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terça-feira, 3 de outubro de 2023

Agostinho e a liberdade (4/6)

Escavações da antiga cidade de Hipona, Argélia (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 06/2002

Agostinho e a liberdade

O relatório do Arcebispo de Argel da Universidade de Pádua de 24 de maio, no final da série de conferências sobre a atualidade de Santo Agostinho.

por Henri Teissier

A liberdade de Agostinho em relação aos ricos

Duas intervenções no colóquio de Argel insistiram particularmente na dimensão social do compromisso de Agostinho: a de Lepelley, de que já falámos, e a do Padre Angelo Di Berardino centrada na defesa dos pobres através da condenação da usura. Para muitos argelinos que se opõem a Agostinho, a questão dos circuncelliones, outrora aliados dos donatistas, oferece uma oportunidade para atacar o bispo de Hipona. Khadidja Mansouri, de Oran, abordou recentemente este tema em Roma, por ocasião de um colóquio organizado pelo Augustinianum(13).

Kamal Mellouk, um apoiante argelino de Agostinho, já tinha criticado este tipo de abordagem num artigo de 1995: «Alguns querem apresentá-lo [Agostinho] como um reacionário de extrema-direita, mais preocupado em proteger os ricos do que os pobres. Estas mesmas pessoas querem ver no conflito que o colocou contra os donatistas uma verdadeira luta de classes entre os imperialistas defendidos por Agostinho e os proletários agrícolas da Numídia, os circuncellioni defendidos pelos donatistas"(14).

A intervenção de Lepelley no colóquio trouxe numerosos argumentos para rejeitar esta tese. Graças em particular às cartas descobertas por Johannes Divjak, Lepelley apresenta muitos exemplos das intervenções de Agostinho em defesa dos pobres ameaçados pela dureza dos ricos: a defesa de alguns pequenos agricultores que os proprietários queriam escravizar ou que foram vítimas de dupla tributação ( Carta 247); as denúncias de que a autoridade imperial estabelecesse em Hipona o cargo de "defensor da plebe" criado em 368 pelo imperador Valentiniano I ( Carta de Divjak22 de 420)(15); o protesto contra a corrupção ou o protesto contra o sequestro de pessoas indefesas nas costas para escravizá-las; o apelo ao respeito do direito de asilo nas igrejas em benefício dos indivíduos procurados pelas autoridades.

Os sermões de Agostinho são salpicados de apelos angustiados aos ricos para que ajudem os pobres: «Estamos agora no inverno Pense nos pobres, como você deve vestir o Cristo nu" ( Sermão 25, 8, 8). Agostinho convida a sua própria Igreja a dar o exemplo: quando necessário, manda vender os vasos sagrados: «Ele estabeleceu uma matrícula pauperorum onde eram registrados os indigentes, alimentados e sustentados às custas da Igreja» ( Carta Divjak 20, 2).

O Padre Di Berardino faz os mesmos esclarecimentos sobre o problema da usura: «Onde as leis romanas do século IV se limitavam a reprimir os excessos da prática (da usura) muito difundida, Agostinho interveio com força para obrigar os cristãos a libertarem-se da este gravíssimo pecado contra a lei divina"(16): "Será que alguém que rouba algo de um rico pela força é mais cruel do que alguém que arruína um pobre através da usura? Aqui estão as dotações injustas que eu gostaria e exijo a restituição, mas a que juiz podemos recorrer para isso?" ( Carta 15 3, 25).

Liberdade, verdade e coerção

Uma das injustiças mais graves cometidas contra Agostinho foi pintá-lo como um partidário da coerção em nome da verdade. A sua parábola pessoal foi antes de tudo uma longa busca pela verdade, do maniqueísmo ao ceticismo, depois ao neoplatonismo e ao cristianismo. Seguiu as grandes correntes de pensamento do seu tempo, procurando apaixonadamente a verdade até que esta lhe tocou o coração: «Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova» (Confissões X, 27 ) .

Serge Lancel, no seu discurso, resume a questão nestes termos: «Não podemos evitar a questão do uso do braço secular nas fases finais da luta antidonatista, no início do século V. Mas seria demasiado fácil contrastar artificialmente os cristãos cismáticos considerados tenazmente independentes das autoridades imperiais e um bispo católico apresentado como submisso a essas mesmas autoridades. Agostinho, a partir de 403-404, resignou-se a utilizar todos os recursos legislativos disponíveis contra os seus adversários, muitas vezes antiquados, para pôr fim ao terrorismo do braço armado dos Donatistas, os Circumcellioni, quando teve que notar que o medo de as leis e a força militar eram mais fortes que os argumentos"(17).

Nas suas relações com os outros, pede que o diálogo seja privilegiado, procurando incansavelmente temas que possam obter consenso. É por isso que ele gostaria que, em vez de punir os recalcitrantes, se fizessem esforços para conduzi-los à verdade. Duas intervenções foram dedicadas ao tema do diálogo em Agostinho: a de Thérèse Fuster, Agostinho, homem de diálogo e relacionamento , e a de Maria Grazia Mara sobre Agostinho: homem de relacionamento humano e diálogo nas Confissões. Outra palestra, apresentada pelo professor Tahar Absi, de Argel, abordou o mesmo tema a partir da concepção agostiniana de educação.

O Cardeal Duval falou extensivamente sobre este tema durante o seu discurso no Palácio da Cultura, reconhecendo que Agostinho finalmente se deixou persuadir. Mas também relatou as belas palavras dirigidas por Agostinho a Vicente, bispo donatista de Cartennas, hoje Tenes ( Carta 93 ): «Ninguém deve ser forçado à unidade de Cristo; é com a palavra que devemos agir, com a discussão que devemos combater, com a razão que devemos vencer...”(18).

O Cardeal Duval recordou também a bela declaração de Agostinho na Conferência de Cartago: «A vitória pertence apenas à verdade e a vitória da verdade é a caridade». Finalmente (é novamente Agostinho quem fala, pela boca do Cardeal Duval): «Nenhum de nós diga que já encontrou a verdade: procuremo-la, como se fosse desconhecida de todos nós» (Contra a carta de Mani disse da fundação 27, 34 ). Recordemos que todos estes textos foram apresentados pelo Cardeal Duval perante uma audiência argelina numa época em que ainda vigorava o sistema de partido único e, portanto, a verdade única.

__________

13 Ver El Watan , 7 de Maio de 2002, p. 12.
14 K. Mellouk, Saint Augustin, algérien malgré nous , em El Watan , 13 e 14 de janeiro de 1995.
15 J. Divjak, ópera Sancti Augustini. Epistolae ex duabus codicibus nuper in lucem prolatae , Viena 1981, p. 234.
16 A. Di Berardino, “La défense du pauvre. Santo Agostinho et l'usure”, Anais do colóquio de Argel.
17 S. Lancel, “Entre Africanité et Romanité: le chemin d'Augustin vers l'universel”, Anais do Colóquio de Argel.
18 Ver A. Mandouze,L'aventure de la raison et de la grâce , Paris 1968, p. 371.

Fonte: http://www.30giorni.it/

O Papa responde às Dubia de cinco cardeais

Publicadas no site do Dicastério para a Doutrina da Fé as respostas do Papa Francisco às perguntas dos cardeais Brandmüller, Burke, Sandoval Íñiguez, Sarah e Zen Ze-kiun (Vatican Media Divisão Foto)

Os cardeais Brandmüller, Burke, Sandoval Íñiguez, Sarah e Zen Ze-kiun apresentaram cinco perguntas ao Papa solicitando esclarecimentos sobre algumas questões relacionadas à interpretação da Revelação Divina, à bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo, à sinodalidade como dimensão constitutiva da Igreja, à ordenação sacerdotal de mulheres e ao arrependimento como condição necessária para a absolvição sacramental.

Vatican News

O Papa Francisco respondeu a cinco Dubia enviadas a ele em julho passado pelos cardeais Walter Brandmüller e Raymond Leo Burke, com o apoio de três outros cardeais, Juan Sandoval Íñiguez, Robert Sarah e Joseph Zen Ze-kiun. As perguntas dos purpurados, em italiano, e as respostas do Papa, em espanhol, foram publicadas esta segunda-feira, 2 de outubro, no site do Dicastério para a Doutrina da Fé. A seguir está o texto com uma nossa tradução das respostas do Papa:

1) Dubium sobre a afirmação de que a Revelação Divina deve ser reinterpretada de acordo com as mudanças culturais e antropológicas em voga.

Após as afirmações de alguns bispos, que não foram corrigidas nem retratadas, surge a questão de saber se a Revelação Divina na Igreja deve ser reinterpretada de acordo com as mudanças culturais de nosso tempo e de acordo com a nova visão antropológica que essas mudanças promovem; ou se a Revelação Divina é vinculante para sempre, imutável e, portanto, não pode ser contradita, de acordo com o que foi ditado pelo Concílio Vaticano II, de que a Deus que revela é devida "a obediência da fé" (Dei Verbum 5); de que o que é revelado para a salvação de todos deve permanecer "para sempre intacto" e vivo, e ser "transmitido a todas as gerações" (7) e de que o progresso da compreensão não implica nenhuma mudança na verdade das coisas e das palavras, porque a fé foi "transmitida de uma vez por todas" (8), e o Magistério não é superior à palavra de Deus, mas ensina apenas o que foi transmitido (10).

Respostas do Papa Francisco

Caros irmãos,

embora nem sempre pareça prudente responder diretamente às perguntas que me são dirigidas, e seria impossível responder a todas elas, neste caso considerei oportuno fazê-lo, dada a proximidade do Sínodo.

Resposta à primeira pergunta

a) A resposta depende do significado que atribuem à palavra "reinterpretar". Se for entendida como "interpretar melhor", a expressão é válida. Nesse sentido, o Concílio Vaticano II afirmou que é necessário que, através do trabalho dos exegetas - e eu acrescentaria, dos teólogos - "o juízo da Igreja amadureça" (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 12).

b) Portanto, se é verdade que a Revelação divina é imutável e sempre vinculante, a Igreja deve ser humilde e reconhecer que nunca esgota sua insondável riqueza e precisa crescer em sua compreensão.

c) Consequentemente, também cresce em sua compreensão do que ela mesma afirmou em seu Magistério.

d) As mudanças culturais e os novos desafios da história não alteram a Revelação, mas podem nos estimular a expressar melhor certos aspectos de sua riqueza transbordante que oferece sempre mais.

e) É inevitável que isso possa levar a uma melhor expressão de algumas afirmações passadas do Magistério, e isso de fato aconteceu ao longo da história.

f) Por outro lado, é verdade que o Magistério não é superior à Palavra de Deus, mas também é verdade que tanto os textos da Escritura quanto os testemunhos da Tradição precisam de uma interpretação que permita distinguir sua substância perene dos condicionamentos culturais. Isso é evidente, por exemplo, em textos bíblicos (como Êxodo 21, 20-21) e em algumas intervenções magisteriais que toleravam a escravidão (cf. Nicolau V, Bula Dum Diversas, 1452). Esse não é um argumento secundário, dada sua íntima conexão com a verdade perene da dignidade inalienável da pessoa humana. Esses textos precisam de uma interpretação. O mesmo se aplica a algumas considerações do Novo Testamento sobre as mulheres (1 Coríntios 11, 3-10; 1 Timóteo 2, 11-14) e a outros textos da Escritura e testemunhos da Tradição que não podem ser repetidos hoje assim como.

g) É importante enfatizar que o que não pode mudar é o que foi revelado "para a salvação de todos" (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 7). Portanto, a Igreja deve discernir constantemente o que é essencial para a salvação e o que é secundário ou menos diretamente relacionado a esse objetivo. Interessa-me recordar o que São Tomás de Aquino afirmou: "quanto mais se vai aos particulares, mais aumenta a indeterminação" (Summa Theologiae 1-1 1, q. 94, art. 4).

h) Por fim, uma única formulação de uma verdade nunca pode ser compreendida adequadamente se for apresentada isoladamente, isolada do contexto rico e harmonioso de toda a Revelação. A "hierarquia das verdades" também implica colocar cada verdade em conexão adequada com verdades mais centrais e com o ensino da Igreja como um todo. Isso pode levar a diferentes maneiras de expor a mesma doutrina, mesmo que "para aqueles que sonham com uma doutrina monolítica defendida por todos sem nuances, isso pode parecer uma dispersão imperfeita. Mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diferentes aspectos da inesgotável riqueza do Evangelho (Evangelii Gaudium, 40). Toda corrente teológica tem seus riscos, mas também suas oportunidades.

2) Dubium sobre a afirmação de que a prática difusa de abençoar uniões do mesmo sexo está de acordo com a Revelação e o Magistério (CCC 2357).

De acordo com a Revelação Divina, atestada na Sagrada Escritura, que a Igreja, "por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, piedosamente escuta, santamente conserva e fielmente expõe" (Dei Verbum IO): "No princípio" Deus criou o homem à sua imagem, macho e fêmea os criou e os abençoou, para que fossem fecundos (cf. Gn 1, 27-28), pelo que o Apóstolo Paulo ensina que negar a diferença sexual é a consequência de negar o Criador (Rm 1, 24-32). Pergunta-se: pode a Igreja derrogar esse "princípio", considerando-o, em contraste com o que ensina a Veritatis Splendour 103, como um mero ideal, e aceitando como "bem possível" situações objetivamente pecaminosas, como as uniões entre pessoas do mesmo sexo, sem deixar de respeitar a doutrina revelada?

Resposta do Papa Francisco à segunda pergunta

a) A Igreja tem uma concepção muito clara do matrimônio: uma união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta a gerar filhos.

Somente essa união pode ser chamada de "matrimônio". Outras formas de união o realizam apenas "de maneira parcial e analógica" (Amoris laetitia 292), portanto não podem ser chamadas estritamente de "matrimônio".

b) Não se trata apenas de uma questão de nomes, mas a realidade que chamamos de matrimônio tem uma constituição essencial única que requer um nome exclusivo, não aplicável a outras realidades. É, sem dúvida, muito mais do que um mero "ideal".

c) Por essa razão, a Igreja evita qualquer tipo de rito ou sacramental que possa contradizer essa convicção e levar a entender que se reconheça como matrimônio algo que não o é.

d) Todavia, em nosso relacionamento com as pessoas, não devemos perder a caridade pastoral, que deve permear todas as nossas decisões e atitudes. A defesa da verdade objetiva não é a única expressão dessa caridade, que também é composta de gentileza, paciência, compreensão, ternura e encorajamento. Portanto, não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam, excluem.

e) Portanto, a prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam um conceito errôneo de matrimônio. Pois, quando se pede uma bênção, está se expressando um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor.

f) Por outro lado, embora existam situações que, de um ponto de vista objetivo, não são moralmente aceitáveis, a mesma caridade pastoral exige que não tratemos simplesmente como "pecadores" outras pessoas cuja culpa ou responsabilidade pode ser atenuada por vários fatores que influenciam a imputabilidade subjetiva (cf. São João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, 17).

g) As decisões que podem fazer parte da prudência pastoral em determinadas circunstâncias não precisam necessariamente se tornar uma norma. Ou seja, não é conveniente que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial habilite constante e oficialmente procedimentos ou ritos para todo tipo de questão, pois tudo "que faz parte de um discernimento prático diante de uma situação particular não pode ser elevado ao nível de norma", porque isso "daria lugar a uma casuística insuportável" (Amoris laetitia 304). O Direito Canônico não deve e não pode abranger tudo, nem as Conferências Episcopais, com seus vários documentos e protocolos, devem pretender isso, uma vez que a vida da Igreja flui por muitos canais além dos normativos.

3) Dubium acerca da afirmação de que a sinodalidade é "dimensão constitutiva da Igreja" (Cost. Ap. Episcopalis Communio 6), de modo que a Igreja seria por sua natureza sinodal.

Já que o Sínodo dos bispos não representa o colégio episcopal, mas é um mero órgão consultivo do Papa, enquanto os bispos, como testemunhas da fé, não podem delegar sua confissão da verdade, se questiona se a sinodalidade pode ser critério regulamentar supremo do governo permanente da Igreja sem alterar o seu regime constitutivo desejado pelo seu Fundador, para o qual a suprema e plena autoridade da Igreja é exercitada seja pelo Papa, em virtude do seu cargo, seja pelo colégio dos bispos juntamente com a sua cabeça, o Romano Pontífice (Lumen gentium 22).

Resposta do Papa Francisco à terceira pergunta

a) Não obstante reconheçam que a autoridade suprema e plena da Igreja seja exercitada seja pelo Papa em virtude do seu cargo, seja pelo colégio dos bispos com a sua cabeça o Romano Pontífice (Cfr. Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium, 22), com essas mesmas perguntas os senhores manifestam a própria necessidade de participar, de expressar livremente o seu parecer e de colaborar, pedindo assim uma forma de "sinodalidade" no exercício do meu ministério.

b) A Igreja é um "mistério de comunhão missionária", mas esta comunhão não é somente afetiva ou etérea, mas implica necessariamente uma participação real: não só a hierarquia, mas todo o Povo de Deus em modos diversos e em diferentes níveis pode fazer ouvir a própria voz e sentir-se parte do caminho da Igreja. Neste sentido, podemos dizer que a sinodalidade, como estilo e dinamismo, é uma dimensão essencial da vida da Igreja. Sobre este ponto, disse coisas muitos belas são João Paulo II na Novo Millennio Ineunte.

c) Outra coisa é sacralizar ou impor uma determinada metodologia sinodal que agrada um grupo, transformá-la em norma e percurso obrigatório para todos, porque isto levaria somente a “congelar” o caminho sinodal, ignorando as diversas características das várias Igrejas particulares e a variegada riqueza da Igreja universal.

4) Dubium acerca do apoio de pastores e teólogos à teoria de que “a teologia da Igreja mudou” e que, portanto, a ordenação sacerdotal pode ser conferida às mulheres.

Após as afirmações de alguns prelados, que não foram nem corrigidas nem retratadas, segundo os quais com o Vaticano II teria mudado a teologia da Igreja e o significado da Missa, se questiona se ainda é válido o ditado do Concílio Vaticano II, de que "o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem essencialmente e não apenas em grau" (Lumen Gentium IO) e que os presbíteros, em virtude do "sacro poder da ordem para oferecer o sacrifício e perdoar os pecados" (Presbyterorum Ordinis 2), agem em nome e na pessoa de Cristo mediador, por meio do qual tornou-se perfeito o sacrifício espiritual dos fiéis. Questiona-se também se ainda é válido o ensinamento da carta apostólica de são João Paulo II Ordinatio Sacerdotalis, que ensina como verdade a ser considerada definitiva a impossibilidade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, de modo que este ensinamento não está mais sujeito a mudanças nem à livre discussão dos pastores ou dos teólogos.

Resposta do Papa Francisco à quarta pergunta

a) "O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem essencialmente" (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium, 10). Não é oportuno apoiar uma diferença de grau que implique considerar o sacerdócio comum dos fiéis como algo de "segunda categoria" ou de menor valor ("um grau inferior"). Ambas as formas de sacerdócio se iluminam e se amparam reciprocamente.

b) Quando são João Paulo II ensinou que é preciso afirmar "de modo definitivo" a impossibilidade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres de modo algum estava denigrando as mulheres e conferindo um poder supremo aos homens. São João Paulo II afirmou também outras coisas. Por exemplo, que quando falamos do poder sacerdotal “estamos no âmbito da função, não da dignidade e da santidade”. (são João Paulo II, Christifideles laici, 51). São palavras que não colhemos suficientemente. Afirmou ainda claramente que não obstante só o sacerdote presida à Eucaristia, as tarefas "não dão justificação à superioridade de uns sobre os outros" (são João Paulo II, Christifideles laici, nota 190; Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Inter Insigniores, VI). Afirmou também que se a função sacerdotal é "hierárquica", não deve ser compreendida como uma forma de domínio, mas “é totalmente ordenada à santidade dos membros de Cristo” (são João Paulo II, Mulieris dignitatem, 27). Se isto não for compreendido e não forem tiradas as consequências práticas dessas distinções, será difícil aceitar que o sacerdócio seja reservado só aos homens e não poderemos reconhecer os direitos das mulheres ou a necessidade de que elas participem, de vários modos, na condução da Igreja.

c) De outro lado, para ser rigorosos, reconheçamos que ainda não foi desenvolvida exaustivamente uma doutrina clara e com autoridade sobre a natureza exata de uma "declaração definitiva". Não é uma definição dogmática, e mesmo assim deve ser aceita por todos. Ninguém pode contradizê-la publicamente e todavia pode ser objeto de estudo, como no caso da validade das ordenações na Comunhão anglicana.

5) Dubium acerca da afirmação de que “o perdão é um direito humano” e a insistência do Santo Padre sobre o dever de absolver todos e sempre, para o qual o arrependimento não seria condição necessária para a absolvição sacramental.

Questiona-se se ainda está em vigor o ensinamento do Concílio de Trento, segundo o qual, para a validade da confissão sacramental, é necessária a contrição do penitente, que consiste em detestar o pecado cometido com o propósito de não pecar mais (Parágrafo XIV, Capítulo IV: DH 1676), de modo que o sacerdote deve adiar a absolvição quando estiver claro que esta condição não foi realizada.

Resposta do Papa Francisco à quinta pergunta

a) O arrependimento é necessário para a validade da absolvição sacramental  e implica a intenção de não pecar. Mas aqui não há matemática e devo recordar mais uma vez que o confessionário não é uma alfândega. Não somos os donos, mas humildes administradores dos Sacramentos que nutrem os fiéis, porque estes dons do Senhor, mais do que relíquias a conservar, são auxílio do Espírito Santo para a vida das pessoas.

b) Existem muitas maneiras de expressar arrependimento. Muitas vezes, nas pessoas que estão com a autoestima muito ferida, declararem-se culpadas é uma tortura cruel, mas só o ato de se aproximar da confissão é uma expressão simbólica de arrependimento e de busca da ajuda divina.

c) Quero também recordar que “às vezes nos custa muito dar espaço na pastoral ao amor incondicional de Deus" (Amoris laetitia 311), mas se deve aprender. Seguindo são João Paulo II, defendo que não devemos pedir aos fiéis propósitos de correção demasiados detalhados e firmes, que no final acabam por ser abstratos ou até mesmo narcisistas, mas inclusive a previsibilidade de uma nova queda "não prejudica a autenticidade do propósito" (são João Paulo II, Carta ao Card. William W. Baum e aos participantes do curso anual da Penitenciaria Apostólica, 22 de março de 1996, 5).

d) Por fim, deve ser claro que todas as condições que normalmente se colocam na confissão geralmente não são aplicáveis quando a pessoa se encontra numa situação de agonia ou com as suas capacidades mentais e psíquicas muito limitadas.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

A luta contra a depressão

A  depressão tem cura (Cléofas)

A luta contra a depressão

 POR PROF. FELIPE AQUINO

Para Deus não existe “beco sem saída”!

A depressão tornou-se uma verdadeira epidemia em nossos dias. Pessoas de todos os níveis sociais, de todas as idades e de todos os países, são atingidas por ela. Mas saiba de uma coisa: você não é obrigado a ser deprimido; a depressão tem cura! Não se entregue a ela como se estivesse num beco sem saída; ao contrário, lute para vencê-la, com a graça de Deus.

Deus ama você e tem um plano maravilhoso para a sua vida.

Ele não o criou para ser uma pessoa triste e derrotada, creia nisto. Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10,10), e para isto Ele aceitou até morrer dolorosamente numa cruz. Cristo quer dar a você esta vida plena e abundante. Mas você tem que fazer a sua parte, tem que querer e lutar. A graça de Deus não dispensa a natureza, mas a supõe e enriquece. Deus não age contra a sua liberdade e a sua vontade.

A luta contra a depressão é árdua, e exige perseverança, paciência e fé, mas vale a pena. “O homem paciente esperará até um determinado tempo, após o qual a alegria lhe será restituída” (Eclo 1,29).

Nada de bom nesta vida se consegue sem luta. Você está disposto? A primeira coisa é você querer. Querer é poder; e querer com Deus é vencer. A Palavra de Deus nos ensina que “tudo posso Naquele que me dá forças” (Fl 4, 13). Vamos lá?

Embora a depressão tenha também causas biológicas, as causas principais são fundo emocional, psicológico e espiritual. O aumento de sua incidência é também fruto da vida moderna: agitada, materialista, consumista, competitiva, sem lugar para Deus e para o irmão… Há 40 anos muito pouco se falava do assunto.

Nesta pregação quero apenas enfocar o lado espiritual do problema, que não pode ser desprezado na recuperação da pessoa, especialmente se ela é cristã. De forma alguma recomendamos dispensar a ajuda da medicina, da psicologia ou da psiquiatria no tratamento da doença. Diz o Eclesiástico: “Honra o médico por causa da necessidade; pois foi o Altíssimo que o criou… O Senhor fez a terra produzir os medicamentos: o homem sensato não os despreza” (Eclo 38).

Sabe-se hoje que os medicamentos antidepressivos melhoram a depressão pelo fato de regularem o funcionamento dos neurotransmissores. Já foi provado que pode haver alteração de substâncias químicas que atuam no cérebro e que afetam o estado emocional e mental da pessoa.

Nosso desejo é levar esta terapia espiritual aos que sofrem deste mal moderno, a fim de que, abandonados em Deus, tenham força para redescobrir o valor da vida e vencer o problema. A pessoa humana adoece quando está desequilibrada em alguma de suas dimensões (física, psicológica ou espiritual) e quando perde o sentido da beleza da vida.

A cura começa a acontecer quando a pessoa, de fato, não só de palavras, “entrega a Deus a sua vida”; deixa que Ele a guie; entrega-lhe o seu destino; descansa em suas mãos, e busca Nele a força para caminhar. O deprimido é alguém, antes de tudo, fraco e amedrontado, assustado. Conta apenas consigo mesmo e com sua miséria, e por isso naufraga no meio dos problemas.

Não somos capazes de conduzir a nossa vida equilibradamente e em paz, sem Deus e o auxílio de sua Graça. Entregue o comando da sua vida a Jesus Cristo, o divino Mestre, para que você tenha uma vida nova.

A depressão tem muito a ver com a falta de sentido para a vida, falta de autoestima, por isso, o remédio é a afirmação da vida frente à anticultural da morte, que hoje toma conta do mundo.

Quanto mais cedo você procurar o tratamento maior a chance de ser curado, e mais rapidamente. Uma pessoa deprimida pode apresentar: doença crônica, problema afetivo, desilusão amorosa, perda de um parente, perda do emprego, perdas financeiras, falta de sentido para a vida, excesso de trabalho. Essas são causas. Mas o que ela sente? Muitos podem ser os sintomas da depressão, como: cansaço, pensamento de culpa, tristeza, autoestima baixa, falta de apetite, falta de vontade de rezar, fadiga, memória fraca, insônia, dificuldade para decidir, pensamento de morte, quedas de cabelo, entre outros.

A pessoa com depressão não pode se entregar à tristeza. Se você vive triste é porque ao invés de agradecer a Deus por todas as graças que você recebe a cada instante, fica a se lamentar das desgraças. Vire o disco da sua vida. Comece a agradecer por tudo o que você já tem antes de se lembrar daquilo que não tem.

São Paulo ensina que “a tristeza segundo Deus produz arrependimento que leva à salvação e não volta atrás ; ao passo que a tristeza segundo o mundo produz a morte” (2 Cor 7,10).

Aos tessalonicenses S. Paulo insiste: “Vivei sempre contentes. Orai sem cessar. Em todas as circunstâncias, dai graças, porque esta é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo.” (1Tes 5,16-18)

A Palavra de Deus nos ensina no livro do Eclesiástico: “Não entregues tua alma à tristeza, não atormentes a ti mesmo em teus pensamentos. A alegria do coração é a vida do homem, e um inesgotável tesouro de santidade. A alegria do homem torna mais longa a sua vida. Tem compaixão de tua alma, torna-te agradável a Deus, e sê firme; concentra teu coração na santidade, e afasta a tristeza para longe de ti, pois a tristeza matou a muitos, e não há nela utilidade alguma” (Eclo 30,22-26).

São Paulo recomenda aos que tem fé: “Alegrai-vos sempre no Senhor, repito, alegrai-vos… O Senhor está perto. Não vos inquieteis por coisa alguma, mas em todas as circunstâncias apresentai os vossos pedidos diante de Deus com muita oração e preces e com ação de graças. A paz de Deus, que supera todo o entendimento, guarde nossos corações e vossos pensamentos em Cristo Jesus” Fl 4,4-7).

Você tem de pensar no valor que você tem. Só assim não ficará no fundo do poço. Só fica nesse local quem não dá valor a si mesmo. Você acredita que você é obra de Deus? “Se meu pai e minha mãe me abandonarem, o Senhor me acolherá” (Sl 26,10). “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, Eu não te esqueceria nunca” (Is 49,15).

A pessoa deprimida precisa pensar no seu valor; você é alguém muito importante para Deus. Por que Jesus morreu na cruz? Ele entregou a vida na cruz por causa de você, do valor que você tem. E Ele o ama individualmente. Nenhum de nós tem a mesma impressão digital, pois Deus não quis nos fazer em série, mas individualmente. Deus sabe o meu nome, a minha angústia, a minha dor.

Quando Cristo morreu na cruz, Ele não carregava somente seus pecados, mas suas angústias e dores, disse São Pedro: “Carregou os nossos pecados em Seu corpo sobre o madeiro, para que, mortos aos nossos pecados, vivamos para a justiça. Por fim, por suas chagas fomos curados” (1 Pe 2,24). Jesus disse que se Ele tem uma ovelha perdida, deixa as 99 para buscar esta. Se você é a ovelha deprimida, perdida, Ele larga as outras e vai buscar você.

Diga para sua depressão: “Eu não morrerei nesta depressão, porque sou filho de Deus – e filho de Deus não pode morrer num buraco!” Não podemos abaixar a cabeça para a depressão. Para Deus não existe “beco sem saída”. “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve” (Mt 11,28-30).

Mas é preciso abrir a porta da sua vida para Jesus entrar: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo (Ap 3,20)”.

É preciso agir na fé, porque diz a Escritura que “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11,6). “O justo vive pela fé” (Rom 1,17; Hb 10,38; Gal 3,11). Jesus disse que “nenhum passarinho cai por terra sem a vontade de Deus. Até os cabelos de nossa cabeça estão contados” (Mt 10,29-30). “Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rom 10, 13). Cante com o salmista:

“Confia ao Senhor a tua sorte, espera nele: e ele agirá”.

“É em Deus, que eu ponho minha esperança; nada temo. Que mal me pode fazer um ser de carne?” (Sl 55,12).

“Só em Deus repousa minha alma, só dele me vem a salvação” (Sl 61,2).

Alimente a sua vida em Jesus participando da Eucaristia. Ali você recebe seu corpo, sua vida, seu amor, sua cura. Ele é remédio e sustento de nossa vida. Recorra sempre a Nossa Senhora, Ela é nossa mãe bondosa e que tudo pode; pois é Mãe de Deus.

Alimente sua alma e sua mente com a Palavra de Deus e a meditação de bons livros. Não fique prostrado em casa; trabalhe, faça ginástica, visite um doente; faça caridade, tudo isso ajuda sarar a depressão. Não se entregue ao egoísmo e ao fechamento em si mesmo; sai de você mesmo; busque as pessoas, ajude a quem puder; isso lhe fará muito bem.

Resumo da palestra ministrada na TV Canção Nova – 28/02/15

Prof. Felipe Aquino

Fonte: https://cleofas.com.br/

Agostinho e a liberdade (3/6)

O retorno de Agostinho a Cartago (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 06/2002

Agostinho e a liberdade

O relatório do Arcebispo de Argel da Universidade de Pádua de 24 de maio, no final da série de conferências sobre a atualidade de Santo Agostinho.

por Henri Teissier

A liberdade de Agostinho em relação ao Império Romano e aos seus representantes

Num contexto de apego à causa nacional ou às raízes árabe-muçulmanas, como acabamos de referir, a primeira questão que se colocou na Argélia foi a da liberdade de Agostinho em relação ao Império Romano e aos seus representantes.

Já dez anos antes da conversa, um amigo argelino de Agostinho tinha escrito um artigo intitulado Agostinho, o Africano . Já durante a semana seguinte, a resposta viera de um artigo de igual importância, Agostinho, o Romano . No clima criado pela conversa, um jovem escritor argelino-marroquino, Kebir Ammi, publicou uma obra sobre Agostino(4). O autor imaginou que Agostinho, ao regressar a África, foi imediatamente instado pelos seus compatriotas a juntar-se à resistência contra a ocupação romana. É assim que o autor faz Agostinho dizer, a respeito de seu pai Patrício, que “gostaria que ele pegasse em armas contra os romanos...”.

A obra apresenta-se como um romance, mas exerceu uma influência notável nos leitores argelinos ao transpor para o século IV perspectivas que não eram as da época de Agostinho, mas que poderiam ter sido as de um argelino em 1954, quando da revolução contra a presença francesa(5). Entre aqueles que se opuseram ao regresso de Agostinho à África, houve muitos que assumiram esta posição. Um ex-ministro escreveu na Matina de 18 de abril de 2001: «Santo Agostinho, pela sua formação, pelas suas convicções religiosas, pela sua ação, inseriu-se imediatamente na história do Império Romano do Ocidente e da Igreja Católica Romana na qual, além disso, deixou sua marca. Para dizer a verdade, distanciou-se das massas berberes...".

Felizmente, os estudiosos presentes na reunião deram respostas articuladas às perguntas que muitos argelinos faziam sobre a liberdade de Agostinho em relação ao poder romano. Para eles é um claro anacronismo considerar Agostinho o representante do poder romano, em oposição aos donatistas vistos como os verdadeiros nacionalistas. O professor Mandouze fez com que o público argelino da conversa descobrisse a complexidade deste tema, lembrando que a personalidade de Donato é difícil de enquadrar e que existiram pelo menos dois "Donatos" na origem do movimento donatista, um originário de Cartago e outro de Baghai na Numídia(6).

Outros estudiosos destacaram o quão injusto foi colocar Agostinho ao lado dos grandes proprietários de terras romanos, em oposição aos donatistas que teriam defendido os camponeses pobres. Eles apresentaram inúmeras evidências do compromisso de Agostinho em defender os fracos contra os poderosos. Claude Lepelley, por exemplo, recordou que no início do ministério de Agostinho em Hipona «a elite social era ao mesmo tempo pagã e donatista»(7). Ele especifica que a comunidade donatista de Hipona incluía ricos notáveis ​​e até mesmo grandes aristocratas, dos quais pelo menos dois eram senadores: Eusébio (que era curador ou seja, administrador da cidade) e Celer. Este último, continua Lepelley, «era um grande proprietário de terras destinado a uma carreira brilhante; de facto, tornou-se posteriormente vigário em África e depois procônsul»(8).

No início do seu ministério em Hipona, Agostinho deplora o facto de «as pessoas se converterem ao donatismo para fazerem bons casamentos na alta sociedade ou para obterem a proteção dos nobres pertencentes a esta Igreja»(9). E o mesmo autor recorda que «nos anos 400-411, o bispo donatista de Constantina, Petiliano, amargo adversário de Agostinho, pertencia à ordem senatorial»(10).

Não é possível relatar aqui toda a documentação apresentada na entrevista com todos os esclarecimentos necessários (por exemplo, Celere, de quem acabamos de falar, tornou-se posteriormente católico).

Por fim, Lepelley posiciona-se abertamente contra as ideias de William Frend(11) que estiveram na origem da tese que vê os Donatistas como campeões do nacionalismo anti-romano: «É completamente errado reduzir o Donatismo apenas à componente rural, aos pobres e camponeses não romanizados, como foi feito… na sequência do livro de William Frend (1952)".

Os donatistas foram os primeiros a apelar ao poder romano contra os seus adversários católicos e, sob Juliano, o Apóstata (361-363), fizeram uso do poder imperial. Depois de 405 e especialmente depois da Conferência de Cartago de 411, as coisas mudam radicalmente. A partir deste momento, foram os católicos que apoiaram o poder romano. Mas, para apreciar a complexidade da situação, basta lembrar o destino reservado a Marcelino, o legado imperial que presidiu a Conferência de Cartago, que teria provado que os católicos estavam certos contra os seus adversários donatistas. Este alto funcionário, grande amigo de Agostinho, foi decapitado dois anos depois, em 413, por ordem do poder romano.

Seria fácil trazer provas dos numerosos pedidos feitos por Agostinho a altos funcionários romanos ao longo da sua vida para defenderem os insurgentes de diferentes partidos. É o caso, por exemplo, da carta com a qual pede que a pena de morte não seja aplicada aos pagãos que atacaram os católicos numa igreja de Madaura. Ou quando ele interveio no que Bonifácio para que cumprisse a sua tarefa com persuasão e diplomacia e não com violência e coerção: «É mais glorioso matar a guerra com palavras do que matar os homens com ferro, e obter a paz através da paz do que através da guerra. Quem luta, se for bom, sem dúvida busca a paz, mas a busca derramando sangue; pelo contrário, você é enviado para evitar que o sangue seja derramado"(12).

Em muitas ocasiões, Agostinho parece livre em relação ao poder romano e aos seus altos representantes.

___________

4 Taghaste , Éditions de l'Aube, Paris 1999.
5 A conferência de Claude Lepelley, realizada na École française de Roma, em 5 de Fevereiro de 2002, intitulada Les Romains en Afrique ou l'Afrique romanisée? Archéologie, colonization et nationalisme en Afrique du Nord , fornece uma análise ampla e rica deste tipo de anacronismos.
6 A. Mandouze, “Augustin et Donat”, Proceedings of the Algiers colloquium (a ser publicado em Friburgo e Argel).
7 C. Lepelley, “La lutte en faveur des pauvres: observações sobre a ação social de santo Agostinho na região de Hipona”, Anais do colóquio de Argel.
8 Ibidem .
9 Ibidem .
10 Ibid .
11 WHC Frend,A Igreja Donatista. Um Movimento de Protesto no Norte de África Romano , Oxford 1952.
12 Carta 229, 2.

Fonte: http://www.30giorni.it/

Afinal, o mês do terço é outubro ou maio?

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Por Francisco Vêneto

Maio é tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora, mas o mês do rosário pode soar surpreendente para muitos fiéis.

Considerando que o mês de maio é tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora, muitos fiéis também acham que ele seja o mês do rosário ou do terço.

No entanto, o mês que passou a homenagear de forma especial a oração do rosário é outubro.

Mas por quê?

Antes de falar especificamente sobre esta associação entre o terço e o mês de outubro, é preciso recordar que o santo rosário vinha se consolidando como parte importante da devoção dos fiéis católicos desde o século XIII.

Tudo havia começado em 1208, quando Nossa Senhora apareceu a São Domingos de Gusmão, fundador da ordem dos padres dominicanos, e lhe pediu que instituísse a prática hoje conhecida por todos nós como o rosário, acrescentando que desejava a sua divulgação ao mundo todo. Pouco a pouco, a devoção foi de fato se espalhando e se fortalecendo.

A Batalha de Lepanto

Passado o tempo, chegamos ao século XVI, quando a Europa se via ameaçada por uma iminente invasão dos turcos otomanos. Nesse contexto, o Papa São Pio V recebeu uma revelação de Nossa Senhora de que a Cristandade venceria a batalha de autodefesa contra os invasores, graças à recitação do santo rosário. Confiante nesta promessa de Maria Santíssima, o Papa exortou os fiéis a rezarem o rosário com fé ainda mais intensa.

A situação era gravíssima. Se os católicos perdessem a batalha, era muito grande o risco de que a Igreja fosse esmagada pelos invasores.

Em 7 de outubro de 1571, porém, os católicos veriam o cumprimento da promessa de Nossa Senhora. Desenrolava-se naquela data uma das mais emblemáticas batalhas navais de todos os tempos: a histórica Batalha de Lepanto, na costa da Grécia, entre uma esquadra da Liga Santa e nada menos que duzentas e trinta galés do poderoso Império Otomano.

Em Roma, enquanto isso, São Pio V continuava implorando pelo auxílio divino mediante a intercessão de Maria, e, ao mesmo tempo, seguia despachando os assuntos urgentes da Igreja. Em dado momento, o venerável ancião interrompeu subitamente os trabalhos e foi até a janela. Todos os que estavam ao seu redor ficam perplexos. Um silêncio denso pairou no ar durante um breve espaço de tempo que, porém, parecia não ter mais fim, até que foi rompido por uma declaração ainda mais surpreendente do santo Papa:

“Vencemos em Lepanto!”

Outubro, o mês do rosário

O Papa fez esta afirmação antes mesmo de receber notícias da batalha. Chamou os fiéis para se juntarem à comemoração pela milagrosa vitória de Dom João D’Áustria, o comandante da frota católica. Teve então início uma solene procissão pelas ruas de Roma.

Somente dias mais tarde é que chegaram de fato os emissários da esquadra confirmando a notícia que, milagrosamente, já tinha sido anunciada pelo Papa.

Não tardou para que fosse instituída, em honra daquela vitória milagrosa, a festa de Nossa Senhora das Vitórias, a celebrar-se todo dia 7 de outubro. O Papa Gregório XIII mudaria o nome da festa para Nossa Senhora do Rosário.

Devido à imensa importância desta vitória para a preservação da fé católica, veio desse episódio crucial a tradição que considera o mês de outubro o mês do santo rosário.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF