Translate

terça-feira, 5 de setembro de 2023

O Papa adverte para as ideologias na Igreja e no mundo

Papa Francisco com os jornalistas no voo Ulan Bator-Roma (Vatican Media)

No diálogo com os jornalistas no voo de regresso da Mongólia, Francisco falou do Sínodo, explicando que “não é um programa de Tv” e não é uma assembleia parlamentar. O Pontífice explicou o significado de suas palavras aos jovens russos, reiterando que se tratava de um convite a não esquecer sua grande herança cultural.

VATICAN NEWS

Matteo Bruni

Obrigado, Santidade, por esses dias intensos de encontro com esse pequeno povo rico em cultura em uma grande terra, como o senhor a descreveu, e também com uma comunidade cristã viva que dá testemunho de sua fé com frescor. Os jornalistas puderam se interessar e conhecer esse lugar e ainda têm algumas perguntas que gostariam de fazer ao senhor.

"Bom dia a todos e obrigado pela companhia. Obrigado pelo trabalho que vocês fizeram. Mostrando com a mídia também a cultura desse povo, a história. Muito obrigado!"

Jargalsaikhan Dambadarjaa (The Defacto Gazete):

Muito obrigado, Santidade, por ter visitado a Mongólia. Minha pergunta é: qual foi seu principal objetivo com essa visita e está satisfeito com o resultado alcançado?

"A ideia de visitar a Mongólia me veio à mente pensando na pequena comunidade católica. Faço essas viagens para visitar as comunidades católicas e também para entrar em diálogo com a história e a cultura dos povos, com aquilo que é a mística de um povo. É importante que a evangelização não seja concebida como proselitismo. O proselitismo sempre restringe. O Papa Bento XVI disse que a fé não cresce por proselitismo, mas por atração. O anúncio evangélico entra em diálogo com a cultura. Há uma evangelização da cultura e também uma inculturação do Evangelho. Porque os cristãos também expressam seus valores cristãos com a cultura de seu próprio povo. Isso é o oposto do que seria uma colonização religiosa. Para mim, a viagem era conhecer esse povo, entrar em diálogo com esse povo, receber a cultura desse povo e acompanhar a Igreja em seu caminho com muito respeito pela cultura desse povo. E estou satisfeito com o resultado".

Ulambadrakh Markhaakhuu (ULS Suld Tv)

O conflito de civilizações de hoje só pode ser resolvido por meio do diálogo, como Vossa Santidade disse. Ulan Bator pode se oferecer como plataforma para um diálogo internacional entre a Europa e a Ásia?

"Penso que sim. Mas vocês têm uma coisa muito interessante, que também favorece esse diálogo, e me permito chamá-la de 'mística do terceiro vizinho', que lhes permite seguir adiante numa política do terceiro vizinho. Veja que Ulan Bator é a capital de um país mais distante do mar, e podemos dizer que sua terra está entre duas grandes potências, a Rússia e a China. E é por isso que sua mística é tentar dialogar também com seus "terceiros vizinhos": não por desprezo por esses dois, porque vocês têm boas relações com ambos, mas por um anseio de universalidade, para mostrar seus valores ao mundo inteiro e também para receber dos outros os valores deles para que vocês possam dialogar. É curioso o fato de que, na história, sair em busca de outras terras muitas vezes foi confundido com colonialismo, ou com o entrar para dominar, sempre. Em vez disso, vocês, com essa mística do terceiro vizinho, têm essa filosofia de sair para buscar, a fim de dialogar. Gostei muito dessa expressão do terceiro vizinho. É uma riqueza de vocês".

Cristina Cabrejas (EFE)

Ontem o senhor enviou uma mensagem ao povo chinês e pediu aos católicos que fossem bons cidadãos, depois que as autoridades do país não permitiram que os bispos fossem à Mongólia. Como estão as relações com a China no momento? E há alguma notícia sobre a viagem do cardeal Zuppi a Pequim e a missão na Ucrânia?

“A missão do cardeal Zuppi é uma missão de paz que eu designei. E ele fez um plano que previa visitar Moscou, Kiev, Estados Unidos e também Pequim. O cardeal Zuppi é um homem de grande diálogo e visão universal, ele tem na sua história a experiência do trabalho feito em Moçambique na busca pela paz e por isso eu o enviei. As relações com a China são muito respeitosas, muito respeitosas. Pessoalmente, tenho uma grande admiração pelo povo chinês, os canais são muito abertos, para a nomeação dos bispos há uma comissão que vem trabalhando há algum tempo com o governo chinês e com o Vaticano, e depois há muitos, ou melhor, há alguns padres católicos ou intelectuais católicos que são frequentemente convidados a dar cursos em universidades chinesas. Acredito que devemos avançar no aspecto religioso para nos entendermos melhor e para que os cidadãos chineses não pensem que a Igreja não aceita sua cultura e os seus valores e que a Igreja dependa de uma outra potência estrangeira. A comissão presidida pelo cardeal Parolin está fazendo isso de forma amigável: estão fazendo um bom trabalho, e também do lado chinês, as relações estão em andamento. Eu tenho um grande respeito pelo povo chinês.”

Gerard O'Connell (América Magazine)

Sua Santidade, as relações entre o Vietnã e a Santa Sé são muito positivas neste momento e deram um passo notável recentemente. Muitos católicos vietnamitas pedem que o senhor os visite, como fez na Mongólia. Existe a possibilidade agora de visitar o Vietnã, há um convite do governo? E que outras viagens estão planejando?

“O Vietnã é uma das experiências de diálogo muito bonitas que a Igreja teve nos últimos tempos. Eu diria que é como uma simpatia no diálogo. Ambos os lados tiveram a boa vontade de se entender e de procurar caminhos para avançar, houve problemas, mas no Vietnã acredito que, mais cedo ou mais tarde, os problemas serão superados. Um tempo atrás, conversamos livremente com o presidente do Vietnã. Estou muito otimista sobre as relações com o Vietnã, há anos que se faz um bom trabalho. Lembro-me de que, há quatro anos, um grupo de parlamentares vietnamitas veio nos visitar: tivemos um bom diálogo com eles, muito respeitosos. Quando uma cultura se abre, existe a possibilidade de diálogo; se houver fechamento ou suspeitas, o diálogo é muito difícil. Com o Vietnã o diálogo é aberto, com seus prós e contras, mas é aberto e lentamente avançamos. Houve alguns problemas, mas eles foram resolvidos. Quanto a uma viagem ao Vietnã, se eu não for, certamente irá João XXIV. É certo que irá, porque é uma terra que merece seguir em frente, que tem a minha simpatia. Sobre outras viagens, tem Marselha e depois tem algum pequeno país da Europa e estamos vendo se conseguimos fazê-la, mas, para falar a verdade, para eu fazer agora uma viagem não é tão fácil como no início, há limitações para caminhar e isso limita, mas vamos ver.”

Fausto Gasparroni (ANSA)

Santidade, as suas declarações suscitaram recentemente debates entre os jovens católicos russos sobre a grande Mãe Rússia, o legado de figuras como Pedro, o Grande e Catarina II. Estas são declarações que - digamos - irritaram muito os ucranianos, por exemplo, também tiveram consequências na esfera diplomática e foram vistas, de certa forma, quase como uma exaltação do imperialismo russo e uma espécie de apoio às políticas de Putin. Gostaria de lhe perguntar por que sentiu a necessidade de fazer estas declarações, se avaliou a oportunidade de fazê-las, se as repetiria; e também, para maior clareza, se pode nos dizer o que pensa sobre os imperialismos e, em particular, sobre o imperialismo russo?

"Vejamos o contexto onde aconteceu o fato: um diálogo com os jovens russos. No final do diálogo dei-lhes uma mensagem, uma mensagem que repito sempre: assumir a sua herança. Primeiro ponto: cuidar de sua herança. Digo o mesmo em todos os lugares. E também com esta visão tento estabelecer o diálogo entre avós e netos: que os netos assumam a herança. Digo isto em todo lugar e esta foi a mensagem. Um segundo passo, para tornar a herança explícita: mencionei, de fato, a ideia da grande Rússia, porque a herança russa é muito boa, é muito bonita. Pensemos no campo da literatura, no campo da música, até chegar a Dostojewskij que hoje nos fala de um humanismo maduro; ela assumiu esse humanismo, que se desenvolveu, na arte e na literatura. Este seria um segundo plano, de quando falei da herança, não é? O terceiro, talvez não feliz, mas falando sobre a grande Rússia no sentido, talvez não tanto geográfico, mas cultural, lembrei-me do que nos ensinaram na escola: Pedro I, Catarina II. E veio esse terceiro (elemento, ndr), que talvez não seja muito justo. Não sei. Que os historiadores nos digam! Mas, foi um acréscimo que me veio em mente porque o tinha estudado na escola. O que eu disse aos jovens russos é que assumam a sua herança, que cuidem de sua herança, o que significa não comprá-la em outro lugar. Pegar a sua herança. E que herança a grande Rússia deixou? A cultura russa é bonita e muito profunda; e não deve ser cancelada por causa de problemas políticos. Vocês tiveram anos sombrios na Rússia, mas o legado sempre permaneceu assim, nas mãos. Depois, você fala de imperialismo, mas eu não pensava no imperialismo quando disse isso, falei sobre cultura, e a transmissão da cultura nunca é imperial, nunca; é sempre diálogo, e eu falava disso. É verdade que existem imperialismos que querem impor a sua ideologia. Paro por aqui: quando a cultura é destilada e transformada em ideologia, esse é o veneno. Usa-se a cultura, mas destilada em ideologia. É preciso distinguir quando se trata da cultura de um povo e quando se trata de ideologias que surgem de algum filósofo, algum político daquele povo. Digo isso a todos, também à Igreja. Muitas vezes, dentro da Igreja se introduzem ideologias que separam a Igreja da vida que vem da raiz e sobe; elas separam a Igreja da influência do Espírito Santo. Uma ideologia é incapaz de se encarnar, é apenas uma ideia. Mas quando a ideologia toma força e se torna política, geralmente se torna ditadura, certo? Torna-se incapacidade de diálogo, de progredir com as culturas. E os imperialismos fazem isso. O imperialismo consolida-se sempre com base numa ideologia. Devemos também distinguir na Igreja entre doutrina e ideologia: a verdadeira doutrina nunca é ideológica, nunca; está arraigada no povo santo fiel de Deus; em vez disso, a ideologia está desvinculada da realidade, desvinculada do povo... Não sei se respondi."

Robert Messner (DPA)

Bom dia. Uma pergunta sobre sua atualização da Laudato si'. Ela pode ser entendida como uma demonstração de solidariedade aos ativistas ambientais, como a "Última Geração", aqueles que fazem protestos inacreditáveis? Talvez haja também uma mensagem nessa atualização para os jovens ativistas que vão às ruas?

“Digo de modo geral: eu não me aproximo desses extremistas. Mas os jovens estão preocupados. Um bom cientista italiano - tivemos uma reunião na Academia - fez um bom discurso e terminou assim: 'Eu não gostaria que minha neta, que nasceu ontem, vivesse em um mundo tão difícil daqui a trinta anos'. Os jovens pensam no futuro. E, nesse sentido, gosto do fato de que eles vão à luta. Mas quando a ideologia ou a pressão política tem algo a ver com isso, não dá certo. Minha Exortação Apostólica será publicada no dia de São Francisco, 4 de outubro, e é uma revisão do que aconteceu desde a COP de Paris, que talvez tenha sido a mais frutífera até o momento. Há algumas notícias sobre algumas COP’s e algumas coisas que ainda não foram resolvidas, e há uma urgência em resolvê-las. Não é tão grande quanto a Laudato si', mas é levar a Laudato si' em frente, para coisas novas, e também uma análise da situação.”

Etienne Loraillère (KTO Tv)

Vossa Santidade deseja uma Igreja sinodal, na Mongólia e no mundo. A assembleia de outubro já é fruto do trabalho do povo de Deus. Como será possível envolver os batizados de todo o mundo nessa etapa? Como será evitada a polarização ideológica? E os participantes poderão falar e compartilhar publicamente o que estão vivenciando, para que possamos caminhar com eles? Ou todo o processo será secreto?

“Você falou sobre evitar pressões ideológicas. No Sínodo não há lugar para ideologia, é outra dinâmica. O Sínodo é diálogo, entre os batizados, entre os membros da Igreja, sobre a vida da Igreja, sobre o diálogo com o mundo, sobre os problemas que afetam a humanidade hoje. Mas quando se pensa em seguir um caminho ideológico, o Sínodo termina. No Sínodo não há lugar para ideologia, há espaço para o diálogo. Para confrontar uns aos outros, entre irmãos e irmãs, e confrontar a doutrina da Igreja. Seguindo em frente. Depois, quero enfatizar que a sinodalidade não é uma invenção minha: foi de São Paulo VI. Quando o Concílio Vaticano II terminou, ele percebeu que no Ocidente a Igreja havia perdido a dimensão sinodal; a Igreja Oriental a tem. Por isso, ele criou a Secretaria do Sínodo dos Bispos, que nesses sessenta anos tem levado adiante a reflexão de maneira sinodal, com progressos contínuos, indo em frente. Quando se completou o cinquentenário dessa decisão de São Paulo VI, assinei e publiquei um documento sobre o que é o Sínodo, sobre o que foi feito. Que agora avançou, amadureceu mais, e é por isso que achei muito bom ter um Sínodo sobre sinodalidade, que não é uma moda, é uma coisa antiga, a Igreja Oriental sempre teve isso. Mas como viver a sinodalidade e vivê-la como um cristão e, como eu disse antes, sem cair em ideologias. Sobre o processo da assembleia: há uma coisa que devemos preservar, a atmosfera sinodal. Este não é um programa de televisão em que falamos sobre tudo. Não. É um momento religioso, é um momento de intercâmbio religioso. Pense que as introduções sinodais terão falas de três a quatro minutos cada, serão três discursos e depois três a quatro minutos de silêncio para oração. Depois, mais três falas, e oração. Sem esse espírito de oração não há sinodalidade, é política, é parlamentarismo. O Sínodo não é um parlamento. Sobre o sigilo: há um departamento chefiado pelo Dr. Ruffini, que está aqui, e que fará os comunicados à imprensa sobre o andamento do Sínodo. Em um Sínodo, é preciso proteger a religiosidade e a liberdade das pessoas que falam. É por isso que haverá um comitê, presidido pelo Dr. Ruffini, que fará o relatório sobre o andamento do Sínodo.”

Antonio Pelayo (Vida Nueva)

Santo Padre, o senhor falou agora do Sínodo e todos estamos de acordo com o senhor sobre o fato de que este Sínodo suscita muita curiosidade e muito interesse. Infelizmente, suscita também muitas críticas que são feitas em ambientes católicos. Quero referir-me a um livro com o prólogo do cardeal Burke, que diz que o Sínodo é o vaso de Pandora de onde sairão todas as calamidades para a Igreja. Que pensa desta posição? Acredita que será superada pela realidade ou condicionará o Sínodo?

"Não sei se já disse isso uma vez. Alguns meses atrás, liguei para um Carmelo. “Como estão as monjas, madre superiora?” Era um Carmelo não italiano. E a priora me respondeu. E no final ela me disse: “Santidade, temos medo do Sínodo”. “Mas o que acontece? - disse eu brincando. Querem enviar uma irmã para o Sínodo?”. “Não, temos medo que mude a doutrina”. E isto é o que ela diz: existe esta ideia… Mas se você vai adiante na raiz dessas ideias, encontrará ideologias. Sempre, quando na Igreja se quer romper o caminho de comunhão, aquilo que rompe é a ideologia. E acusam a Igreja disto ou daquilo, mas jamais a acusam daquilo que é verdadeiro: pecadora. Nunca dizem pecadora... Defendem uma doutrina entre aspas, que é uma doutrina como a água destilada, não tem sabor de nada e não é a verdadeira doutrina católica, que está no Credo. E que muitas vezes causa escândalo; assim como escandaliza a ideia de que Deus se fez carne, de que Deus se fez Homem, de que Nossa Senhora manteve a sua virgindade. Isso escandaliza."

Cindy Wodden (CNS)

Bom dia Santidade, gostaria de acompanhar a pergunta do colega francês sobre o Sínodo e a informação. Muitos fiéis leigos dedicaram tanto tempo, oração, envolvimento no falar e na escuta. Querem saber o que se passa durante o Sínodo, a assembleia. E o senhor falou da sua experiência do Sínodo sobre os religiosos, durante a qual alguns do Sínodo disseram “não colocar isto”, “não se pode dizer isto...”. Nós, jornalistas, nem sequer temos acesso à assembleia e às sessões gerais, como podemos ter a certeza de que o que nos é dado como “mingau” é verdade? Não há chance de ser um pouco mais aberto com os jornalistas?

"Mas abertíssimo, cara, é abertíssimo! Tem uma comissão presidida pelo Ruffini que vai dar notícias todos os dias, mas mais aberto não sei, mais aberto não sei... e é bom que essa comissão seja muito respeitosa com as contribuições de cada um e tentará não fazer mexerico, mas dizer coisas precisamente sobre o andamento sinodal que são construtivas para a Igreja. Se alguém quiser que as notícias sejam: ‘este se desentendeu com aquele outro por isso ou por aquilo’, isso é fofoca política. A comissão tem uma tarefa não fácil, de dizer: hoje a reflexão vai por este lado, vai assim, e transmitir o espírito eclesial, não político. Um parlamento é diferente de um Sínodo. Não se esqueçam que o protagonista do Sínodo é o Espírito Santo. E como transmitir isso? Para isso é necessário transmitir o andamento eclesial."

Vincenzo Romeo (RAI TG 2)

Bom dia Santidade. O senhor é o Papa das periferias e as periferias, especialmente na Itália, estão sofrendo muito. Tivemos episódios muito preocupantes de violência, de degradação... por exemplo, perto de Nápoles, um pároco, padre Patriciello, até mesmo convidou-o para ir depois para Palermo... O que pode ser feito? O senhor costumava visitar villas miserias em Buenos Aires, então tem experiência nisso. Também a nossa primeira-ministra visitou uma destas periferias, se discute muito a este respeito. O que pode ser feito, o que podem fazer tanto a Igreja como as instituições do Estado para superar esta degradação e garantir que as periferias sejam verdadeiramente parte de um país?

"Com isso você fala das periferias como favelas: é preciso ir em frente, ir lá e trabalhar ali, como se fazia em Buenos Aires com os sacerdotes que trabalhavam nesses locais: uma equipe de sacerdotes com um bispo auxiliar à frente e se trabalha lá. Devemos estar abertos a isto, os governos devem estar abertos, todos os governos do mundo, mas há periferias que são trágicas. Volto para uma periferia escandalosa que se procura encobrir: a dos Rohingya. Os Rohingya sofrem, não são cristãos, são muçulmanos, mas sofrem porque foram convertidos em periferia, foram expulsos. Devemos ver os diferentes tipos de periferias e também aprender que a periferia é onde a realidade humana é mais evidente e menos sofisticada – (existem também, ndr) momentos ruins que não quero idealizar -, mas se percebe melhor. Certa vez, um filósofo disse algo que realmente me impressionou: 'A realidade é melhor compreendida a partir das periferias', lá se entende bem a realidade. Devemos dialogar com as periferias e os governos devem fazer a verdadeira justiça social, a verdadeira justiça social, ir dialogar com as diversas periferias sociais e também com as periferias ideológicas, porque muitas vezes é alguma periferia ideológica refinada que provoca as periferias sociais. O mundo das periferias não é fácil. Obrigado."

(transcrição não oficial aos cuidados da mídia do Vaticano)

© Notícias do Vaticano

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santa Teresa de Calcutá

Santa Teresa de Calcutá (A12)

05 de setembro

Santa Teresa de Calcutá

Agnes Gouxha Bojaxhiu nasceu no ano de 1910 em Skopje, território do ainda Império Otomano (atualmente, capital da Macedônia do Norte), de pais albaneses; a região foi parte da antiga Iugoslávia e ao longo da História esteve sob o domínio de diferentes nações. Na infância, Agnes foi educada numa escola pública da atual Croácia, também na região dos Bálcãs, e em seguida ingressou na Congregação Mariana, uma associação católica para crianças. Aos 12 anos, tinha já a convicção da sua vocação religiosa.

Com o consentimento dos pais, em 1928 Agnes entrou na Congregação das Irmãs de Loreto, missionárias na sua região, e foi encaminhada para a Abadia de Loreto na Irlanda do Norte. Em 1931 professou os votos de pobreza, castidade e obediência, adotando o nome de Teresa em homenagem a Santa Teresinha de Lisieux, padroeira dos missionários.

Foi enviada para Darjeeling, na Índia, local onde as Irmãs de Loreto possuíam um colégio, seguindo depois para outro colégio em Calcutá, ensinado História e Geografia para as crianças das melhores famílias da cidade, durante 17 anos. Por seu ótimo trabalho, foi nomeada diretora do colégio. Mas observava e ficava impressionada pela pobreza generalizada, crianças e velhos moribundos e abandonados, pessoas doentes nas ruas. Em 1946, numa viagem de trem ao noviciado do Himalaia, recebeu uma forte moção do Espírito Santo para tudo abandonar e se dedicar somente a estas pessoas.

Assim, em 1948, pediu autorização para deixar as Irmãs do Loreto, recebendo-a do Papa Pio XII, com a condição de permanecer religiosa sob obediência ao arcebispo de Calcutá. Passou a usar um sari (roupa indiana característica) branco com detalhes em azul, acrescentando no ombro uma pequena cruz. Esta indumentária seria a da sua futura congregação, conhecido no mundo inteiro. Em Pátina, fez um curso básico de enfermagem, que pensava lhe seria útil, e iniciou o trabalho com pessoas abandonadas na cidade de Motijhil. Num bairro miserável, reuniu cinco crianças, que passou a ensinar; em dez dias, havia 50 delas. No final deste ano, Teresa obteve a nacionalidade indiana.

Seu trabalho logo ficou conhecido e o povo, solidariamente, a ajudava com doações e serviço voluntário. Mas ela deseja que as atividades fossem permanentes e não dependessem só destas ajudas, mas ficassem organizadas nos moldes de uma vida religiosa consagrada. Em 1949 surgiram as primeiras vocações entre suas antigas alunas do colégio, e surgiu a Congregação das Missionárias da Caridade, com o carisma de “saciar a sede de Jesus na cruz, por amor às almas”, indo ao encontro dos mais necessitados.

O estatuto foi aprovado pelo Vaticano em 1950, com Teresa como superiora. O trabalho das irmãs era sair às ruas e recolher os famintos, os leprosos, os portadores de HIV, as vítimas da fome e das guerras, doentes com elefantíase, gangrena, HIV, enfim, os mais miseráveis e abandonados, incluindo moribundos, muitos com corpos já em degeneração, estes para que ao menos morressem com dignidade. A todos eram prestados cuidados, com alimento, higiene, um lugar para repousar, tratamento aos doentes começando pelos mais repugnantes. As irmãs abriram creches, abrigos para pessoas abandonadas e albergues para pacientes de Aids.

Em 1952 surgiu o lar infantil Sishi Bavan (Casa da Esperança) e inaugurado o “Lar para os Moribundos”, em Kalighat. A Igreja formalizou a sua bênção para a obra, que começou a se expandir pela Índia e outros países, em diferentes partes do mundo.

Em 1963, em reconhecimento, o governo indiano lhe concedeu a medalha Senhor do Lótus. Madre Teresa foi distinguida como “cidadã honorífica” da Índia, um país onde apenas 2,3% dos habitantes são cristãos.

Em 1964, visitando a Índia, o Papa Paulo VI recebeu pessoalmente Madre Teresa e doou a ela a limusine que o transportava. O valor da rifa do veículo foi destinado à colônia de leprosos de Shanti Nagar, na cidade de Asansol. No ano seguinte, o Papa concede um decreto de aprovação à Congregação, que passa a se reportar diretamente ao Vaticano; com isso, Teresa inicia a expansão da obra, que chegaria a mais de 100 países. E em 1971 o Papa concede a ela o primeiro prêmio Jawaharlal Nehru da Compreensão Internacional.

Com a obra atuando já nos cinco continentes, Madre Teresa recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1979, um dos muitos prêmios que recebeu pelo seu trabalho humanitário. Na cerimônia, em Oslo na Noruega, renunciou ao banquete e doou todo o dinheiro do prêmio aos pobres. O Papa João Paulo II a recebeu em audiência privada e a nomeou sua embaixadora em todas as nações. Neste mesmo ano, Madre Teresa visitou o Brasil e esteve em Salvador (BA), onde se encontrou com Irmã Dulce, que seria também canonizada.

Muitas universidades conferiram a Teresa o título “Honoris Causa”, e em 1980 ela recebeu a “Distinguished Public Service Award” dos Estados Unidos da América. Em 1982 ela esteve outra vez no Brasil, visitando comunidades carentes como a favela Marcílio Dias, na Avenida Brasil, Rio de Janeiro – RJ. No ano seguinte, em Roma, sofreu o primeiro ataque cardíaco, grave, que lhe comprometeu a saúde; estava com 73 anos.

Mesmo com a saúde abalada, é reeleita superiora da Congregação em 1985, ano em que recebeu do presidente norte-americano Ronald Reagan, na Casa Branca, a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta condecoração do país; e em 1987, recebeu na União Soviética a condecoração da Medalha de ouro do Comitê Soviético da Paz. Em 1989, realizou o sonho de abrir uma casa da Congregação na Albânia, sua terra natal (embora ainda sob domínio estrangeiro no ano do seu nascimento, a cultura e identidade nacional eram albanesas), mas um segundo ataque cardíaco a obrigou a usar um marca-passo no coração. Por causa disso solicitou ao Papa, em 1990, o afastamento do trabalho na Congregação.

Em 1996, Madre Teresa publicou o livro “Caminho de Simplicidade”, no qual recolhe a doutrina religiosa que impulsionou sua vida de dedicação aos pobres.

Madre Teresa faleceu aos 5 de setembro de 1997, de parada cardíaca, em Calcutá. A comoção foi mundial. Uma fila de quilômetros formou-se durante vários dias diante da igreja de São Tomé, onde o seu corpo estava sendo velado. Depois de uma semana, seu corpo foi trasladado ao estádio Netaji, onde o cardeal Ângelo Sodano, secretário de Estado do Vaticano, celebrou a missa de corpo presente. O mesmo veículo que em 1948 transportou o corpo de Mahatma Gandhi foi utilizado para realizar o cortejo fúnebre; somente Mahatma Gandhi, Nehru e ela tiveram funerais de chefe de Estado na História da Índia, e a única católica, numa nação de enorme diversidade de crenças e minoria cristã. O funeral teve a presença de chefes de Estado e governantes de todo o mundo.

Em 2002 foi reconhecido pelo Vaticano o milagre da sua beatificação: uma mulher de Bangladesh, usando uma Medalha Milagrosa da Virgem Maria que pertencera a Teresa, e lhe fôra dada por irmãs da Congregação, ficou curada de um tumor abdominal. O milagre da sua canonização ocorreu em 2008, no Brasil: a cura inexplicável de um homem em Santos - SP, com grave doença cerebral, sem tratamento possível, através das orações da sua esposa à Madre Teresa.

Madre Teresa de Calcutá é reconhecida mundialmente como a Mãe dos Pobres. Atualmente a Congregação das Missionárias da Caridade conta com cerca de 4.500 religiosas, que trabalham em mais de 130 países, incluindo o Brasil, em torno de 700 casas dedicadas a ajudar os mais desfavorecidos.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

A vocação e o testemunho de caridade católica de Santa Madre Teresa de Calcutá são óbvios e reconhecidos mundialmente mesmo por não católicos, como fica evidenciado pelas inúmeras honrarias que recebeu inclusive de países com ideologias contrárias à Fé. Como Jesus ensinou, só o amor pode levar à paz, algo de que Teresa estava plenamente convencida. Mas este amor ao próximo só existe realmente a partir do amor a Deus. Uma passagem de sua vida ilustra brilhantemente – e exemplarmente para nós – o seu entendimento e vivência desta verdade. As atividades diárias da Congregação incluíam uma hora de adoração ao Santíssimo, antes das irmãs saírem às ruas para cuidar dos necessitados. Já com a obra reconhecida e crescendo ainda mais, e diante da constatação do número infindável de pessoas em situações miseráveis, uma das irmãs disse a Teresa que elas precisavam de ainda mais tempo nas ruas… o que implicaria numa redução do tempo de oração da comunidade. Madre Teresa, concordando com a necessidade de mais empenho expressa pela aflita irmã, tomou a decisão: aumentou para duas horas diárias a adoração Eucarística. É Deus Quem faz as boas obras, não nós. Somos apenas, se tivermos bom senso, Seus instrumentos, e nada mais. A legítima preocupação com as necessidades alheias não podem, contudo, tornar-se meramente ativismo, ainda que bem intencionado, e a função da Igreja é antes de tudo espiritual, e não temporal. De todas as carências humanas, a maior é a do espírito; e por mais que se faça pelo corpo, este vai inevitavelmente morrer. Isto, é claro, não pode ser desculpa para negligência na caridade ativa, mas há sempre uma hierarquia de valores, os maiores os da alma e salvação eterna, e este é o entendimento de todos os santos, como Madre Teresa: talvez, na história recente da Igreja, ninguém tenha trabalhado tanto e tão bem na assistência aos pobres e doentes, mas ela nunca colocou a “assistência social” acima do cuidado espiritual. “Pobres sempre tereis entre vós”, disse claramente Jesus (Jo 12,8), pois este mundo jamais será outra vez um “paraíso terrestre”; e portanto a Igreja não é apenas uma “ONG” dedicada ao assistencialismo material. A caridade material é necessariamente uma consequência, embora natural e obrigatória, do amor sobrenatural, mas a cura e o alimento espiritual são prioritários, pois sem isso a vida infinita será no inferno e não no Céu. Lembremos que as primeiras vocacionadas da Congregação foram fruto do ensino de Teresa nos colégios… E exatamente por viver nesta perspectiva correta é que o maior reconhecimento de Madre Teresa não está nas homenagens humanas que recebeu, mas sim a confirmação que temos da sua salvação. De fato, no Paraíso estarão muitos que hoje não são conhecidos ou reconhecidos por ninguém, mas que, discretamente, amam verdadeiramente a Deus; enquanto que muitos honrados e exaltados nesta vida estarão no inferno. “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (cf. Mt 20,16). Algumas frases da própria Madre Teresa ilustram igualmente estas verdades, sob diferentes aspectos: “O que você está fazendo, eu não posso fazer; o que eu estou fazendo, você não pode fazer. Mas (…) a santidade não é um luxo de poucos. É um dever muito simples para você e para mim. Você, na sua posição e no seu trabalho; eu (…) no trabalho (…) Nós temos que transformar o nosso amor a Deus em ação viva”; “É fácil amar os que estão longe, mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado”; “Temos que ir à procura das pessoas, porque podem ter fome de pão ou de amizade”; “Quem julga as pessoas não tem tempo para amá-las”.

Oração:

Deus de infinita bondade, que só desejas cuidar do bem de Vossos pobres, miseráveis e necessitados filhos, concedei-nos por intercessão de Santa Madre Teresa de Calcutá a graça de jamais recusar ou ignorar as moções do Espírito Santo, para que, aceitando com agradecimento, amor e alegria a missão pessoal que confiastes a cada um de nós, sejamos premiados, por Vossa misericórdia, não com o reconhecimento mundano, mas com a Paz Eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Sua fé é pública ou privada?

P Deliss / GODONG |

Por Julia A. Borges

Nos tempos atuais, em que as verdades são deturpadas, a moral está desaparecendo e o óbvio precisa ser dito.

A pergunta no título deste artigo não se trata de um questionamento retórico que visa um conceito moral de fé, nem tampouco a indicação de um método mais eficaz a fim de se tornar um bom cristão. A indagação feita logo de início é simplesmente um pedido de reflexão perante a própria crença, um pedido de autoanálise daquilo que se diz crer e do que realmente é feito em prol da fé.

Ao analisar todo o projeto de criação, Deus percebe a importância do outro na vida do homem, e assim, surge Eva. Muito além do pensamento romantizado que existe ao vislumbre do amor entre os dois seres, ou muito além também do pensamento pragmático da mera reprodução pela procriação da espécie, faz-se necessário entender, antes de qualquer outra vertente de pensamento, o valor dado à presença do outro; compreender que Deus quis, no ato da criação, revelar que no próximo existe o meio que leva ao Pai.

De maneira bem rudimentar, é interessante fazer uma associação e perceber que a fé é o prêmio, a recompensa, a láurea pelo ato e efeito de amar. A fé requer caminho, percurso para finalmente nela chegar. É como estar na direção de um carro, e é possível, ao longo da estrada, vislumbrar-se com as vistas. De início, um mirante singelo, e no decorrer do caminho, o observatório vai ficando mais nítido e mais belo de contemplar. Já as curvas e a rodovia em si fazem parte daquilo que se entende sobre o amor.

Amar a bela vista já no final da estrada parece ser bem óbvio e distante da proposta de Deus no ato da criação. Amar requer o ato e efeito de ir além de si, requer um umbigo diferente do seu, mas também requer vontade, respeito, necessita de quebra-molas e curvas, já que demanda do condutor bastante perseverança, insistência. Exige que se vá bem além do sentimento romantizado concebido a partir do século XIX, e voltar-se ao concreto, o real, para então, finalmente, contemplar Deus no outro.

Viver uma vida de oração, jejum e penitência é firmar e viver o amor bíblico, o amor ideal e, sem a menor dúvida, esse também é o nosso chamado. Nos tempos atuais, em que as verdades são deturpadas, a moral está desaparecendo e o óbvio precisa ser dito, é sedutora a ideia de viver uma vida cristã de modo privado, entre Deus e você, sem interferências nem indivíduos que julgamos não contribuir em nada nesse nosso apostolado. É sedutor um projeto de vida espiritual solo, no qual eu sou o meio e o fim de todo o processo.

Ao lermos o ensinamento que Jesus nos deixou em Mateus 22:36 “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.”, fica ainda mais tentador o pensamento de cultivar um relacionamento divino totalmente privado. Entretanto, se formos além de uma leitura superficial e irmos de encontro com a vontade de Deus ao mergulhar em águas mais profundas, será possível entender e assimilar um grande pedido: Jesus não está sendo um Deus tirano e mandatário, tampouco está perfilando o amor e dispondo de uma ordem de prioridade de quem você deve amar primeiro e quem deve amar depois. Cristo, em Sua imensa sabedoria, coloca neste mandamento, a revelação do encontro com Deus em cada indivíduo. Descubra Deus em sua mãe, em seu pai, no seu irmão, no seu filho. Encontre Deus em seu vizinho, no seu chefe, ou até mesmo em seu desafeto. Vá além do Deus de amor e bondade que deu a vida por cada um de nós, e aumente a sua fé ao ponto de encontrar aquela tal vista linda de pura contemplação no olhar do idoso na fila de um banco.

Se acaso sente que sua fé não está boa, ame mais. Se sente que sua fé está boa, ame mais ainda, afinal, a presunção é indício de insuficiência da presença de Deus. Não se contente em vislumbrar o primeiro mirante que encontrar ao longo da vida, porque o nosso Pai tem reservado algo muito além do que seus olhos já viram. Vá além e perceba a presença divina em cada lugar, em cada coração, em cada irmão. Você não está sozinho.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Inculturação no primeiro milênio (2/2)

Santo Agostinho ditando a um clérigo, Homilia de Aeginone (Codex Egino), final do século VII, Biblioteca Nacional, Berlim

Arquivo 30Dias – 08/09 - 2003

Inculturação no primeiro milênio

Bruno Luiselli, professor catedrático de literatura latina, explica em seu último livro como o cristianismo se difundiu entre os analfabetos e os pobres nos primeiros séculos, falando em sua língua e através de sua cultura. Desde o início, a dinâmica da inculturação foi uma necessidade óbvia, ainda que não teorizada. Entrevista:

por Paolo Mattei

Mesmo dentro do Império havia, especialmente entre os pobres, quem não sabia latim. Qual foi a dinâmica inculturativa neste caso?
LUISELLI: Sim, mesmo dentro do mundo romano havia focos de resistência à romanização e, portanto, resistência linguística à consequente latinização. Alguns bispos sensíveis se esforçaram para utilizar as línguas e culturas desses povos que hoje definimos como “alloglots”: grupos que faziam parte do mundo político-institucional romano, mas que ainda não haviam assimilado a cultura romana, tanto que eles não conseguiam se expressar em latim. Um exemplo é o da África romana, para cuja evangelização é importante ter presente o testemunho de Agostinho. Para chegar às populações rurais, Agostinho considerou oportuno pregar na língua púnica, hoje diríamos, mais cientificamente, na língua “neopúnica”. Agostinho não estava em condições de pregar nessa língua, embora conhecesse alguns elementos dela. Ele então recorreu a um de seus diáconos, Lucilo, que falava púnico. Agostinho considerou tão importante a colaboração deste diácono que recusou entregá-la ao bispo de Sitifi, irmão de Lucilo, que a havia solicitado. Agostinho quis abordar isso humillimum vulgus , e ele mesmo nos testemunhou que, além dos sermões, também foram compostos salmos abecedários na língua púnica destinados à educação cristã.

Como o Cristianismo se espalhou entre os povos não romanos?
LUISELLI: A dos primeiros séculos foi uma cristianização não oficial, não organizada de cima. As ocasiões eram variadas. Prisioneiros, por exemplo. Os cristãos capturados durante as incursões bárbaras atraíram a atenção dos seus senhores, fascinados pela sua humanidade boa e positiva. Esta dinâmica já está documentada na segunda metade do século III. Um poeta cristão muito interessante, Commodian, nos diz isso claramente quando fala de invasores góticos pagãos que alimentam cristãos cativos. Outro canal eram os mercadores, protagonistas dos contatos entre o mundo romano “intra limite” – deste lado das fronteiras do Império – e o mundo “extra limite” – para além das fronteiras do mundo romano. Tácito nos conta sobre isso. Não foi uma cristianização erudita ou organizada. Eram antes encontros entre pessoas comuns, pessoas do povo. Assim, para resumir: no lado gótico, no lado germânico - tanto através do Reno como na esfera britânica, ou seja, entre os anglo-saxões - e no lado celta, ou seja, no extremo oeste da Grã-Bretanha e na Irlanda, eu pude ver como as primeiras sementes do cristianismo foram lançadas por essas pessoas humildes. Assim nasceram os primeiros crentes. A Igreja oficial chegou sempre mais tarde, isto é, quando tomou consciência desta presença de crentes no mundo não romano. Então foram criados bispos isto é, no extremo oeste da Grã-Bretanha e na Irlanda, pude ver como as primeiras sementes do cristianismo foram espalhadas precisamente por estas pessoas humildes. Assim nasceram os primeiros crentes. A Igreja oficial chegou sempre mais tarde, isto é, quando tomou consciência desta presença de crentes no mundo não romano. Então foram criados bispos isto é, no extremo oeste da Grã-Bretanha e na Irlanda, pude ver como as primeiras sementes do cristianismo foram espalhadas precisamente por estas pessoas humildes. Assim nasceram os primeiros crentes. A Igreja oficial chegou sempre mais tarde, isto é, quando tomou consciência desta presença de fiéis no mundo não romano. Então foram criados bispos ad hoc que foram enviados como pastores.

No seu livro você traça a história da cristianização até o século IX. Em 813 realizou-se o Concílio de Tours, em certo sentido a “oficialização” da inculturação cristã…
LUISELLI: O Concílio de Tours representa uma viragem de época, um momento fundamental. No cânon 17 a comunidade dos padres conciliares estabelece que os textos da pregação herdados da grande tradição patrística cristã anterior não são mais repetidos em latim, mas em «rusticam Romanam linguam aut Theodiscam, quo facilius cuncti possint intellegere quae dicuntur», isto é, na língua rústica “romana” ou na língua “alemã”, então que todos possam entender mais facilmente o que está sendo dito. Este é o reconhecimento dos dois grandes componentes geoculturais que constituíram o império de Carlos Magno: o mundo que fora romano, o mundo românico, de tradição latina, até à região do Reno; e o mundo germânico, a partir da região do Reno. No Concílio de Tours havia bispos de ambos os componentes. A partir desse momento, a pregação teria sido de cunho românico na língua “Romýna” mas “rústica”, isto é, nos dialetos descendentes do latim; por outro lado, em falantes germânicos. Estas duas grandes realidades geopolíticas – a antiga românica gaulesa, hoje francesa, e a germânica – tornar-se-ão as nações protagonistas da história da Europa e do mundo.

Fonte: http://www.30giorni.it/

Papa Francisco conclui visita à Mongólia

Papa Francisco embarca de volta à Roma (Vatican Media)

Francisco realizou uma viagem histórica ao país da Ásia Central, que pela primeira vez recebeu um Papa. Tratou-se da 43a peregrinação apostólica do Pontífice.

Vatican News

O encontro com os agentes da caridade foi o último compromisso oficial do Papa na Mongólia. Da "Casa da Misericórdia", Francisco se transferiu diretamente para o Aeroporto Internacional de Ulan Bator.

A cerimônia de despedida foi realizada numa Sala interna do Aeroporto na presença da mesma representante governamental que acolheu o Pontífice em sua chegada, a ministra do Exterior Batmunkh Battsetseg.

Depois de um breve colóquio, o Papa se despediu do séquito local e da delegação mongol e foi o último a entrar no avião A330 da ITA Airways.

A viagem até Roma tem duração prevista de 11h20, após percorrer 8.230 quilômetros. Ao chegar ao Aeroporto Internacional de Fiumicino, Francisco irá diretamente para o Vaticano.

Papa com a ministra do Exterior da Mongólia (Vatican Media)

Paz, diálogo e fé

No total, foram cinco pronunciamentos feitos pelo Pontífice ao longo de três dias em Ulan Bator. O Papa encontrou autoridades civis, eclesiásticas e religiosas, e presidiu à celebração de uma missa.

Nessas ocasiões, reafirmou seu apelo pela paz e falou da responsabilidade das religiões para a pacificação dos conflitos e a importância da coerência no testemunho. 

À pequena comunidade católica, Francisco a encorajou a não temer a pequenez e indicou o melhor caminho de todos: a cruz de Cristo; afinal, somos todos "nômades de Deus", peregrinos à procura da felicidade, viandantes sedentos de amor. E só a fé cristã é a resposta.

Destaque na viagem para dois momentos especiais: o encontro dentro de um "ger", a tradicional morada dos povos nômades, com a senhora Tsetsege, mãe de onze filhos, que achou no lixo uma imagem de Nossa Senhora. Em 8 de dezembro de 2022, a estátua da Virgem Maria "Mãe do Céu" foi entronizada na Catedral de Ulan Bator e foi abençoada pelo Papa no encontro com os bispos e consagrados.

Outro momento significativo foi ao final da missa no ginásio da capital, em que Francisco pegou pela mão os bispos emérito e o atual bispo de Hong Kong para enviar uma calorosa saudação ao "nobre povo chinês". 

Agora o Pontífice volta para casa com "missão cumprida", fazendo história ao se tornar o primeiro Papa a visitar a Mongólia.

O carinho do povo mongol na despedida de Francisco (Vatican Media)

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

domingo, 3 de setembro de 2023

Satanista que virou seminarista impressiona o Papa Francisco

Vera Petruk/Shutterstock

Por Francisco Vêneto

Jovem russo relata sua história de conversão: "Cristo me libertou e me mostrou um caminho diferente".

O Papa Francisco participou por videoconferência, na última sexta, 25, do 10º Encontro de Jovens Católicos da Rússia, realizado em São Petersburgo de 24 a 27 de agosto. Durante o evento, um depoimento foi particularmente impactante: o do seminarista Alexander Baranov, que, antes de se converter, havia sido satanista.

Alexander, de 34 anos, testemunhou:

“Há dez, doze anos, eu estava o mais longe possível da Igreja. Eu era satanista. Participava de rituais ocultos. Fazia e dizia muitas coisas que não eram muito boas… Já se passaram cinco anos desde que estou na Igreja e, neste meu segundo ano de seminário, reconheço um chamado ao sacerdócio”.

O jovem russo enfatizou que vê na Igreja Católica uma especial missão da qual ele próprio já se beneficiou:

“Tirar pessoas das trevas. Pelo menos foi assim na minha vida”.

Para Alexander, os fatores que podem levar alguém ao que chama de “trevas” incluem “o medo, a dor da perda, a experiência da própria fraqueza, a violência vivida, o trauma”. Ele considera que, mal encaminhadas, essas experiências podem impulsionar sentimentos de frustração e até de ódio contra Deus. Juntamente com estas sensações, existe o impacto de superstições e do esoterismo. Ele observa que “quase uma em cada duas pessoas tenta guiar sua vida com superstições” e, como exemplos, menciona “desde uma fita vermelha na mão, passando pelo mau-olhado, até a astrologia e coisas piores: são todas formas de dispensar Deus”. O seminarista alerta que o poder das superstições na vida de uma pessoa pouco formada pode chegar a tal ponto que “é necessário um verdadeiro milagre bíblico para trazê-las de volta à luz”.

Mas Alexander aponta o caminho:

“Desta mesma escuridão, Cristo traz a pessoa de volta por meio da Igreja, se a pessoa permitir. Do jeito que Ele tirou os endemoninhados das tumbas. Do jeito que Ele me tirou, me libertou e me mostrou um caminho diferente. Cristo pode mostrar que, apesar da fraqueza, apesar da dor, apesar de todas as experiências negativas, você é digno de vida, de salvação e de amor. E temos que falar disso, vale a pena proclamar, vale a pena viver isso. Cristo realmente cura! Ele realmente conduz das trevas para a luz, da morte para a vida, de Satanás para Ele mesmo e para o Pai. Como Ele me tirou, Ele pode tirar qualquer um. Ah, se nós fizéssemos tudo o que está ao nosso alcance para que o maior número possível de pessoas O conheçam e saibam do Seu poder!”.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

O Papa: temos sede de amor, porque só o amor nos sacia verdadeiramente

O Papa Francisco durante a missa celebrada na "Steppe Arena", em Ulan Bator, Mongólia

"Trazemos dentro de nós uma sede inextinguível de felicidade; andamos à procura de significado e orientação para a nossa vida, de motivação para as atividades que realizamos cada dia. Queridos irmãos e irmãs, a fé cristã é resposta a esta sede", disse Francisco em sua homilia.

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco celebrou a missa na "Steppe Arena", neste domingo (03/09), em Ulan Bator, no âmbito de sua viagem apostólica internacional à Mongólia. Participaram da missa mais de duas mil pessoas, dentre as quais peregrinos das Filipinas, Vietnã e Camarões.

Francisco iniciou sua homilia, citando o Salmo 63 que diz: «Ó Deus, (...) a minha alma tem sede de Ti, todo o meu ser anela por Ti, como terra árida, exausta, sem água». A seguir, recordou que Jesus "nos mostra o caminho para ficarmos saciados: é o caminho do amor, que Ele percorreu até ao fim, até à cruz".  Depois, o Papa se deteve em dois aspectos: a sede que nos habita e o amor que sacia a nossa sede.

Peregrinos à procura da felicidade

"Primeiramente, somos chamados a reconhecer a sede que nos habita", disse o Papa, recordando que "o salmista grita para Deus a sua secura, porque a sua vida se assemelha a um deserto. As suas palavras têm uma ressonância particular numa terra como a Mongólia: um território imenso, rico de história e cultura, mas caraterizado também pela aridez da estepe e do deserto". "Muitos de vocês estão habituados ao encanto e à fadiga de caminhar. Com efeito, todos somos «nômades de Deus», peregrinos à procura da felicidade, viandantes sedentos de amor", disse o Pontífice, acrescentando:

Assim o deserto evocado pelo salmista refere-se à nossa vida: somos aquela terra árida que tem sede de água límpida, água que mata a sede em profundidade; é o nosso coração que deseja descobrir o segredo da verdadeira alegria, aquela que nos pode acompanhar e sustentar mesmo no meio da aridez existencial.

“É verdade! Trazemos dentro de nós uma sede inextinguível de felicidade; andamos à procura de significado e orientação para a nossa vida, de motivação para as atividades que realizamos cada dia; e sobretudo temos sede de amor, porque só o amor nos sacia verdadeiramente, faz sentir bem, abre à confiança fazendo-nos saborear a beleza da vida. Queridos irmãos e irmãs, a fé cristã é resposta a esta sede.”

A seguir, Francisco passou ao segundo aspecto: o amor que sacia a nossa sede. Segundo o Pontífice, "este é o conteúdo da fé cristã: Deus, que é amor, no seu Filho Jesus, fez-se próximo de ti, deseja partilhar a tua vida, as tuas fadigas, os teus sonhos, a tua sede de felicidade. É verdade que, às vezes, nos sentimos como terra deserta, árida e sem água, mas é igualmente verdade que Deus cuida de nós e nos oferece a água límpida e refrescante, a água viva do Espírito que, brotando em nós, nos renova, libertando-nos do perigo da secura. Esta água nos é dada por Jesus".

Só o amor sacia verdadeiramente a nossa sede

Recordando as palavras de Santo Agostinho, «Deus teve misericórdia de nós e abriu-nos um caminho no deserto: nosso Senhor Jesus Cristo. E proporcionou-nos uma consolação no deserto: os pregadores da sua Palavra», o Papa disse:

Estas palavras, queridos amigos, recordam a vossa história: nos desertos da vida e nas limitações por serdes uma comunidade pequena, o Senhor não vos deixa faltar a água da sua Palavra, especialmente através dos pregadores e missionários que, ungidos pelo Espírito Santo, a semeiam em toda a sua beleza. E a Palavra sempre nos remete para o essencial da fé: deixar-se amar por Deus para fazer da nossa vida uma oferta de amor. Porque só o amor sacia verdadeiramente a nossa sede.

"Se pensamos que o sucesso, o poder, as coisas materiais são suficientes para saciar a sede de nossas vidas, esta é uma mentalidade mundana, que não leva a nada de bom, pelo contrário nos deixa mais áridos do que antes", sublinhou Francisco.

O melhor caminho de todos é este: abraçar a cruz de Cristo

Irmãos, irmãs, o melhor caminho de todos é este: abraçar a cruz de Cristo. No coração do cristianismo, temos esta notícia impressionante e extraordinária: quando perdes a tua vida, quando a ofereces generosamente, quando a pões em risco comprometendo-a no amor, quando fazes dela um dom gratuito para os outros, então a vida volta para ti em abundância, derrama dentro de ti uma alegria que não passa, uma paz do coração, uma força interior que te sustenta.

"Esta é a verdade que Jesus nos convida a descobrir, que Jesus quer desvendar a todos vós, nesta terra da Mongólia: para ser feliz, não serve ser grande, rico ou poderoso. Só o amor nos sacia o coração, só o amor cura as nossas feridas, só o amor nos dá a verdadeira alegria. Este é o caminho que Jesus nos ensinou e abriu para nós. Com a graça de Cristo e do Espírito Santo, poderemos trilhar o caminho do amor", concluiu.

Obrigado, por serdes bons cristãos e honestos cidadãos

No final da missa celebrada em Ulan Bator, o Papa Francisco saudou os presentes, dizendo que partiu "para esta peregrinação animado de grande esperança, no desejo de os encontrar e conhecer".

Obrigado, por serdes bons cristãos e honestos cidadãos! Ide em frente, com mansidão e sem medo, sentindo a proximidade e o encorajamento de toda a Igreja, e sobretudo o olhar terno do Senhor que não se esquece de ninguém e olha com amor para cada um dos seus filhos.

A seguir, o Papa saudou os bispos, os sacerdotes, os consagrados e consagradas, e todas as pessoas de várias regiões do imenso continente asiático que foram à Mongólia. Expressou particular reconhecimento a quantos ajudam a Igreja local, apoiando-a espiritual e materialmente. Agradeceu ao presidente e às autoridades pelo acolhimento e cordialidade, bem como por todos os preparativos realizados.

Continuemos a crescer juntos na fraternidade

A seguir, saudou de coração os irmãos e irmãs de outras confissões cristãs e religiões: "Continuemos a crescer juntos na fraternidade, como sementes de paz num mundo tristemente funestado por demasiadas guerras e conflitos."

Francisco agradeceu também a todos aqueles que trabalharam para tornar frutuosa e possível esta viagem, e a quantos a prepararam com a oração.

A palavra «obrigado», na língua mongol, deriva do verbo «regozijar-se». "O meu obrigado corresponde a esta bela intuição da língua local, pois é cheio de alegria", disse Francisco, acrescentando: "É um obrigado grande a vós, povo mongol, pelo dom da amizade que recebi nestes dias, pela vossa capacidade genuína de apreciar até os aspectos mais simples da vida, de preservar sabiamente as relações e as tradições, de cultivar com cuidado e solicitude a vida do dia-a-dia."

Eucaristia, centro vital do Universo

"A missa é ação de graças, “Eucaristia”. Celebrá-la nesta terra fez-me lembrar a oração do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, elevada a Deus exatamente há 100 anos, no Deserto de Ordos, não muito distante daqui. Diz assim: «Prostro-me, meu Deus, diante da vossa presença no Universo volvido ardente e, sob os traços de tudo o que eu encontrar, e de tudo o que me acontecer, e de tudo o que realizar no dia de hoje, desejo-vos e espero-vos»", disse o Papa.

O Padre Teilhard estava ocupado com pesquisas geológicas. Desejava ardentemente celebrar a Santa Missa, mas não trazia consigo nem pão nem vinho. Eis, então, que compôs a sua “Missa sobre o Mundo”, expressando assim a sua oferenda: “Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida pelo vosso apelo, vos apresenta na nova aurora”.

Segundo o Papa, "uma oração semelhante já havia surgido em sua mente, enquanto se encontrava na frente de batalha, durante a Primeira Guerra Mundial, servindo como carregador de macas".

"Este sacerdote, muitas vezes incompreendido, tinha percebido que «a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo» e é «o centro vital do Universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim», inclusive num tempo como o nosso, de tensões e de guerras", sublinhou Francisco, citando alguns trechos de sua Encíclica Laudato si'.

"Irmãos e irmãs da Mongólia, obrigado pelo vosso testemunho! Que Deus vos abençoe. Estais no meu coração e, no meu coração, permanecereis. Por favor, lembrai-vos de mim nas vossas orações e nos vossos pensamentos", concluiu.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF