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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Exemplos de fé: Abraão

O sagrifício de Isaac | Caravaggio

Abraão

Iniciamos uma série de artigos sobre algumas figuras do Antigo e do Novo Testamento que, com a sua vida, mostraram a proximidade de Deus com os homens. "Se queremos entender o que é a fé – disse o Papa Francisco – temos de narrar o seu percurso, o caminho dos homens crentes".

ABRAÃO, NOSSO PAI NA FÉ

O Livro do Gênesis narra a vida de Abraão a partir do momento em que o Senhor cruzou o seu caminho e transformou radicalmente a sua existência. Embora o escritor sagrado não pretenda oferecer uma biografia detalhada, apresenta-nos numerosos episódios que colocam em evidência a profunda fé do santo patriarca e o modo como ele deixa Deus agir na sua vida.

E o Senhor lhe concede uma terra e uma descendência numerosa, mas Abraão deverá iniciar um caminho: Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, e vai para a terra que Eu te mostrar. Eu farei de ti um grande povo, abençoar-te-ei; tornarei famoso o teu nome, de modo que se tornará uma bênção[1]. Tempos depois, o próprio Deus vai mudar o seu nome – e já não te chamarás Abrão, mas o teu nome será Abraão[2] – para indicar que lhe conferiu «uma personalidade nova e uma nova missão, que ficam refletidas no significado do novo nome: “pai de multidões"»[3]. Manifesta-se assim que toda a singularidade do patriarca depende da aliança com Deus e está ao serviço desta.

Abraão escuta a voz de Deus e a coloca em prática, sem prestar demasiada atenção ao que as circunstâncias lhe podiam aconselhar. Porque abandonar a segurança da sua pátria, esperar uma descendência quando, quer ele quer a sua mulher, são de idade avançada? Mas Abraão confia em Deus, na sua onipotência, na sua sabedoria e na sua bondade. O episódio de Sodoma e Gomorra[4] mostra, além da gravidade do pecado que ofende a Deus e destrói o homem, a familiaridade que Abraão tem com o seu Senhor. Deus não lhe oculta o que está por fazer e acolhe a oração de intercessão do santo patriarca. A resposta de fé apoia-se na confiança, ou seja, em um trato pessoal com Deus.

Abraão expulsa Agar e Ismael | Guercino

O conhecimento das coisas, o sentir comum, a experiência, os meios humanos têm a sua importância mas, se tudo ficasse por aí, “em uma ordem natural", a nossa percepção da realidade seria falsa por ser incompleta, porque o nosso Pai Deus não se desinteressa de nós nem o seu poder minguou. Assim o expressava São Josemaria Escrivá de Balaguer: Nos empreendimentos de apostolado, está certo - é um dever - que consideres os teus meios terrenos (2 + 2 = 4 ). Mas não esqueças - nunca! - que tens de contar, felizmente, com outra parcela: Deus + 2 + 2...[5]

As dificuldades habituais, por muito adversas que pareçam, nunca são a última palavra. Deus é fiel e cumpre sempre as suas promessas. Abraão atua de acordo com esta lógica. O valor exemplar da fé de Abraão compendia-se em três traços fundamentais: a obediência, a confiança e a fidelidade.

Na obediência da fé

Abraão manifesta a sua própria fé principalmente obedecendo a Deus. A obediência pressupõe a escuta, pois é necessário, em primeiro lugar, “prestar atenção", quer dizer, conhecer a vontade de outro para lhe dar resposta e cumpri-la. Na Sagrada Escritura obedecer não é apenas “cumprir" mecanicamente o mandado: implica uma atitude ativa, que põe em jogo a inteligência diante de Deus que se revela, e que conduz a pessoa a aderir à vontade divina com todas as forças e capacidades. «Quando Deus o chama, Abraão parte "como lhe tinha dito o Senhor" (Gn12, 4): todo o seu coração se submete à Palavra e obedece»[6].

A obediência que provém da fé vai muito para além da simples disciplina: pressupõe a aceitação livre e pessoal da Palavra de Deus. Assim ocorre também em muitos momentos da nossa vida quando podemos acolher essa Palavra ou recusá-la, deixando que as nossas ideias prevaleçam sobre o que Ele quer. A obediência da fé é a resposta ao convite de Deus ao homem para caminhar junto d'Ele, a viver em amizade com Ele. « Obedecer ("ob-audire") na fé significa submeter-se livremente à palavra ouvida, visto que sua verdade é garantida por Deus, a própria Verdade. Desta obediência, Abraão é o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe, e a Virgem Maria, sua mais perfeita realização»[7].

Com confiança e abandono em Deus

Quando consideramos a vida de Abraão vemos que a fé está presente em toda a sua existência, manifestando-se especialmente nos momentos de obscuridade, em que as certezas humanas falham. A fé implica sempre uma certa obscuridade, um viver no mistério, sabendo que nunca se chegará a atingir uma perfeita explicação, uma perfeita compreensão, pois o contrário já não seria fé. Como diz o autor da carta aos Hebreus, a fé é a certeza daquilo que ainda se espera, a demonstração de realidades que não se veem[8]. A falta de certeza da fé é superada pela confiança do crente em Deus; pela fé, o patriarca põe-se a caminho sem saber para onde vai, mas essa é apenas a primeira ocasião em que deverá pôr em jogo esta virtude. Porque, como recorda o Catecismo da Igreja Católica, é necessário confiar muito em Deus para viver «como estrangeiro e peregrino na Terra prometida»[9], e enfrentar o sacrifício do filho: Toma o teu filho, o teu único filho Isaac, a quem amas, e vai para a região de Moriá e oferece-o lá em holocausto, sobre uma montanha que Eu vou indicar[10].

O sacrifício de Isaac | Caravaggio

A fé de Abraão manifesta-se em toda a sua grandeza quando se dispõe a renunciar ao seu filho Isaac. O sacrifício do próprio filho é profecia da entrega de Jesus Cristo para a salvação do mundo. É algo tão tremendo que dispensa comentários. Mas Abraão não se revolta contra Deus, não o questiona nem o põe em dúvida: fia-se d'Ele. Põe-se a caminho, continua atento a escutar a voz do Senhor e, no final da viagem ao monte Moriá, descobre que não quer o sangue de Isaac: E Deus disse-lhe: – Não estendas a mão contra o menino! Não lhe faças nenhum mal! Agora sei que temes a Deus pois não me recusaste o teu filho, o teu filho único. (…). E Abraão deu a esse lugar o nome "Javé providenciará"! Assim, ainda hoje se costuma dizer: "Sobre a montanha, Javé providenciará"[11].

Acontecimentos similares costumam suceder na vida dos santos. Recordemos, por exemplo, quando o nosso Padre pensou que o Senhor estava a lhe pedir para deixar o Opus Dei para poder realizar uma nova fundação, dirigida aos sacerdotes diocesanos. Que grande sacrifício! De fato, depois de falar com várias pessoas na Santa Sé, chegou mesmo a comunicar a sua decisão a D. Álvaro, à Tia Carmen, ao Tio Santiago, aos membros do Conselho Geral e a mais alguns. “Mas Deus não o quis assim, e livrou-me, com a sua mão misericordiosa – carinhosa – de Pai, do sacrifício bem grande que me dispunha a fazer deixando o Opus Dei. Eu já havia informado oficiosamente da minha intenção à Santa Sé (...), mas depois vi com clareza que era desnecessária essa fundação nova, essa nova associação, porque os sacerdotes diocesanos cabiam também perfeitamente na Obra[12]. Como Abraão tinha sido libertado, São Josemaria também foi, pois o Senhor o fez entender que os sacerdotes diocesanos podiam fazer parte do Opus Dei e ser admitidos como sócios da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, sem que isso afetasse a sua situação na diocese; mais ainda, porque assim seria fortalecida a sua união com o resto do clero e com o seu Bispo.

Fé que é fidelidade

A fé de Abraão manifesta-se também como fidelidade: perante os diversos acontecimentos, persevera na sua decisão de seguir a vontade de Deus. A fé apoia-se na palavra de Deus e, por isso, dá lugar a decisões tomadas em profundidade, que não estão submetidas a posteriores “revisões" ou “re-pensamentos". Mantenhamos firme a confissão da esperança, porque fiel é o que fez a promessa[13]. Na nossa vida sempre haverá momentos que nos servirão – com a graça de Deus – para fortalecer e consolidar a nossa fé. Abraão foi submetido a uma prova tremenda: viu-se na situação de ter que sacrificar aquele que era fruto da promessa que lhe tinha sido feita. O santo patriarca não só teve de enfrentar circunstâncias difíceis, mas ainda esperou contra toda a esperança[14], porque as circunstâncias convidavam a “julgar" a vontade divina, a duvidar do próprio Deus e da sua fidelidade. Nisto radica a tentação que se apresentou a Abraão.

Também nós podemos nos deparar, por vezes, com situações onde intuímos que o Senhor espera algo que talvez nos contrarie: um passo em frente na vida cristã, a renúncia a um modo de fazer ou mesmo a uma maneira de ser, talvez profundamente arraigada, mas que talvez não favoreça a fecundidade do apostolado. Pode surgir o impulso de silenciar essa inquietação, identificando aquilo que nos agradaria com o que deveria ser a vontade divina: «A tentação de deixar Deus de lado para nos pormos nós próprios no centro está sempre à espreita»[15].

A Hospitalidade de Abraão | Pintura Ortodoxa

Abraão não age assim: vai para o monte Moriá, com um grande conflito interior, mas convencido de que antes ou depois Deus providenciará[16]. E Deus, que está empenhado em fazer-se entender, no final providencia. Para que se fizesse luz, Abraão teve de percorrer o caminho completo, teve de pôr-se em marcha e chegar até ao fim. Também nós, se procuramos secundar em todo o momento a vontade divina, descobriremos que, apesar das nossas limitações, Deus dá eficácia à nossa vida. Saberemos e sentiremos que Deus nos ama e não teremos medo de O amar: «A fé professa-se com a boca e com o coração, com a palavra e com o amor»[17].


[1] Gn12, 1-2.

[2] Gn17, 5.

[3] Bíblia de Navarra (tomo I, 1997), comentário a Gn17, 5.

[4] Cfr. Gn18-19.

[5] São Josemaria, Caminho, n. 471.

[6] Catecismo da Igreja Católica, n. 2570.

[7] Catecismo da Igreja Católica, n. 144.

[8] Hb11, 1.

[9] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 145.

[10] Gn22, 2.

[11] Gn22, 12-14.

[12] São Josemaria, Carta 24-XII-1951, n. 3, em A. Vázquez de Prada, O fundador do Opus Dei, vol. 3, Quadrante, São Paulo 2004, p. 159.

[13]Hb10, 23

[14] Cfr. Rm 4, 18.

[15] Francisco, Audiência geral, 10-IV-2013.

[16] Gn22, 8.

[17] Francisco, Audiência geral, 3-IV-2013.

A antiga história de Nabot se repete cotidianamente (2/3)

Abel assassinado pelo seu irmão Caim. 
Catedral deMonreale (século XII), 
Palermo, Itália | 30Giorni

Arquivo de 30Dias – 04/2009

A antiga história de Nabot se repete cotidianamente

Assim inicia Santo Ambrósio a sua obra De Nabuthae, que toma o nome do mísero que contrariou o então potente do trono.

O retrato mais antigo de Santo Ambrósio, que remonta ao séc. V. Detalhe do mosaico da Capela de São Vítor, na Basílica de Santo Ambrósio em Milão

de Lorenzo Cappelletti

Uma cobiça sanguinária
Mas voltemos ao Ambrósio do De Nabuthae, que escolhe (ao menos à primeira vista) um leitmotiv de caráter social: o verdadeiro pobre é o rico, ou, se quisermos, o rico não é um verdadeiro pobre: é miseravelmente indigente, porque procura aquilo que é dos outros; na sua cobiça “não há a disposição da humildade mas o ardor da cupidez” (2, 8). Portanto, a sua é uma forma de insânia. Assim como é insano o despeito pelo qual, à recusa de Nabot, o rico Acab deixa de dormir e de comer. Como é diferente o jejum do pobre, “que não tem nada e não sabe jejuar voluntariamente senão para Deus, não sabe jejuar senão por necessidade” (4, 16).
Mas a insânia é ainda mais profunda. Na realidade o rico não pretende possuir, quanto excluir a posse de qualquer outro bem. Produzindo conseqüências econômicas desastrosas, para aquela época. E agora não é diferente. Assim fala o rico: “Enquanto espero, que os preços aumentem, perdi o hábito de fazer caridade. Quantas vidas de pobres poderia ter salvado com o trigo do ano passado? Teriam me deixado mais feliz estas recompensas. O avaro está sempre arruinado pela abundância dos produtos, porque prevê uma desvalorização dos gêneros alimentícios. Com efeito, uma rica produção é um bem para todos, a carestia tem vantagens apenas para o avaro. Alegra-se mais pelos preços altíssimos do que pela abundância dos bens e prefere ter aquilo que só ele pode vender do que vender junto com todos os outros” (7, 33. 35). Enfim os ricos crêem que só eles tem o direito de viver. Mas isto é contra a natureza. “Por que expulsais aquele com o qual tens em comum a natureza e pretendeis possuir a natureza só para vós? A terra foi criada como um bem em comum para todos, para os ricos e para os pobres” (1, 2).
Este é o conteúdo da obra que mais apaixonou e provocou discussões nos anos Cinquenta e Sessenta na Itália, tanto que o De Nebuthae terminou na primeira página do jornal comunista L’Unità e poucos dias depois também na primeira página do jornal L’Osservatore Romano em abril de 1950. Em plena guerra fria, surpreende, seja dito entre parênteses, a liberdade com que o L’Osservatore Romano<="" span="" style="padding: 0px; margin: 0px;">
Mas o rico opõe a este convite o julgamento corrente de que sobre o pobre pesaria a maldição de Deus e que portanto não serviria a nada doar. Ambrósio, sem discutir esta questão, corta logo: “Não procurar aquilo que cada um merece. A misericórdia não costuma julgar os méritos, mas socorrer às necessidades, ajudar o pobre, não examinar aquilo que é justo”. Porque ele sabe que a partir desta busca de uma própria justiça se desenvolve uma terrível cadeia que chega até o homicídio. “Tu estás triste porque queres considerar a medida da justiça para não roubar aquilo que é dos outros: eu [é o rico Acab que fala] tenho os meus direitos, tenho as minhas leis. Caluniarei para despojar; e para que a propriedade do pobre seja roubada, será atingida a sua vida [...]. Com que evidência foi descrito o modo de agir dos ricos! Ficam tristes se não roubam os bens alheios, renunciam à comida, jejuam, não para reprimir o pecado, mas para facilitar o crime. Podem ser vistos na igreja zelosos, humildes, perseverantes, para merecer o sucesso do delito” (9, 41; 10, 44). Tanto que para escapar da ameaça que pesa sobre o rico – “por aquela morte cruel, que infligiu ao outro, ele mesmo está condenado a pagar com a própria horrível morte” (11, 48) – não valem, digamos assim, as obras de religião. A sua devoção, que vimos não se tratar de uma devoção mas de "cobiça sanguinária”, cruenta luxuries (11, 49) – não é benéfica para o rico: “Ofereçam ao Vosso Senhor Deus dons, devolvam a ele na pessoa do pobre, entreguem ao necessitado, emprestando a ele como a um mísero, já que não podeis dar-lhes satisfação de outro modo devido às vossas infâmias. Façam vosso devedor aquele que temeis como vingador” (16, 67). Se o rico pode apenas chorar os seus pecados e doar, o pobre pode apenas pedir: “Rezeis e agradeceis ao Senhor vosso Deus, vós, todos aqueles que em torno a ele ofereceis dons, isto é, rendeis graças, ó pobres, porque Deus não considera as aparências. Aqueles outros acumulem as riquezas, juntem tanto dinheiro, reúna tesouros de ouro e de prata; vós, que outras coisas não possuís, rezai; rezai vós que possuís apenas isso, o que é mais precioso do que o ouro e a prata” (16, 68).

Fonte: http://www.30giorni.it/

“A vida deles é a minha vida”, diz padre brasileiro que vive na Ucrânia

Shutterstock | Ruslan Lytvyn
Niña ucraniana refugiada

Padre brasileiro Lucas Perozzi, na Ucrânia desde 2004, atende as vítimas da guerra na Paróquia da Dormição da Santíssima Virgem Maria, em Kiev.

O Padre Lucas Perozzi está em Kiev, capital da Ucrânia. Desde o início da guerra, ele e mais três sacerdotes abrigam cerca de 30 pessoas na paróquia da Dormição da Santíssima Virgem Maria. Ele dorme pouco, come pouco e já ficou doente durante esse período. Mesmo podendo sair do país, ele opta por ficar junto daqueles que se comprometeu amar e servir.

“As pessoas que estão morando conosco neste tempo de guerra não podiam mais dormir nas suas próprias casas e passavam as noites nos bunkers e nas estações de metrô. Isso era uma coisa horrível, pois era um lugar muito frio, sujo, com uma atmosfera macabra”, disse.

Segundo o padre Lucas, as pessoas “estavam com muito medo, apavoradas”. “Aquelas que recorreram à Igreja aqui onde estamos conseguem dormir todas as noites, em uma atmosfera de paz aqui no meio da guerra. Há comunhão entre as pessoas, em que um ajuda o outro. Quando um está mal, triste e com medo, existe uma outra pessoa que não está com medo e ajuda”.

Escassez

No dia em que conversou com fundação pontifícia ACN – Ajuda à Igreja que Sofre, ele ouviu barulhos de bombas o tempo todo. Os recursos também começavam a ficar mais escassos. “Alguns mercados ainda permanecem abertos, mas suas prateleiras estão cada vez mais vazias. Os medicamentos também começam a faltar”, completa o sacerdote.

O Padre Lucas está na Ucrânia desde 2004. Ainda jovem foi para a Itália participar de um encontro do Caminho Neocatecumenal. Lá, foi convidado para ir à Ucrânia, onde tornou-se sacerdote.

“Durante a noite, as luzes devem estar todas apagadas. O único barulho que ouvimos são as bombas e tiros. Quando não há sons de batalhas, há um silêncio absoluto. E se os adultos ficam calmos, as crianças dormem tranquilas”, disse.

Limites

O padre Lucas relatou ainda que mais uma família com duas crianças acabou de chegar. Nesse cenário, as pessoas procuram sobretudo refúgio e ajuda espiritual. O sacerdote confirma que mesmo a guerra não apaga as luzes de esperança.

“Ontem tivemos um casamento e hoje teremos outro! As pessoas também procuram a confissão. É impressionante porque as pessoas chegam aqui pedindo para se casarem, mesmo sabendo que não temos como preparar nada muito especial. Elas se casam não apenas por um romantismo, mas por desejarem viver esse tempo na graça de Deus, como família. Mesmo em meio à guerra, vemos que Deus é amor, Ele continua amando a cada um sem limites”, afirmou.

O sacerdote não pensa em deixar a Ucrânia. “A vida deles é a minha vida, a sina deles é a minha sina”, diz o sacerdote.

Assim como o Padre Lucas, milhares de sacerdotes e religiosas optaram por continuar com o povo ucraniano para ser semente de paz e esperança no meio de uma guerra.

A ACN, que já ajuda a Ucrânia há mais de 60 anos, agora intensificou seu auxílio para manter as atividades de padres e religiosas que socorrem com assistência material e espiritual as vítimas dessa guerra.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Um ano de guerra na Ucrânia. A dor de Francisco, os apelos, as orações

Papa Francisco em oração  (Vatican Media)

Os meses desde a invasão do país do Leste Europeu através das palavras do Papa, que sempre pediu para não esquecer o povo ucraniano, martirizado por um conflito "absurdo e cruel", e para não se acostumar à barbárie das armas.

Amedeo Lomonaco - Vatican News

É o dia 24 de fevereiro de 2022: quando o mundo começa a sair da tempestade da pandemia, a ofensiva militar das Forças Armadas da Federação Russa é lançada contra a Ucrânia. No dia anterior, na Audiência Geral, o Papa Francisco fez um apelo com "grande tristeza em seu coração pelo agravamento da situação": "gostaria de apelar aos que têm responsabilidade política, para que façam um sério exame de consciência diante de Deus, que é o Deus da paz e não da guerra". Mas prevalece a lógica oposta, a das armas. Ao amanhecer de 24 de fevereiro, as tropas russas recebem a ordem de invadir a Ucrânia. A decisão veio logo após o reconhecimento das repúblicas separatistas de Donbass, localizadas em território ucraniano, Donetsk e Lugansk. Durante estes doze meses abalados pela guerra, o cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin reiterou repetidamente a disponibilidade da Santa Sé a mediar e fazer todo o possível para promover um caminho de diálogo e cooperação.

https://youtu.be/YxKVjAOKv-E

Abrir fronteiras, corações e portas para os ucranianos em fuga

Após a eclosão do conflito, os apelos do Papa se tornaram súplicas incessantes: "rezamos várias vezes", disse Francisco no Angelus de 27 de fevereiro, "para que este caminho não fosse tomado. E não deixemos de rezar, pelo contrário, supliquemos a Deus com mais intensidade". Dia 2 de março é o dia de oração e jejum, promovido por Francisco, pela paz na Ucrânia. À força da oração se une desde os primeiros dias do conflito a outra face animadora: a da solidariedade. Na audiência general de 2 de março, o Pontífice, saudando os poloneses, lembrou que os cidadãos da Polônia foram os primeiros a apoiar a Ucrânia, abrindo suas fronteiras, seus corações e as portas de suas casas "aos ucranianos que fogem da guerra".

Mulher ucraniana em lágrimas | Vatican News

Rios de sangue e lágrimas

O Papa pede a abertura de corredores humanitários, para "garantir e facilitar o acesso da ajuda às áreas sitiadas". No Angelus de 6 de março, Francisco retratou o conflito, em sua dura realidade, com estas palavras: "rios de sangue e lágrimas fluem na Ucrânia". Não é apenas uma operação militar, mas uma guerra, que semeia morte, destruição e miséria.  As vítimas são cada vez mais numerosas, assim como as pessoas que fogem, especialmente as mães e as crianças". Ainda no Angelus de 6 de março, o Pontífice também lembrou que dois cardeais foram ao país devastado pela guerra "para servir o povo, para ajudar". São os cardeais Konrad Krajewski e Michael Czerny.

Missão em nome do Papa

Os dois cardeais são enviados diretamente pelo Papa como seus representantes para levar solidariedade e proximidade aos refugiados e vítimas da guerra. A presença deles, diz o Pontífice no Angelus de 6 de março, é a presença "não só do Papa, mas de todo o povo cristão que quer se aproximar e dizer: a guerra é uma loucura! Parem, por favor! Olhem para esta crueldade". O cardeal Czerny encontra refugiados em fuga em centros de acolhida na Hungria e atravessa a fronteira para a aldeia ucraniana de Beregove.

Durante este ano de guerra, as missões do cardeal Krajewski são várias. Em uma delas, em setembro, o esmoleiro pontifício esteve envolvido em um tiroteio. Mas a missão não para e o cardeal continua a levar ajuda, comida, terços e a bênção de Francisco para que ninguém se sinta só. Ele reza diante dos muitos corpos enterrados em valas comuns em Izyum. Na Ucrânia, Krajewski leva geradores e camisetas térmicas e entrega duas ambulâncias doadas pelo Papa. Em maio, o secretário para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais, dom Paul Richard Gallagher, também foi à Ucrânia. Ele visitou as cidades mártires de Vorzel, Irpin e Bucha, onde rezou em frente à vala comum perto da igreja ortodoxa de Santo André.

Cemitérios de guerra e valas comuns na Ucrânia | Vatican News

Em nome de Deus, pare o massacre

Pôr fim à guerra. Este é o pedido incessante que tem acompanhado as palavras do Papa desde o início do conflito. No Angelus de 13 de março, o Papa Francisco pediu deter, em nome de Deus, o massacre neste país martirizado. E ele lembra que a cidade de "Mariupol se tornou uma cidade mártir da guerra dilacerante". Em 14 de março, Francisco, dirigindo-se a uma Associação com um propósito de promoção ética e social, convida as pessoas a refletirem sobre como o homem pode ignorar os ensinamentos da história: "várias guerras regionais e especialmente a guerra atual na Ucrânia, mostram que aqueles que governam os destinos dos povos ainda não entenderam a lição das tragédias do século 20".

Videochamada com Kirill

Dia 16 de março foi o dia da videochamada entre o Papa e o Patriarca de Moscou Kirill. O diretor da Sala de Imprensa vaticana, Matteo Bruni, relata que a conversa se centrou "na guerra na Ucrânia e no papel dos cristãos e seus pastores em fazer tudo para garantir que a paz prevaleça". Francisco concordou com o Patriarca que "a Igreja não deve usar a linguagem da política, mas a linguagem de Jesus". "Quem paga a conta da guerra", acrescentou o Papa, "é o povo, os soldados russos e é o povo que é bombardeado e morre". As guerras", concluiu, "são sempre injustas". Porque quem paga é o povo de Deus".

A guerra é desumana e sacrílega

Os dias passam e "a agressão violenta contra a Ucrânia não para, infelizmente". "Um massacre sem sentido onde todos os dias se repetem massacres e atrocidades", lembra o Papa novamente no Angelus de 20 de março. "Tantos avós, doentes e pobres, separados de suas famílias, tantas crianças e pessoas frágeis permanecem para morrer sob as bombas, sem poder receber ajuda". "Tudo isso é desumano! De fato, também é sacrílego, porque vai contra a sacralidade da vida humana, especialmente contra a vida humana indefesa, que deve ser respeitada e protegida, não eliminada, e que vem antes de qualquer estratégia! Não esqueçamos: é uma crueldade, desumana e sacrílega".

O conflito ameaça o mundo inteiro

É insuportável "ver o que ocorreu e está ocorrendo na Ucrânia". Dirigindo-se aos participantes de um encontro promovido pelo Centro Italiano da Mulher em 24 de março, o Pontífice explicou que a tragédia no país do Leste Europeu é "fruto da velha lógica de poder que ainda domina a chamada geopolítica". "A história dos últimos setenta anos demonstra isto: nunca faltaram guerras regionais; por isso eu disse que estávamos na terceira guerra mundial em pedaços, um pouco por toda parte; até esta, que tem uma dimensão maior e ameaça o mundo inteiro".

Ato de Consagração | Vatican News

Ato de Consagração ao Imaculado Coração de Maria

Em 25 de março Francisco presidiu a celebração penitencial na Basílica de São Pedro e ao final recitou a oração da Consagração ao Coração Imaculado de Maria da humanidade e em particular dos povos da Rússia e da Ucrânia. "Liberte-nos da guerra, preserve o mundo da ameaça nuclear.... Acabe com a guerra, dê paz ao mundo". Em união com os bispos e fiéis do mundo, o Papa traz ao Imaculado Coração de Maria tudo o que a humanidade está experimentando: "Não é uma fórmula mágica, não, não é isso; mas é um ato espiritual". É o gesto - explicou o Papa em sua homilia durante a celebração da Penitência - da plena confiança das crianças que, na tribulação desta guerra cruel e desta guerra sem sentido que ameaça o mundo, recorrem à Mãe".

O futuro está sendo destruído

Pouco mais de um mês após o início da guerra, que o Papa chama de "cruel e sem sentido", uma criança entre duas foi deslocada da Ucrânia.  "Isto significa destruir o futuro", salientou Francisco no Angelus de 27 de março. Na audiência geral de 6 de abril, recordando a viagem apostólica a Malta, o Papa enfatizou que "após a Segunda Guerra Mundial foi feita uma tentativa de lançar as bases de uma nova história de paz, mas infelizmente - não aprendemos - a velha história de grandes potências concorrentes continuou". E no cenário atual na Ucrânia vemos "a impotência da Organização das Nações Unidas". As notícias sobre a guerra, "em vez de trazer alívio e esperança, ao invés disso, testemunham novas atrocidades, como o massacre de Bucha", recordou o Pontífice, referindo-se às "crueldades cada vez mais horrendas" realizadas até mesmo contra "civis, mulheres e crianças indefesas".

https://youtu.be/ypd2hgSsuk8

Uma bandeira que vem da guerra

No final da audiência geral de 6 de abril, o Papa mostra uma bandeira que veio da cidade martirizada de Bucha e dá as boas-vindas a um grupo de crianças da Ucrânia no palco da Sala Paulo VI. As cores azul e amarela tão desbotadas parecem verdes. Acima dela é desenhada uma cruz e ao redor a escrita em ucraniano lembrando a resistência durante a revolução Maidan em 2014: 'Precisamente de Bucha', diz o Papa, 'eles me trouxeram esta bandeira'. Esta bandeira vem da guerra". "Estas crianças", acrescenta, "tiveram que fugir e chegar a uma terra estrangeira: este é um dos frutos da guerra".

Paz para a martirizada Ucrânia

Em sua Messaggio Urbi et Orbi para a Páscoa do ano passado, Francisco exortou a deixar "a paz de Cristo entrar em nossas vidas, nossas casas, nossos países". "Que haja paz para a Ucrânia martirizada, tão duramente provada pela violência e destruição da guerra". O Pontífice pede um compromisso de clamar pela paz: "Por favor, por favor: não nos acostumemos à guerra". E ele recorda o terrível sofrimento sofrido pelo povo ucraniano: "Trago no coração todas as muitas vítimas, os milhões de refugiados e deslocados internos, as famílias despedaçadas, os idosos deixados sozinhos, as vidas destroçadas e as cidades arrasadas".

A Maria as lágrimas do povo ucraniano

Em 8 de maio, muitos fiéis se reuniram em torno da venerada imagem de Maria no Santuário de Pompéia para dirigir a ela a Súplica. "Ajoelhado espiritualmente diante da Santíssima Virgem", disse o Papa após o Regina Caeli, "confio a ela o ardente desejo de paz de tantos povos que em várias partes do mundo sofrem a insensata desgraça da guerra". À Santíssima Virgem eu apresento em particular os sofrimentos e as lágrimas do povo ucraniano". Francisco, então, exortou novamente as pessoas a se confiarem à oração: "diante da loucura da guerra, continuemos, por favor, a rezar o terço pela paz todos os dias". Em 13 de maio, reunido com os diretores e funcionários da autoridade nacional de aviação civil, Francisco expressou uma esperança: "Que os céus sejam sempre e somente céus de paz, que possamos voar em paz para estabelecer e consolidar relações de amizade e paz".

Não usar o trigo como arma

Em junho de 2022, a primeira audiência geral é marcada por um apelo: "traz grande preocupação o bloqueio das exportações de trigo da Ucrânia, das quais depende a vida de milhões de pessoas, especialmente nos países mais pobres. Faço um apelo sincero para que sejam feitos todos os esforços para resolver esta questão e para garantir o direito humano universal à alimentação". Por favor, não usem o trigo, um alimento básico, como arma de guerra".

O desejo de ir à Ucrânia

Durante estes 12 meses dilacerados pelo conflito, o Papa Francisco expressa repetidamente seu desejo de viajar à Ucrânia. Em 4 de junho, ele encontra os participantes do “Trem das crianças” do Pátio dos Gentios. A uma delas, uma criança ucraniana, ele dirige estas palavras: "Eu gostaria de ir à Ucrânia; só que, tenho que esperar o momento para fazê-lo, sabe? Porque não é fácil tomar uma decisão que pode fazer mais mal ao mundo inteiro do que bem". Tenho que procurar o momento certo para fazê-lo". Em 5 de junho, na solenidade de Pentecostes e "cem dias após o início da agressão armada contra a Ucrânia", o Papa no Regina Caeli sublinhou que a guerra "é a negação do sonho de Deus: povos em confronto, povos que se matam uns aos outros, povos que, em vez de se aproximarem, são expulsos de suas casas". E ele renova seu apelo aos líderes das nações para que não levem "a humanidade à ruína".

A voz da humanidade que clama pela paz é sufocada

Uma semana depois, em 12 de junho, o pensamento de Francisco, ainda no Angelus, voltou-se para "o povo da Ucrânia, afligido pela guerra". "O tempo que passa não esfriou nossa dor e nossa preocupação com esse povo martirizado". Por favor, não nos acostumemos a esta trágica realidade! Tenhamo-lo sempre em nossos corações". Rezemos e lutemos pela paz". Em sua mensagem para o VI Dia mundial dos pobres, que leva a data de 13 de junho, o Pontífice enfatiza que "a guerra na Ucrânia veio para se juntar às guerras regionais que nos últimos anos está causando morte e destruição. Mas aqui o quadro é mais complexo devido à intervenção direta de uma "superpotência" que pretende impor sua vontade contra o princípio da autodeterminação dos povos. Cenas de trágica memória estão se repetindo, e mais uma vez a chantagem mútua de alguns poucos poderosos está cobrindo a voz da humanidade que clama pela paz".

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES (8/16)

O cristianismo e as religiões | Vecteezy

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES

(1997)

b. Motivos da tradição colhidos no recente magistério da Igreja

40. A significação universal de Cristo exprimiu-se de modos diversos na tradição da Igreja, já desde os tempos mais antigos. Selecionamos alguns temas que encontraram eco nos recentes documentos magisteriais, sobretudo no concílio Vaticano II.

41. As semina Verbi. Fora dos limites da Igreja visível, e concretamente nas diferentes religiões, podem-se achar "sementes do Verbo"; o motivo se combina com freqüência com o da luz que ilumina todo homem e com o da preparação evangélica (cf. AG 11.15; LG 16.17; NA 2; RM 56).

42. A teologia das sementes do Verbo parte de são Justino. Diante do politeísmo do mundo grego, Justino vê na filosofia uma aliada do cristianismo, porque seguiu a razão; ora, essa razão se encontra em sua totalidade somente em Jesus Cristo, o Logos em pessoa. Somente os cristãos o conhecem em sua integridade (2). Porém, desse Logos participou todo gênero humano. Por isso desde sempre houve quem viveu de acordo com o Logos, e nesse sentido houve "cristãos", embora tinham tido apenas o conhecimento segundo uma parte do Logos seminal (3). Há muita diferença entre a semente de algo e a própria coisa. No entanto, de todos os modos, a presença parcial e seminal do Logos é dom e graça divina. O Logos é o semeador dessas "sementes de verdade" (4).

43. Para Clemente de Alexandria o homem é racional enquanto participa da razão verdadeira que governa o universo, o Logos. Tem acesso pleno a essa razão se se converte e segue a Jesus, o Logos encarnado (5). Com a encarnação o mundo encheu-se das sementes de salvação (6). Porém, existe também uma semeadura divina desde o começo dos tempos, que levou partes diversas da verdade a estar entre os gregos e entre os bárbaros, em especial na filosofia considerada em seu conjunto (7), mesmo que junto à verdade não tenha faltado a cizânia (8). A filosofia teve para os gregos função semelhante à da lei para os hebreus, foi uma preparação para a plenitude de Cristo (9). No entanto, existe uma clara diferença entre a ação de Deus nesses filósofos e no Antigo Testamento. Por outro lado, apenas em Jesus, luz que ilumina todo homem, pode-se contemplar o Logos perfeito, a verdade inteira. Os fragmentos de verdade pertencem ao todo (10).

44. Justino e Clemente coincidem em indicar que esses fragmentos da verdade total conhecidos pelos gregos provêm, ao menos em parte, de Moisés e dos profetas. Estes são mais antigos que os filósofos (11). Deles, segundo os planos da providência, os gregos "roubaram" e não souberam dar graças pelo que receberam (12). Portanto, esse conhecimento da verdade não está sem relação com a revelação histórica que encontrará sua plenitude na encarnação de Jesus.

45. Ireneu não faz uso diretamente da idéia das sementes do Verbo. No entanto, acentua fortemente que em todos os momentos da história o Logos esteve junto aos homens, acompanhou-os, em previsão da encarnação (13); com esta, trazendo-se a si mesmo, Jesus trouxe toda a novidade. A salvação está ligada, portanto, à aparição de Jesus, não obstante esta já ter sido anunciada e seus efeitos de algum modo se tenham antecipado (14).

46. O Filho de Deus uniu-se a todo homem (cf. GS 22; RM 6, entre outros). A idéia se repete com freqüência nos Padres, que se inspiram em algumas passagens do Novo Testamento. Uma das que deram lugar a essa interpretarão é a parábola da ovelha desgarrada (cf. Mt 18,12-24; Lc 15,1-7): esta é identificada com o gênero humano extraviado, que Jesus veio buscar. Com a assunção da natureza humana, o Filho pôs sobre os ombros a humanidade inteira, para apresentá-la ao Pai. Assim se exprime Gregório de Nissa: "Essa ovelha somos nós, os homens (...), o Salvador toma sobre seus ombros a ovelha inteira, pois (...), uma vez que se tinha desgarrado toda inteira, toda inteira é reconduzida. O pastor leva-a em seus ombros, isto é, em sua divindade (...). Tendo tomado sobre ele essa ovelha, fá-la um com ele" (15). Também João 1,14, "e o Verbo se fez carne e habitou entre nós", tem sido interpretado em não poucas ocasiões no sentido de habitar "dentro de nós", ou seja, no interior de cada homem; do estar ele em nós passa-se facilmente a nosso estar nele (16). Contendo todos nós nele, pode reconciliar a todos com Deus Pai (17). Em sua humanidade glorificada, todos podemos encontrar a ressurreição e o descanso (18).

47.Os Padres não esquecem que essa união dos homens no corpo de Cristo se produz sobretudo no batismo e na eucaristia. No entanto, a união de todos em Cristo, por sua assunção de nossa natureza, constitui um pressuposto objetivo a partir do qual o fiel cresce na união pessoal com Jesus. A significação universal de Cristo se mostra também para os primeiros cristãos no fato de que liberta o homem dos príncipes deste mundo que o encerram no particular e no nacional (19).

48. A dimensão cristológica da imagem. Segundo o concílio Vaticano II, Jesus é o "homem perfeito" em seguimento de quem o homem se faz mais homem (GS 41; cf. ibid. 22; 38; 45). Indica, além disso, que só "in mysterio Verbi incarnati mysterium hominis vere clarescit" (GS 22). Entre outros fundamentos dessa afirmação, assinala-se uma passagem de Tertuliano segundo a qual na plasmação de Adão do barro da terra Deus já pensava em Cristo que se devia encarnar (20). Já Irineu indicara que o Verbo, artífice de tudo, havia prefigurado em Adão a futura economia da humanidade da qual ele mesmo se tinha revestido (21). Não obstante serem muito variadas as interpretações patrísticas da imagem, não se pode desprezar essa corrente que vê no Filho que se há de encarnar (e de morrer e ressuscitar) o modelo segundo o qual Deus fez o primeiro homem. Se o destino do homem é levar a imagem do celeste (cf. ICor 15,49), não parece equivocado pensar que em todo homem tem de haver certa disposição interna rumo a esse fim.

c. Conclusões

49. a) Só em Jesus os homens podem salvar-se, motivo pelo qual o cristianismo tem clara pretensão de universalidade. A mensagem cristã dirige-se, portanto, a todos os homens e a todos há de ser anunciada.

b) Alguns textos do Novo Testamento e da mais antiga tradição deixam entrever uma significação universal de Cristo que não se reduz à que acabamos de mencionar. Com sua vinda ao mundo Jesus ilumina a todo homem, é o Adão último e definitivo ao qual todos são chamados a se conformar etc. A presença universal de Jesus aparece de maneira um tanto mais elaborada na antiga doutrina do lógos spermatikós. No entanto, ainda aí há clara distinção entre a aparição plena do Logos em Jesus e a presença de suas sementes em quem não o conhece. Tal presença, sendo real, não exclui o erro nem a contradição (22). A partir da vinda de Jesus ao mundo, e sobretudo a partir de sua morte e ressurreição, entende-se o sentido último da proximidade do Verbo a todos os homens. Jesus conduz a história inteira rumo a seu cumprimento (cf. GS 10; 45).

c) Se a salvação está ligada à aparição histórica de Jesus, para ninguém pode ser indiferente a adesão pessoal a ele na fé. Somente na Igreja, que está em continuidade histórica com Jesus, pode-se viver plenamente seu mistério. Daí a necessidade iniludível do anúncio de Cristo por parte da Igreja.

d) Outras possibilidades de "mediação" salvífica não podem jamais ser vistas desligadas do homem Jesus, o mediador único. Será mais difícil determinar como se relacionam com Jesus os homens que não o conhecem, as religiões. Faz-se necessária a menção dos caminhos misteriosos do Espírito, que dá a todos a possibilidade de associar-se ao mistério pascal (cf. GS 22) e cuja obra não pode não referir-se a Cristo (cf. RM 29). No contexto da atuação universal do Espírito de Cristo se há de situar a questão do valor salvífico das religiões enquanto tais.

e) Sendo Jesus o único mediador, que leva a cabo o desígnio salvífico do único Deus Pai, a salvação para todos os homens é única e a mesma: a plena configuração com Jesus e a comunhão com ele na participação em sua filiação divina. Por conseguinte, é preciso excluir a existência de economias diversas para os que crêem em Jesus e os que não crêem nele. Não pode haver caminhos para ir a Deus que não confluam no único caminho que é Cristo (cf. Jo 14,6).

NOTAS:

2. Cf. Apol. I 5,4; II 6,7; 7,2-3 (BAC 116, 186s; 268; 269).

3. Cf. Apol. I 46,2-4; II 7,1-3 (232s;269).

4. Cf. Apol I 44,10; II 10,2; 13,2-6 (230;272; 276s).

5. Cf. Protr. I 6,4; X 98,4 (Sch 2bis, 60; 166); Ped. I 96,1 (Sch 70, 280).

6. Cf. Protr. X 110,1-3 (Sch 2bis, 178).

7. Cf. Strom. I 37,1-7 (Sch 30, 73-74).

8. Cf. Strom. VI 67,2 (GCS 15, 465).

9. Cf. Strom. I 28,1-3; 32,4 (Sch 30, 65; 69); VI 153-154 (GCS 15, 510s).

10. Cf. Strom. I 56-57 (Sch 30, 89-92).

11. Justino, Apol. I 44,8-9; 59-60 (BAC 116, 230; 247-249).

12. Clemente de Alexandria, Protr. VI 70 (Sch 2bis, 135); Strom. I 59-60; 87,2 (Sch 30, 93s; 113); II 1,1 (Sch 38, 32s).

13. Cf. Adv. Haer.III 16,6; 18,1 (Sch 211, 312; 342); IV 6,7; 20,4; 28,2 (Sch 100, 454; 634s; 758); V 16,1 (Sch 153, 214); Demons. 12 (Sch 406, 100).

14. Cf. Adv. Haer. IV 34,1 (Sch 100, 846s).

15. Contra Apol. XVI (PG 45, 1153). Cf. Também Ireneu de Lião, Adv. Haer: III 19,3 (Sch 211, 380); V 12,3 (Sch 153, 150); Demons.33 (Sch 406, 130); Hilário de Poitiers, In Mt.18,6 (Sch 258, 80s).

16. Cf. Hilário de Poitiers, Trin. II 24-25 (CCL 62, 60s); Atanásio, Contra Ar. III 25.33.34 (PG 26, 376; 393-397); Cirilo de Alexandria, In Joh. I 9; V 2 (PG 73, 161; 753). Poder-se-ia também introduzir aqui a idéia do “intercâmbio”; cf. Ireneu, Adv. Haer. V prol. (Sch 153,14) etc.

17. Cirilo de Alexandria, In Joh. I 9 (PG 73, 164).

18. Cf. Hilário de Poitiers, Ir. Ps. 13,14; 14,5.17; 51,3 (CSEL 22, 81; 87s; 96; 98).

19. Cf. Orígenes, In Luc. Hom. 35 (CGS Orig. W. 9, 200s); De Princ. IV 11-12 (Or. W. 5, 339s); Agostinho, Civ. DeiV 13.19 “(CCL 47, 146-148; 154-156).

20. De carnis res. (De res. Mort.) 6 (CCL 2, 928; cit. em GS 22, n. 20): «Quodcumque limus exprimebatur, Christus cogitabatur, homo futurus»; quase imediatamente se acrescenta: «Id utique quod finxit, ad imaginem Dei fecit illum, scilicet Christi (…) Ita limus ille, iam tunc imaginem induens Christi futuri in carne, non tantum Dei opus erat, sed et pignus»; o mesmo em Adv. Prax. XII 4 (CCL 2, 1173).

21. Adv Haer. III 22,3 (Sch 211, 438).

22. Além dos textos já citados, cf. Agostinho, Ep. 137,12 (PL 33, 520s); Retr. I 13,3 (PL 32, 603).

Fonte: https://www.vatican.va/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF