Shutterstock I Ruslan Huzau | #image_title
Por Francisco Borba Ribeiro Neto
A divulgação dos resultados do Censo 2022 trouxe o dado chocante de que tivemos nessa década a menor taxa de crescimento anual já registrada no País.
Os casais querem ter cada vez menos filhos – ou até mesmo não ter. É o que mostram os censos da população brasileiros nas últimas décadas. A divulgação dos resultados do Censo 2022 trouxe o dado chocante de que tivemos nessa década a menor taxa de crescimento anual já registrada no País: 0,52%. A título de comparação, na década anterior a taxa foi 1,17%, duas vezes maior, e vem decaindo desde a década de 1950, quando foi 3,03%. O dado é preocupante porque afeta diretamente as políticas públicas e, supõem-se, o crescimento econômico.
Como esse tema é muito debatido em âmbitos religiosos, em razão das práticas de controle de natalidade adotadas pelas famílias e pelo impacto ideológico em suas mentalidades, vale a pena aprofundar um pouco a reflexão sobre esses dados.
Crescimento populacional e crescimento econômico estão interligados
Existe uma forte influência das taxas de crescimento demográfico sobre o crescimento econômico, mas a relação não é tão direta como alguns autores costumam alardear. Aliás, o crescimento demográfico tanto pode ajudar quanto atrapalhar a economia, dependo da situação.
Quando a população está crescendo, tanto a oferta de mão de obra quanto o mercado de consumo também crescem. O país produz e consome mais. Com isso, a economia cresce. Se a população para de crescer e até decresce, se torna maior a proporção de idosos, que consomem, mas produzem menos ou até deixam de produzir. Com isso, a sustentabilidade econômica da nação diminui, podendo causar vários desiquilíbrios socioeconômicos.
Contudo, esse raciocínio está supondo que a capacidade produtiva dos trabalhadores varia pouco ao longo das gerações – o que não é verdade nos tempos atuais. Em função da educação, da infraestrutura produtiva e do ambiente de negócios, a produtividade dos trabalhadores pode mudar sensivelmente de uma geração para outra. Podemos ter inclusive o caso contrário ao raciocínio acima: quando uma população cresce muito, a sociedade não consegue garantir as condições adequadas de subsistência para sua parcela mais pobre, criando sobretudo problemas de alimentação, saúde, escolarização e formação para o trabalho. Nessas condições, uma população estável pode facilitar o investimento social necessário para garantir o crescimento econômico.
A China é um exemplo clássico dessas inúmeras situações. Considerado o país mais populoso do mundo (estima-se que foi suplantada pela Índia neste ano), usou o potencial de sua força de trabalho e do seu mercado consumidor para um crescimento econômico explosivo nas últimas décadas. Contudo, não podia arcar com os custos da educação das novas gerações, por isso o Estado instituiu, em 1979, a política do filho único, proibindo de forma ditatorial que as famílias tivessem mais de um filho. A grande população era uma vantagem sobre certos aspectos e uma desvantagem sobre outros… Contudo, essa política começou a trazer novos problemas quando a população começou a envelhecer e a sobrecarga do sistema passou a dever-se não à educação dos jovens, mas sim ao cuidado com os idosos. Assim, a política do filho único foi substituída pela política de dois filhos.
A relação entre população e economia é mediada pela infraestrutura e a capacidade produtiva dos trabalhadores. Se uma população estaciona ou declina, os adultos em idade ativa precisam produzir mais para sustentar a si próprios, aos jovens e aos idosos (esses, cada vez mais frequentes na população). E aqui vale uma consideração importante: o Estado, quando realiza políticas públicas, está apenas alocando (de forma eficiente ou não) os recursos gerados pela própria sociedade. Em situações de forte desigualdade socioeconômica, como a que temos no Brasil, existe uma certa margem para melhorar o atendimento à população mesmo sem um aumento da produtividade. Mas o alcance dessa margem é pequeno. Mais cedo ou mais tarde, o Estado só poderá assistir adequadamente a população se a produtividade da economia aumentar.
Por isso, a redução do crescimento populacional representa uma pressão para que o Estado brasileiro seja mais eficiente no apoio ao desenvolvimento econômico. Um problema clássico nesse campo, que não temos como aprofundar aqui, só lembrar, é que políticas governamentais de estímulo a esse ou aquele setor têm tido resultados deprimentes no Brasil, frequentemente levando mais ao favorecimento de grupos econômicos específicos do que ao desenvolvimento econômico e social. De modo geral, os fatores chave para o aumento da produtividade da economia passam por (1) melhora na qualidade do ensino e na formação dos trabalhadores; (2) investimentos em infraestrutura lá onde ela se mostrou limitante ao desenvolvimento; (3) melhora no chamado ambiente de negócios, com tributação mais adequada, facilidade para abrir e fechar empreendimentos, desburocratização, etc.; (4) redução da pobreza, pois populações muito pobres não conseguem nem mesmo ser incluídas no mercado de trabalho.
O impacto da demografia nas políticas públicas e na vida das famílias
Se o crescimento populacional impacta a economia de um modo ou de outro, em função do desenvolvimento econômico, na gestão das políticas públicas o impacto é direto e sempre do mesmo tipo. Países com altas taxas de natalidade têm crescimento populacional elevado e precisam investir muito nos cuidados com a infância. Já países com baixas taxas de natalidade terão que investir em estruturas de apoio para a população idosa. E, vale a pena insistir, os recursos sempre saem da sociedade, estejamos falando de um Estado do bem-estar social altamente centralizador ou de um Estado mínimo neoliberal, que irá entregar essas tarefas ao setor privado.
Uma grande diferença entre as duas situações é que o gasto na infância e na juventude, se bem feito, é investimento que permite maior riqueza no futuro. Já o gasto com os idosos é, ou deveria ser, consumo da riqueza já produzida no passado. O grande problema é que a conta não fecha deste modo e, como mostram as discussões intermináveis sobre a previdência social, as contribuições pagas pela população ativa vão ser usados para financiar as aposentadorias da população inativa. Um trabalhador tem, por assim dizer, que produzir o suficiente para alimentar dois – e isso implica me teoria numa produtividade muito elevada. Além disso, com a longevidade crescente e os novos recursos da tecnologia médica, o sustento dos idosos se estende no tempo e se torna cada vez mais caro.
A redução das taxas de natalidade e, consequentemente, do número de filhos, também tem impacto direto na vida dos casais. Durante a juventude, casais sem filhos ou com poucos filhos têm mais recursos para si mesmos; mas, em compensação, terão menos apoio ou até mesmo estarão sozinhos na velhice. Investimentos bem planejados em previdência podem resolver os problemas materiais que vêm com a idade, mas são pouco eficientes no que diz respeito aos problemas afetivos, à solidão e ao abandono afetivo. Numa sociedade com famílias pequenas, os idosos tendem a ser um fardo cada vez maior para os adultos jovens e/ou para o Estado e os sistemas de atendimento social.
Muitas vezes ouvimos, em ambientes cristãos, a defesa de famílias grandes e a condenação das pequenas como se essas decisões dependessem tão somente de uma opção pessoal, motivada por uma ideologia individualista, que não deseja dividir o que tem com os filhos, ou por uma mentalidade cristã aberta à vida. Esses aspectos ideológicos e culturais realmente existem, mas o problema é mais complexo – mas essa é uma reflexão para o próximo artigo.
Fonte: https://pt.aleteia.org/