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sábado, 15 de abril de 2023

As Fontes da Teologia: as Sagradas Escrituras

As Sagradas Escrituras / Canção Nova

As Fontes da Teologia: as Sagradas Escrituras

A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus escrita e tem lugar especial na vida da Igreja. Contém a mensagem divina da salvação que sob a inspiração do mesmo Espírito Santo que falou pelos profetas, foi redigida pelos escritores sagrados, entre eles os Apóstolos.

Encontra-se intimamente unida à Tradição, que deriva dos Apóstolos e cresce na Igreja com a ajuda do Espírito Santo.

 “A sagrada Tradição, portanto, e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo; a sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, para que eles, com a luz do Espírito de verdade, a conservem, a exponham e a difundam fielmente na sua pregação; donde resulta assim que a Igreja não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência” (Dei Verbum 9).

 “A sagrada Teologia apoia, como em seu fundamento perene, na palavra de Deus escrita e na sagrada Tradição, e nela se consolida firmemente e sem cessar se rejuvenesce, investigando, à luz da fé, toda a verdade contida no mistério de Cristo. As Sagradas Escrituras contêm a palavra de Deus, e, pelo fato de serem inspiradas, são verdadeiramente a palavra de Deus; e por isso, o estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada teologia. Também o ministério da palavra, isto é, a pregação pastoral, a catequese, e toda a espécie de instrução cristã, na qual a homilia litúrgica deve ter um lugar principal, com proveito se alimenta e santamente se revigora com a palavra da Escritura” (Dei Verbum 24). 

2.      O Cânon Bíblico;

Cânon é um padrão, uma norma que julga um pensamento ou uma doutrina. O cânon bíblico é o conjunto dos livros que a Igreja considera oficialmente como base da sua doutrina e dos seus costumes, pelo fato de serem inspirados por Deus.

A canonicidade não supõe a autenticidade literária. Por muito tempo, por exemplo, se pensou que a Carta aos Hebreus fosse obra de São Paulo. Hoje isso não é aceito na ciência bíblica, mas com isso essa carta não deixa de ser canônica e inspirada por Deus.

O cânon bíblico foi definido tal como o conhecemos hoje por volta do ano 300. Os critérios que determinaram o reconhecimento dos livros como Palavra de Deus foram os seguintes: uma reta regra de fé, uma clara origem apostólica (para os livros do Novo Testamento) e o uso habitual no culto.

 “A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo. Sempre as considerou, e continua a considerar, juntamente com a sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé” (Dei Verbum 21).

3.      Inspiração da Escritura;

A inspiração da Sagrada Escritura é um carisma, um dom do Espírito Santo, que atuou nos escritores sagrados. É a ação do Espírito Santo na alma dos escritores o que lhes deu a infalibilidade.

“As coisas reveladas por Deus, contidas e manifestadas na Sagrada Escritura, foram escritas por inspiração do Espírito Santo. Com efeito, a santa mãe Igreja, segundo a fé apostólica, considera como santos e canônicos os livros inteiros do Antigo e do Novo Testamento com todas as suas partes, porque, escritos por inspiração do Espírito Santo (cfr. Jo. 20,31; 2 Tim. 3,16; 2 Ped. 1, 19-21; 3, 15-16), têm Deus por autor, e como tais foram confiados à própria Igreja. Todavia, para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens na posse das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria.

E assim, como tudo quanto afirmam os autores inspirados ou hagiógrafos deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas sagradas Letras. Por isso, «toda a Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para corrigir, para instruir na justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, experimentado em todas as obras boas» ( Tim. 3, 7-17) (Dei Verbum 11).

4. A Hermenêutica bíblica:

“Como, porém, Deus na Sagrada Escritura falou por meio dos homens e à maneira humana, o intérprete da Sagrada Escritura, para saber o que Ele quis comunicar-nos, deve investigar com atenção o que os hagiógrafos realmente quiseram significar e que aprouve a Deus manifestar por meio das suas palavras.

Para descobrir a intenção dos hagiógrafos, devem ser tidos também em conta, entre outras coisas, os «gêneros literários». Com efeito, a verdade é proposta e expressa de modos diversos, segundo se trata de gêneros históricos, proféticos, poéticos ou outros. Importa, além disso, que o intérprete busque o sentido que o hagiógrafo em determinadas circunstâncias, segundo as condições do seu tempo e da sua cultura, pretendeu exprimir e de fato exprimiu servindo se os gêneros literários então usados. Com efeito, para entender retamente o que autor sagrado quis afirmar, deve atender-se convenientemente, quer aos modos nativos de sentir, dizer ou narrar em uso nos tempos do hagiógrafo, quer àqueles que costumavam empregar-se freqüentemente nas relações entre os homens de então. Mas, como a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita, não menos atenção se deve dar, na investigação do reto sentido dos textos sagrados, ao contexto e à unidade de toda a Escritura, tendo em conta a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé. Cabe aos exegetas trabalhar, de harmonia com estas regras, por entender e expor mais profundamente o sentido da Escritura, para que, mercê deste estudo de algum modo preparatório, amadureça o juízo da Igreja. Com efeito, tudo quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a palavra de Deus”.

5.      Sagrada Escritura, Igreja e Teologia

“A esposa do Verbo encarnado, isto é, a Igreja, ensinada pelo Espírito Santo, esforça-se por conseguir uma inteligência cada vez mais profunda da Sagrada Escritura, para poder alimentar continuamente os seus filhos com os divinos ensinamentos; por isso, vai fomentando também convenientemente o estudo dos santos Padres do Oriente e do Ocidente, bem como das sagradas liturgias. É preciso, porém, que os exegetas católicos e os demais estudiosos da sagrada teologia, trabalhem em íntima colaboração de esforços, para que, sob a vigilância do sagrado magistério, lançando mão de meios aptos, estudem e expliquem as divinas Letras de modo que o maior número possível de ministros da palavra de Deus possa oferecer com fruto ao Povo de Deus o alimento das Escrituras, que ilumine o espírito, robusteça as vontades, e inflame os corações dos homens no amor de Deus. O sagrado Concilio encoraja os filhos da Igreja que cultivam as ciências bíblicas para que continuem a realizar com todo o empenho, segundo o sentir da Igreja, a empresa felizmente começada, renovando constantemente as suas forças” (Dei Verbum 23).

Recentemente o Papa Bento XVI, num discurso à Pontifícia Comissão Bíblica esclarecia esse tema.

“Só o contexto eclesial permite à Sagrada Escritura ser entendida como autêntica Palavra de Deus, que se converte em guia, norma e regra para a vida da Igreja e em crescimento espiritual dos crentes.

Isso, não impede de nenhuma maneira uma interpretação séria, científica, mas abre também o acesso às dimensões ulteriores de Cristo, inacessíveis a uma análise só literária, que é incapaz de acolher em si o sentido global que através dos séculos guiou a Tradição de todo o Povo de Deus.

Há um princípio hermenêutico sem o qual os escritos sagrados ficariam como letra morta, só do passado: a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com a ajuda do próprio Espírito mediante o qual foi escrita. 

O estudo científico dos textos sagrados é importante, mas não é por si só suficiente, pois levaria em conta só a dimensão humana.

Para respeitar a coerência da fé da Igreja, o exegeta católico tem que estar atento a perceber a Palavra de Deus nestes textos, dentro da mesma fé da Igreja.

O exegeta católico não se sente só membro da comunidade científica, mas também e sobretudo membro da comunidade dos crentes de todos os tempos. 

Na realidade, estes textos não foram entregues só aos pesquisadores ou à comunidade científica para satisfazer sua curiosidade e ou para oferecer-lhes temas de estudo e de pesquisa. Os textos inspirados por Deus foram confiados em primeiro lugar à comunidade dos crentes, à Igreja de Cristo, para alimentar a vida de fé e para guiar a vida de caridade.

Uma hermenêutica da fé corresponde mais à realidade deste texto que uma hermenêutica racionalista, que não conhece Deus”

Na ausência deste imprescindível ponto de referência, a pesquisa exegética ficaria incompleta, perdendo de vista sua finalidade principal, com o perigo de ficar reduzida a uma letra meramente literária, na qual o verdadeiro autor, Deus, deixa de aparecer”.

Fonte: https://presbiteros.org.br/

O que você precisa saber sobre o Domingo da Misericórdia

Marco Sete | Shutterstock
Por Francisco Vêneto

Para entender ainda mais completamente o que é o Domingo da Misericórdia, precisamos antes entender melhor o tempo litúrgico em que ele se insere: o Tempo Pascal.

Desde o ano 2000, quando foi instituído pelo Papa São João Paulo II, a Igreja Católica celebra no segundo Domingo da Páscoa um dia especialmente dedicado à Divina Misericórdia.

O Papa polonês incluiu esta efeméride no calendário da Igreja quando canonizou Santa Faustina Kowalska, uma das maiores promotoras de todos os tempos da devoção à Misericórdia Divina. São João Paulo II declarou naquela ocasião:

“É importante que acolhamos inteiramente a mensagem que nos vem da palavra de Deus neste segundo Domingo de Páscoa, que de agora em diante, na Igreja inteira, tomará o nome de ‘Domingo da Divina Misericórdia’” (Homilia, 30 de abril de 2000).

A base desta devoção, de fato, vem de revelações privadas a Santa Faustina, religiosa polonesa que recebeu as mensagens de Jesus sobre sua Divina Misericórdia no povoado de Plock, na Polônia.

A Divina Misericórdia é vinculada de modo especial ao Evangelho do segundo Domingo da Páscoa, representada no momento em que Jesus aparece aos discípulos no Cenáculo, após a ressurreição, e lhes dá o poder de perdoar ou reter os pecados. Este momento está registrado em João 20,19-31. Essa passagem abrange a aparição de Jesus Ressuscitado ao apóstolo São Tomé, quando Jesus o convida a tocar em Suas chagas no oitavo dia depois da Ressurreição (João 20,26). Por isso mesmo, é utilizado na liturgia oito dias depois da Páscoa.

O tempo litúrgico perfeito para esta data

Para entender ainda mais completamente o que é o Domingo da Misericórdia, precisamos antes entender melhor o tempo litúrgico em que ele se insere: o Tempo Pascal, período que dura cinquenta dias que são “como um só”:

“Os cinquenta dias entre o Domingo da Ressurreição e o Domingo de Pentecostes devem ser celebrados com alegria e júbilo, como se se tratasse de um só e único dia festivo, como um grande Domingo” (Normas Universais do Ano Litúrgico, nº 22).

O que é o Tempo Pascal?

O Tempo Pascal começou na Vigília Pascal, com a Ressurreição de Cristo, e é celebrado durante sete semanas, até a vinda do Espírito Santo no Domingo de Pentecostes (que significa, em grego, “cinquenta dias”).

Esse tempo litúrgico de imensa força e significado é uma profunda celebração da Páscoa de Cristo, que passa da morte à vida – a palavra “Páscoa”, aliás, significa precisamente “passagem”, conforme o sentido literal do termo na tradição judaica.

Tempo Pascal é também a Páscoa da Igreja, Corpo de Cristo, que passa para a Vida Nova do Senhor e no Senhor. É um tempo que prolonga a alegria inigualável da Ressurreição e aguarda, ao final destes cinquenta dias, o dom do Espírito Santo na festa de Pentecostes. Um testemunho de Tertuliano, ainda no século II, já nos conta que, neste período, não se jejua, mas se vive em prolongada alegria.

O que é a Oitava da Páscoa?

A primeira das sete semanas deste tempo litúrgico é a assim chamada “Oitava da Páscoa”, a ser encerrada com o “Domingo da Oitava da Páscoa”.

O termo “oitava” se refere ao oitavo dia após a festa de referência – neste caso é a Páscoa, mas também existem a Oitava de Pentecostes, da Epifania, de Corpus Christi, de Natal, da Ascensão e do Sagrado Coração de Jesus, que são as “oitavas privilegiadas”, além de outras oitavas consideradas “comuns” (como a da Imaculada Conceição e a da solenidade de São José, entre outras) ou “simples” (como a de Santo Estêvão e a dos Santos Inocentes, por exemplo).

Todo o período compreendido entre a festa principal e seu oitavo dia é considerado como uma só celebração prolongada.

O que caracteriza o Domingo da Oitava da Páscoa?

Trata-se do domingo que encerra a oitava da Páscoa, ou seja, é o segundo domingo do Tempo Pascal, sendo que o primeiro foi o próprio Domingo da Páscoa, a grande solenidade da Ressurreição de Cristo.

O “Domingo da Oitava da Páscoa” também costumava ser chamado de Domingo “in Álbis” (ou seja, domingo “vestido de branco”), já que, nesse dia, os neófitos (novos batizados) depunham a túnica branca do batismo.

Popularmente, também já foi chamado de “Pascoela”, ou “pequena Páscoa”, e, ainda, de “Domingo do Quasimodo”, devido às duas primeiras palavras em latim (“quasi modo”) cantadas no introito.

O que é o Domingo da Divina Misericórdia?

Desde o ano 2000, este mesmo segundo domingo do Tempo Pascal recebe mais um nome, o de “Domingo da Divina Misericórdia”, conforme a disposição de São João Paulo II.

É nesse dia, aliás, que chega ao fim a Novena à Divina Misericórdia, iniciada na Sexta-Feira Santa.

E depois, o que virá?

Depois ainda teremos, dentro deste riquíssimo tempo litúrgico, a festa da Ascensão do Senhor – que é celebrada no sétimo domingo de Páscoa e não mais necessariamente aos quarenta dias após a Ressurreição, porque o sentido da celebração é mais teológico do que cronológico.

Por fim, o período pascal se encerra com a vinda do Espírito Santo, em Pentecostes.

Quais são as características deste período?

A unidade desta Cinquentena que é o Tempo Pascal se destaca no Círio Pascal, que permanece aceso em todas as celebrações até o Domingo de Pentecostes para expressar o mistério pascal comunicado aos discípulos de Jesus.

É com esta mesma intenção que se organizam as leituras da Palavra de Deus nos oito domingos do Tempo Pascal: a primeira leitura é sempre dos Atos dos Apóstolos, o livro que conta a história da Igreja primitiva e da sua difusão da Páscoa do Senhor. A segunda leitura muda conforme os ciclos, podendo ser da primeira Carta de São Pedro, da primeira Carta de São João e do livro do Apocalipse.

Como ganhar a indulgência plenária nesta data?

A celebração da Divina Misericórdia é enriquecida com a possibilidade de indulgência plenária:

“Para fazer com que os fiéis vivam com piedade intensa esta celebração, o mesmo Sumo Pontífice (João Paulo II) estabeleceu que o citado Domingo seja enriquecido com a Indulgência Plenária”, “para que os fiéis possam receber mais amplamente o dom do conforto do Espírito Santo e desta forma alimentar uma caridade crescente para com Deus e o próximo e, obtendo eles mesmos o perdão de Deus, sejam por sua vez induzidos a perdoar imediatamente aos irmãos” (Decreto da Penitenciaria Apostólica de 2002).

Fonte: https://pt.aleteia.org/

O sentido da Páscoa cristã

O verdadeiro sentido da Páscoa /DCI

O SENTIDO DA PÁSCOA CRISTÃ

Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)

Desde os primórdios da Igreja celebrou-se o mistério da Páscoa cristã, pelo seu valor fundamental e salvífico relacionado à vida cristã. O fato era que no coração da Páscoa, comemoram os cristãos o mistério da redenção humana, mediante a morte e ressurreição do Senhor Jesus. Pela Páscoa, a Igreja celebra a passagem da morte do Senhor para a vida divina.  

Jesus Cristo ressuscitou dos mortos: Ele não está mais no sepulcro (Mt 28,6). Eles não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos (Jo 20, 9). O Senhor ressuscitado é a primícia da nova criação. A Ressurreição de Jesus é o penhor da renovação do Universo. Jesus falou por diversas vezes que passaria pelos sofrimentos, morte, mas no terceiro dia ressuscitaria dos mortos. Para os apóstolos, aquele linguajar era difícil de compreender, o que será dado só em Pentecostes.  

As mulheres foram as primeiras anunciadoras da ressurreição.

Pela Palavra de Deus vemos a presença das mulheres como as primeiras anunciadoras da ressurreição do Senhor. O evangelista Mateus colocou que no primeiro dia da semana, portanto no domingo, Maria Madalena e a outra Maria foram ao sepulcro. Lá encontraram o anjo que disse para as mulheres que Jesus não estava mais no sepulcro, ressuscitou como havia dito. Ele também disse que era para elas irem depressa contar aos discípulos do Senhor Jesus que ele ressuscitou dos mortos. As mulheres ao saírem do sepulcro, correram com alegria para dar a notícia aos discípulos. O Senhor ressuscitado apareceu a elas dizendo que não era para ter medo, mas elas eram chamadas a anunciar aos irmãos para se dirigirem para a Galileia, porque lá eles o veriam (Mt 28, 1-10).  

Pelo evangelista João, recebeu Maria Madalena de Jesus a missão de anunciar aos discípulos que Ele estava vivo, ressuscitou dos mortos. Ela chorava no túmulo, e o Senhor a chamou pelo nome de modo que ela o identificou como Mestre. Mas Jesus disse-lhe para não a segurar porque ele não tinha ainda subido para junto do Pai. Mas ela era enviada para dizer aos irmãos, os discípulos que Jesus sobe ao seu Pai e ao Pai dela e dos discípulos, ao seu Deus e ao Deus dela e dos discípulos. Jesus colocou a sua condição divina, junto do Pai diferente da condição humana em que Maria estava. Jesus é Deus e homem, na qual estão nele as naturezas humana e divina na única pessoa do Verbo de Deus. Maria foi dizer aos discípulos que ela viu o Senhor e contou o que Jesus lhe tinha dito (Jo 20, 16-18). É importante analisar as considerações dos Padres da Igreja, os primeiros autores cristãos a respeito da ressurreição do Senhor, da Páscoa cristã.  

Páscoa: a passagem de Cristo para pátria celeste. 

São Leão Magno, Papa no século V afirmou que a festa da Páscoa chamada pelos hebreus Phase, cujo significado era passagem, foi atestada pelo evangelista João, que antes da festa da Páscoa, Jesus sabia que estava chegando a sua hora de passar deste mundo para o Pai (Jo 13,1). A natureza que efetuaria a passagem era a humana, uma vez que o Pai estava de uma forma inseparável no Filho e o Filho no Pai. São Paulo colocou o ponto de que Deus o exaltou e lhe deu o nome que está acima de todo o nome (Fl 2,9). A exaltação da natureza humana foi assumida por ocasião da passagem da Páscoa. Com a sua paixão, a divindade permaneceu indivisa, pois é ele co-eterno na glória de Deus Pai1.  

A afirmação da natureza humana na Páscoa. 

São Leão Magno também criticou as pessoas que não acreditassem que na Páscoa teve a exaltação humana de Jesus, de modo que não participavam da grande festa cristã. A Páscoa deu sentido a todas as coisas feitas pelo Senhor que como verdadeiro Filho de Deus, permaneceu nele, a natureza humana. O mistério da salvação aludiu à festa pascal, porque a pessoa seguidora do Senhor não discordaria do Evangelho e nem do Símbolo para desta forma fazer bem a celebração pascal. Jesus Cristo nasceu segundo a carne, padeceu a sua morte, e teve a sua ressurreição de forma segundo a carne, a sua condição corporal. Não existe a separação de sua divindade e de sua humanidade, na Pessoa do Verbo de Deus2.  

Jesus passou pelo sofrimento à ressurreição.

Santo Anastácio, bispo de Antioquia, no século VI, afirmou que o Senhor enfrentou o sofrimento para chegar à ressurreição. A Sagrada Escritura previu que Jesus passaria pela morte. No entanto era fundamental afirmar segundo ele, que nunca as pessoas afirmariam que era Deus se, ao contemplar a verdade da encarnação, o povo não encontrasse nela razões para proclamar, com clareza e justiça, uma e outra coisa, ou seja, seu sofrimento e sua impassibilidade. Desta forma o Verbo de Deus passou pela morte em vista da salvação do ser humano3.  

A paixão ligada com a Páscoa.

Numa homilia de um antigo autor anônimo falou da Paixão do Salvador em unidade com a Páscoa, a passagem de Jesus de sua morte para a vida. A Paixão foi a salvação da vida humana. Ele quis morrer por todo o gênero humano para que crendo nele, todos vivessem para sempre. Ele quis tornar-se o que foi a vida humana para viver com ele para sempre. Foi assim o dom da Páscoa, esta esperada festa do ano, o inicio do da nova criação. Ela afirmava também que naquela solenidade, os novos filhos e filhas que são gerados nas águas vivificantes da santa Igreja, ouvem o balbuciar da sua consciência inocente. Na festa da Páscoa, os pais e mães cristãos obtêm, por meio da fé, uma nova e inumerável descendência e, à sombra da árvore da fé, brilha o esplendor dos círios com o fulgor que irradia da pura fonte batismal 4. 

A Páscoa é a festa das festas na expressão de São Gregório de Nazianzo. Ela é grande e sagrada, porque o Logos, a Palavra do Senhor venceu o pecado e a morte para dar a todos a luz divina, a vida verdadeira5. Ela engloba a toda a liturgia, pois o Senhor venceu a morte e ressurgiu glorioso do sepulcro, porque Deus Pai ressuscitou o seu Filho (At 10,40). Vivamos o espírito pascal em nossas vidas de seguidores e seguidoras de Jesus Cristo na família, na comunidade e na sociedade. Somos chamados a lutar pelo bem, pela justiça e pelo amor a Deus, ao próximo como a si mesmo, a partir da ressurreição de Jesus.

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Por que São João XXIII descreveu a família como a célula da sociedade

Dean Drobot | Shutterstock
Por Philip Kosloski

Ele escreveu em 'Pacem in Terris' que a família é o "núcleo fundamental" da sociedade humana.

A família tem um papel grandioso a desempenhar na Igreja, mas São João XXIII reafirmava que a família é necessária para o funcionamento da humanidade como um todo.

Na sua encíclica Pacem in Terris, ele afirmou:

“A família, baseada no matrimônio livremente contraído, unitário e indissolúvel, há de ser considerada como o núcleo fundamental e natural da sociedade humana. Merece, pois, especiais medidas, tanto de natureza econômica e social, como cultural e moral, que contribuam para consolidá-la e ampará-la no desempenho de sua função”.

São João XXIII acreditava que essa realidade deveria refletir-se em muitas outras áreas da vida civil, como a necessidade de um salário justo.

Uma consequência ulterior da dignidade pessoal do homem é o seu direito a exercer atividades econômicas adequadas ao seu grau de responsabilidade. O trabalhador tem igualmente o direito a uma retribuição determinada de acordo com os preceitos da justiça, o que precisa ser enfatizado. A quantia que o trabalhador recebe deve ser suficiente, proporcionalmente aos recursos disponíveis, para permitir tanto a ele quanto à sua família um padrão de vida compatível com a dignidade humana. O Papa Pio XII o havia manifestado nestes termos:

“A natureza impõe o trabalho ao homem como um dever e o homem tem o correspondente direito natural de exigir que o trabalho que realiza lhe proporcione os meios de subsistência para si e para seus filhos. Tal é o imperativo categórico da natureza para a preservação do homem”.

Os direitos de uma família abrangem também o seu direito à propriedade privada:

“Da natureza humana origina-se ainda o direito à propriedade privada, mesmo sobre os bens de produção. Como afirmamos em outra ocasião, esse direito ‘constitui um meio apropriado para a afirmação da dignidade da pessoa humana e para o exercício da responsabilidade em todos os campos; e é fator de serena estabilidade para a família, como de paz e prosperidade social'”.

São João XXIII acreditava, junto com todos os Papas desde então, que, quando a família é respeitada, a sociedade humana pode florescer.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

O Papa às religiosas: sejam corajosas. Não à amargura, é "o elixir do diabo"

O Papa com as participantes da Assembleia Geral da União das
Superioras Maiores da Itália (USMI)  (Vatican Media

Caminhar juntos, aproveitando a riqueza inesgotável do Evangelho que quebra os esquemas e semeia a esperança. O Papa recebeu a União das Superioras Maiores da Itália e as exortou a serem construtoras do Reino de Deus, em comunhão com outras realidades eclesiais sem perder a alegria, a audácia e a dedicação.

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (13/04), na Sala Clementina, no Vaticano, as participantes da Assembleia Geral da União das Superioras Maiores da Itália (USMI).

Nestes dias, a USMI está reunida em sua 70ª Assembleia Geral sobre o tema "No caminho sinodal, mulheres testemunhas do Ressuscitado".

Recuperar o frescor original do Evangelho

Em seu discurso, o Papa sublinhou três aspectos sugeridos por esse tema. No primeiro aspecto, mulheres testemunhas do Ressuscitado, Francisco recordou que "as primeiras testemunhas da Ressurreição do Senhor foram as mulheres, as discípulas, que com a sua audácia sempre nos lembram que «Jesus Cristo pode também quebrar os esquemas maçantes nos quais tentamos aprisioná-lo e surpreender-nos com a sua constante criatividade divina», porque «Cristo é o “Evangelho eterno”» e «a sua riqueza e a sua beleza são inesgotáveis»".

