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domingo, 25 de dezembro de 2022

Um Deus Menino que ama a vida e tem o prazer de salvar!

Nossa Senhora com o Menino Jesus | Vatican News

Nosso olhar, ao contemplar o Menino Deus, se torna límpido e lúcido, cheio da esperança, que não decepciona nem engana, mas nos faz acreditar que a paz é possível...

Dom Roberto Francisco Ferreria Paz - Bispo Diocesano de Campos (RJ)

O Para Francisco, na sua Encíclica Fratelli tutti, cita o poeta Vinicius de Moraes na sua conhecida afirmação que “a vida é a arte do encontro”; se concordamos com esta assertiva, mais certo ainda é anunciar o Natal como o encontro dos encontros, o encontro mais profundo e gratificante que qualquer pessoa pode ter com o Menino Deus.

De veras, este encontro com a beleza, a graça, e a ternura de um Deus pequeno, será fonte da mais fascinante e envolvente alegria que, como dom divino, ninguém pode nos tirar. É tão grandiosa e inefável esta alegria, que todo o universo, com toda a sua biodiversidade e encanto, se rejubila e frui um gozo interminável. O mais surpreendente ainda é que o Natal, como concretização da festa e banquete do Reino, é gratuito para todos(as) os seres e criaturas da Terra.

A alegria sempre será o fruto espontâneo e saboroso do amor agápico, fraterno e universal, somos amados incondicionalmente pela Criança Divina, não pelo que temos, pela nossa aparência ou poder, nossa importância ou status, mas por sermos irmãos e irmãs do recém-nascido que veio para nos salvar. Aprendemos, uma vez mais, que no presépio encontramos nossa vocação, dignidade e missão se ser humanos, de ser gente, de descobrir que fazemos parte da humanidade e da fraternidade cósmica unidos a todos os seres e criaturas.

Nosso olhar, ao contemplar o Menino Deus, se torna límpido e lúcido, cheio da esperança, que não decepciona nem engana, mas nos faz acreditar que a paz é possível, que a fraternidade, alicerçada no bem viver e na partilha, é o caminho da felicidade simples, mas verdadeira, e que servir com humildade, desapego e um amor sem fronteiras é nossa missão.

Seguindo a teimosia da estrela da fé, que sempre indica o presépio, onde encontraremos, certamente, ao Jesus Menino, com Maria, José, os pobres, e com os buscadores e encantados pelo Reino e sua salvação, como os sábios do Oriente, adorando como eles e todas as criaturas da Terra o Filho Unigénito que veio para nascer entre nós, e armar a sua tenda com toda a humanidade. Deus seja louvado e um Feliz e Santo Natal!

ESPIRITUALIDADE: «Acerca do Pai Espiritual e da Paternidade Espiritual»

Ecclesia

«Acerca do Pai Espiritual e da
Paternidade Espiritual»

Metropolita Anthony (Bloom) de Souroge
Conferência pronunciada em Moscou em 1997

Trad.: Monastério dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo
Bósnia-Herzegovina

O tema da minha explanação é a espiritualidade ou a paternidade espiritual, ou ainda, se preferirdes, "nutrir espiritualmente", ou então "tomar cuidado das almas".

Eu gostaria de primeiramente definir a palavra "espiritualidade", porque habitualmente quando falamos de espiritualidade falamos de certas expressões de nossa vida espiritual, tal como a oração, a ascese; e isto está claro em certos livros como, por exemplo, aqueles de Teófano o Recluso. Todavia, necessário é, me parece, relembrar que a espiritualidade consiste na realização da ação do Espírito Santo em nós. A espiritualidade não é o que designamos habitualmente por esta palavra, mas antes a manifestação da ação misteriosa do Espírito Santo.

E isto nos coloca imediatamente em uma posição muito nítida em relação à paternidade espiritual, pois não se trata mais de formar uma pessoa seguindo certos princípios e de lhe ensinar a se desenvolver na oração ou na ascese segundo alguns estereótipos. A paternidade espiritual consistiria então, para o pai espiritual, qualquer que seja o seu próprio nível de espiritualidade, em vigiar com um olho vigilante o que faz o Espírito Santo com e em tal pessoa; ele (Pai espiritual) estimulará Sua ação, a protegerá contra as tentações, as quedas e contra as hesitações da incredulidade. Em conseqüência, a função do Pai Espiritual pode parecer de uma certa forma mais considerável do que pensamos geralmente.

Antes de ir mais adiante, quero dizer duas palavras acerca do fato de só haver um único conceito de paternidade espiritual. Existem, ao que me parece, três tipos de Pais Espirituais.

No nível fundamental, é um Presbítero, a quem é dado a graça do sacerdócio e que traz nele não só o direito mas a plena força da graça para celebrar os Sacramentos - o Sacramento da Eucaristia, o Sacramento do Batismo, o Sacramento da Unção dos Doentes, assim como o Sacramento da Confissão, quer dizer da reconciliação do homem com Deus. O grande perigo que pode vir a tomar o jovem padre inexperiente, cheio de entusiasmo e de esperança, reside no fato de que, as pessoas jovens, recém saídas das Escolas de Teologia imaginam que a ordenação os dotou de conhecimentos e de inteligência, de experiência e da capacidade de "discernir os espíritos". Eles tornam-se então semelhantes àqueles que denominávamos na literatura ascética, de “neo-starets”, o que quer dizer que, não possuindo ainda nem maturidade espiritual, nem mesmo o conhecimento que tão somente uma experiência pessoal traz, eles pensam ter-lhes sido ensinado a tomar pela mão um pecador arrependido e o elevar da terra ao céu.

Infelizmente, isto se produz muito geralmente, e em todos os países: o jovem Padre, em virtude de seu sacerdócio, e não porque tem uma experiência espiritual, ou porque Deus aí o conduziu, ele se põe a dirigir seus filhos espirituais à força de decretos: não faça isso, não faça aquilo; não leia este gênero de literatura; vá à Igreja; faça “metanóias”... E, no fim das contas, obtemos uma forma de caricatura da vida espiritual nestas "vítimas", que fazem tudo o que faziam os Ascetas, talvez, mas eles o faziam por experiência espiritual e não porque eram animais domesticados. Quanto ao Padre, é uma catástrofe, porque penetra num domínio em que não tem nem o direito, nem a experiência de invadir. Eu insisto nisso, porque é uma questão essencial para o clero.

Só podemos ser “starets” pela graça de Deus: é um fenômeno carismático, é um dom; e não podemos aprender a ser um “starets”, tal como não podemos nos escolher em vista de um talento. Podemos todos sonhar em ser gênios, mas, todavia compreendemos perfeitamente que Beethoven ou Mozart, Leonardo da Vinci ou Roublev possuíam um talento tal que, não podemos adquiri-lo em escola alguma, nem mesmo por uma longa experiência, mas que é um dom divino da graça.

Eu insisto acerca disso, sem dúvida um pouco tempo de mais, mas me parece que é um tema essencial, e na Rússia talvez até mais do que no Ocidente, pois o papel do Padre aí é mais central. E geralmente os jovens Padres - jovens em idade e maturidade, ou imaturidade - "governam" seus filhos espirituais no lugar de os fazer crescer.

Os fazer crescer, significa estar com eles, conduzir-se com eles, tal como o jardineiro o faz com as flores e as plantas. Ele se importa em conhecer a natureza da planta, as condições climáticas e outras, nas quais ela vive, e somente então podemos ajudar - e é tudo o que podemos fazer - ajudar esta planta a se desenvolver da maneira que é própria à sua natureza particular. Não saberíamos quebrar uma pessoa para tomá-la semelhante a si. Certo escritor religioso ocidental disse: "Só podemos levar um filho espiritual a ele próprio, e o caminho que conduz ao interior de sua própria vida pode por vezes ser muito longo..." Nas vidas dos Santos, podemos ver, o quanto os grandes “starets” sabiam fazê-lo, como sabiam ser eles próprios e ao mesmo tempo ver claramente no outro sua natureza excepcional, única, e dar a esta pessoa, à outra, à uma terceira, a possibilidade de ser também elas próprias e não réplicas deste “starets” ou, pior ainda, seu duplo estereotipo.

O encontro de Antônio e Teodósio das Grutas de Kiev é um exemplo na história da Igreja russa. Teodósio fora o discípulo de Antônio e, todavia, suas vidas não têm nada de comum, se considerarmos que Antônio era um eremita e Teodósio o fundador da vida cenobítica. Poderíamos perguntar de que maneira pôde Antônio prepará-lo a fazer o quê ele próprio não havia feito, e a fazer um homem, tal como ele próprio não quisera ser e ao que Deus não lhe havia chamado.

Parece-me que é necessário fazer muito claramente a diferença entre o nosso desejo de tomar uma pessoa semelhante a si (próprio) e o desejo de torná-la semelhante a Cristo.

O "Staretsismo", como eu já disse, é um dom cheio de graça, é o talento espiritual, e eis porque ninguém dentre nós pode sonhar em se conduzir como um “starets”. Todavia, existe ainda um domínio intermediário, é paternidade. E de novo repito: o padre jovem demais - ou menos jovem - pelo fato de o chamarmos "padre fulano", se imagina não simplesmente um presbítero confessor, mas em verdade "um pai", no sentido em que ouvíamos o Apóstolo Paulo dizer: "Vós tendes muitos pedagogos, mas sou eu quem vos engendrei em Cristo"; e em seu tempo, São Serafim de Sarov dizia a mesma coisa. É Pai - e não obrigatoriamente um presbítero - aquele que fez nascer para a vida espiritual uma outra pessoa, quando esta, ao depositar nele o seu olhar, viu - como diz o antigo ditado - em seus olhos e em seu rosto, o esplendor da vida eterna, e em virtude disso, pôde aproximar-se mais dele e pedir-lhe para ser seu mestre e seu guia.

O que distingue igualmente um pai, é o fato de ele ser de alguma maneira do mesmo" sangue" que o discípulo, que na vida espiritual eles partilhem o mesmo espírito. Pode ele assim guiá-lo pois entre eles existe uma verdadeira harmonia, não somente de espírito, mas também de alma.

Vós que vos recordais certamente que em seu tempo o deserto do Egito era super povoado por ascetas e guias espirituais, e, portanto as pessoas não escolhiam para si próprias um mestre segundo o seu renome, não iam aquele que diziam ser o melhor, mas antes encontravam para si o guia que compreendiam e que os compreendia.

E isso é muito importante, pois a obediência não é cumprir cegamente tudo o que dirá aquele que tem sobre ti um poder, quer seja econômico ou físico, moral ou espiritual. Para o discípulo, que, tendo escolhido para si, um guia espiritual em quem deposita confiança absoluta e em quem ele vê o que ele próprio procura, a obediência consiste em estar atento, não somente à cada uma das suas palavras, mas também ao tom de sua voz; testemunha de todos os fatos e gestos de seu guia, e de todas as manifestações da sua experiência espiritual, ele se esforça em ultrapassar a si próprio, de se iniciar nesta experiência para tornar-se naquele que cresceu para além da medida que atingiu com seus próprios esforços. A obediência é antes de tudo o desejo de escutar e de ouvir não somente com a sua inteligência, não somente com seus ouvidos, mas de todo o seu ser, coração aberto, com uma contemplação recolhida sobre o mistério espiritual do outro.

E do lado do Pai Espiritual que vos pôs no mundo ou que já vos recebeu concebido, mas que pode ser, todavia um pai para vós, ele deve ter uma profunda veneração pela ação do Espírito Santo em vós. O Pai Espiritual como, em suma, todo Padre de paróquia consciencioso, deve estar em estado de ver em uma pessoa a beleza da imagem de Deus, aquela que jamais fora tirada (e este estado se adquire por vezes ao preço de esforços, de uma profunda reflexão, de uma atitude respeitosa para com aquele que vem até ele). Mesmo se o homem está corrompido pelo pecado, o Pai Espiritual deve ver nele um ícone, deteriorado pelas circunstâncias da vida, da negligência humana ou de sacrilégios; ver nele este ícone e se recolher diante do que resta e, em virtude desta beleza divina que está nele, trabalhar em afastar tudo o que desfigura esta imagem de Deus. O Padre Eugraphe Kovalevsky, ainda enquanto leigo, me disse, certa vez: "Quando Deus olha o homem, Ele não vê nele nem as virtudes que ele talvez não tenha, nem o sucesso que ele não tem, mas Ele vê a imutável e resplandecente beleza de Sua Própria Imagem...". E então, se o Pai Espiritual não é capaz de ver em uma pessoa esta eterna beleza, de ver nela as primícias da realização de sua vocação para Cristo, então ele não pode guiá-lo; pois não construímos um homem, não o fabricamos, mas o ajudamos a crescer à medida da vocação que lhe é própria.

Ela, a palavra "obediência", pede talvez algumas precisões. Habitualmente, falamos de obediência como submissão, dependência e, por vezes, sujeição ao guia espiritual ou aquele a quem havemos dado o nome de “Pai Espiritual” ou de “starets”. A obediência consiste precisamente no que eu disse acima: estar à escuta de todas as forças de sua alma. Todavia, isto compromete em igual medida o Pai Espiritual e o discípulo; pois o Pai Espiritual deve mobilizar toda sua experiência, todo o seu ser, toda a sua oração e, eu diria mais, toda ação nele da graça do Espírito Santo, afim de perceber o que o Espírito Santo realiza naquele que se confiou a ele. Ele deve saber observar nesta pessoa as vias do Espírito Santo, ele deve se recolher diante do que Deus realiza e não procurar estudá-lo, seja de acordo com o seu próprio modelo, seja como lhe parece que o outro deveria se desenvolver, enquanto que "vítima" de sua direção espiritual.

E dos dois lados pede-se humildade. Nós esperamos a humildade da parte do discípulo ou filho espiritual; mas quanto não é necessário a um Padre, um Pai Espiritual, para jamais invadir o domínio santo, para tratar a alma do outro tal como Deus ordena a Moisés de tratar o solo que rodeava a Sarça Ardente. E todo homem se encontra já como sendo esta sarça - em potência ou em realidade; tudo o que o cerca, é este solo santo sobre o qual o Pai Espiritual só pode pôr os pés depois de ter tirado suas sandálias, ou de outra maneira, fazer como o Publicano que, permanecendo na entrada do Templo, observava o interior ( do Templo) pois sabia que era lá a morada do Deus Vivo; um lugar santo, e que só Ele tem o direito de nele penetrar.

Uma das tarefas do Pai Espiritual é a de educar seu filho na liberdade espiritual dos filhos de Deus, e não mais o manter em um estado de infantilismo, onde seu filho sempre o busque sem cessar, as vezes, por motivos banais, por nada, ou em vão, mas para que ele cresça na medida tal que, seja capaz de aprender, ele mesmo, a ouvir as palavras indizíveis que o Espírito Santo pronuncia em seu coração.

Se refletirmos acerca do sentido da palavra "humildade", podemos encontrar duas curtas definições. Primeiramente, em russo “smirenie” (em russo “smir” significa com paz) é o estado de reconciliação, quando o homem reconcilia-se com a vontade de Deus, o que quer dizer que remeteu-se a Ele de uma maneira ilimitada, total, com júbilo, e diz: "Faz de mim, Senhor, o que queres!" No fim das contas, ele reconciliou-se igualmente com todas as circunstâncias de sua própria vida: tudo é dom de Deus, e o que é bom e o que é redutível. Deus nos chamou para sermos Seus embaixadores sobre a terra e Ele nos envia lá onde estão as trevas para sermos luz; lá onde está o desespero para sermos esperança, lá onde o júbilo está morto para sermos júbilo. E o nosso lugar simplesmente não é lá onde tudo está calmo, na Igreja ou durante a Liturgia, quando estamos protegidos pela nossa mútua presença, mas lá onde permanecemos sós, como presença do Cristo nas trevas do mundo desfigurado.

Se tomarmos agora o latim, “humilitas” vem de húmus que significa a terra fértil. Teófano, o Recluso, escreveu neste mesmo sentido: “ Refleti no que representa a terra: ela está lá, silenciosa, descoberta, sem defesa, vulnerável, diante da face do céu; ela recebe do céu o calor tórrido e raios do sol, chuva e orvalho, mas ela recebe também o que chamamos de adubo, que quer dizer estrume, restos, enfim: tudo o que nela deitamos. E o que se passa? Ela traz frutos, e quanto mais ela suporta tudo, o que sobre o plano psicológico chamamos de humilhação e ultraje, mais ela traz frutos.”

E então: a humildade é abri-se a Deus de uma forma perfeita, de maneira a não demonstrar resistência alguma nem a Ele, nem à ação do Espírito Santo, nem à imagem de Cristo em toda sua realidade, nem ao Seu ensinamento, e de se encontrar vulnerável à graça assim como nos acontece quando nos encontrarmos vulneráveis à mão do homem, à uma palavra afiada, à uma ação cruel, a um escárnio; e é dar-se de maneira a que, de nosso bom grado, Deus tenha o direito de fazer de nós tudo o que bem Lhe parece: tudo aceitar, abrir-se, e então, tão simplesmente, deixar-se submeter pelo Espírito Santo.

Parece-me que, se o Pai Espiritual esforça-se em adquirir a humildade nesta concepção, se vê no homem a verdadeira beleza e se ele conhece o seu lugar (e este lugar é tão maravilhoso, tão santo - é o lugar do amigo do Esposo, e a noiva não é sua noiva, todavia, ele está lá para proteger seu encontro com o Esposo), então, ele pode verdadeiramente ser o companheiro de rota do seu filho espiritual, seguindo-o passo a passo, protegendo-o, sustentando-o, sem jamais invadir o domínio do Espírito Santo; e, neste caso, a paternidade espiritual torna-se uma parte desta espiritualidade, e esta progressão na santidade a qual cada um dentre nós é chamado, e que todo Pai Espiritual deve ajudar seus filhos espirituais a atingir.

Mas onde procurar Pais Espirituais? O mal é que não devemos procurar os “starets”, pois poderíamos fazer a volta ao mundo sem encontrar; todavia, a experiência mostra que, por vezes, Deus nos envia a boa pessoa no bom momento, mesmo que seja por um curto e breve prazo. E esta pessoa torna-se de repente para nós o que eram os “starets”. Sabem, eu geralmente penso que meu protetor celeste não passa da jumenta de Barlaão, que se põe a falar e diz ao Profeta o que ele próprio não podia ver. Pois acontece geralmente que alguém venha me ver, e eu não sei o que lhe dizer nem responder, quando de repente por acaso, eu lhe digo qualquer coisa e isto se revelará justo. Penso que em uma tal situação, Deus te dá uma palavra. Mas não deves contar que a tua experiência, a tua erudição, te darão a possibilidade de sempre fazer isso: eis porque, geralmente muito nos convém guardar um silêncio recolhido, e dizer em seguida: "Sabes, não posso te responder imediatamente..." Temos um magnífico exemplo na vida de Santo Ambrósio de Optina: muitas pessoas vinham vê-lo para um conselho, e ele os fazia esperar dois, três dias. Certa vez, um vendedor veio ver-lhe e lhe disse: "Devo retomar, minha venda está fechada e não me dás resposta..." Ambrósio lhe respondeu: "Eu nada posso te dizer! Já pedi à Mãe de Deus e Ela se cala..."

Penso que, nós deveríamos responder desta seguinte maneira: "Eu poderia te dizer algo que provém de meu próprio espírito, ou de um livro, ou ainda de um relato, todavia isso não seria real; e eis que eu nada posso te dizer. Ora, eu também vou orar, e se Deus esclarecer a minha alma, eu te escreverei, eu te direi." - E então a tua palavra seria acolhida de uma maneira totalmente diferente do que se praticares o altruísmo para todas as circunstâncias da vida. Pois todo mundo conhece as suas verdades, são todas feitas pelo coração, mas o problema é o de saber discernir aquela que convém em uma situação particular.

Agora, irei precisar: ao falar do gênio, do talento, não falava a respeito do clero, nem mesmo da categoria dos Pais Espirituais, mas especificamente e exclusivamente dos “starets”, do “staretsismo”.

E utilizei a palavra "gênio" porque no meio da língua falada, ela exprime o que podemos chamar também de "portador da graça". No mundo, é o gênio da música, da arte, das matemáticas, é algo que podemos atingir pelos nossos próprios esforços. Eis porque não falava do clero em geral e não tinha evidentemente a intenção alguma em denegrir o Padre de paróquia, o mais jovem, simples, mais sincero que realiza o seu trabalho, confessando as pessoas, partilhando com elas o que ele aprendeu dos Padres da Igreja, dos teólogos, de seu próprio Pai Espiritual, dos fervorosos cristãos que o cercam. Isto é algo de precioso. Todavia, existe um ponto que me inquieta um pouco: é o fato de certos padres que, sendo, espiritualmente ignorantes e imaturos, pensam facilmente que ao colocar a batina e a estola, falam sempre “em Nome de Deus”...e eu fico horrorizado com o fato de que alguém possa pensar que porque pronuncia por três vezes: "Senhor, esclarece o meu espírito obscurecido pelas paixões diabólicas", suas palavras, em seguida, serão tão simplesmente uma divina profecia!

Eu penso que nisso opera o bom senso mais elementar: só podemos falar do que sabemos de uma fonte segura. Tomemos um exemplo sobre uma vasta escala: o Santo Apóstolo Paulo podia falar com certeza e a segurança total sobre a ressurreição de Cristo, pois ele O havia encontrado vivo e ressuscitado no caminho de Damasco.

O Padre e o leigo podem igualmente falar baseando-se na experiência eclesial à qual eles participam, mesmo se não a possuem em sua totalidade, mas, tendo em comum com os outros, certas primícias desta experiência, eles podem escutar a experiência de outras pessoas, experiência ainda não totalmente tornada deles, no entanto, quando isso é necessário, podem dizer: "É a verdade, pois é o que diz a Igreja, e eu aprendi mais no seio da Igreja do que por minha própria experiência".

E, enfim, existem coisas que só podemos falar porque Deus no-las revelou.

FONTE:

Boletim Interparoquial. Órgão Informativo da Diocese Ortodoxa do Rio de Janeiro e Olinda-Recife. Igreja Ortodoxa Autocéfala da Polônia. Edição Jan/2007, pp 16-25.

https://www.ecclesia.org.br/

Grandes e discretos sinais do Deus que vem a nós

Anneka | Shutterstock
Por Francisco Borba Ribeiro Neto

Essa discrição de Deus, esse respeito a nossa liberdade, permanece surpreendente e até escandalosa mesmo em nossos dias.

Uma das leituras mais características do período do Advento é a do Livro de Isaias (7, 10-14), na qual o profeta anuncia ao Rei Acaz que uma virgem dará a luz a um filho. Independentemente de qualquer consideração teológica, o texto é uma interessante parábola sobre a dinâmica da fé em nossa sociedade.

Uma presença discreta

Deus, nas palavras de Isaias, oferece um sinal ao rei. Mais: oferece qualquer sinal que venha a ser pedido, “quer provenha da profundeza da terra, quer venha das alturas do céu”. Acaz, porém, recorrendo a uma falsa humildade, recusa-se a fazer o pedido, alegando não querer “tentar ao Senhor”. Nesse contexto, Deus anuncia que fará um sinal tão maravilhoso quanto paradoxal: “uma virgem conceberá e dará à luz um filho”. Trata-se de um sinal maravilhoso porque nenhuma mulher pode gerar sem a relação com um homem; mas também é paradoxal, pois é praticamente imperceptível. Quem poderá garantir que essa mãe era realmente virgem?

Esse tipo de paradoxo acompanha o cristianismo também em outro sinal maravilhoso: a ressurreição de Cristo. Ela não acontece num momento público, como aquela de Lázaro (cf. Jo 11, 28-45), mas no isolamento da madrugada, quando não há testemunhas. Pior ainda, o Ressuscitado não permanece entre os vivos, como prova cabal de seu retorno. Afinal, quem não acreditaria se até hoje Cristo estivesse pessoalmente entre nós, sentado num trono em Roma ou Jerusalém?

Igualmente, seria muito mais fácil acreditar na historicidade dos Evangelhos se o Senhor onipotente tivesse escolhido nascer no século XIX ou XX, quando os meios de comunicação não deixam de registrar a existência de qualquer líder relevante. Com certeza, o homem que fazia milagres em Jerusalém seria amplamente reconhecido se praticasse seus feitos numa grande metrópole do mundo globalizado e não em obscuros vilarejos da periferia do Império Romano.

Amar em liberdade, não por subserviência

Deus vem ao mundo, mas insiste em não se evidenciar. Em seu amor por nossa liberdade, não procura se impor de um modo incontestável, nos dá a possibilidade de negá-Lo, de não reconhecer Sua existência. Um Deus presente o tempo todo entre os seres humanos seria obrigatoriamente temido e reverenciado, ninguém se atreveria a ir contra este Senhor evidentemente onipotente. O amor se misturaria ao temor, o respeito à subserviência – nós mesmos não saberíamos exatamente como definir nossos sentimentos e nossa relação com Ele.

Essa discrição de Deus, esse respeito a nossa liberdade, permanece surpreendente e até escandalosa mesmo em nossos dias. O ideal da Cristandade, de um mundo onde o poder temporal estivesse subordinado ao poder espiritual dos cristãos, não deixa de ser uma outra forma de buscar esse absolutismo de Deus que cancelaria a possibilidade de não O seguirmos e obedecermos.

Diante dos cancelamentos culturais e das perseguições, muitas vezes almejamos um poder político que obrigasse as pessoas a tornarem-se cristãs ou, pelo menos, obedecerem a um código de conduta ditado pelos valores cristãos. Mas, se Deus quisesse uma obediência compulsória, teria agido de outra forma no mundo. Não quer dizer que Ele não queira nosso amor, nossa virtude e nosso seguimento – mas não deseja que nos relacionemos com Ele por medo ou subserviência.

Por difícil que seja para nós, basta olhar a história de Cristo para constatar que não foi desse modo que Ele agiu.

Aceitar a sutileza do sinal

Por outro lado, muitas vezes agimos como um moderno Acaz, que não quer pedir sinais a Deus para não ter de se converter, ou deixamos de dar o passo de fé absolutamente necessário para descobrir os Seus sinais na história.

A fé não deve ser cega, como algumas vezes imaginamos. Cremos porque encontramos sinais que nos abriram os olhos para a existência de Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica, CIC 156-160). Mas esses sinais nunca irão se sobrepor a nossa liberdade, nunca seremos totalmente obrigados a crer. Aquele que pede a Deus um sinal que se sobreponha à sua própria liberdade ficará irremediavelmente frustrado.

Todos nós, que cremos, tivemos momentos em que os sinais pareceram tão evidentes que pensamos “agora, não me é possível deixar de acreditar”. Esses sinais, contudo, sempre vieram em meio a uma história, na qual tivemos a chance de negá-los. Se não tivéssemos, ainda que de forma pouco consciente, aceitado comprometer nossa liberdade, Deus não teria se imposto a nós. Ele nunca deixa de nos chamar, de esperar por nós, mas nunca se impõem autoritariamente.

Se não compreendemos essa ternura de Deus por nós, permanecemos escandalizados com o mal, o sofrimento e a dor. Parece-nos que Ele não existe ou, se existe, não se incomoda conosco. Se não acreditamos, não O encontramos e, se acreditamos, temos dificuldade em anunciá-Lo a nossos irmãos.

O Natal é tempo de, mais uma vez, nos fascinarmos com a ternura dessa presença discreta do Onipotente em nossa vida.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Natal de Jesus

Natal de Jesus | arquisp
25 de dezembro

Natal de Jesus

E o Verbo se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória..." (Jo 1,14).

A encarnação do Verbo de Deus assinala o início dos "últimos tempos", isto é, a redenção da humanidade por parte de Deus. Cega e afastada de Deus, a humanidade viu nascer a luz que mudou o rumo da sua história. O nascimento de Jesus é um fato real que marca a participação direta do ser humano na vida divina. Esta comemoração é a demonstração maior do amor misericordioso de Deus sobre cada um de nós, pois concedeu-nos a alegria de compartilhar com ele a encarnação de seu Filho Jesus, que se tornou um entre nós. Ele veio mostrar o caminho, a verdade e a vida, e vida eterna. A simbologia da festa do Natal é o nascimento do Menino-Deus.

No início, o nascimento de Jesus era festejado em 6 de janeiro, especialmente no Oriente, com o nome de Epifania, ou seja, manifestação. Os cristãos comemoravam o natalício de Jesus junto com a chegada dos reis magos, mas sabiam que nessa data o Cristo já havia nascido havia alguns dias. Isso porque a data exata é um dado que não existe no Evangelho, que indica com precisão apenas o lugar do acontecimento, a cidade de Belém, na Palestina. Assim, aquele dia da Epifania também era o mais provável em conformidade com os acontecimentos bíblicos e por razões tradicionais do povo cristão dos primeiros tempos.

Entretanto, antes de Cristo, em Roma, a partir do imperador Júlio César, o 25 de dezembro era destinado aos pagãos para as comemorações do solstício de inverno, o "dia do sol invencível", como atestam antigos documentos. Era uma festa tradicional para celebrar o nascimento do Sol após a noite mais longa do ano no hemisfério Norte. Para eles, o sol era o deus do tempo e o seu nascimento nesse dia significava ter vencido a deusa das trevas, que era a noite.

Era, também, um dia de descanso para os escravos, quando os senhores se sentavam às mesas com eles e lhes davam presentes. Tudo para agradar o deus sol.

No século IV da era cristã, com a conversão do imperador Constantino, a celebração da vitória do sol sobre as trevas não fazia sentido. O único acontecimento importante que merecia ser recordado como a maior festividade era o nascimento do Filho de Deus, cerne da nossa redenção. Mas os cristãos já vinham, ao longo dos anos, aproveitando o dia da festa do "sol invencível" para celebrar o nascimento do único e verdadeiro sol dos cristãos: Jesus Cristo. De tal modo que, em 354, o papa Libério decretou, por lei eclesiástica, a data de 25 de dezembro como o Natal de Jesus Cristo.

A transferência da celebração motivou duas festas distintas para o povo cristão, a do nascimento de Jesus e a da Epifania. Com a mudança, veio, também, a tradição de presentear as crianças no Natal cristão, uma alusão às oferendas dos reis magos ao Menino Jesus na gruta de Belém. Aos poucos, o Oriente passou a comemorar o Natal também em 25 de dezembro.

Passados mais de dois milênios, a Noite de Natal é mais que uma festa cristã, é um símbolo universal celebrado por todas as famílias do mundo, até as não-cristãs. A humanidade fica tomada pelo supremo sentimento de amor ao próximo e a Terra fica impregnada do espírito sereno da paz de Cristo, que só existe entre os seres humanos de boa vontade. Portanto, hoje é dia de alegria, nasceu o Menino-Deus, nasceu o Salvador.

*Fonte: Pia Sociedade Filhas de São Paulo Paulinas http://www.paulinas.org.br

https://arquisp.org.br/

Urbi et Orbi, o Papa: não nos esqueçamos de quem bate à nossa porta

Urbi et Orbi: Papa Francisco | vatican News

Hoje como há dois mil anos Jesus, a luz verdadeira, vem a um mundo achacado de indiferença que não O acolhe; antes, rejeita-O como acontece a muitos estrangeiros, ou ignora-O como fazemos nós muitas vezes com os pobres. Hoje não nos esqueçamos dos numerosos deslocados e refugiados que batem à nossa porta: disse o Papa na tradicional Mensagem de Natal e Bênção Urbi et Orbi. Francisco ressaltou que vivemos uma carestia de paz e exortou a não se usar o alimento como arma de guerra.

https://youtu.be/7Yw2g0ucgAk

Raimundo de Lima – Vatican News

Como os pastores de Belém, deixemo-nos envolver pela luz e saímos para ver o sinal que Deus nos deu. Vençamos o torpor do sono espiritual e as falsas imagens da festa que fazem esquecer Quem é o Festejado. Saiamos do tumulto que anestesia o coração induzindo-nos mais a preparar ornamentações e prendas do que a contemplar o Evento: o Filho de Deus nascido para nós. Foi a exortação do Papa na tradicional Mensagem de Natal e Bênção Urbi et Orbi, da Sacada Central da Basílica Vaticana, diante de milhares de fiéis e peregrinos presentes na Praça São Pedro, e acompanhada pelos meios de comunicação em mundovisão.

“Voltemo-nos para Belém, onde ressoa o primeiro choro do Príncipe da paz. Sim, porque Ele mesmo – Jesus – é a nossa paz: aquela paz que o mundo não se pode dar a si mesmo e Deus Pai concedeu-a à humanidade enviando o seu Filho ao mundo”, ressaltou o Santo Padre.

Na realidade, é com tristeza que devemos constatar como, enquanto nos é dado o Príncipe da paz, ventos de guerra continuam a soprar, gelados, sobre a humanidade. Se queremos que seja Natal, o Natal de Jesus e da paz, voltemos o olhar para Belém e fixemo-lo no rosto do Menino que nasceu para nós! E, naquele rostinho inocente, reconheçamos o das crianças que, em todas as partes do mundo, anseiam pela paz, continuou o Papa.

Ucrânia

O nosso olhar se encha com os rostos dos irmãos e irmãs ucranianos que vivem este Natal na escuridão, ao frio ou longe das suas casas, devido à destruição causada por dez meses de guerra. O Senhor nos torne disponíveis e prontos para gestos concretos de solidariedade a fim de ajudar todos os que sofrem, e ilumine as mentes de quantos têm o poder de fazer calar as armas e pôr termo imediato a esta guerra insensata!

O nosso tempo vive uma grave carestia de paz também noutras regiões, noutros teatros desta terceira guerra mundial.

Síria, Terra Santa, israelenses e palestinos

Pensamos na Síria, ainda martirizada por um conflito que passou para segundo plano, mas não terminou; e pensamos na Terra Santa, onde nos últimos meses aumentaram as violências e os confrontos, com mortos e feridos. Supliquemos ao Senhor para que lá, na terra que O viu nascer, retomem o diálogo e a aposta na confiança mútua entre israelitas e palestinos.

Oriente Médio

Jesus Menino ampare as comunidades cristãs que vivem em todo o Médio Oriente, para que se possa viver, em cada um daqueles países, a beleza da convivência fraterna entre pessoas que pertencem a crenças diferentes. De modo particular ajude o Líbano para que possa, finalmente, erguer-se com o apoio da Comunidade Internacional e com a força da fraternidade e da solidariedade.

Região do Sahel, Iêmen, Mianmar e Irã

A luz de Cristo ilumine a região do Sahel, onde a convivência pacífica entre povos e tradições é transtornada por confrontos e violências, continuou Francisco. “Encaminhe para uma trégua duradoura no Iêmen e para a reconciliação no Mianmar e no Irã, para que cesse completamente o derramamento de sangue”.

Continente Americano

E, no continente americano, frisou o Pontífice, “inspire as autoridades políticas e todas as pessoas de boa vontade a trabalharem para pacificar as tensões políticas e sociais que afetam vários países; penso de modo particular na população haitiana, que está a sofrer há tanto tempo”.

O Santo Padre lembrou que a guerra na Ucrânia agravou ainda mais a situação, deixando populações inteiras em risco de carestia, especialmente no Afeganistão e nos países do Chifre de África. “Toda a guerra – bem o sabemos – provoca fome e serve-se do próprio alimento como arma, ao impedir a sua distribuição às populações já atribuladas. Neste dia, aprendendo com o Príncipe da paz, empenhemo-nos todos – a começar pelos que têm responsabilidades políticas – para que o alimento seja só instrumento de paz”, exortou ainda Francisco, que concluiu em seguida:

Queridos irmãos e irmãs, hoje como há dois mil anos Jesus, a luz verdadeira, vem a um mundo achacado de indiferença que não O acolhe (cf. Jo 1, 11); antes, rejeita-O como acontece a muitos estrangeiros, ou ignora-O como fazemos nós muitas vezes com os pobres. Hoje não nos esqueçamos dos numerosos deslocados e refugiados que batem à nossa porta à procura de conforto, calor e alimento. Não nos esqueçamos dos marginalizados, das pessoas sós, dos órfãos e dos idosos que correm o risco de acabar descartados, dos presos que olhamos apenas sob o prisma dos seus erros e não como seres humanos.

sábado, 24 de dezembro de 2022

A humanidade de Jesus

A humanidade de Jesus | Rede Século 21
Arquivo 30Dias - 12/2011
Por Bento XVI

Santa Missa
sábado, 24 de dezembro de 2011
A humanidade de Jesus

No menino do estábulo de Belém, pode-se, por assim dizer, tocar Deus e acarinhá-Lo

 

A leitura que ouvimos, tirada da Carta do Apóstolo São Paulo a Tito, começa solenemente com a palavra “apparuit”, que encontramos de novo na leitura da Missa da Aurora: apparuit – “manifestou-se”. Esta é uma palavra programática, escolhida pela Igreja para exprimir, resumidamente, a essência do Natal. Antes, os homens tinham falado e criado imagens humanas de Deus, das mais variadas formas; o próprio Deus falara de diversos modos aos homens (cf. Heb 1, 1: leitura na Missa do Dia). Agora, porém, aconteceu algo mais: Ele manifestou-Se, mostrou-Se, saiu da luz inacessível em que habita. Ele, em pessoa, veio para o meio de nós. Na Igreja antiga, esta era a grande alegria do Natal: Deus manifestou-Se. Já não é apenas uma ideia, nem algo que se há-de intuir a partir das palavras. Ele “manifestou-Se”.

Mas agora perguntamo-nos: Como Se manifestou? Ele verdadeiramente quem é? A este respeito, diz a leitura da Missa da Aurora: “Manifestaram-se a bondade de Deus (…) e o seu amor pelos homens” (Tt 3, 4). Para os homens do tempo pré-cristão – que, vendo os horrores e as contradições do mundo, temiam que o próprio Deus não fosse totalmente bom, mas pudesse, sem dúvida, ser também cruel e arbitrário –, esta era uma verdadeira “epifania”, a grande luz que se nos manifestou: Deus é pura bondade. Ainda hoje há pessoas que, não conseguindo reconhecer a Deus na fé, se interrogam se a Força última que segura e sustenta o mundo seja verdadeiramente boa, ou então se o mal não seja tão poderoso e primordial como o bem e a beleza que, por breves instantes luminosos, se nos deparam no nosso cosmos. “Manifestaram-se a bondade de Deus (…) e o seu amor pelos homens”: eis a certeza nova e consoladora que nos é dada no Natal.


Deus manifestou-Se… como menino. É precisamente assim que Ele Se contrapõe a toda a violência e traz uma mensagem de paz. Neste tempo, em que o mundo está continuamente ameaçado pela violência em tantos lugares e de muitos modos, em que não cessam de reaparecer bastões do opressor e vestes manchadas de sangue, clamamos ao Senhor: Vós, o Deus forte, manifestastes-Vos como menino e mostrastes-Vos a nós como Aquele que nos ama e por meio de quem o amor há-de triunfar. Fizestes-nos compreender que, unidos convosco, devemos ser artífices de paz. Amamos o vosso ser menino, a vossa não-violência, mas sofremos pelo facto de perdurar no mundo a violência, levando-nos a rezar assim: Demonstrai a vossa força, ó Deus.

 

Natal é epifania: a manifestação de Deus e da sua grande luz num menino que nasceu para nós. Nascido no estábulo de Belém, não nos palácios do rei. Em 1223, quando Francisco de Assis celebrou em Greccio o Natal com um boi, um jumento e uma manjedoura cheia de feno, tornou-se visível uma nova dimensão do mistério do Natal. Francisco de Assis designou o Natal como “a festa das festas” – mais do que todas as outras solenidades – e celebrou-a com “solicitude inefável” (2 Celano, 199: Fontes Franciscanas, 787). Beijava, com grande devoção, as imagens do menino e balbuciava-lhes palavras de ternura como se faz com os meninos – refere Tomás de Celano (ibidem).


Para a Igreja antiga, a festa das festas era a Páscoa: na ressurreição, Cristo arrombara as portas da morte, e assim mudou radicalmente o mundo: criara para o homem um lugar no próprio Deus. Pois bem, Francisco não mudou, nem quis mudar, esta hierarquia objetiva das festas, a estrutura interior da fé com o seu centro no mistério pascal. Mas, graças a Francisco e ao seu modo de crer, aconteceu algo de novo: ele descobriu, numa profundidade totalmente nova, a humanidade de Jesus. Este facto de Deus ser homem resultou-lhe evidente ao máximo, no momento em que o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria, foi envolvido em panos e colocado numa manjedoura. A ressurreição pressupõe a encarnação. O Filho de Deus visto como menino, como verdadeiro filho de homem: isto tocou profundamente o coração do Santo de Assis, transformando a fé em amor. “Manifestaram-se a bondade de Deus e o seu amor pelos homens”: esta frase de São Paulo adquiria assim uma profundidade totalmente nova. No menino do estábulo de Belém, pode-se, por assim dizer, tocar Deus e acarinhá-Lo.


Hoje, quem entra na igreja da Natividade de Jesus em Belém dá-se conta de que o portal de outrora com cinco metros e meio de altura, por onde entravam no edifício os imperadores e os califas, foi em grande parte tapado, tendo ficado apenas uma entrada com metro e meio de altura. Provavelmente isso foi feito com a intenção de proteger melhor a igreja contra eventuais assaltos, mas sobretudo para evitar que se entrasse a cavalo na casa de Deus. Quem deseja entrar no lugar do nascimento de Jesus deve inclinar-se. Parece-me que nisto se encerra uma verdade mais profunda, pela qual nos queremos deixar tocar nesta noite santa: se quisermos encontrar Deus manifestado como menino, então devemos descer do cavalo da nossa razão “iluminada”. Devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que nos impede de perceber a proximidade de Deus. Devemos seguir o caminho interior de São Francisco: o caminho rumo àquela extrema simplicidade exterior e interior que torna o coração capaz de ver. Devemos inclinar-nos, caminhar espiritualmente por assim dizer a pé, para podermos entrar pelo portal da fé e encontrar o Deus que é diverso dos nossos preconceitos e das nossas opiniões: o Deus que Se esconde na humildade dum menino acabado de nascer.

O Verbo assumiu nossa natureza no seio de Maria

Coração Imaculado de Maria | Cléofas

O Verbo assumiu nossa natureza no seio de Maria

 POR PROF. FELIPE AQUINO

Santo Atanásio, bispo e doutor da Igreja, séc. IV

O Verbo de Deus veio em auxílio da descendência de Abraão, como diz o Apóstolo. Por isso devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos (Hb 2,16-17) e assumir um corpo semelhante ao nosso. Eis por que Maria está verdadeiramente presente neste mistério; foi dela que o Verbo assumiu, como próprio, aquele corpo que havia de oferecer por nós. A Sagrada Escritura, recordando este nascimento, diz: Envolveu-o em panos (Lc 2,7); proclama felizes os seios que o amamentaram e fala também do sacrifício oferecido pelo nascimento deste Primogênito. O anjo Gabriel, com prudência e sabedoria, já o anunciaram a Maria; não lhe disse simplesmente: aquele que nascer em ti, para não se julgar que se tratava de um corpo extrínseco nela introduzido; mas: de ti (cf. Lc 1, 35Vulg.), para se acreditar que o fruto desta concepção procedia realmente de Maria.

Assim foi que o Verbo, recebendo nossa natureza humana e oferecendo-a em sacrifício, assumiu-a em sua totalidade, para nos revestir depois de sua natureza divina, segundo as palavras do Apóstolo: É preciso que este ser corruptível se vista de incorruptibilidade; é preciso que este ser mortal se vista de imortalidade (1Cor 15,53).

Estas coisas não se realizaram de maneira fictícia, como julgam alguns, o que é inadmissível! Nosso Salvador fez-se verdadeiro homem, alcançando assim a salvação do homem na sua totalidade. Nossa salvação não é absolutamente algo de fictício, nem limitado só ao corpo; mas realmente a salvação do homem todo, corpo e alma, foi realizada pelo Verbo de Deus.

A natureza que ele recebeu de Maria era uma natureza humana, segundo as divinas Escrituras, e o corpo do Senhor era um corpo verdadeiro. Digo verdadeiro, porque era um corpo idêntico ao nosso. Maria é, portanto, nossa irmã, pois todos somos descendentes de Adão.

As palavras de João: O Verbo se fez carne (Jo 1,14) têm o mesmo sentido que se pode atribuir a uma expressão semelhante de Paulo: O Cristo fez-se maldição por nós (cf. Gl 3,13). Pois da intima e estreita união com o Verbo, resultou para o corpo humano em engrandecimento sem par: de mortal tornou-se imortal; sendo animal, tornou-se espiritual; terreno, transpôs as portas do céu.

Contudo, mesmo tendo o Verbo tomado um corpo no seio da Maria, a Trindade continua sendo a mesma Trindade, sem aumento nem diminuição. É sempre perfeita, e na Trindade reconhecemos uma só Divindade; assim, a Igreja proclama um único Deus no Pai e no Verbo.

Prof. Felipe Aquino

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo

liturgiadashoras

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo
(Sermo 185: PL 38, 997-999)            (Séc. V)

A verdade brotou da terra e a justiça olhou do alto do céu

Desperta, ó homem: por tua causa Deus se fez homem. Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá (Ef 5,14). Por tua causa, repito, Deus se fez homem.

Estarias morto para sempre, se ele não tivesse nascido no tempo. Jamais te libertarias da carne do pecado, se ele não tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado. Estarias condenado a uma eterna miséria, se não fosse a sua misericórdia. Não voltarias à vida, se ele não tivesse vindo ao encontro da tua morte. Terias perecido, se ele não te socorresse. Estarias perdido, se ele não viesse salvar-te.

Celebremos com alegria a vinda da nossa salvação e redenção. Celebremos este dia de festa, em que o grande e eterno Dia, gerado pelo Dia grande e eterno, veio a este nosso dia temporal e tão breve. 

Ele se tornou para nós justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor” (1Cor 1,30-31).

A verdade brotará da terra (Sl 84,12), o Cristo que disse: eu sou a verdade (Jo 14,6), nasceu da Virgem. E a justiça olhou do alto do céu (cf. Sl 84,12), porque o homem, crendo naquele que nasceu, é justificado não por si mesmo, mas por Deus.

A verdade brotou da terra porque o Verbo se fez carne (Jo 1,14). E a justiça olhou do alto do céu porque todo o dom precioso e toda a dádiva perfeita vêm do alto (Tg 1,17).

A verdade brotou da terra, isto é, da carne de Maria. E a justiça olhou do alto do céu porque o homem não pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu (Jo 3,27).

Justificados pela fé, estamos em paz com Deus (Rm 5,1) porque a justiça e a paz se beijaram (cf. Sl 84,11) por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo, pois a verdade brotou da terra. Por ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus (Rm 5,2). Não disse “de nossa glória”, mas da glória de Deus, porque a justiça não procede de nós, mas olha do alto do céu. Portanto, quem se gloria não se glorie em si mesmo, mas no Senhor. 

Eis por que, quando o Senhor nasceu da Virgem, os anjos cantaram: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14 Vulgata).

Como veio a paz à terra senão por ter a verdade brotado da terra, isto é, Cristo ter nascido em carne humana? Ele é a nossa paz: de dois povos fez um só (cf. Ef 2,14), para que fôssemos homens de boa vontade, unidos uns aos outros pelo suave vínculo da caridade.

Alegremo-nos com esta graça, para que nossa glória seja o testemunho da nossa consciência, e assim nos gloriaremos, não em nós mesmos, mas no Senhor. Por isso disse o Salmista: Vós sois a minha glória que levanta a minha cabeça (Sl 3,4). Na verdade, que graça maior Deus poderia nos conceder do que, tendo um único Filho, fazê-lo Filho do homem e reciprocamente fazer os filhos dos homens serem filhos de Deus?

Procurai o mérito, procurai a causa, procurai a justiça; e vede se encontrais outra coisa que não seja a graça de Deus.

A solene proclamação de Natal que antecede a Missa do Galo

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Por Philip Kosloski

Antes da Missa da Meia-Noite, uma especial proclamação prepara dramaticamente o cenário para o nascimento de Jesus.

No Rito Romano da Igreja Católica, tornou-se habitual recitar ou cantar uma proclamação especial do nascimento de Jesus na Missa da noite de Natal. A proclamação resume a história da salvação e colocando o nascimento de Jesus no contexto de vários acontecimentos históricos.

A proclamação começa com a criação do mundo e vai percorrendo grandes acontecimentos bíblicos e do mundo romano em que Jesus nasceu.

O texto vem do Martirológio Romano, que é o catálogo oficial de datas e celebrações litúrgicas do Rito Romano. A Igreja tem utilizado um martirológio desde pelo menos o século IV e o vem expandindo para incluir os novos santos e festas.

A proclamação de Natal pode ser usada como uma bela meditação sobre a realidade do nascimento de Cristo na história do mundo:

Vinte e cinco de dezembro. Décima-nona lua.

Tendo transcorrido muitos séculos desde a criação do mundo, quando no princípio Deus tinha criado o céu e a terra e tinha feito o homem à sua imagem; e muitos séculos de quando, depois do dilúvio, o Altíssimo tinha feito resplandecer o arco-íris, sinal da Aliança e da Paz;

Vinte e um séculos depois da partida de Abraão, nosso pai na fé, de Ur dos Caldeus;

Treze séculos depois da saída de Israel do Egito, sob a guia de Moisés;

Cerca de mil anos depois da unção de Davi como rei de Israel;

Na sexagésima quinta semana, segundo a profecia de Daniel;

Na época da centésima nonagésima quarta Olimpíada;

No ano setecentos e cinquenta e dois da fundação da cidade de Roma;

No quadragésimo segundo ano do Império de César Otaviano Augusto;

Quando em todo o mundo reinava a paz, Jesus Cristo, Deus Eterno e Filho do Eterno Pai, querendo santificar o mundo com a sua vinda, tendo sido concebido por obra do Espírito Santo, tendo transcorrido nove meses, nasce em Belém da Judeia da Virgem Maria, feito homem:

Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a natureza humana.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF