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domingo, 29 de janeiro de 2023

Fortunata Bakhita Quascè, a força da liberdade e da fé contra a escravidão

Irmã Fortunata Bakhita Quascè, missionária comboniana |
Vatican News

A poucos dias da viagem do Papa à República Democrática do Congo e Sudão do Sul, foi apresentado o livro de Maria Tatsos, relatando a extraordinária história humana e espiritual da primeira missionária africana comboniana, que viveu no século XIX. Praticamente desconhecida, e de fato confundida com a mais famosa Josefina Bakhita a santa religiosa sudanesa.

Maria Milvia Morciano – Vatican News

"É uma mulher que merece absolutamente ser redescoberta. Sua vida não era apenas extraordinária, mas também cheia de aventuras, quase como um romance". É assim que a jornalista e escritora Maria Tatsos descreve a figura de Fortunata Bakhita Quascè, a primeira religiosa africana comboniana que viveu no século XIX, a quem dedicou um livro intitulado Fortunata Bakhita Quascè - Uma mulher livre contra a escravidão, apresentado na Sala Marconi do Palazzo Pio.

Uma figura a ser redescoberta

Fortunata Bakhita foi a primeira madre Missionária da Nigrizia sudanesa. Uma vida extraordinária, tanto em termos humanos quanto espirituais, e ainda uma figura que por muito tempo permaneceu praticamente desconhecida, e de fato confundida com Josefina Bakhita a famosa santa religiosa sudanesa. O livro de Maria Tatsos, uma autora sempre sensível às questões femininas, foi publicado em colaboração com o Instituto das Irmãs Missionárias Mães da Nigrizia.

Biografia

Nascida por volta de 1845 nas montanhas Nuba, atual Sudão do Sul, faleceu jovem em 1899. Quando criança, Fortunata foi sequestrada por traficantes de escravos e libertada por um sacerdote e levada para a Itália onde teve a oportunidade de estudar, o que era muito raro para uma criança da época. Tornou-se religiosa com idade bastante avançada por volta dos 35 anos, portanto como uma mulher consciente de ter feito uma "escolha muito precisa que durou a vida inteira", afirma a autora do livro. "Todos os episódios dos quais ela foi vítima e ao mesmo tempo protagonista denotam que ela era uma mulher livre, capaz de uma autonomia pessoal, de pensamento, e nisto uma figura também extremamente moderna que pode nos falar nos dias de hoje".

Uma mulher livre e de fé

Maria Tatsos conta que "para tornar sua história mais próxima de um público em geral, foi feita a escolha de dar ao livro uma inclinação de romance histórico". Obviamente, ao fazer isso, tivemos muito cuidado em adaptar os fatos históricos reais, de modo que não há nada inventado dentro da história, com exceção de alguns personagens, mas tudo o que se refere à Fortunata corresponde exatamente à sua história pessoal e de seus contemporâneos, que viveram com ela. Ela foi basicamente uma mulher livre, uma mulher com autonomia de pensamento que derivava da sua grande fé. Tornar-se missionária não foi uma escolha casual". E conclui: "É uma figura que, se me permitem, eu quase definiria como imagem de empoderamento feminino, um modelo de mulher que nos ensina como a fé e o saber dão liberdade, como podem ajudar a melhorar a sociedade e a criar um novo mundo. Fortunata dá uma mensagem muito atual, válida tanto para os que são religiosos como para os leigos".

Superar os limites

A próxima edição do “Mulheres, Igreja e Mundo”, publicado pelo Osservatore Romano terá como tema a obra missionária feminina. Contará séculos de história, mas acima de tudo questionará as razões que levam tantas mulheres a esta escolha e o significado de serem missionárias hoje. Gabriella Bottani, missionária comboniana e ex coordenadora internacional do Movimento Talitha Kum diz: "Para mim, ser missionária é deixar-me abraçar pelo amor de Deus e deixar que este amor que me abraça me leve a superar fronteiras, me leve a superar as divisões que construímos para nós mesmos e que nossa sociedade, às vezes com injustiça, nos impõe. Isso exige que superemos as fronteiras culturais, e que o façamos acima de tudo abraçados pelo amor de Deus em Cristo".

A dignidade da mulher em Cristo

Fortunata Bakhita Quascè representa um exemplo de história: foi uma pioneira, uma heroína. Deixou uma marca indelével naqueles que conheceram sua história, como aconteceu com a irmã Bottani: "Eu conheci a vida de Fortunata em 2005-2006, quando foi publicada a primeira pesquisa histórica da irmã Maria Vidale, e foi logo no início, quando me deparei com situações de mulheres crianças, vítimas de violência e abuso. Fortunata Quascè me acompanhou com seu pensamento e eu percebi que esta mulher falava de uma maneira especial àqueles que haviam sido vítimas de violência. Uma mulher que tinha vivido a escravidão, que tinha sido educada no mais alto nível possível para uma mulher do século XIX no Sudão do Sul, e que encontrou Daniele Comboni e decidiu fazer parte do projeto e voltar à África para educar as meninas que tinham sido resgatadas da escravidão. Ela é uma mulher de coragem, uma mulher que interiorizou a liberdade e deixou de viver relações de submissão. É uma mulher que descobriu o valor da sua dignidade em Cristo. É uma mulher que me diz muito, e estou convencida de que ela tem muito a dizer a muitas mulheres hoje em dia, mesmo na Igreja".


"A vida é missão"

A vida é missão | POM/CNBB

“A VIDA É MISSÃO”

Dom Jaime Vieira Rocha 
Arcebispo de Natal (RN)

Na próxima semana, no dia 2 de fevereiro, a Igreja celebra a Festa da Apresentação do Senhor e o Dia Mundial da Vida Consagrada. Um dia de louvor e gratidão por todos os religiosos e religiosas, de modo especial, os que vivem, trabalham e dão testemunho de consagração em nossa Igreja Particular: carmelitas, filhas da caridade, filhas de Santana, filhas do Amor divino, irmãs franciscanas do Bom Conselho, franciscanas hospitaleiras, irmãs da Divina Providência, irmãs da Glória, irmãs de Belém, do Bom Pastor de Quebec, do Imaculado Coração de Maria, do Sagrado Coração de Jesus, missionárias carmelitas, franciscanas missionárias de Maria Auxiliadora e Salesianas, todas anunciam a maternidade espiritual que gera filhos e filhas no ensinamento da fé, no cuidado aos enfermos e no compromisso de amor ao próximo, especialmente aos mais necessitados. E como não lembrar, também, os presbíteros e irmãos religiosos, missionários da Sagrada Família, capuchinhos, maristas, redentoristas, vicentinos, salesianos, jesuítas, filhos de Santana, bons e admiráveis colaboradores no serviço pastoral. Deus os abençoe sempre e torne fecunda a consagração que fizeram.  

Os religiosos e religiosas lembram a todos nós que a vida é missão. A presença e o testemunho deles nos mostram a centralidade de Jesus Cristo. Conhecer Jesus Cristo, encontrar nele o sentido verdadeiro da vida é o que caracterizará a nossa resposta aos questionamentos que a sociedade pós-moderna nos coloca. Para Jesus a vida é missão. Uma missão que é caminho, que dá liberdade e que abre o coração para o outro, para a comunidade, para a fraternidade. É esta a nossa grande motivação, é esta a força de nossa convicção. A nossa vida de fé terá sua eficácia a partir do momento em que formos iluminados e guiados pela mística de Jesus Cristo, anunciador do Evangelho e criador da fraternidade em nossas comunidades. Mística do dom, da abertura de coração, da vivência de rede de comunidades, da experiência de comunidades acolhedoras, servidoras e missionárias. A vida consagrada, e com ela, a vida cristã terá sentido através desse caminho: conhecer cada vez mais Jesus Cristo, o seu Evangelho, a sua centralidade. É urgente, é necessário. Somente insistindo no conhecimento de Jesus Cristo é que seremos verdadeiros missionários. Somente com mística é que nossas ações serão verdadeira missão, pois brotarão da vida e vida é missão. 

Também a vida consagrada experimenta suas tentações. Esquecer Jesus Cristo como centro, esquecer que a vida é missão, pode levar alguns ao narcisismo e à autorreferencialidade. O Papa Francisco refletiu isso no ano passado: “Podemos perguntar-nos, irmãos e irmãs: O que é que move os nossos dias? Que amor nos impele a seguir em frente: o Espírito Santo ou a paixão do momento, isto é, uma coisa qualquer? Como nos movemos na Igreja e na sociedade? Às vezes, mesmo por trás da aparência de boas obras, podem ocultar-se a traça do narcisismo ou o frenesi do protagonismo… Far-nos-á bem, a todos nós, verificar hoje as nossas motivações interiores, discirnamos as moções espirituais, porque a renovação da vida consagrada passa primariamente por aqui” (FRANCISCO. Homilia do dia 2 de fevereiro de 2022. Festa da Apresentação do Senhor. Basílica de São Pedro, Vaticano). 

Obrigado, Senhor, pela vida religiosa consagrada. Que ela seja sempre esse testemunho de uma vida cheia de alegria, de entrega à missão de evangelizar e de compromisso com Cristo e com os irmãos e irmãs.

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

A humanidade a 90 segundos do Juízo Final

Shutterstock / Ronnie Chua
Por Ricardo Sanches - Jaime Septién

Cientistas movem os ponteiros do Relógio do Juízo Final e colocam a humanidade mais perto do que nunca do apocalipse.

A guerra lançada pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, motivou o Conselho de Ciência e Segurança do Boletim de Cientistas Atômicos a colocar o Relógio do Juízo Final a apenas 90 segundos do que eles consideram o fim da vida terrestre.

O Relógio do Juízo final é uma metáfora de quão perto o planeta está da sua autodestruição.

Em seus 76 anos de história, o Boletim nunca considerou que a humanidade estivesse tão perto do fim como agora. E olha que a entidade já testemunhou as guerras na Coreia, no Vietnã, a Guerra Fria, a Crise dos Mísseis de Cuba e o ataque terrorista de 11 de setembro nos EUA.

Eles conhecem as consequências

Os cientistas idealizadores do Relógio do Juízo Final sabem o que pode acontecer em uma guerra nuclear como a que Putin anuncia em sua ambição excessiva por “recuperar” a Ucrânia para a Rússia.

Como estabelece o Boletim, o Relógio do Juízo Final “é um indicador universalmente reconhecido da profunda vulnerabilidade do mundo às armas nucleares, mudanças climáticas e tecnologias disruptivas. Quanto mais perto da meia-noite, maior o perigo para a nossa existência.”

A guerra na Ucrânia está prestes a completar um ano e o Boletim afirma que, “o mundo está num momento muito perigoso. Dezenas de milhares de pessoas, incluindo muitos civis inocentes, foram mortos. Nenhuma solução óbvia para o conflito está em vista.”

De fato, o Conselho de Ciência e Segurança do Boletim dos Cientistas Atômicos vê com grande preocupação o movimento das tropas russas perto de Chernobyl e Zaporizhia, “violando os protocolos internacionais e arriscando a liberação generalizada de materiais radioativos”.

Certamente, a perspectiva de uma guerra nuclear é a que mais preocupa a entidade, mas também há outras ameaças que pairam sobre a humanidade, como as tensões entre os Estados Unidos e a China, as alterações climáticas, a utilização de combustíveis fósseis, a emissão de gases do efeito de estufa e as consequências imprevisíveis da Covid, entre outras.

Enfim, os membros do Boletim dizem que “se alguma vez houve um momento para os líderes mundiais agirem para voltar no tempo, é agora”.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Reflexão para o IV Domingo do Tempo Comum (A)

Evangelho do domingo | Vatican News

Jesus declara bem-aventurado um mundo novo, de acordo com os planos do Pai. Ele quer salvar aqueles que ainda vivem no mundo antigo, corrompido, onde os únicos valores são riqueza, poder e glória.

Padre Cesar Augusto, SJ – Vatican News

A liturgia deste domingo nos apresenta, para nossa reflexão, o tema da humildade. Na primeira leitura, o Profeta Sofonias nos recomenda a humildade para encontrarmos refúgio no Senhor e para a prática da justiça. Isto porque o humilde é pobre, sem poder e sem riqueza. Sua confiança está apenas no Senhor e não nos bens terrenos e nem na ação maléfica para garantir a estabilidade.

No contexto da liturgia de hoje, o conceito de pobre deixa de ser maldição e passa a ser bênção. O rico está de tal modo fascinado pelo conforto e segurança que o dinheiro traz, que se esquece de que tudo deve estar subordinado à justiça, à ética emanada da Lei de Deus, a Lei do Amor. O pobre, pelo contrário, confia plenamente no Senhor, em sua Providência, vivendo a justiça dos filhos de Deus, que nos torna irmãos de todos os homens.

No Evangelho, Jesus aprofunda o conceito de pobre e acrescenta pobres em espírito, ou seja, é bem-aventurado aquele que desapegado dos bens deste mundo, desapega-se também de atitudes nada fraternas como a arrogância, o poder opressor, e se compromete na construção de uma sociedade alicerçada na partilha de todos os bens, materiais ou não, e na fraternidade de seus pensamentos e ações.

Jesus declara bem-aventurado um mundo novo, de acordo com os planos do Pai. Ele quer salvar aqueles que ainda vivem no mundo antigo, corrompido, onde os únicos valores são riqueza, poder e glória. Jesus nos propõe desapego dos bens materiais, serviço e humildade. Esses são os valores da nova sociedade, vividos por aqueles que desejam construir o Reino de Deus. Nela todos serão felizes e não apenas um pequeno grupo de privilegiados.

Quando o Senhor fez seu sermão do alto da montanha, olhou em sua volta e encontrou a imensa  multidão de sofredores, injustiçados, cansados, sobrecarregados com todos os tipos de fardos que podemos imaginar. São Paulo, em sua Carta aos Coríntios, mostra um espelho aos seus seguidores e comenta que sua comunidade é formada por fracos, desprezados, pessoas sem importância e valor. Esses foram os escolhidos por Deus para manifestar, neles, o carinho de sua glória. É a nova sociedade, onde Deus impera com sua justiça de amor.

Caríssimos irmãos, como somos nós? Como está nossa paróquia, nossa associação religiosa? Vivemos essa nova sociedade promulgada por Jesus, do alto da montanha, onde o pobre, o pecador são acolhidos com carinho e humildade de nossa parte, ou nossa vida cristã mostra exatamente o contrário do que Nosso Senhor ensinou?

Que o projeto de Jesus, para uma nova sociedade, esteja presente não apenas em nossa vida eclesial, mas também em nossa casa, em nosso trabalho profissional, em tudo onde estivermos atuando. Bem-aventurados aqueles que abrem mão de seus conceitos e verdades, para seguir integralmente os ensinamentos do Senhor!

sábado, 28 de janeiro de 2023

Temas litúrgicos: a homilia

A homilia | Presbíteros

Temas litúrgicos: a homilia

«Se por meio da Sagrada Escritura é Deus que nos fala, é mediante a homilia que nos fala a Igreja». Os fiéis esperam do sacerdote que lhes torne acessível, compreensível, aplicável ao dia-a-dia, aquilo que ouviram da parte de Deus nas leituras. E isto, nas suas circunstâncias atuais. Procuram na homilia uma resposta para as suas dúvidas e buscas quotidianas. Uma resposta ancorada na Palavra de Deus. Uma resposta verdadeira, portanto.

Recordo um caso que ilustra esta expectativa de uma forma expressiva. Trata-se do caso de um sacerdote que viveu na sua família uma das mortes nos incêndios de Pedrógão. Quando as dúvidas se desvaneceram e a realidade caiu, inevitável, tremenda, dura, sobre toda a família, o sacerdote soube que, para ele, padre, se iriam levantar os olhares de todos. Olhares interrogativos, olhares de quem quer entender e não entende… Sabia que precisavam que ele lhes falasse da parte de Deus e que, tal como o egípcio perante o diácono Filipe, precisavam de ajuda para desvelar a Palavra de Deus neste contexto tão particular, e os ajudasse a compreender.[3] E, curioso, sabia que iriam esperar por esse momento litúrgico: pela homilia. Sim, na homilia daquele funeral havia um silêncio ensurdecedor. Um silêncio que gritava: – «Explica-nos o que aconteceu! Onde estava Deus nesse momento? Por que permitiu isto? E agora, onde está Deus? Como olha para nós e para o nosso sofrimento?». Olhares sedentos de resposta. Uma resposta que já tinha começado a ser dada pelo próprio Deus quando se proclamaram as leituras e se pronunciaram as orações daquela celebração litúrgica, mas que precisava de ser continuada, explicitada. Sentiu, pois, na pele, talvez da forma mais intensa até esse momento, aquilo que disse o Papa Francisco: «O pregador tem a belíssima e difícil missão de unir os corações que se amam: o do Senhor e os do seu povo. O diálogo entre Deus e o seu povo reforça ainda mais a aliança entre ambos e estreita o vínculo da caridade. Durante o tempo da homilia, os corações dos crentes fazem silêncio e deixam-No falar a Ele». Sim, querem que Aquele que lhes falou há pouco, seja mais claro, que lhes fale na sua linguagem, de forma compreensível. Francisco continua: «O Senhor e o seu povo falam-se de mil e uma maneiras diretamente, sem intermediários, mas, na homilia, querem que alguém sirva de instrumento e exprima os sentimentos, de modo que, depois, cada um possa escolher como continuar a sua conversa». Ao ler isto recordei ainda um pormenor do relato daquele sacerdote: um dia depois daquela Missa de corpo presente, aproximou-se uma pessoa e mostrou-lhe um papel onde anotara a sua oração. «Depois de o ouvir decidi-me a escrever isto». E o que escrevera era o que o Papa dizia: conversa pessoal com Deus, à luz da Sua Palavra e daquelas circunstâncias dramáticas que estava a viver. Sim, naquelas celebrações litúrgicas os corações daquela família, de amigos e conhecidos, que se poderiam ter afastado do Senhor pela dor e a incompreensão, iluminados com a Sua Palavra, uniram-se mais, por muito incompreensível que isso seja. Cumpriram-se aquelas outras palavras do Santo Padre: «a Palavra de Deus é proclamada na comunidade cristã para que o dia do Senhor se ilumine com a luz que provém do mistério pascal (…). Deus continua a falar hoje conosco como aos seus amigos, “entretém-se” conosco, para oferecer-nos a sua companhia e mostrar-nos o caminho da vida. A sua Palavra torna-se intérprete das nossas petições e preocupações, e é também resposta fecunda para que possamos experimentar concretamente a sua proximidade».

Recordo ainda o caso daquele capelão de um colégio a quem lhe deram a notícia de que o pai de um aluno fora baleado por um louco na rua e faleceu. Naquele momento ele soube que, no dia seguinte, os olhos de todos os alunos estariam postos nele com a pergunta: – «Porquê?». E foi com essa pergunta que começou a homilia dessa Missa única, multitudinária, em que todo o colégio acorreu em peso. «Porquê?». E, com base nos textos da celebração, foi procurando responder. Não sei o que disse, mas soube da reação daqueles adolescentes. Foi como soltar a pressão de uma panela que ameaçava explodir. A Palavra de Deus tinha-os confortado, tinha-os ajudado a aceitar a dor e a compreender um pouco o mistério da vida. Talvez tenha acontecido algo semelhante ao que sucedeu com os discípulos de Emaús. As palavras do Senhor iluminam o drama da cruz à luz das Escrituras e permitem-lhes vislumbrar um sentido para tudo aquilo que viviam e sentiam. E o coração daqueles discípulos aqueceu-se.

Perdoem-me estas divagações. Sei que qualquer sacerdote terá um sem-número de episódios certamente mais relevantes e ilustrativos. Efetivamente, resisti-me muito a escrever este artigo. Não queria falar sobre a homilia. Parecia-me mais um tema pastoral do que litúrgico. Porém, se a liturgia é esse diálogo entre Deus e o homem, mediado pelo sacerdócio, como pôr de parte a homilia? É tão sincero e belo o pedido dos discípulos: «explica-nos a parábola». Querem entender. Também agora, os fiéis querem entender e viver as palavras do mestre.

Aliás, encontramos essa prática já na sinagoga nos tempos do Senhor. O próprio Jesus é chamado a ler e, depois, todos esperam uma explicação. Estavam todos os olhos cravados nele. Aquelas palavras cumpriam-se naquele preciso momento. Ora a Palavra de Deus tem essa propriedade de se tornar vida no «hoje» da Igreja. Cabe ao ministro a tarefa de descobrir essa aplicação, de ser instrumento, para que Deus fale através da sua Igreja e a instrua. Daí que o Papa Francisco diga que «a homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo».

Isso implica da sua parte uma atenção e preparação especial, a humildade de se saber instrumento, sabendo que fala não a título pessoal, mas em nome da Igreja e que, também na homilia está a desempenhar uma função litúrgica.

Daí que a Igreja dê indicações explicitas sobre o seu conteúdo: «deve ser a explanação de algum aspecto das leituras da Sagrada Escritura ou de algum texto do Ordinário ou do Próprio do dia, tendo em conta o mistério que se celebra, bem como as necessidades peculiares dos ouvintes».

Na exortação Sacramentum Caritatis o Papa Bento pedia: «Evitem-se homilias genéricas ou abstratas; de modo particular peço aos ministros para fazerem com que a homilia coloque a Palavra de Deus proclamada em estreita relação com a celebração sacramental (Cfr. SC 52) e com a vida da comunidade, de tal modo que a Palavra de Deus seja realmente apoio e vida da Igreja (Cfr. DV 21)».

Por ser litúrgica ela deve ser breve. Para respeitar a harmonia da celebração e o seu ritmo. «Quando a pregação se realiza no contexto da Liturgia, incorpora-se como parte da oferenda que se entrega ao Pai e como mediação da graça que Cristo derrama na celebração. Este mesmo contexto exige que a pregação oriente a assembleia, e também o pregador, para uma comunhão com Cristo na Eucaristia, que transforme a vida. Isto requer que a palavra do pregador não ocupe um lugar excessivo, para que o Senhor brilhe mais que o ministro».

Termino esta reflexão com outra citação do Papa Bento XVI. São três perguntas que formula com o intuito de ajudar o pregador a colocar-se diante do texto para preparar a sua homilia: «Que dizem as leituras proclamadas? Que me dizem a mim pessoalmente? Que devo dizer à comunidade, tendo em conta a sua situação concreta?» Se o sacerdote souber responder a estas três questões estará, certamente, em condições de ser um bom instrumento e ajudar a comunidade a dialogar com o seu Senhor.

P. PEDRO BOLÉO TOMÉ

Bem-aventurados os mansos

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BEM-AVENTURADOS OS MANSOS

Dom Rodolfo Weber
Arcebispo de Passo Fundo (RS)

A felicidade é uma aspiração radicada na condição humana e faz parte das suas necessidades fundamentais como o ar, a água, o alimento, a casa, os amigos. Tanto as compreensões quanto os caminhos propostos para alcançar a felicidade são múltiplos. São oferecidas receitas milagrosas; outros acentuam que é preciso potencializar o máximo os prazeres imediatos do corpo; outros ensinam que é preciso controlar os desejos de felicidade pois são a origem de sofrimentos. 

Jesus, como mestre, não de abstém de ensinar sobre o que torna a vida bem-aventurada ou feliz. (Mateus 5, 1-12). Proclama bem-aventurados os pobres em espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz e os são perseguidos por causa da justiça. Este ensinamento que vai se aprofundado nos capítulos 5, 6 e 7. Os ensinamentos dirigidos à multidão e aos discípulos sobre o monte, hoje são dirigidos a nós. São ensinamentos atuais e universais. Serão sempre atuais porque eles são uma autobiografia de Jesus, e, consequentemente revelam a Deus Pai e o Espírito Santo. 

Devido ao espaço destacamos duas. “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra”. “Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”. Convivemos com múltiplas formas de violência, desde as mais explícitas até as mais sutis. Há litígios sobre todos os temas, se faz necessário tratar os assuntos como “polêmicos”. Nem o agente da violência e nem a vítima são felizes, vivem exaustos. Os dois necessitam de cuidado e cura.  

Durante a vida pública de Jesus apresentaram-se muitas situações conflitivas que poderiam desencadear ensinamentos agressivos da parte de Cristo. Ele sempre manteve a convicção que a violência precisa ser tratada com mansidão. “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós” (Mt 11,29). A Pedro no Getsêmani diz: “Guarda a espada! Todos os que usam da espada, pela espada perecerão” (Mt 26,52). Entra assim em Jerusalém: “Eis que o teu rei vem a ti, manso e montado num jumento” (Mt 21, 5) Como resposta à violência Jesus propõe o martírio, isto é, o testemunho da verdade. Diz a Pilatos: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo o que é da verdade, escuta a minha voz” (Jo 18,37). 

A primeira bem-aventurança, “os pobres de espírito”, é uma espécie de compêndio, porque retoma e envolve as outras, mas também oferece uma chave de leitura. Na tradição bíblica estas pessoas são chamadas de anavîm. A sua situação de insegurança, de abandono faz com que se voltem a Deus no qual apresentam a sua situação degradante e pedem que Deus seja o seu defensor, pois dos humanos não esperam mais nada. 

“Os anawîm são homens reais, que vivem numa situação de necessidade, sofrem abusos e choram. Mas respondem com mansidão às injustiças, se empenham pela paz, fazem uso da misericórdia no julgamento, se esforçam de estabelecer uma justa relação com os homens e com Deus, e procuram a pureza de coração sendo coerentes entre as ações e os pensamentos. Estes são os criadores do mundo novo, as testemunhas do Reino. Porque o Reino dos Céus, do qual se fala nas bem-aventuranças, são outra coisa que o pão que repartimos, a mão estendida ao inimigo, o ato de violência que impedimos, a concórdia que favorecemos, o sorriso que oferecemos” (Massimo Grilli).

A carta do Papa ao Padre James Martin sobre homossexualidade e pecado

Padre James Martin | Vatican News

Em uma carta ao padre jesuíta, o Papa Francisco diz que em sua recente entrevista à Associated Press, na qual, entre outras coisas, ele disse que "ser homossexual não é crime", estava se referindo à doutrina católica que ensina que qualquer ato sexual fora do casamento é pecado.

Vatican News

"Eu simplesmente me referia ao ensinamento da moral católica, que diz que qualquer ato sexual fora do casamento é pecado": isto é o que o Papa escreveu ao responder a uma carta do Padre James Martin, o jesuíta estadunidense que realiza seu apostolado entre as pessoas LGBT, para esclarecer o significado de suas palavras em uma recente entrevista à Associated Press. A resposta escrita à mão pelo Papa, em espanhol, foi publicada no site do Padre Martin 'Outreach.faith'.

Já a partir do contexto da entrevista com a Associated Press ficou claro que o Papa havia falado da homossexualidade, referindo-se naquele caso a "atos homossexuais" e não a condição homossexual em si. Com esta resposta, Francisco reiterou que a sua posição, já repetida desde a primeira entrevista com jornalistas no voo de volta do Brasil em 2013 ("Se uma pessoa é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, mas quem sou eu para julgá-la?") é a do Catecismo da Igreja Católica.

Respondendo ao Padre Martin, o Papa também enfatizou, com relação ao pecado, que " também devem ser consideradas circunstâncias, que diminuem ou anulam a culpa", porque "sabemos bem que a moral católica, além da matéria, valoriza a liberdade, a intenção; e isto, para todo tipo de pecado".

Portanto, na carta o Papa reitera o que disse na entrevista à Associated Press: "Aos que querem criminalizar a homossexualidade, eu gostaria de dizer que estão errados". Na entrevista ele destacou que "ser homossexual não é crime", enquanto existem mais de 50 países que têm condenações legais para as pessoas homossexuais e alguns destes países têm até a pena de morte.

A carta se conclui com a oração do Papa pelo trabalho do Padre Martin e pela comunidade LGBT que ele segue, e acrescenta: "Por favor, faça o mesmo por mim".

A duração ideal de uma homilia, segundo o Papa Francisco

Philippe Lissac I Godong
Maundy Thursday celebration in a Parisian catholic church
Por Mathilde de Robien

Francisco voltou a exortar os sacerdotes a encurtar a duração de suas homilias e lembrou que elas são um "sacramento".

Homilia: um assunto caro ao Papa Francisco. A ela o pontífice dedicou parte de sua exortação apostólica Evangelii Gaudium em 2013, e, recentemente, fez um discurso contra os sermões excessivamente longos, chegando mesmo a qualificar certas homilias como “desastres”. 

Segundo o Papa, os sermões que seguem a leitura do Evangelho na Missa não devem ser nem “aulas de filosofia” nem “conferências”. Por outro lado, são “sacramentos”.

“Às vezes, ouço: ‘Sim, fui à Missa em tal paróquia… Uma boa aula de filosofia, por 40, 45 minutos…’, lamenta o Papa. Segundo ele, uma homilia deve durar “oito, dez minutos, não mais do que isso. E também deve incluir sempre “um pensamento, um sentimento e uma imagem” para que “as pessoas levem algo para casa”.

Depois de ter convidado os responsáveis ​​diocesanos que o visitavam a cuidar da liturgia e a promover o silêncio para “conduzir o povo a Cristo e Cristo ao povo”, o Papa voltou à ideia – à primeira vista inusitada – de ” sacramento” para definir uma homilia: “A homilia não é uma palestra, é um sacramento. (…) Prepara-se na oração, prepara-se com espírito apostólico.”

A homilia, um sacramento?

A homilia não é um sacramento como os sete sacramentos instituídos pela Igreja Católica, mas o é no sentido de que “pode ​​ser uma intensa e feliz experiência do Espírito, um encontro consolador com a Palavra, fonte constante de renovação e crescimento” (Evangelii Gaudium). É também “mediação da graça” (idem).

A homilia tem, portanto, um significado sacramental. “Ela faz parte da ação litúrgica”, especificou Bento XVI em sua exortação apostólica Verbum Domini. Para Bento XVI, “a função [da homilia] é favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da Palavra de Deus na vida dos fiéis. A homilia constitui uma atualização da mensagem da Sagrada Escritura, de tal modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a eficácia da Palavra de Deus no momento atual da sua vida.”

Da mesma forma que os sacramentos são sinais visíveis da graça de Deus e permitem que os homens tomem consciência da presença de Deus no meio deles, a homilia é um vetor pelo qual Deus busca alcançar os homens através do pregador. 

As palavras do pregador devem ser medidas, para que o Senhor, mais do que seu ministro, seja o centro das atenções.

O espaço da homilia

Por isso, a homilia deve ser curta e não ocupar todo o espaço da celebração litúrgica. “Um pregador pode conseguir prender a atenção de seus ouvintes por uma hora inteira, mas neste caso suas palavras se tornam mais importantes do que a celebração da fé”, alertou o Papa Francisco na Evangelii Gaudium

“Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo. Quando a pregação se realiza no contexto da Liturgia, incorpora-se como parte da oferenda que se entrega ao Pai e como mediação da graça que Cristo derrama na celebração. Este mesmo contexto exige que a pregação oriente a assembleia, e também o pregador, para uma comunhão com Cristo na Eucaristia, que transforme a vida. Isto requer que a palavra do pregador não ocupe um lugar excessivo, para que o Senhor brilhe mais que o ministro”, explica Francisco.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

São Tomás de Aquino

São Tomás de Aquino | cnbb
28 de janeiro

SÃO TOMÁS DE AQUINO, DOUTOR CUJA OBRA ENRIQUECE TRADIÇÃO E PENSAMENTO DA IGREJA

A Igreja faz memória nesta quinta-feira, 28 de janeiro, de São Tomás de Aquino, presbítero dominicano, doutor da Igreja, padroeiro das escolas católicas. Em sua breve vida – faleceu aos 49 anos – ofereceu uma contribuição histórica para a relação entre a fé e a razão.

Tomás de Aquino nasceu no castelo de Roccasecca, em Aquino, no reino da Sicília, no sul da Itália, no ano de 1225. Sua família, de origem nobre se destacou a serviço do imperador da Alemanha, Frederico II.

Chamado de “boi mudo” pelos colegas, devido às poucas palavras, Tomás fez valer uma promessa de seu professor, o também santo Alberto Magno: “Eu lhes digo que este boi vai berrar tão alto, que seu berro vai ecoar no mundo inteiro”. E assim aconteceu. De suas palavras a Igreja ganhou hinos, reflexões e celebrações que enriquecem a tradição e o pensamento teológico-filosófico até os dias atuais. Destaque para a “Suma Teológica”, obra na qual estão as bases da dogmática do catolicismo e considerada uma das principais obras filosóficas da escolástica.

São Tomás de Aquino foi responsável pela composição do texto da liturgia de Corpus Christi, a pedido do Papa Urbano IV, em 1264. Para a celebração, compôs também o hino “Pange lingua”, o qual inspira a canção da Bênção do Santíssimo cantada no Brasil.

Também é conferido à sua autoria o termo bem comum, ou bem público, termo adotado pela Doutrina Social da Igreja, como sendo “o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição”, de acordo com a Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes.  (Gaudium et Spes, n. 26).

São Tomás e a Eucaristia

Considerando sua importância na grande solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, o Portal da CNBB recorda algumas reflexões de São Tomás sobre a Eucaristia destacadas nos artigos dos Bispos:

“A Eucaristia é o maior dos sacramentos, nos ensina São Tomás de Aquino, e o principal dos milagres de Cristo, pois ele não cessa. O Senhor o realiza não só uma vez, em favor de alguém, mas o repete todos os dias, em centenas de lugares ao mesmo tempo, em favor de todos os filhos da Igreja, reunidos nas mais longínquas comunidades ou nos mais movimentados centros urbanos”.

– Dom Gil Antônio Moreira, arcebispo de Juiz de Fora (MG), em artigo sobre Eucaristia, centro de toda a liturgia.

“No canto litúrgico, ‘Pange Língua’, composto por Santo Tomás de Aquino, a pedido do Papa Urbano IV, para a Festa de Corpus Christi, de 1264, na estrofe “Tantum Ergo Sacramentum” (Tão Sublime Sacramento), há uma afirmação que sempre me fez bem pensar e rezar: ‘Venha a fé, por suplemento, os sentidos completar’. Muitos cantos litúrgicos trazem verdades, poeticamente embutidas, quais pérolas preciosas que, às vezes, passam despercebidas. Esta é uma delas. Poucos se dão conta do que estão realmente cantando e rezando.”

– Dom Pedro Brito Guimarães, arcebispo de Palmas (TO), no artigo A fé por suplemento

 “[…] o Deus grande e próximo, que fala aos homens com palavras humanas e se deixa chamar de Pai! Conhece-nos profundamente, pois somos obra de Suas mãos, soprou em nossas narinas o sopro da vida, e sabe o que necessitamos antes mesmo que nós o peçamos. Sobre esta realidade, já dizia Santo Tomás de Aquino: “Não oramos para que Deus tenha consciência de nossas necessidades; oramos para que nós tenhamos consciência da necessidade que temos de Deus.

Cardeal Orani Tempesta, arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, sobre oração de intercessão

“Santo Tomás de Aquino afirmou: “Nenhum outro sacramento é mais salutar do que a eucaristia. Pois, nele os pecados são destruídos, crescem as virtudes e a alma é plenamente saciada de todos os dons espirituais. A Eucaristia é o memorial perene da paixão de Cristo, o cumprimento perfeito das figuras da antiga aliança e o maior de todos os milagres que Cristo realizou” que a Eucaristia constitui o maior milagre realizado por Jesus neste mundo.”

– Cardeal Orani Tempesta, arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, em artigo sobre Corpus Christi

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Algumas lições do mar

O mar | Cléofas

Algumas lições do mar

 POR PROF. FELIPE AQUINO

O que sente quando olha para o mar? O que ele te diz?

Sabemos que toda a criação canta as obras do Senhor. A Liturgia exclama: “O Céu e a Terra proclamam a Vossa Glória”, “Tudo o que criastes proclama o Vosso louvor”. São Boaventura explica que “Deus criou todas as coisas não para aumentar a Sua glória, mas para manifestá-la e para comunicá-la”.

Podemos observar nas criaturas um rastro do Criador, tal como uma assinatura, uma marca, na obra de um artista. Logo, o céu, a terra, as montanhas, os rios e matas são como espelhos através dos quais Deus nos mostra um pouco da Sua beleza, grandeza, onipotência, amor, sabedoria, Sua Face. E o mar, podemos assim dizer, também é uma pequena amostra da Imagem Infinita de Deus. Ele é grande e majestoso como um rei, forte como um leão, rico como um tesouro e cheio de vida abundante.

Não é de hoje que o mar “fala”. Percebemos que em diversas passagens da Bíblia os autores sagrados usam a figura do mar para louvar a Deus ou para nos ensinar alguma coisa, já percebeu? Veja bem, o salmista já escrevia assim: “Deus tem nas mãos as profundezas dos abismos, e as alturas das montanhas lhe pertencem; o mar é dele, pois foi ele quem o fez, e a terra firme suas mãos a modelaram” (Sl 94,4-5). E prossegue o Eclesiástico: “O Senhor, com seu desígnio, aplacou o oceano e nele plantou as ilhas. Os que navegam sobre o mar descrevem seus perigos, e ficamos admirados com o que ouvimos a respeito: há nele coisas estranhas e maravilhosas, animais de toda espécie e monstros marinhos” (Eclo 43,25-27). E ainda essas e mais outras tantas: “Os filhos de Israel serão tão numerosos como a areia do mar, que não se pode medir nem contar. Em lugar de se lhes dizer: Lo-Ami, serão chamados Filhos do Deus vivo” (Os 2,1). “Porém, mais poderoso que a voz das grandes águas, mais poderoso que os vagalhões do mar, mais poderoso é o Senhor nas alturas do céu” (Sl 92,4).

Veja que bonito ensina nosso Catecismo no parágrafo §1:

“Deus, infinitamente perfeito e Bem-aventurado em Si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para torná-lo participante da sua vida bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-Lo e a amá-Lo com todas as suas forças”.

Deus nos criou para o Céu. E enquanto caminhamos como peregrinos nesta Terra, Ele está próximo a nós. Deus quer estar conosco, quer falar conosco; seja pelas situações da vida, pelas pessoas que coloca em nosso caminho, por sua Palavra, pela Eucaristia ou pela natureza. O Senhor não poupa maneiras de falar ao nosso coração, inclusive foi Ele mesmo que colocou essa sede de Infinito no coração do homem para que O buscasse e O encontrasse. Desde então a humanidade busca preencher um vazio que só pode ser preenchido pelo Criador. Por esse motivo é preciso estar atento aos pequenos detalhes da nossa vida para não correr o risco de não percebermos que Ele está ao nosso lado.

Por exemplo, por uma simples caminhada pela areia da praia podemos aprender muitas lições com o mar. Não podemos nunca nos esquecer de que Deus também fala conosco através de Sua criação e de suas criaturas. Ao beirar o mar pela areia podemos tocar suas ondas macias banhando nossos pés como num gesto de carinho. Através delas o mar nos traz muitas mensagens que só podem ser lidas se as antenas da alma estiveram sintonizadas na frequência da fé. Isto nos faz lembrar o que diz o Salmo “Invitatório”, que recrimina aqueles que sem fé, têm os ouvidos fechados para as mensagens que Deus nos dá pelas criaturas – “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: Não fecheis os corações como em Meriba, como em Massa, no deserto, aquele dia, em que outrora vossos pais me provocaram, apesar de terem visto as minhas obras” (Sl 94,8-9).

Abrindo os ouvidos e olhos da alma, ao encontrar na areia uma conchinha que toca nossos pés, podemos perceber sua simplicidade e também que ela possui concavidade peculiar feita para acolher uma vida que nela é gerada. E olhando para ela, imaginando além, podemos lembrar que antes de se abrir, aquela conchinha estava fechadinha e possuía duas faces extremamente unidas. Ela trazia em si uma vida que um dia, depois de madura, pôde se abrir e servir de alimento para outras criaturas. Não são lições para nós – de simplicidade, disponibilidade, serviço desinteressado?

Ao observarmos ainda, aquela conchinha aberta perdida ali na areia, com seu pequeno corpo mineral voltado para o Céu como que glorificando ao seu Criador, podemos pensar: Será que meu coração também não precisa se abrir mais para louvar e dar glórias a Deus?

Pense na conchinha, depois de gerar nela uma vida, se abre para dar graças ao Autor de toda a vida. Parecem duas mãos abertas em gesto de louvor silencioso… Jesus, certa vez, não disse que se os homens não O louvassem, as pedras o fariam? Elas são como pedras que louvam o Criador! Não são lições para nós?

“Tudo o que criastes proclama o Vosso louvor!”.

Se o mar não existisse, aquela conchinha não estaria ali e se não fosse pelo amor e pela vontade de Deus, nada disso existiria. Nem mesmo nós. Não são estes bons motivos para louvar a Deus?

Quantas outras surpresas pode nos trazer o mar! Quanto de Deus ele nos fala…

Certa vez, ao final de uma caminhada pela praia, encontrei o mais enigmático caramujo. Dentro dele também um dia, houve uma vida, para a qual ele serviu de casa e proteção. Depois de hospedar essa criatura, ficou abandonado na praia e foi colhido por mim como uma lembrança do mar para alguém. Aceitou ser esquecido e abandonado na areia…, satisfeito de ter cumprido sua missão como uma criatura inorgânica, dando assim, a seu modo, glória ao Criador. E o bichinho que dali saiu talvez possa nos dizer que o mar da vida é cheio de perigos, e que é preciso viver um tanto escondido e bem protegido pela graça de Deus como o caramujo.

Por fim, o apelo que faço a você neste dia é: abra os ouvidos da alma e ouça a Voz do Criador que fala sem cessar no silêncio do coração. Isto é meditar. Isto é espiritualidade.

Prof. Felipe Aquino

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF