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Confraternização Universal | omaringa |
A PAZ E A CONFRATERNIZAÇÃO UNIVERSAL
Dom
Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém – Pará
Introdução
No
dia 1º. de janeiro, estreando o ano novo, comemoramos também o dia da
Confraternização Universal. Esse grande sonho só é possível se for consequência
da paz; não há fraternidade onde não se vive a paz. A condição para a
experiência da fraternidade, do amor entre irmãos, é a promoção da Paz.
Iniciando mais um ano vale a pena nos dedicarmos à reflexão desse tema tão
importante. Lamentavelmente em alguma parte do mundo os homens estão sempre em
conflito, tensão e guerra. Mas isso é reflexo dos múltiplos desentendimentos,
desordens e disputas em nível intrapessoal e interpessoal.
A
paz tem muitas facetas. Trata-se de uma qualidade nas relações humanas que
implica a concorrência de múltiplos fatores. Por se tratar de uma realidade
relativa às relações humanas, é uma experiência que está profundamente atrelada
ao dinamismo da nossa subjetividade e ao, mesmo tempo, a transcende.
Aprofundemos essa questão.
1. A
paz é uma aspiração ética
A
paz é uma das mais profundas aspirações humanas; é um anseio universal; está
presente em todas as pessoas, povos e culturas. A paz foi contemplada na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). A primeira referência à paz
está no preâmbulo afirmando “que o reconhecimento da dignidade, inerente a
todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis, é
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. A paz depende do
respeito à dignidade humana.
A
segunda menção à paz está contida no artigo XX, parágrafo primeiro, quando fala
do direito a associar-se. “Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e
associação pacífica”. O direito à associação está submisso à condição de
Paz.
A
última referência à paz na Declaração Universal dos Direitos Humanos está no
artigo XXVI, parágrafo 2, quando fala da educação. “A instrução será orientada
no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento
do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução
promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e
grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em
prol da manutenção da paz”. A paz é produto da educação porque esta tem
como dever estimular o desenvolvimento das capacidades humanas, dentre elas, a
sadia sociabilidade. Onde não há formação humana as relações são
embrutecidas.
Por
sua profundidade e amplitude, a paz é uma realidade dinâmica, por isso, é
objeto de contínuo aprofundamento. A paz é uma legítima aspiração ética que tem
residência no íntimo da consciência humana e está radicada na espiritualidade.
Por isso, a paz não pode ser, de forma alguma, um compromisso alheio às
religiões com suas mais variadas experiências de fé, doutrina e culto. Na sua
essência da religião está a proposta de um caminho para a paz integral.
2. A
paz é uma virtude humana
Quando
nascemos estamos em estado bruto, vazios, como uma folha em branco de um
caderno. Por isso o filosofo inglês John Locke para explicar essa
realidade usou o termo “tabula rasa” para falar do ser humano que, ao nascer,
é desprovido de ideias, sem referências, vazia de saberes, sem
conhecimentos e, por isso, necessita da educação. Aos poucos o ser humano vai
tomando consciência da sua existência, aprendendo a se relacionar, se
exercitando na comunicação e na experiência também da gestão de divergências e
conflitos. Por isso a harmonia das relações deve ser buscada, conquistada,
é exercício, é uma luta!
O
provérbio latino: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”, é uma realidade
que nos declara que a paz é fruto, antes de tudo, de uma conquista pessoal. A
paz, como qualidade de relação interpessoal, é fruto de uma luta interior
contra a radicalização da impulsividade, instintos, desejos, interesses,
fragilidades pessoais; a paz nos exige espera, paciência, autocontrole,
equilíbrio, temperança, tolerância, continência verbal e atitudinal. Quem não
aprende a se conter, facilmente perde suas balizas e entra em conflito com o
outro.
3. A
paz é dom de Deus
Inspirados
pela fé, afirmamos que a paz é também um bem divino, fruto da sabedoria
celeste. Na Bíblia há mais de 300 vezes a palavra paz. “Deus é paz” (Jz 6,24).
Na Sabedoria Divina há um espírito inteligente, santo, sutil, móvel, imaculado,
lúcido, amigo do bem, benfazejo, amigo dos homens, firme, seguro, sereno (cf.
Sb 7,22-23). A sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, indulgente,
conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos (cf. Tg
3,17-18).
A
paz é fruto do Espírito Santo (Gl 5,22). O rosto do Deus da Paz e da
misericórdia revelado por Jesus Cristo, já era adorado no Antigo Testamento
como nos testemunha o salmista. Ele é o Deus que faz justiça aos oprimidos, dá
pão aos famintos; liberta os prisioneiros; ele abre os olhos dos cegos,
endireita os curvados, protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a viúva (cf.
Sl 146,7-8). É o Deus da piedade e compaixão, lento para a cólera e cheio de
amor; bom para com todos, compassivo com todas as suas criaturas (cf. Sl
146,8-9).
Os
discípulos de Jesus, deverão ser homens e mulheres portadores da Paz. Essa
foi uma importante recomendação de Jesus ao enviar em missão os seus
discípulos. “Entrando numa casa, saudai-a: Paz a esta casa! Se aquela casa for
digna, descerá sobre ela vossa paz; se, porém, não o for, vosso voto de paz
retornará a vós” (Mt 10,12-12). O testemunho sobre a pessoa e a mensagem de
Jesus Cristo só podem acontecer autenticamente se for através de atitudes
pacíficas. Não há espaço para a violência e nenhuma forma de opressão sobre as
pessoas na evangelização.
O
Deus Conosco é o príncipe da Paz (cf. Is 9,22); o próprio Jesus declarou
“bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”
(Mt 5,9). Quem com a boca grita o nome de Deus, mas com as atitudes está pronta
para agredir, enganar, fuzilar, matar está sendo movido pelo seu próprio Eu e
não por Deus revelado por Jesus através das suas atitudes. Quem Ama Deus que é
Amor, está em sintonia com os irmãos, vivendo na paz. Essa é a paz que Jesus
nos deixou que não se identifica com a paz mundana como pura ausência de
conflito (cf. Jo 14,27).
4. A
Paz depende da justiça
A
germinação da paz social depende de condições específicas. Na encíclica
Populorum progressio, o Papa Paulo VI (1967) afirmou que a paz entre os povos
depende da justiça social. A paz, portanto, em nível social, depende do
desenvolvimento humano integral (cf. PP,83). Onde não há justiça, lá não há
paz. Aquele que passa fome, é injustiçado, negado em seus direitos, não vive em
paz, porque está sendo desrespeitado em sua dignidade.
Essa
relação entre justiça e paz nos recorda o profeta Isaías afirmando que, nos
tempos messiânicos, “a justiça produzirá a paz e o direito assegurará a
tranquilidade” (Is 32,17).
A
paz, enquanto virtude, só é possível para pessoas virtuosas, humanamente
evoluídas, maduras! Todos aqueles que são promotores da cizânia, são portadores
de alto grau de imaturidade humana, porque não cresceram na afetividade e
sociabilidade, por isso são incapazes de resiliência e se tornam justiceiros. A
paz é nossa responsabilidade, é um desafio que nos compromete no nosso
cotidiano. Vale recordarmos o ditado: “quando um não quer, dois não
brigam”. Se a paz pode depender de nós então, São Paulo, nos estimula
dizendo: “procuremos, portanto, o que favorece a paz e a mútua edificação” (Rm
14,19).
Resta
para todos nós ao longo deste novo ano a necessária firmeza de ânimo nas
provocações e resiliência nos abalos. A paz contribui para o nosso bem-estar, a
manutenção da saúde e o sono sereno com repouso profundo. Que ao longo deste
novo ano a bondade do Senhor e nosso Deus repouse sobre nós, nos conduza, torne
fecundos nossos trabalhos e esforços (cf. Sl 90,17) a fim de sermos
instrumentos de paz em todas as situações. Tenha um ano de Paz!
PARA
REFLEXÃO PESSOAL:
1. Por que
a confraternização universal depende da Paz?
2. O que significa
afirmar que a paz é uma legítima aspiração ética?
3. Por que a educação
contribui para paz?