“Aquelas mulheres corajosas deixaram-se surpreender e impelir pela força e pela luz do Ressuscitado e puseram-se a caminho a procurá-lo. Elas tinham plena consciência de como é importante ter o Senhor vivo no coração.”

A atitude delas nos recorda que se tivermos a coragem de «voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual».

Segundo o Papa, quando nos perguntamos: O que fazemos agora nesta situação? e rezamos para ver o que Senhor nos diz no Evangelho, "dali vem a inspiração e surge um novo caminho, às vezes surge uma família religiosa, às vezes se tomam decisões que parecem assustadoras". "Sempre caminhar com coragem, ver o que o Senhor nos diz hoje. É verdade que cada uma de vocês tem o próprio carisma, e é com este espírito que vocês têm que se interrogar. Com o espírito dos fundadores que vocês têm no coração, vocês devem perguntar: "Senhor, o que eu devo fazer hoje? O que devemos fazer?". As mulheres são boas para isso, sabem abrir novos caminhos, sabem doa, são corajosas", sublinhou Francisco.

 O caminho sinodal é o Espírito Santo

Passemos agora ao segundo aspecto: no caminho sinodal. Numa outra passagem, o Evangelho diz que «as mulheres saíram depressa para dar a notícia aos discípulos». "A presença de Jesus não nos fecha em nós mesmos, mas nos impele ao encontro com os outros e à decisão de caminhar com os outros", disse o Papa.

Estas mulheres não escolheram guardar a alegria do encontro só para si, nem fazer o caminho sozinhas: elas escolheram caminhar juntas com os outros.

“Porque é próprio da mulher ser generosa: é assim. Às vezes têm algumas neuróticas, mas isso está um pouco em todo lugar! Porém, mulher significa dar vida, abrir caminhos, convidar os outros, caminhar juntos.”

Recordamos sempre que "para 'caminhar juntos' é necessário nos deixar educar pelo Espírito a uma mentalidade realmente sinodal, entrando com coragem e liberdade de coração num processo de conversão", porque «a sinodalidade é o caminho principal para a Igreja, chamada a renovar-se sob a ação do Espírito e graças à escuta da Palavra».

Segundo Francisco, quando se fala de "espírito sinodal" pode dar um pouco de medo e fazer-nos fechar de uma forma diferente. Porém, "o caminho em espírito sinodal é escutar, rezar e caminhar. O caminho sinodal é o Espírito Santo: Ele é a cabeça do caminho sinodal, Ele é o protagonista".

Chamado, resposta fiel e esperança

Por fim, o terceiro aspecto: semeadoras de esperança. "Hoje sentimos falta desta humilde pequena virtude que é a esperança: sentimos muita falta. Temos versões mundanas, como o otimismo, o bom senso elevado. Não: a esperança, a menor, porém a mais forte das virtudes, aquela que nunca desilude. E vocês devem ser semeadoras de esperança, o que não é o mesmo que semeadoras de otimismo: não. De esperança, que é outra coisa", sublinhou.

"O encontro com Jesus Ressuscitado enche de esperança e «isso exige ser fermento de Deus no meio da humanidade»", disse ainda o Papa. Em outras palavras, «significa anunciar e levar a salvação de Deus ao nosso mundo, que muitas vezes se perde, que precisa de respostas que encorajem, que deem esperança, que deem novo vigor ao caminho». "Chamado, resposta fiel e esperança, ir em frente com esperança. «Sejamos realistas, mas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança»", disse ainda Francisco.  

Cuidado com as doenças da vida consagrada

Por fim, o Papa pediu às religiosas para tomarem "cuidado com as doenças da vida consagrada, pois elas existem". Ele destacou uma: "a amargura. Aquele espírito de acidez por dentro. A amargura é o licor do diabo: o diabo nos cozinha nela, com esse licor".

“Não estou falando de otimismo: otimismo é uma coisa psicológica. Falo de esperança, de abertura ao Espírito, e isso é teológico. Uma vocação religiosa deve seguir este caminho. A amargura, a acidez do coração, faz muito mal.”

Por favor, quando vocês verem que na comunidade ou alguma irmã está nessa, ajude-a a sair dessa situação; ajude-a a sair da situação de pessoas melancólicas que sempre pensam: "Mas, nos outros tempos era melhor! Este é o elixir do diabo, esta amargura, o licor de amargura. Por favor, nada disso, apenas deixar o Espírito nos dar essa doçura que é uma doçura espiritual.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Esperança que permanece entre os homens irmãos

Descida do Espírito Santo, Maestà de Duccio di Buoninsegna, Museu da Obra, Sena

Arquivo 30Dias - 05/2007

Esperança que permanece entre os homens irmãos

“Talvez haja quem ainda não se deu conta disto: os cristãos vivem no mundo tamquam scintillae in arundineto, como fagulhas espalhadas pelo canavial. Vivemos na diáspora. Mas a diáspora é a condição normal do cristianismo no mundo”. Entrevista com o cardeal Godfried Danneels, primaz da Bélgica.

Entrevista com o cardeal Godfried Danneels de Gianni Valente

Mechelen, 24 de maio de 2007. Sua eminência parece em forma, ocupado com mil coisas. Concentrou todos os seus compromissos no mês de maio, pois havia programado para junho uma viagem a Pequim e à Mongólia chinesa, para encontrar as comunidades cristãs que nasceram nessas regiões graças também à obra dos missionários belgas de Scheut. Só que a longa viagem para o ex-Império Celeste foi adiada: “A carta que o Papa dirigirá aos católicos chineses está para ser publicada, e eu não queria que, enquanto estivesse lá, desabasse algum temporal sobre minha cabeça...”. Poucos dias antes do Pentecostes, Godfried Danneels, primaz da Bélgica, lembra o que disse o metropolita ortodoxo Ignatios de Lattakia em 1968, no encontro ecumênico de Uppsala: “Quando o Espírito Santo não está presente, Cristo fica no passado, o Evangelho é letra morta, a Igreja é uma simples organização, a autoridade parece uma dominação, a missão é uma propaganda, o culto é uma invocação, o agir cristão se transforma numa moral de escravos”.

O cardeal Godfried Danneels / 30Giorni

Essas palavras parecem atuais.
GODFRIED DANNEELS: Elas valem para todos os tempos. Desde a Ascensão de Cristo até o fim do mundo, sempre será assim. Para mim, há apenas uma coisa que podemos acrescentar: sem o Espírito Santo, a Igreja fica no medo. É o que se vê também no dia do Pentecostes: ali, no cenáculo, o que vencia era o medo. O Espírito Santo, então, acaba com o medo e concede o dom de anunciar o Evangelho não apenas a quem vivia segundo a lei judaica, mas também aos pagãos. A Igreja tem como tarefa, entre outras coisas, conservar a Tradição. Mas é o Espírito Santo quem livra do medo e concede viver as mesmas coisas em circunstâncias diferentes. Na Igreja, é o próprio Espírito quem guarda o depositum fidei. Ele é o único que é capaz de ser fiel ao passado e que está preparado para o futuro, pois não pertence nem ao passado nem ao futuro, é atual. Fora da obra do Espírito Santo, o futuro da Igreja é sempre a extrapolação de pedaços do passado que procuramos atualizar, mas nunca existe nada que faça realmente novas todas as coisas.
A Igreja hoje também se preocupa com o fato de nas sociedades ocidentais o consenso em torno de alguns valores morais fundamentais estar cada vez mais rarefeito.
DANNEELS: Esse é um dado que mostra que não existe mais uma Civitas cristã, que o modelo medieval de Civitas cristã não vale para o momento atual. Talvez haja quem ainda não se deu conta, mas os cristãos vivem no mundo tamquam scintillae in arundineto, como fagulhas espalhadas num canavial. Nós vivemos na diáspora. Mas a diáspora é a condição normal do cristianismo no mundo. A outra condição, a sociedade completamente cristianizada, é que é exceção. O modo normal de os cristãos estarem no mundo é aquele que já era descrito na Carta a Diogneto, no século II. Os cristãos “não moram em cidades suas, nem usam um jargão que se diferencie”. Vivem “em sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cidadãos e de tudo são apartados como estrangeiros. Qualquer terra estrangeira é pátria para eles, e qualquer pátria é estrangeira”. É dessa forma que nós somos cidadãos da nova sociedade secularizada.
Mas, sendo minoria, não é o momento de lutar, ousando até empregar palavras contundentes?
DANNEELS: Quando o Papa foi à Espanha e falou sobre a família, jamais usou fórmulas em negativo. Simplesmente apresentou e mostrou sua admiração pela beleza da família cristã. Alguns talvez tenham ficado decepcionados. Eu não. O cristianismo é antes de mais nada um fermento bom, o dom de coisas boas a ser oferecido ao mundo, e não se preocupa com a vitória sobre o mundo. São Bernardo repetia a seus contemporâneos: tenham piedade de vossas almas.
Não se corre o risco de um otimismo sentimental?
DANNEELS: O Concílio Vaticano II tirou o título de seu documento sobre a Igreja no mundo das duas primeiras palavras do texto: Gaudium et spes. As duas palavras que vinham em seguida eram luctus et angor, tristeza e angústia. Se o Concílio fosse hoje, talvez os padres conciliares invertessem a ordem, e começassem por luctus et angor. O entusiasmo daquele período talvez fosse exagerado. Havia um elemento de reação contra o pessimismo dos tempos anteriores. Mas naquela audácia ingênua havia também uma coisa bonita. Era um sinal de juventude. Como quando uma garota vai a um baile pela primeira vez. Depois vem a idade adulta. Aí se viu que todas as quatro palavras do incipit devem ser levadas em conta.
Qual seria hoje o seu ponto de partida para descrever a relação entre a Igreja e o mundo?
DANNEELS: O mundo é uma criação de Deus. É verdade que, para o Evangelho de São João, o mundo está nas trevas e se opõe a Deus. Mas essa não é a situação original: as criaturas saem boas das mãos de Deus, omnis creatura Dei est bona. E essa também não será a situação final, quando o Kósmos todo será redimido. É uma condição transitória, e quem a causou não foi Deus, fomos nós, com o nosso pecado. A Igreja sempre denunciou o gnosticismo, que considerava o mal como traço originário da criação, e de certa forma de Deus mesmo.
Mas por isso mesmo não é preciso sublinhar com força que a lei natural, com toda a sua objetividade, é um dado originário, inscrito no coração de todos?
DANNEELS: Sim, mas reconhecendo que, se depender de nós, nós, cristãos, em primeiro lugar nos encontramos impotentes para obedecer, crer, rezar e viver bem, para praticar a vida boa. A desobediência das origens ainda nos fere; nós só nos livramos dela graças à obediência de Jesus. É a obediência d’Ele que traça uma linha de cura em meio às nossas traições e doenças. O reconhecimento disso deveria desaconselhar qualquer tipo de soberba. E dar espaço a olhar com maior misericórdia para todos os homens.
Há quem tema que, quando se fala em misericórdia, seja pela vontade de se esquivar da tarefa impopular de dizer verdades opportune et importune, por exemplo sobre questões de ética e moral.
DANNEELS: A missão da Igreja não se esgota em anunciar a verdade, mas em difundir a reconciliação oferecida e realizada por Deus. E a misericórdia não é uma espécie de anistia obrigatória, que sepulta nossas misérias na indiferença. Não é uma geladeira sempre cheia, onde podemos fazer nosso self-service. Nós não a merecemos. Mas, quando ela toca gratuitamente os corações, ela então os muda, os cura, e nos leva a sair de nós mesmos, a nos dirigir mais para o alto. Ela é atrativa. É também o remédio da misericórdia que concede as lágrimas de dor por nossos pecados e misérias, que nós nem percebíamos mais. Como também aconteceu ao primeiro dos discípulos, no pátio da casa do sumo sacerdote: “Então o Senhor, voltando-se, olhou para Pedro. E Pedro se lembrou das palavras que o Senhor lhe havia dito... E, saindo, chorou amargamente”.

O fato é que, no debate público, acaba-se muitas vezes por identificar os cristãos como aquelas pessoas que, com as suas lutas, são cruéis com as misérias humanas. Péguy diria: gente com uma alma bela e acabada.
DANNEELS: Os homens da nossa época não têm a percepção de viverem numa condição infantil ou primitiva, do ponto de vista moral. Sentem-se moralmente evoluídos. Talvez até acabem teorizando práticas e comportamentos fora da lei moral natural, mas esse é um outro problema. Na situação atual, não sei o quanto seja conveniente usar a estratégia do não: repetir sempre o que não deve ser feito, acabando quase por esconder o bem que dizemos querer defender. Bento XVI, antes da viagem a Colônia, disse que ser cristão “é como ter asas” e que o cristianismo não é uma montanha de proibições, “uma coisa difícil e opressiva de viver”.
Mas o que fazer diante das legislações civis e dos novos projetos de lei que entram em conflito com os princípios da moral cristã?
DANNEELS: A lei civil não coincidir com os preceitos do Evangelho e da moral cristã representa a situação normal. É verdade que, se a lei aprova por exemplo as uniões homossexuais, o valor pedagógico da lei desaparece. A lei se transforma numa espécie de termômetro, que se limita a registrar e regular os comportamentos individuais tal como são, renunciando a sua função de ser também um termostato. Mas este é um dado nas nossas sociedades modernas: as leis muitas vezes não educam mais. Não é uma coisa boa, mas este é o lugar em que nos é dado viver. É preciso denunciar os riscos, mas também viver o Evangelho numa situação como essa, que não fomos nós que criamos. Não será a primeira vez.
Estado terminal da vida, contracepção, casais de fato. Há controvérsias sobre a maneira como os legisladores cristãos devem se comportar diante desses temas. Sem entrar em detalhes sobre cada caso, que critérios deveriam ser seguidos?
DANNEELS: É sempre saudável distinguir as coisas que são intoleráveis das que são definidas “leis imperfeitas”, que podem ser toleradas com base na categoria tradicional do mal menor. Além do mais, em relação ao comportamento dos indivíduos, a Igreja possui uma sabedoria, uma capacidade de olhar para a realidade como ela é, que durante séculos foi exercida sobretudo no confessionário.
O olhar com que se olha para o mundo dentro da Igreja condiciona de certa forma toda a sua missão. Hoje se aposta muito na eficácia pública do anúncio, na sua capacidade de dar respostas críveis aos desafios culturais da mentalidade atual.
DANNEELS: Os profissionais de venda dirigem sua atenção e estudo sobretudo para o campo no qual deve cair sua mensagem: analisam o terreno, calculam as chances de produtividade. Não semeiam onde o húmus oferece poucas possibilidades de obter resultados. A evangelização, há décadas, também parece apostar tudo no estudo do terreno. Mas qualquer bom lavrador sabe que o florescimento do grão, que ele lançou no campo trabalhado com tanto cuidado, depende da chuva e do sol. No anúncio cristão, isso vale mais ainda: a fertilidade vem do alto, como o sol e a chuva.
Mas não é preciso também revolver o terreno?
DANNEELS: Quem anuncia e testemunha o evangelho com sua vida não pretende decidir, por si mesmo, qual é a terra boa. Além disso, o campo ideal não existe. Como na parábola de Jesus, o campo apresenta todas as dificuldades possíveis. A semente é sempre boa, pois é a semente do Senhor. O bom semeador deve apenas semear. Ele nada mais faz a não ser pegar a semente e jogá-la no campo. Não é ele quem produz os frutos. Semeia com generosidade, sem ficar pensando demais no fato de haver partes do campo mais ou menos aptas. Ele mantém a esperança de que em algum lado do campo sempre haja um pedaço de terra boa, que chegará a frutificar e dar a messe, mesmo que não saiba onde esse pedaço está.
Hoje também é muito freqüente na Igreja a insistência na categoria da razão, de modo a mostrar aos homens atuais a aliança fecunda entre a posição cristã e uma razão aberta ao transcendente. O que o senhor pensa dessa abordagem?
DANNEELS: A inteligência é um dom que deve ser levado a frutificar. Não se deve cair no fideísmo, que é próprio das seitas do continente americano, mas também da Europa. A fé não é racional, mas é razoável. O Papa, quando fala dessa questão, também sugere essa abertura. Sendo assim, não é possível compreender racionalmente os mistérios da fé. Como é que Deus é uno e trino? Como é que Jesus se encarna e nasce da Virgem Maria? Como é que ressuscita depois da morte? E como é que está presente em corpo, sangue, alma e divindade no pão e no vinho? Às vezes, nós desanimamos, porque pensamos que o sucesso seja uma obra nossa, que é quase como se coubesse a nós demonstrar tudo isso, e convencer, e vencer o mundo. Nesse sentido, a condição de exílio e diáspora vivida pela Igreja pode também ser vista como uma purificação.
De que forma?
DANNEELS: Na Bíblia, antes do exílio, os judeus pensavam que podiam fazer tudo sozinhos. Tudo ia bem sem Deus. Depois, foram deportados para a Babilônia e, lá, não tinham mais nada. Nem rei, nem sinagoga, nem templo, nem monte santo. Lá, como diz Daniel, “recebemos um coração humilde e arrependido”. E isso vale mais do que qualquer outra coisa. Nas Igrejas de cristandade antiga, nós, há anos, pensávamos que tudo podia ir para a frente mesmo sem a graça. Não dizíamos isso assim, mas pensávamos. Tínhamos sempre a idéia de que, quando Jesus disse “sem mim nada podeis fazer”, disse isso por assim dizer. Hoje, nós vemos realmente que, se o cristianismo perdura, é por um milagre.
A propósito de milagres, o senhor disse que os que Jesus realizou no Evangelho são como que antecipações dos sacramentos.
DANNEELS: O milagre testemunha que acontecem coisas que não dá para explicar a partir das premissas admitidas. Sugere que as conclusões não são sempre aquelas que se seguem das premissas. Assim, com o milagre nós estamos sempre no trampolim da esperança. Os sacramentos também são gestos de Jesus. Nesse sentido, são a continuação dos milagres. Muito menos espetaculares, mas ainda mais fortes e necessários, pois existem para a alma e por graça.
Uma eficácia silenciosa, que o senhor num artigo aproximou da “discrição” com a qual o próprio Jesus ressuscitado age...
DANNEELS: Jesus, ao ressuscitar, não impõe sua presença, por mais que a Páscoa marque a vitória evidente sobre a morte e o pecado. Ele aparece aos seus furtivamente, aqui e ali, em lugares apartados. Não dissipa imediatamente todas as dúvidas de seus discípulos. Simplesmente mostra-se a eles tal como é. E isso não é um refúgio no intimismo: os apóstolos logo recebem a missão de anunciá-Lo ao mundo inteiro.
Eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre vida da Igreja atualmente. O que o tem impressionado de maneira particular, nos últimos tempos?
DANNEELS: A exortação apostólica Sacramentum caritatis me parece boa, ainda que seja um pouco longa. Encontrei coisas nela que nunca havia lido, por exemplo a respeito da beleza da liturgia. Além disso, diminuiu a produção de documentos vaticanos, e isso é uma coisa boa.

Cristo e a samaritana no poço / 30Giorno

Como o senhor avalia as polêmicas que surgiram recentemente em torno de alguns discursos do Papa?
DANNEELS: O Papa faz sempre uma abordagem teológica das questões, e às vezes não é compreendido. Quando disse que a Igreja não impôs o Evangelho aos povos indígenas, disse coisas verdadeiras do ponto de vista teológico, pois a alma naturaliter christiana dos índios estava aberta e, portanto, não assassinamos essa alma indígena ao levar-lhe o Evangelho. Por outro lado, a forma histórica como isso aconteceu não foi isenta de problemas. E o Papa reconheceu isso, ao falar numa audiência alguns dias depois. Da mesma forma como esclareceu o sentido das palavras de Regensburg, depois da famosa polêmica. Seria melhor que não fosse obrigado a se corrigir sempre.
Mais de dois anos atrás, na liturgia de agradecimento pela eleição de Bento XVI, o senhor disse que o afeto, a caridade e a lealdade dos fiéis moldam o pastor, e constituem o “biotopo” adequado para que “a força da graça extraia frutos surpreendentes de seus dons naturais”.
DANNEELS: É verdade. João Paulo II era alguém para ser visto, mas podia-se pular amplas partes de seus discursos oficiais, e não se perdia muito. Em Bento XVI, as palavras é que são importantes, não o show. Ele é um teólogo. Um professor. Além do mais, em Bento XVI a função que ele exerce não é neutralizada por sua personalidade. E isso é sempre salutar. Quando o carisma pessoal passa a condicionar demais o exercício do ministério petrino, isso pode ser negativo. É a função que é importante, não tanto as preferências, qualidades e limites de quem a exerce.
Alguém ainda o pinta como uma espécie de castigador universal.
DANNEELS: Não se pode dizer que o papa Ratzinger seja um castigador. O sucessor de Pedro é aquele que antes de mais nada carrega nas costas as ovelhas feridas pelos ataques dos lobos ou pelos espinhos da vida. É por isso que as cinco cruzes do pálio papal são vermelhas: é o sangue das ovelhas feridas que marca as costas do bom pastor.
Como é que o senhor avalia o papel da Cúria neste período?
DANNEELS: Não estive em Roma nos últimos tempos, não tenho nenhuma percepção do que a Cúria faz neste momento. Mas, certamente, ela deve continuar a ser um órgão de execução nas mãos do Papa. A Cúria é secundária; assiste, mas não deve tomar o comando em suas mãos.
No passado, o senhor já apresentou uma proposta de instituição de um “Conselho da Coroa”. O senhor a reapresentaria na situação atual?
DANNEELS: Continuo ainda convencido de que reunir de vez em quando, em torno do papa, um pequeno conselho de personalidades da Igreja provenientes de diversos países, cujos membros possam variar talvez a cada dois ou três anos, seria uma ajuda para o papa, que poderia assim estar seguro de que consegue sentir a temperatura da Igreja. A Cúria não consegue sentir e registrar essa temperatura, não é tarefa dela. É claro que já existe o Sínodo dos Bispos e o Colégio Cardinalício. Mas o que eu chamo “Conselho da Coroa” poderia ser um instrumento mais elástico, circunstancial, contingente, que certamente não estaria acima do papa, mas seria apenas um órgão de apoio ao seu serviço.
A respeito do Sínodo, como o senhor avalia os novos estatutos, que abrem a possibilidade de que se tomem medidas deliberativas sobre temas isolados, com o consenso do papa?
DANNEELS: Não me parecem variações substanciais. Mesmo antes, se todos os bispos exprimissem uma vontade comum sobre pontos e decisões isoladas, não era possível deixar de levar isso em conta, e o Sínodo, enquanto organismo consultivo, tornava-se deliberativo de fato.
O próximo Sínodo será sobre a Sagrada Escritura.
DANNEELS: Como o cardeal Martini, eu também desejava esse Sínodo há pelo menos dez anos. Não tenho certeza de que estarei nele, pois no ano que vem chego aos 75 anos e terei de apresentar meu pedido de demissão. E participei de todos os Sínodos desde 1980. Veremos o que meus colegas bispos da Bélgica vão querer desta vez.

Fonte: http://www.30giorni.it/

O que a “Pacem in Terris” diz sobre a liberdade religiosa

Gorodenkoff | Shutterstock
Por Philip Kosloski

A Igreja Católica tem sido uma firme defensora da liberdade religiosa, como explica São João XXIII.

Um dos direitos fundamentais de todo ser humano é o direito de adorar a Deus em liberdade, sem ser coagido nem perseguido por suas crenças.

São João XXIII acreditava firmemente neste direito, e escreveu sobre isso em sua encíclica Pacem in Terris.

“Pertence igualmente aos direitos da pessoa a liberdade de prestar culto a Deus de acordo com os retos ditames da própria consciência, e de professar a religião, privada e publicamente. Com efeito, claramente ensina Lactâncio, ‘fomos criados com a finalidade do prestarmos justas e devidas honras a Deus, que nos criou; de só a ele conhecermos e seguirmos. Por este vínculo de piedade nos unimos e ligamos a Deus, donde deriva o próprio nome de religião'”.

A Igreja Católica tem sido uma firme defensora da liberdade religiosa ao longo dos anos, como explica São João XXIII.

“Sobre o mesmo assunto nosso predecessor de imortal memória Leão XIII assim se expressa: ‘Esta verdadeira e digna liberdade dos filhos de Deus que mantém alta a dignidade da pessoa humana é superior a toda violência e infúria, e sempre esteve nos mais ardentes desejos da Igreja. Foi esta que constantemente reivindicaram os apóstolos, sancionaram nos seus escritos os apologetas, consagraram pelo próprio sangue um sem número de mártires'”.

Enfim, a verdadeira e duradoura paz na terra deve incluir este direito fundamental à liberdade religiosa.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF