Exemplo de fé: São Pedro | Opus Dei |
Exemplos de fé: São Pedro e o caminho da fé
Continua a série de editoriais sobre a virtude da
fé. O apóstolo São Pedro é um exemplo de discípulo de Cristo que pede, tem
dúvidas, combate e alcança a fé.
Em um dos capítulos anteriores considerávamos como a
vida de Santa Maria é modelo de fé para todo cristão, pois sua existência
esteve sempre orientada para Deus e realizar a Sua Vontade. Além disso,
“conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos
Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. At 1,
14; 2, 1-4). Animados pelo exemplo e a proximidade da Virgem Maria, os
apóstolos souberam dar um valente e frutuoso testemunho de fé, propagando o
Evangelho pelo mundo inteiro.”
“No entanto, antes desse momento, os apóstolos
tiveram que percorrer um longo caminho e amadurecer em sua fé. Enquanto
acompanharam o Senhor pela terra, sua generosidade – tinham deixado tudo para
seguir Jesus – era compatível com uma fé vacilante ou, às vezes, excessivamente
humana, como o próprio Senhor os repreendeu em algumas ocasiões[1]. Ponhamos agora nosso olhar nos apóstolos,
especialmente em São Pedro, cabeça do colégio apostólico, para acompanhá-lo em
seu caminho até a maturidade da fé. Será uma nova oportunidade para acolher o
convite eterno a “uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador
do mundo”[2].
O caminho da fé
Lemos, no Evangelho, que, depois da multiplicação
dos pães, o Senhor manda os apóstolos irem “adiante dele para o outro lado do
mar, enquanto ele despediria as multidões”[3]. Os apóstolos, então, sobem a uma barca e
começam a atravessar o mar de Tiberíades, deixando o Senhor para trás, que fica
orando. A narração evangélica enfatiza essa separação que se produz entre Jesus
e os discípulos: “entretanto, já a boa distância da margem, a barca era agitada
pelas ondas, pois o vento era contrário”[4].
Não é difícil imaginar a confusão de sentimentos
que devia reinar no coração dos apóstolos. Acabavam de presenciar um grande
prodígio: dar de comer a mais de cinco mil pessoas com apenas cinco pães e dois
peixes. E o milagre se realizara em suas próprias mãos, enquanto distribuíam a
pouca comida que tinham: bastara obedecer a Jesus. Mas a alegria e euforia
diante daquele evento se desvaneceram. Agora, poucas horas depois, os apóstolos
se encontram sem Jesus e brigando contra uma tempestade.
Jesus está, aparentemente, longe. São João
Crisóstomo comenta esta passagem afirmando que, deixando-os ir adiante,
sozinhos, Jesus queria despertar “em seus discípulos um desejo maior e uma
contínua lembrança Dele mesmo”[5]. Fazê-los entender que a distância física é
só uma distância aparente, porque Ele quer – e pode! – estar sempre próximo de
seus discípulos. E por isso, “pela quarta vigília da noite, Jesus veio a eles,
caminhando sobre o mar”[6]. Como isso era possível? Quem podia caminhar
sobre o mar senão o que é criador do universo? Aquele de quem antigamente
anunciara o Espírito Santo por meio do bem-aventurado Jó: “Ele só estendeu a
terra e caminha pelas ondas dos mares”[7]. Os da barca se assustam, e começam a gritar
“– É um fantasma!”[8]: não esperam a aparição: ainda não sabem que
Ele quer e pode estar junto deles, estejam onde estiverem. Jesus então os
acalma: “– Tranquilizai-vos, sou eu. Não tenhais medo!”[9].
É nesse momento que se manifesta o caráter de
Pedro. Ao escutar essas palavras, pede para fazer algo que é impossível de modo
natural: “– Senhor, se és tu, manda-me ir sobre as águas até junto de ti!”[10].O pedido contrasta com o pânico que tinha se
desencadeado pouco antes na barca, e mostra o amor e a fé do príncipe dos
apóstolos. Quer ir para junto do Senhor o quanto antes. Jesus, apoiando-se
neste desejo, chama-o: “–Vem”[11]. Isso é o que Deus precisa de nós: um
coração pronto, desejoso. Ainda que seja fraco. Como acontece com todas as
coisas maravilhosas que Deus faz a favor dos homens, necessita o nosso pouco,
como ocorreu com os pães e os peixes.
A negação de São Pedro (Caravaggio, 1610) |
O apóstolo quer chegar ao Senhor o quanto antes,
sentir-se seguro com Ele, porém não sabe muito bem o que pede. Seu amor o leva
a lançar-se às águas, e começa a caminhar: porém logo deixa que o temor se
apodere do seu coração, e começa a afundar[12]. A que se deve essa mudança de atitude? Por
que assustar-se quando vê que Jesus cumpriu a sua palavra, que está andando
sobre o mar? O Evangelho nos diz que o medo surgiu “ao ver que o vento era
muito forte”[13], o suficiente para duvidar de que pudesse
manter-se em pé sobre o mar agitado. Pedro teme cair e afogar-se, um temor que
pode parecer absurdo visto que, de fato, está fazendo algo impossível. É como
se Pedro perdesse de vista que o milagre só é possível porque Jesus o chamou,
que é Ele quem o sustenta e lhe permite andar sobre as águas. Necessita
outras seguranças, também a de que será capaz de resistir, de que a
sua força natural é suficiente para resistir ao vento. E quando toma
consciência de que essa confiança é infundada, deixa de crer na palavra de
Jesus e começa a afundar.
Na vida do cristão, uma parte importante do caminho
para a maturidade da fé está em aprender a confiar somente nas palavras de
Jesus, sem deixar-nos empequenecer pela consciência das próprias limitações:
“Viste? Com Ele, pudeste! De que te admiras? – Convence-te: não tens por que
maravilhar-te. Confiando em Deus – confiando deveras! –, as coisas tornam-se
fáceis. E, além disso, ultrapassa-se sempre o limite do imaginado”[14].
No entanto, apesar das suas dúvidas, Pedro nos dá
uma lição: a sua fé e a sua confiança podem estar entorpecidas pelo temor às
circunstâncias, porém faz um último esforço para lançar-se nos braços de Jesus:
“– Senhor, salva-me!”[15]. E Jesus responde imediatamente, o levanta,
leva-o à barca[16], “faz a calma voltar sobre o mar. E todos
ficam cheios de temor”[17]. É o temor que se sente frente às maravilhas
de Deus; o alegre temor que supõe experimentar a ação da graça e do Espírito
Santo. Portanto, como nos ensina o Papa, diante do pecado, a nostalgia e o
medo, é necessário “olhar para o Senhor, contemplar o Senhor: somos fracos mas
devemos ser valentes na nossa debilidade”[18], porque o Senhor sempre nos espera. “Basta
um sorriso, uma palavra, um gesto, um pouco de amor para derramar copiosamente
a sua graça sobre a alma do amigo”[19]. Ao experimentar nossa debilidade dirijamo-nos
ao Senhor: “Estende do alto a tua mão, liberta-me e salva-me das águas
caudalosas”[20].
Sem desanimarmos
Pedro recebeu uma lição. Duvidou, e ao mesmo tempo
descobriu que o seu amor e sua fé não são tão fortes como pensava. Só com estas
lições, o apóstolo poderá conhecer-se melhor e perceber que o seu amor é
imperfeito, que ainda pensa demais em si mesmo: “Os primeiros Apóstolos estavam
junto à barca velha e junto às redes furadas, remendando-as. O Senhor
disse-lhes que O seguissem; e eles, "statim" – imediatamente
–, "relictis omnibus" – abandonando todas as coisas, tudo! –,
O seguiram... E acontece algumas vezes que nós – que desejamos imitá-los – não
acabamos de abandonar tudo, e fica-nos um apego no coração, um erro em nossa
vida, que não queremos cortar para oferecê-lo ao Senhor”[21].
“Quem é este, que até os ventos e o mar lhe
obedecem?”[22]. Apesar das patentes limitações dos homens,
Cristo estimula, com a sua presença, com as suas palavras e com as suas ações,
o amor e a fé daqueles que depois enviaria por todo o mundo. Em Cesaréia de
Filipe, Pedro confessa claramente que Jesus é o Messias prometido e que ele é o
Filho de Deus: “tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”[23]. Todavia convém considerar que, “quando
confessou sua fé em Jesus, não o fez por suas capacidades humanas, mas porque
tinha sido conquistado pela graça que Jesus irradiava, pelo amor que sentia em
suas palavras e via em seus gestos: Jesus era o amor de Deus em pessoa!”[24].
Sem dúvida, a confissão de Pedro não significa que
a sua fé já fosse perfeita. De fato, pouco depois, vemos Pedro querendo afastar
Jesus da Paixão[25], e recebendo, por isso, a recriminação do
Mestre. A vida de fé sempre pode crescer. Pedro seguirá lutando contra o medo,
contra uma visão excessivamente humana da sua missão, contra certa ignorância
do valor da cruz e do sofrimento. Até perguntará sobre uma possível recompensa
para aqueles que, como ele, deixaram tudo para seguir ao Senhor[26], se assustará no Tabor e, inclusive, negará
o Senhor[27]. Em todos esses casos, o Príncipe dos
Apóstolos saberá voltar para Jesus. Aceitará suas repreensões, buscará o seu
olhar, confiará na sua misericórdia. A fé é um caminho de humildade, que
implica “confiar-se a um amor misericordioso, que sempre acolhe e perdoa, que
sustenta e orienta a existência, que se manifesta poderoso em sua capacidade de
endireitar o torcido da nossa história”[28]. A fé é conhecimento verdadeiro, luz, que
também nos torna conscientes da própria pequenez, e destrói as falsas
concepções e os autoenganos. A fé nos torna humildes e simples: prepara esta
matéria prima de que Deus precisa para fazer-nos santos, para que o ajudemos a
transformar o mundo. E assim, “Pedro tem que aprender que é débil e precisa do
perdão. Quando finalmente cai em si e entende a verdade de seu coração fraco de
pecador que crê, desata em um choro de arrependimento libertador. Depois desse
pranto já está pronto para a missão”[29].
Praça São Pedro | Opus Dei |
Comprovar a nossa debilidade pessoal e perceber que
nossa fé não é tão forte como gostaríamos não deve nos preocupar. O Senhor quer
todo o nosso coração, e não lhe importa que seja fraco. Deus se conforma com
que lhe demos tudo o que podemos dar. De algum modo, poderíamos pensar que é
precisamente esta a última lição que Jesus ensina a Pedro. Depois da
ressurreição o Senhor sai ao encontro dos apóstolos junto ao mar de Tiberíades.
E ali pergunta a Pedro três vezes: “Simão, filho de João, tu me amas mais do
que estes?”[30]. As perguntas relembrariam ao apóstolo a sua
tripla negação, e se entristeceria diante da insistência de Jesus, como se não
confiasse mais nele. Porém ao final entende: a Jesus basta o amor que Pedro é
capaz de dar-lhe. Um amor talvez imperfeito – mesmo que deva ser muito mais do
que possamos imaginar, pela grandeza de coração e de mente do pescador da
Galiléia –, mas Deus se adapta, por assim dizer, à capacidade que cada um tem
de amar, e isso é o que nos faz capazes de seguir a Cristo até o fim.
“Desde aquele dia, Pedro ‘seguiu’ ao Mestre com a
consciência clara de sua própria fragilidade; porém essa consciência não o
desanimou, pois sabia que podia contar com a presença do Ressuscitado ao seu
lado. Do entusiasmo ingênuo da adesão inicial, passando pela experiência
dolorosa da negação e o pranto da conversão, Pedro chegou a confiar nesse Jesus
que se adaptou à sua pobre capacidade de amar. E assim também nos mostra o
caminho, apesar de toda a nossa debilidade. Nós o seguimos com a nossa pobre capacidade
de amar e sabemos que Ele é bom e nos aceita. Pedro teve que percorrer um longo
caminho até converter-se em testemunha confiável, em “pedra” da Igreja, por
estar constantemente aberto à ação do Espírito de Jesus”[31]. Recorramos todo dia a São Pedro, com mais
fé e admiração, para que interceda por nós; Sancte Petre, ora pro
nobis!
J. Yániz
[1] Cfr. Mt 6, 30; 8, 26;
16, 8; 17, 20; Lc 12, 28.
[2] Bento XVI, Motu próprio Porta
fidei, 11-X-2011, n. 6.
[3] Mt 14, 22-23.
[4] Mt 14, 24.
[5] São João Crisóstomo, In
Matthaeum homiliae, 50, 1.
[6] Mt 14, 25.
[7] Cromácio de Aquileia, In
Matthaei Evangelium tractatus, 52, 2.
[8] Mt 14, 26
[9] Mt 24, 27.
[10] Mt 14, 28
[11] Mt 14, 29.
[12] Cfr. Mt 14, 30.
[13] Mt 14, 30
[14] São Josemaria, Sulco, n.
462.
[15] Mt 14, 30.
[16] Cfr. Mt 14, 31-32.
[17] Francisco, Homilia, 2-VII-2013.
[18] Francisco, Homilia, 2-VII-2013.
[19] São Josemaria, Vía Sacra, V
estação.
[20] Sal 144 [143], 7.
[21] São Josemaria, Forja, n.
356.
[22] Mt 8, 27.
[23] Mt 16, 16.
[24] Francisco, Ângelus, 29-VI-2013.
[25] Cfr. Mt 16, 22.
[26] Cfr. Mt 19, 27.
[27] Cfr. Mt 26, 33-35.
[28] Francisco, Carta enc. Lumen
fidei, 29-VI-2013, n. 13.
[29] Bento XVI, Audiência geral, 24-V-2006.
[30] Jo 21, 15.