueles que criam a atmosfera para um julgamento, seja ele qual for. Eles fazem isso através da mídia de forma a influenciar aqueles que devem julgar e decidir. Um julgamento deve ser o mais limpo possível, com tribunais de primeira classe que não tenham outro interesse que manter limpa a justiça".

O Motu Próprio sobre o Opus Dei

Finalmente, uma menção ao Motu Próprio Ad Charisma tuendum do mês de julho passado sobre o Opus Dei. "Alguns", comenta o Papa Francisco, "disseram: 'Finalmente o Papa bateu no Opus Dei...! Eu não bati em ninguém. E outros, em vez disso, disseram: "Ah, o Papa está nos invadindo! Nada disso. A medida é uma recolocação que teve que ser resolvida. Não é correto exagerar, nem os fazer vítimas, nem os culpar por terem recebido uma punição. Por favor. Sou um grande amigo do Opus Dei, amo muito o povo do Opus Dei e eles trabalham bem na Igreja. O bem que eles fazem é muito grande".

domingo, 18 de dezembro de 2022

Felicidade, religiosidade e encontro com Cristo

kipgodi | Shutterstock
Por Francisco Borba Ribeiro Neto

Se é tão evidente que a sabedoria religiosa nos ensina a viver melhor e ser mais feliz, por que parece haver uma hostilidade tão grande ao cristianismo e aos valores cristãos?

De tempos em tempos nos deparamos com algum artigo sobre como “viver bem” relacionando virtudes religiosas com a felicidade e a alegria. Um deles, publicado no blog da Faculdade de Medicina de Harvard, foi comentado em vários sites brasileiros no último mês. Entre outras sugestões, como realizar atividades físicas, o texto recomendava práticas de meditação, trabalho voluntário e desapego ao dinheiro – que são aspectos da vida claramente associados à vivência religiosa. Também vamos encontrar frequentemente, em artigos desse estilo, a qualidade das relações interpessoais, enfatizando o amor reciproco e as relações de amizade e vida comunitária, reforçando novamente a importância de um modo “religioso” de viver.

Ora, se é tão evidente que a sabedoria religiosa nos ensina a viver melhor e ser mais feliz, por que parece haver uma hostilidade tão grande ao cristianismo e aos valores cristãos? Nós, seres humanos, somos contraditórios, criados para o bem, muitas vezes praticamos o mal. Aquilo que nos dá prazer num momento, nem sempre traz uma alegria duradoura. Por isso, o caminho da felicidade exige discernimento, algumas renúncias e certo empenho. Contudo, vivemos numa cultura comodista, que oferece um ideal (falso) de autonomia e prazer ilimitados. Queremos ter as benesses da vida religiosa, mas não queremos fazer os esforços necessários para alcançá-las.

A dedicação só é sincera quando nos descobrimos amados

A explicação acima, ainda que real, não responde adequadamente à questão – além de poder receber uma leitura moralista, como se os cristãos fossem melhores do que os outros, mais dispostos a sacrifícios e dotados de um discernimento obrigatoriamente maior do que o dos demais. Cada um de nós, pessoalmente, tem méritos e pecados, assim como os não cristãos. Podemos ser melhores do que uns e piores do que outros, podemos ser mais sábios ou menos sábios. A convicção religiosa, por si só, não garante mais virtudes.

Mesmo em nossa cultura atual, tão individualista, hedonista e comodista, se exalta a abnegação dos esportistas e os atos heroicos daqueles que se sacrificam pelos demais. Os jovens se esforçam e até sofrem treinando para os esportes que gostam. Nem tudo é apenas busca de prazer descompromissado ou de autonomia para se fazer qualquer coisa.

O ser humano está disposto a fazer sacrifícios, se reconhece que eles valem o sofrimento. Ao longo dos séculos, contudo, a experiência cristã muitas vezes se tornou uma afirmação de valores convencionais, que devem ser seguidos porque parecem ser os melhores para a vida social, não por que as pessoas se tornam mais felizes ao aderir a eles.

Os críticos muitas vezes fazem questão de só apresentar esse lado infeliz do cristianismo – em alguns casos por má fé, em outros por que de fato é o único que tiveram a chance de conhecer. Nenhum jovem se esforçará treinando para um esporte que não lhe trará prazeres e alegrias. De modo similar, as pessoas não irão crer nos valores propostos como norma moral e não como caminho de felicidade e realização pessoal.

Não à toa, Papa Francisco dedicou sua primeira exortação apostólica “à alegria do Evangelho” (EvangeliiGaudium, EG). Nesse texto, observa que “há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa” (EG 6), e deseja, citando a Evangeliinuntiandide São Paulo VI,“que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e desesperançados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram eles que receberam primeiro em si a alegria de Cristo” (EG 10).

O encontro com Cristo e a alegria de se descobrir amado

O cristianismo não é uma filosofia de vida ou um código de moral – ainda que comporte essas dimensões em sua natureza. O cristianismo é a amizade com Cristo, o encontro com essa Pessoa que muda toda a nossa vida. A alegria do Evangelho não nasce do seguimento a um conjunto de normas para o bem viver, mas sim do descobrir-se amado de um modo e com um ardor até imerecidos.

Dar um presente para alguém que amamos, até fazer um sacrifício por essa pessoa, nos enche de alegria. mas se, por alguma convenção social, somos obrigados a presentear ou nos sacrificarmos por uma pessoa à qual não amamos, sentimo-nos enraivecidos e frustrados. Muitos seguiram – e ainda seguem – os mandamentos cristãos sem terem de fato feito esse encontro, sem terem percebido esse amor que recebem do próprio Deus.

Idealmente, o cristão não medita, faz voluntariado, vive em comunidade ou tem qualquer outra prática espiritual por obrigação religiosa. Ele faz essas coisas para ficar perto Daquele que o ama, para acompanhar a Cristo e aprender a viver a alegria que vem desta companhia. Essa é, ou deveria ser, a grande diferença entre o caminho cristão e as propostas de autoajuda, o moralismo estoico e os modismos espiritualistas e gnósticos.

Voltando à pergunta inicial, se é tão evidente que a sabedoria religiosa nos ensina a viver melhor e ser mais feliz, por que parece haver uma hostilidade tão grande ao cristianismo e aos valores cristãos? Em última análise, porque ainda hoje as pessoas não conhecem esse Cristo que as ama, que é um companheiro de caminhada, que faz a estrada alegre e as cruzes mais leves… Pensam que O conhecem, mas na verdade estão referindo-se a um produto da imaginação humana, talvez a um líder espiritual (que realmente existiu, mas era muito mais do que isso).

Que esse Natal que se aproxima renove em nós o alegre encontro com Cristo, que faz nossa vida mais feliz.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

A cidade de Deus. Ou seja, o lugar da graça

Batismo de Santo Agostinho, afresco (1338),
igreja dos Eremitas, Pádua

Arquivo de 30Dias

A cidade de Deus. Ou seja, o lugar da graça

O dualismo entre as duas cidades não se identifica com o conflito entre Igreja e Estado. Pelo contrário, Agostinho afirma a necessidade da ordem civil, que tem a simples finalidade de assegurar uma convivência pacífica entre interesses opostos.

de Massimo Borghesi

É interessante notar como a atualidade presente de Agostinho coincide com a inatualidade da versão medieval de seu pensamento, com o ocaso definitivo do agostinismo político que deu legitimidade teórica à supremacia do poder papal sobre o imperial na controvérsia que vai do pontificado de Gregório VII ao de Bonifácio VIII. Sucessivos estudos das últimas décadas sobre a obra do bispo de Hipona, desde os de Reinhold Niebuhr até os de Étienne Gilson, Sergio Cotta e Joseph Ratzinger, para citar apenas alguns1, fazem uma reavaliação da posição agostiniana, em particular da que é expressa no De civitate Dei, unindo-a à crítica do agostinismo político medieval. Os resultados a que esses estudos chegam poderiam ser sintetizados assim: para Agostinho, o dualismo entre as duas civitates, a cidade de Deus e a cidade terrena, não se identifica com o conflito entre Igreja e Estado. “A cidade de Deus, resplandecente em seus muros adamantinos, é a meta sobrenatural de quem crê; com Santo Agostinho, torna-se atual já nesta vida. Dela são cidadãos todos os justos. O conflito deixa de ser cristãos contra romanos, Igreja contra Império, provinciais contra governo: este se transfere para o interior das consciências”2. O modelo agostiniano se diversifica, em segundo lugar, tanto da escatologia potencialmente revolucionária de Orígenes, que tende a deslegitimar a ordem e as leis do Estado, uma vez que não são conformes aos ditames evangélicos, quanto da teocracia política de Eusébio de Cesareia, que, identificando o universalismo cristão com o romano, estabelece os fundamentos ideológicos sobre os quais Bizâncio fundará seu império “cristão”3. Essa dupla distinção, de Orígenes e de Eusébio, permite, em terceiro lugar, pensar no modelo expresso no De civitate Dei como absolutamente não teocrático, e isso apesar de Agostinho dar a entender, na controvérsia donatista, em particular em sua Epístola 93, dirigida ao bispo Vicente, um possível emprego nessa direção. É esse “emprego” que explica a questão do “agostinismo político”, pela qual, como bem explica Gilson, “afirmou-se em seus sucessores uma tendência dupla e complementar. De um lado, esquecendo a grande visão apocalíptica da Jerusalém celeste, eles reduziram a cidade de Deus à Igreja, que na perspectiva agostiniana autêntica não era senão sua parte ‘peregrina’, que age no tempo para arrebanhar cidadãos para a eternidade. De outro lado, foi-se afirmando cada vez mais a tendência a confundir a cidade terrena de Agostinho – cidade mística da perdição – com a cidade temporal e política. A partir desse momento, o problema das duas cidades passou a ser o problema dos dois poderes, o espiritual, dos papas, e o temporal, dos Estados e dos príncipes”4.
Na saída para essa redução e no delineamento dos três pontos acima indicados está, como dissemos, a atualidade presente da posição agostiniana. Esta torna novamente compreensível, em todo o seu valor, o significado da civitas Dei como lugar da graça. Essa percepção se esclarece no ocaso da identificação entre natureza e graça, que Romano Guardini, em O fim da época moderna, define como a “deslealdade moderna”, a apropriação indevida de conteúdos e valores que só a presença e a ação do sobrenatural podem manter vivos e autênticos. Esclarece-se, ainda, no desaparecimento da identificação entre cidade ideal e cidade política, que marca tanto o sonho teocrático medieval quanto, num plano diferente, a utopia moderna, cujo modelo se origina, ao final da Idade Média, graças à secularização da noção de “era do Espírito”, tal como esta é afirmada na teologia da história de Joaquim de Fiore5.
Assim, a compreensão da peculiaridade agostiniana leva a reflexão sobre o cristianismo à situação que precede a Idade Média, à condição da Igreja em seus primórdios. Agostinho, como escreve Ratzinger, “praticamente tomou por base a situação da Igreja das catacumbas quando projetou sua determinação na relação entre Igreja e Estado. A Igreja ainda não parece, em nada, um elemento ativo dessa relação; a ideia de uma cristianização do Estado e do mundo decididamente não pertence aos pontos programáticos de Santo Agostinho”6. Isso não significa indiferença perante o mundo, de modo geral, e a res publica, em particular; significa, sim, que “sua doutrina das duas civitates não tem por objetivo nem eclesializar o Estado nem estatizar a Igreja, mas, em meio à ordem deste mundo, que continua e deve continuar a ser uma ordem mundana, aspira a tornar presente a nova força da fé na unidade dos homens no corpo de Cristo, como elemento de transformação, cuja forma completa será criada pelo próprio Deus, assim que esta história tiver chegado ao fim”7. Logo, Agostinho não se preocupa em elaborar uma constituição cristã do mundo, a ideia de uma “cristandade”. “Não podemos, aqui, nos deixar levar por nenhuma espécie de ilusão: todos os Estados desta terra são ‘Estados terrenos’, mesmo quando guiados por imperadores cristãos [...]. São Estados nesta terra e, portanto, ‘terrenos’, e nem podem se transformar em algo diferente. Enquanto tais, são formas de uma ordem necessária a esta época do mundo, e é justo que nos preocupemos com seu bem”8.

Vestígios arqueológicos do batistério de São João das Fontes, na forma
como se encontravam após as pesquisas de 1996; é possível notar a
forma octogonal da pia, repetida pelo perímetro externo do edifício

Fica evidente o quanto uma perspectiva como essa se impõe à atenção no mesmo momento em que o ideal que marcou o catolicismo pós-bélico, o de uma “nova cristandade”, ulterior e diferente da medieval, mostra por toda parte sinais inequívocos de consumação e deterioração. Não se trata apenas da passagem de uma versão excessivamente otimista do elemento político – da democracia enquanto naturaliter cristã – para uma versão mais pessimista; de uma perspectiva confiantemente jusnaturalista para uma marcada pela Realpolitik; de Tomás para Agostinho, visto como precursor de Maquiavel e Hobbes9. Se a atualidade de Agostinho dependesse simplesmente disso, redescobri-lo viria a coincidir com pôr em xeque a presença dos católicos na política, com o abandono de um testemunho ideal dos católicos no âmbito da esfera pública. Depois do “agostinismo político” medieval, teríamos aqui o agostinismo espiritualista como símbolo da derrocada do catolicismo político das últimas décadas. Na realidade, o retorno de Agostinho só pode ter significado efetivo e não meramente ideológico se permite uma crítica à supra determinação do momento político, a coragem de admitir a imperfeição sem elevá-la a ideal e, ao mesmo tempo, a consciência da alteridade da civitas Dei em relação a toda e qualquer res pública. Essa divergência é impulsionada por Agostinho até o ponto de O “retorno de Agostinho” coincide, assim, com a consciência de que nosso tempo, como aquele em que se reatualiza de muitos pontos de vista a condição do cristianismo das origens, é mais do que nunca o tempo da “graça”, o tempo dos “encontros”, em que mediante testemunhos vivos e profundos se torna possível o milagre da mudança, como descreve Gustave Bardy em seu esplêndido livro A conversão ao cristianismo nos primeiros séculos. É o tempo, portanto, de uma comunidade cristã que sabe que é “sem pátria”, “comunidade de estrangeiros, que aceita e usa as realidades terrenas, mas não se sente à vontade com elas”10; de uma civitas, enfim, que, tendo deixado de lado a imagem clerical de uma fortaleza assediada, deteriorada pelo conflito com o poder, consegue perceber a condição dos primórdios: “Um cristianismo que ainda pensa voltado para os espaços ilimitados dos povos e que tem ainda a esperança da salvação do mundo”11.

Notas
1 Niebuhr, R., Christian Realism and Political Problems, Nova York, 1953 (sobre Niebuhr enquanto estudioso de Agostinho, cf. Dessì, G., Niebuhr. Antropologia cristiana e democrazia, Roma, 1993); Borghesi, M., “Cristianesimo e democrazia in Reinhold Niebuhr”, in: Il Nuovo Aeropago, 1 (1994), pp. 31-42; Gilson, É., Les métamorphoses de la cité de Dieu, Paris, 1952 (ed. it. citada pelo autor: La città di Dio e i suoi problemi, Milão, 1959, pp. 40-81); Cotta, S., La città politica di sant’Agostino, Milão, 1960; Ratzinger, J., Volk und Haus Gottes in Augustinus Lehre von der Kirche, Ismaning, 1971 (ed. it. citada pelo autor: Popolo e casa di Dio in sant’Agostino, Milão, 1978); id., Die Einheit der Nationen. Eine Vision der Kirchenväter, Munique, 1971 (ed. it. citada pelo autor: L’unità delle nazioni. Una visione dei Padri della Chiesa, Brescia, 1973).
2 Storoni Mazzolani, L., Sant’Agostino e i pagani, Palermo, 1987, pp. 93-94.
3 No que diz respeito a essa distinção e, em particular, à diferença entre Orígenes e Agostinho, cf. Ratzinger, J., Die Einheit der Nationen, cit.
4 Gilson, É., La città di Dio e i suoi problemi, cit., p. 81.
5 Cf. Crocco, A., “Il superamento del dualismo agostiniano nella concezione della storia di Gioacchino da Fiore”, in: VV. AA., L’età dello Spirito e la fine dei tempi in Gioacchino da Fiore e nel gioachimismo medievale, San Giovanni in Fiore, 1986, pp. 143-161. Sobre a diferença entre o modelo agostiniano, que pressupõe as duas civitates, e o joaquimita, que leva à unificação de Igreja e sociedade numa única cidade, cf. Borghesi, M., “L’‘età dello Spirito’ e la metamorfosi della città di Dio”, in: Il Nuovo Aeropago, 13 (1994), pp. 5-27 (toda a edição, com contribuições de J.-R. Armogathe, G. B. Contri, C. Dalmasso, O. Grassi e M. Vallicelli, é dedicada ao confronto entre Joaquim de Fiore e Agostinho). Sobre a secularização da terceira era joaquimita, cf. De Lubac, H., La posterité spirituelle de Joachim de Flore, 2 vv., Paris, 1979-1981. Sobre a transformação da cidade de Deus agostiniana durante a época moderna, ver: Gilson, É., Les métamorphoses de la cité de Dieu, cit.
6 Ratzinger, J., Popolo e casa di Dio in sant’Agostino, cit., p. 313.
7 Ratzinger, J., L’unità delle nazioni, cit., p. 105.
8 Id., ibid., p. 96.
9 Nessa linha se situa a reavaliação de Agostinho realizada por Esposito, R., Nove pensieri sulla politica, Bologna, 1993.
10 Ratzinger, J., L’unità delle nazioni, cit., p. 107.
11 Von Balthasar, H. U. Il filo di Arianna attraverso la mia opera, Milão, 1980, p. 6.

Fonte: http://www.30giorni.it/

8 lindas animações sobre o Natal para assistir com as crianças

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AT01; CHRISTMAS; FAMILY; TV

Histórias sobre o nascimento do Menino Jesus, lendas sobre o Papai Noel e até clássicos em stop motion estão entre as opções de desenhos animados que irão garantir momentos de diversão em família. Veja aqui:

Durante as férias de dezembro, um grande desafio para mamães e papais é manter as crianças distraídas com brincadeiras e jogos. E entre uma atividade e outra, a TV acaba sendo também um recurso para garantir a diversão da meninada.

E, em época de Natal, as opções de entretenimento aumentam com a programação de produções inspiradas nas festividades de final de ano. Seja na TV aberta ou nos serviços de streaming de vídeo, há inúmeros programas e filmes inspirados na figura do Papai Noel e também no nascimento de Jesus Cristo.

Pensando em quem está em dúvida sobre o que assistir, elaboramos uma breve lista com filmes de curta e longa metragem produzidos em diferentes épocas. Há desde clássicos realizados em stop motion como produções exibidas em salas de cinema recentemente. Clique em “Abrir a Galeria de Fotos” e confira!

https://pt.aleteia.org/slideshow/8-animacoes-sobre-o-natal-para-assistir-com-as-criancas/

Fonte: https://pt.aleteia.org/

As duas vindas de Cristo

Cléofas

As duas vindas de Cristo

 POR PROF. FELIPE AQUINO

SÃO CIRILO DE JERUSALÉM – SÉC. IV (Cat. 15, 1-3; Patrologia Grega 33, 870-874)

Neste tempo de Advento, vale a pena meditar esta reflexão de S. Cirilo de Jerusalém, do que no século IV pregava as suas Catequeses na Basílica do Santo Sepulcro, que ainda hoje visitamos.

“Anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a primeira, mas também a segunda, muito mais gloriosa. Pois a primeira revestiu um aspecto de sofrimento, mas a Segunda manifestará a coroa da realeza divina.

Aliás tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento: primeiro, ele nasceu de Deus, antes dos séculos; depois nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma discreta como a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro.

Na primeira vinda, ele foi envolto em faixas e reclinado num presépio; na segunda, será revestido num manto de luz. Na primeira, ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos.

Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda, mas esperamos ainda, ansiosamente, a segunda. E assim como dissemos na primeira: Bendito o que vem em nome do Senhor (Mt 19,9), aclamaremos de novo, no momento de sua segunda vinda, quando formos com os anjos ao seu encontro para adorá-lo; Bendito o que vem em nome do Senhor.

Virá o Salvador, não para ser novamente julgado, mas para chamar o juízo aqueles que se constituíram seus juízes. Ele, que ao ser julgado, guardara silêncio, lembrará as atrocidades dos malfeitores que o levaram ao suplício da cruz, e lhes dirá: Eis o que fizestes e calei-me (Sl 49,21).

Naquele tempo ele veio para realizar um desígnio de amor, ensinando aos homens com persuasão a doçura; mas no fim dos tempos, queiram ou não, todos se verão obrigados a submeter-se à sua realeza.

O profeta Malaquias fala dessas duas vindas: Logo chegará ao seu templo o Senhor que tentais encontrar (M1 3,1). Eis uma vinda.

E prossegue, a respeito da outra: E o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar (M1 3,1-3).

Paulo também se refere a essas duas vindas quando escreve a Tito: A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens. Ela nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade, aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo (Tt 2,11-13). Vês como ele fala da primeira vinda, pela qual dá graças, e da segunda que esperamos?

Por isso, o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer naquele que subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Nosso Senhor Jesus Cristo virá, portanto, dos céus, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-se-á a consumação do mundo, e este mundo que foi criado será inteiramente renovado”.

O grande revés da ONU contra a ideologia de gênero

Assembleia Geral Da ONU. Foto: Wikipédia

Cada vez mais países percebem que os Estados Unidos, a União Européia e os países escandinavos usam a política internacional e os direitos humanos para contornar os debates legislativos democráticos.

15 DE DEZEMBRO DE 2022 ZENIT

Por: Stefano Gennarini

(Notícias ZENIT - Centro para a Família e os Direitos Humanos / Nova York, 15.12.2022).- Delegados de países ocidentais poderosos pensaram que poderiam impor questões relativas a homossexuais e transexuais na Assembleia Geral deste outono. O que eles descobriram foi uma crescente resistência do mundo em desenvolvimento.

Durante a Assembleia Geral prestes a ser concluída, os delegados ocidentais se depararam com um muro de resistência a qualquer outra menção a políticas sociais controversas, expressas ou implícitas. Os países tradicionais bloquearam referências à orientação sexual e identidade de gênero, diversidade e educação sexual abrangente. Além disso, esses governos fizeram dezenas de declarações contra a agenda sexual da esquerda. No total, mais de 60 países se opuseram ao que consideram linguagem perigosa e até radical.

Isso contrasta fortemente com o ano passado, quando os países ocidentais celebraram a inclusão de "orientação sexual e identidade de gênero" em uma resolução sobre democracia, a segunda a incluir essa frase controversa. A rejeição renovada não é acidental.

Cada vez mais países percebem que os Estados Unidos, a União Européia e os países doadores escandinavos usam a política internacional e os direitos humanos como pretexto para contornar e minar os debates legislativos democráticos. A esquerda sexual quer impor a ideologia de gênero e o direito internacional ao aborto no mundo sem um debate democrático sobre isso.

Os países ocidentais inundaram as resoluções com termos ambíguos como "saúde sexual e reprodutiva" e "formas inter-relacionadas de discriminação" para promover questões controversas. A princípio, isso afeta apenas as políticas e programas da ONU por meio de suas agências, mas com o tempo é projetado para se tornar obrigações de pleno direito sob a teoria do direito internacional consuetudinário.

A teoria legal apresentada pelos defensores do aborto e dos gays/trans é que a adoção contínua desses termos ambíguos nas resoluções da ONU, combinada com as práticas de organizações internacionais, pode, ao longo do tempo, ser interpretada como consentimento para o desenvolvimento de padrões internacionais obrigatórios. Uma nova norma internacional consuetudinária pode surgir quando os países agem universalmente de acordo com a mesma prática com base na crença de que ela é exigida por lei, mas não pode ser aplicada contra um país que se opõe persistentemente ao seu desenvolvimento. Muitos países agora se opõem.

Embora delegados de países tradicionais rotineiramente bloqueiem referências explícitas a orientação sexual, aborto e outras questões controversas, eles nem sempre bloqueiam termos ambíguos completamente devido à pressão dos países ocidentais em suas capitais. Então, eles apenas expressam reservas que esclarecem como eles entendem termos ambíguos em reuniões oficiais. Essas declarações não podem impedir o desenvolvimento de políticas controversas, mas ajudam a impedir o desenvolvimento de um novo direito internacional consuetudinário.

Que as resoluções da ONU e sua implementação pelos órgãos da ONU podem ser consideradas evidências de novas normas internacionais consuetudinárias é bem atestado, mesmo que não seja universalmente aceito pelos estudiosos. A Comissão de Direito Internacional afirmou isso.

O governo dos EUA freqüentemente repete reservas gerais afirmando que a adoção de resoluções específicas com as quais discorda não tem efeito sobre o direito internacional consuetudinário. Como o governo dos EUA é o único que faz essa reserva, e muitas vezes só a faz quando se opõe ao conteúdo de resoluções específicas, isso apenas reforça a credibilidade das resoluções da ONU como elementos constitutivos do direito internacional consuetudinário. É verdade que as resoluções das Nações Unidas não são obrigatórias para os Estados e não podem alterar o direito internacional consuetudinário por si mesmas, mas podem contribuir para a formação do direito internacional consuetudinário pela forma como são aplicadas pelos organismos internacionais.

São Graciano

S. Graciano | arquisp
18 de dezembro

São Graciano

Graciano foi um dos sete missionários cristãos enviados por Roma, para evangelizar na região da Gália, futura França. Conforme os registros da diocese de Tours, consta que Graciano foi o primeiro bispo dessa diocese.

Tudo começou no ano 249, quando Graciano chegou a Tours, local que o papa Fabiano, agora santo, lhe designara para exercer o cargo de bispo. A cidade não possuía igreja, os pobres eram maltratados e os enfermos, marginalizados; era dominada, completamente, pelo paganismo. Desde o início, como representante do catolicismo, passou a ser perseguido pelos infiéis, que não queriam deixar a adoração dos falsos deuses.

Em certos períodos, a perseguição era tanta e tão feroz que Graciano precisava esconder-se em lugares solitários. Lá, reunia os cristãos e os interessados em converter-se para poder celebrar os sacramentos, a missa e pregar a palavra de Cristo.

Mas o bispo perseverou e o grupo de cristãos foi crescendo. Os pobres da cidade, pela primeira vez, começaram a receber atenção e ajuda comunitária. Ele fundou, até, um hospital para os doentes abandonados, que antes não existia para eles. Esse árduo e fecundo apostolado durou cinqüenta anos.

Segundo a tradição, o próprio Jesus teria aparecido ali para avisar o bispo Graciano que a sua morte se aproximava. De fato, logo depois ele morreu, numa data imprecisa, mas no ano 301. Seu corpo foi sepultado no cemitério cristão que ele mesmo implantara nos arredores da cidade.

Mais tarde, suas relíquias foram transferidas para a antiga Catedral de Tours, que era dedicada a são Martinho e, atualmente, é dedicada a são Graciano. Por isso ela é chamada, pela população francesa, de "La Gatienne". A festa do primeiro bispo de Tours foi fixada pela Igreja no dia 18 de dezembro.

*Fonte: Pia Sociedade Filhas de São Paulo Paulinas http://www.paulinas.org.br

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Reflexão para 4º Domingo do Advento - Ano A

Nossa Senhora e São José  (Digital Image 2021 © Rmn Grand
Palais/Dist. Photo Scala, Florence)

Que nós, neste Natal, saibamos ser como José, deixando tudo nas mãos do Senhor, confiando em Sua divina ação. “Deixa aos cuidados do Senhor o teu destino; confia nele, e com certeza ele agirá”, diz o salmo 36.

Padre Cesar Augusto – Vatican News

A primeira leitura da liturgia deste 4º domingo do Advento, apresenta a aliança entre dois reis, com a finalidade de depor um terceiro, Acaz,  rei de Jerusalém.  Com isso a dinastia davídica se esfacelaria e outro rei, de outra família, ocuparia o trono de Jerusalém.

Mas Deus é fiel e manterá sua promessa de que um descendente de Davi seria o rei de Judá. Contudo o rei Acaz não dá muita importância à palavra de Deus, não confia em suas palavras, mas confia em sua aliança com um 4º rei.

O profeta Isaías fica preocupadíssimo com o modo de agir do rei Acaz e percebe que tudo será um desastre para Israel.

O povo confia em Deus, mas fica estarrecido com menosprezo que Acaz dá à situação e sua atitude em relação aos ídolos pagãos a ponto de oferecer seu filho aos mesmos.

Por isso ele, de modo falso, diz que não irá incomodar Deus, quando lhe é dito de pedir um sinal a Deus.

Nesse momento é dado, pelo profeta Isaías, um sinal: a virgem dará á luz um filho que se chamará Emanuel.

Acaz se torna empedernido, perde a guerra, os assírios se tornaram colonizadores de Israel, mas Deus se manteve fiel. Ezequias, o filho da virgem, descendente de Davi, nasceu e se tornou rei, um bom rei. Ele foi visto como a presença de Deus, de Deus que não abandona, de Deus que está com seu povo, do de Deus que se chama Emanuel – Deus conosco!

Essa leitura questiona nosso modo de pensar e de agir quando não confiamos em Deus e não damos a Ele a primazia em nossas decisões, quando confiamos mais no mundo, em nossos feitos e amizades, em nossas “orações” e “novenas”, em nossas superstições e não na palavra dele de que nos ama, de que se entregou por nós, na presença de Nossa Senhora ao nosso lado. Não somos nossa providência, ninguém é nossa providência, só o Senhor é a Providência.

Deus conosco é o tema também do Evangelho de Mateus, proclamado nesta liturgia, que nos fala da gravidez de Maria, após a realização do contrato nupcial entre ela e José, mas ainda sem coabitarem.

O sinal que Isaías falava para o rei Acaz pedir a Deus, é concretizado no nascimento de Jesus, o Deus Conosco, o Emanuel.

Maria é a virgem, que confiou absolutamente em Deus e se entregou totalmente à missão que Ele lhe confiava. Também Jose, o justo, porque entre situações muito embaraçosas, optou por não cometer injustiças, mas deixar tudo nas mãos de Deus e confiar na divina Providência.

Que nós, neste Natal, saibamos ser como José, deixando tudo nas mãos do Senhor, confiando em Sua divina ação. “Deixa aos cuidados do Senhor o teu destino; confia nele, e com certeza ele agirá”, diz o salmo 36.

Também sejamos como Maria, não pedindo explicações, mas sabendo que o Senhor é poder e Amor.

Entreguemo-nos, confiadamente, ao Senhor que vem a nós em forma de uma criança, para habitar conosco, a cada dia de nossa vida, presente em cada segundo de nosso existir, afinal Ele é o Amor, o Emanuel, o Deus conosco!

sábado, 17 de dezembro de 2022

Adão e Eva existiram verdadeiramente?

Adão e Eva | pt.churchpop

Adão e Eva existiram verdadeiramente?

O  livro do Gênesis, em seus três primeiros capítulos, usa de lin­guagem figurada para enunciar verdades perenes. Visto que já temos comentado tal matéria repetidarnente1, limitar-nos-emos abaixo a res­ponder estritamente a questão do título deste artigo, questão aliás freqüentemente formulada e nem sempre devidamente elucidada.

Eis o que se deve guardar a propósito:

1) O Senhor Deus criou o ser humano masculino e feminino (sem que esteja excluída a evolução da matéria preexistente até chegar ao grau de complexidade do corpo humano);

2) O Senhor concedeu aos primeiros pais urna especial graça espi­ritual chamada “justiça original”, que conferia ao homem eminente digni­dade;

3) consequentemente o Criador indicou aos primeiros pais um modelo de vida, figurado pela proibição de comer a fruta da árvore da ciência do bem e do mal. Já que o homem era elevado a especial com­unhão com Deus, devia comportar-se não simplesmente de acordo com seu bom senso ou suas intuições racionais, mas segundo as normas correspondentes a sua dignidade de filho de Deus;

4) O homem, por soberba, disse Não a esse modelo de vida ou ao convite do Criador, perdendo assim a justiça original.

Pois bem. Adão e Eva representam o ser humano assim tratado por Deus. São tão reais quanto é real o gênero humano. Deus se apre­sentou ao homem nas suas origens, … ao homem real e não a um ser fictício. Verdade é que Adão e Eva são nomes de origem hebraica; não podem ser os nomes dos primeiros seres humanos, mas representam os primeiros seres humanos.

Há quem indague a respeito do aspecto físico dos primeiros ho­mens: eram belos, como dão a entender certos quadrinhos e filmes catequéticos?

Respondemos que a tradição judaico-cristã – sempre julgou que os primeiros pais eram dotados de harmonia ou beleza física correspondente as riquezas sobrenaturais de sua alma; terão perdido esse encanto após o pecado, gerando e então uma estirpe caracterizada por traços somáticos primitivos e cultura rudimentar; tal é, sim, a linhagem de que nos falam os fósseis. – Contudo não há necessidade de admitir que Adão tenha sido fisicamente mais belo e culturalmente mais evoluído do que os demais homens da pré-história; pode-se muito bem conceber que os dotes de alma que ele possuía, não se espelhavam sobre o seu corpo; a manifestação desses dons estava condicionada a perseverança de Adão no estado de inocência. O primeiro pai, porém, não perseverou; por isto, não se terá diferenciado, no plano meramente natural, dos demais ho­mens pré-históricos.

Não se deve acentuar exageradamente a perfeição do estado pri­mitivo da humanidade dito “de justiça original”. Terá sido um estado digno de todo apreço, mas do ponto de vista religioso e moral apenas, não sob o aspecto da civilização ou da cultura. Os primeiros homens de que fala o Gênesis, podem muito bem ter tido a configuração rudimentar e grosseira de que dão indícios os fósseis da pré-história; não é necessá­rio que hajam vivido de modo diferente daquele que conjeturam as ciên­cias naturais. Mesmo as idéias religiosas de Adão poderão ter sido pu­ras, sim, mas sob a forma de intuições concretas semelhantes as dos povos primitivos e das crianças; não se tratava de altos conhecimentos teológicos. – Vê-se, pois, que as clássicas descrições do “paraíso terres­tre” não devem em absoluto ser identificadas com a doutrina da fé.

D. Estevão Bettencourt

Ver PR 390/1994, pp. 521ss; 343/1995, pp. 55s; 425/1997, pp. 442ss.
Fonte: http://www.pr.gonet.biz/index-catolicos.php

TEOLOGIA: Revestidos de solicitude

Ecclesia

Revestidos de solicitude

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Salvatore, da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste domingo, 20 de agosto, solenidade da Assunção de Nossa Senhora (Lc 1, 39-56). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

“Seu amor, de geração em geração, chega a todos que o respeitam.”

Nessa passagem no coração do Magnificat, está condensada a identidade do Deus bíblico e a promessa de eternidade descerrada a toda pessoa que crê.

Há algo que ultrapassa as fronteiras da vida, das nossas existências mortais? O que deixaremos de nós aos outros? Quer desempenhemos um serviço em uma comunidade ou em algum outro âmbito, quer na tarefa de pais, às vezes somos perpassados pelo pensamento: e depois de nós, o que será?

As Escrituras atestam que o amor é para sempre, é semente que dá fruto se encontrar um coração disposto a acolhê-lo e a deixá-lo frutificar: um coração não curvado sobre si mesmo, mas disponível a dar espaço à presença do outro, ao dom que o Senhor nos oferece, chegando inesperadamente a sacudir os nossos planos. Como aconteceu com Maria, que acolheu, não sem tremor, a palavra do Senhor e a sua promessa de vida: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus” (Lc 1, 31).

Maria exulta pelas maravilhas que o Senhor fez na sua existência; ela discerne aí a bênção de Deus, que continua agindo no mundo, fazendo “coisas grandes” através de nós e “apesar” de nós, apesar dos nossos limites e das nossas fraquezas.

Sim, “o amor do Senhor está sobre os que creem desde sempre e para sempre” (Sl 103, 17), e “cobre aqueles que o temem”. O temor não deve ser confundido com o medo: na concepção bíblica, ele é o fundamento da fé, o princípio da sabedoria. “Uma forma de compreensão, um modo de estar em relação com o mistério de toda a realidade” (A. J. Heschel), que nos leva a perceber nas pequenas coisas o sentido da eternidade, a reconhecer que estamos sob o olhar de Deus (“ele viu a pequenez de sua serva”), revestidos com a sua solicitude por nós e por toda criatura.

A atitude do temor leva a captar a vida no seu voltar-se para horizontes vastos, que se estendem para além do breve lapso de tempo de uma existência individual (“de geração em geração”). Maria é capaz desse olhar “grande” e alarga o motivo do louvor contemplando toda a história de Israel, porque a salvação se manifesta no caminho de uma comunidade.

A salvação prometida pelo Senhor se revela subversiva, porque subverte as lógicas humanas: os ricos são mandados embora de mãos vazias; os famintos, saciados de bens; os poderosos, derrubados dos tronos; os humildes, exaltados; os soberbos são dispersos nos pensamentos dos seus corações:

“Deus está perto da baixeza, ama o que está perdido
o que não é considerado, o insignificante
o que é marginalizado, fraco e quebrado.
Onde os homens dizem ‘perdido’, lá ele diz ‘salvo’,
onde os homens dizem ‘não’, lá ele diz ‘sim’.”

(D. Bonhoeffer)

A festa de hoje do “bem-aventurado trânsito” de Maria atesta que a palavra semeada, que gera para a vida eterna, trouxe nela o seu fruto: Deus tornou a Mãe do Senhor partícipe da ressurreição da carne, elevando-a com o seu corpo e a sua alma à glória do céu.

Somos convidados a ler esta festa à luz da ressurreição, na fé de que a nossa humanidade já está em Deus, através de Cristo ressuscitado, que atrai todos a si.

Fonte: https://www.ecclesia.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF