Translate

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

São Francisco de Assis explica a perfeita alegria

São Francisco de Assis (Aleteia)

Por Aleteia Brasil - Publicado em 01/01/17

Uma alegria radical, surpreendente e incompreensível para a mente do mundo!

Vindo São Francisco certa vez de Perusa para Santa Maria dos Anjos com frei Leão, em tempo do inverno e atormentado pelo fortíssimo frio, frei Leão pediu-lhe:

Pai, peço-te, da parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria.

E São Francisco assim lhe respondeu:

Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos, inteiramente molhados pela chuva e transidos de frio, cheios de lama e aflitos de fome, e batermos à porta do convento, e o porteiro chegar irritado e disser:

‒ Quem são vocês?

E nós dissermos:

‒ Somos dois dos vossos irmãos, e ele disser:

‒ Não dizem a verdade; são dois vagabundos que andam enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres; fora daqui!

E não nos abrir e deixar-nos estar ao tempo, à neve e à chuva, com frio e fome até à noite: então, se suportarmos tal injúria e tal crueldade, tantos maus tratos, prazenteiramente, sem nos perturbarmos e sem murmurarmos contra ele (…) escreve que nisso está a perfeita alegria.

E se ainda, constrangidos pela fome e pelo frio e pela noite batermos mais e chamarmos e pedirmos pelo amor de Deus com muitas lágrimas que nos abra a porta e nos deixe entrar, e se ele mais escandalizado disser:

‒ Vagabundos importunos, pagar-lhes-ei como merecem.

E sair com um bastão nodoso e nos agarrar pelo capuz e nos atirar ao chão e nos arrastar pela neve e nos bater com o pau de nó em nó:

Se nós suportarmos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo bendito, as quais devemos suportar por seu amor:

Ó irmão Leão, escreve que aí e nisso está a perfeita alegria, e ouve, pois, a conclusão, irmão Leão.

Acima de todas as graças e de todos os dons do Espírito Santo, os quais Cristo concede aos amigos, está o de vencer-se a si mesmo, e, voluntariamente, pelo amor, suportar trabalhos, injúrias, opróbrios e desprezos.

_______________

Excerto dos “Fioretti de São Francisco”, via Contos e Lendas Medievais

Fonte: https://pt.aleteia.org/

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Hoje é dia de São Francisco de Borja, o viúvo que reconsiderou o sentido da vida

São Francisco de Borja. | ACI Digital.

São Francisco de Borja

Por Redação central/ACI Digital

A Igreja Católica celebra hoje (3) a festa de são Francisco de Borja S.J. (Valência, Espanha, 1510 - Estados Pontifícios, 1572). Ele foi casado, teve filhos e após a morte de sua mulher descobriu uma vocação singular: seguir os passos de Cristo como religioso.

O chamado à santidade

Durante o tempo em que esteve casado, Francisco se tornou amigo de alguns membros da Companhia de Jesus. Seu apreço inicial pelos jesuítas se tornaria, após a morte de sua mulher, motivação para uma busca mais intensa por Deus e pelo caminho que Ele havia traçado para sua vida. Assim, depois de um tempo de busca e discernimento, Francisco daria uma reviravolta completa na sua vida.

O nobre valenciano deixou para trás o mundo que construiu, ligado aos círculos sociais que rodeavam a corte real e a aristocracia, para se dedicar totalmente ao serviço da Santa Mãe Igreja, ao lado de santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus.

Homem de família, homem do mundo

Francisco de Borja nasceu em Gandía, Valência, em 1510. Como sua família pertencia à realeza, foi educado como parte da elite. Na sua juventude ocupou vários cargos públicos muito de acordo com os títulos que detinha: foi erigido IV duque de Gandía, I marquês de Lombay, grande de Espanha e vice-rei da Catalunha. Ele até serviu como conselheiro pessoal do imperador Carlos I da Espanha e V da Alemanha.

Com apenas 19 anos, Francisco se casou com Leonor de Castro. E sua casa foi abençoada com oito filhos, que foram criados com muito carinho e dedicação.

Um vice-rei cara a cara com a morte

Nos tempos em que Francisco ocupava o cargo de vice-rei da Catalunha, recebeu a ordem real de transferir os restos mortais da imperatriz Isabel para o local onde repousariam definitivamente, o túmulo real de Granada. A viagem levaria vários dias.

Quando o vice-rei chegou ao local onde se encontrava o corpo da imperatriz, segundo o protocolo fúnebre da época, dirigiu-se à câmara onde havia sido colocado. Ele tinha que ver, reconhecer e certificar oficialmente a morte de Isabel.

No momento em que viu o cadáver, um abismo de medo se abriu diante dele e ele sentiu um vazio sem precedentes. O rosto da imperatriz morta, outrora cheio de exuberância e frescor, jazia à sua frente, desfigurado, deformado, em claro processo de decomposição.

Ter contemplado, mesmo que apenas por alguns momentos, um espetáculo tão lamentável causou estragos em seu interior. A morte abalou a sua segurança habitual e imediatamente mudou a sua forma de compreender a vida.

O vice-rei tinha percebido pela primeira vez a fatuidade da existência humana, sempre agarrada a “castelos de areia” que escondem a sua expiração e miséria até desmoronarem. Anos mais tarde, o santo se referiria a esses acontecimentos como “o dia da sua conversão”. Daí a sua famosa promessa: “Nunca mais servirei um homem que pode morrer”.

“Ele não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mc 12, 17)

Após a morte de Leonor, sua mulher, e tendo cuidado dos filhos como deveria, Francisco renunciou aos seus títulos e bens e entrou para a Companhia de Jesus. Lá, ele aprendeu a ser servo dos outros e a não esperar ser servido. Por muito tempo, teve que ser ajudante de cozinha na Companhia.

A formação rigorosa, a oração e o estudo enobreceram sua alma e o prepararam para o sacerdócio. Vale lembrar que Jesus estabeleceu um tipo diferente de “nobreza” no mundo. Chegaria assim o dia da sua ordenação e da consequente nomeação como provincial da Companhia na Espanha. Abriu novos conventos e escolas e tornou-se conselheiro de reis e bispos. Sabe-se que até mesmo o papa pedia a sua opinião quando necessário.

Geral da Companhia: “Ele colocou o telhado no edifício e arrumou o interior” (R.P. Verjus SJ)

Em 1566, o santo foi nomeado terceiro superior-geral da Companhia de Jesus e, sob o seu mandato, o espírito missionário da Ordem foi fortalecido. No que diz respeito à educação, Francisco de Borja se tornaria o promotor do Colégio Romano, gerido pela Companhia, que mais tarde se tornaria a prestigiada Universidade Gregoriana.

São Francisco de Borja morreu à meia-noite do dia 30 de setembro de 1572. Dele falaria o famoso padre Verjus, biógrafo do santo e também membro da Companhia de Jesus: “Santo Inácio de Loyola projetou o edifício e lançou os alicerces; o padre Laínez construiu as paredes; são Francisco Borja colocou o telhado no edifício e arrumou o interior e, desta forma, concluiu a grande obra que Deus tinha revelado a santo Inácio".

Fonte: https://www.acidigital.com/

Das Cartas de São Cipriano, bispo e mártir

Para alcançar as promessas do Senhor, devemos imitá-lo em tudo (iCatólica)

Das Cartas de São Cipriano, bispo e mártir

(Ep.6,1-2:CSEL3,480-482)                                                            (Séc. III)

Todos os que desejamos alcançar as promessas do Senhor, devemos imitá-lo em tudo

Eu vos saúdo, irmãos caríssimos, ansioso por gozar da vossa presença, se o lugar onde estou me permitisse ir até vós. Que me poderia acontecer de mais desejável e alegre que estar junto a vós neste momento, para apertar essas mãos, puras e inocentes, que por fidelidade ao Senhor recusaram os sacrifícios sacrílegos?  

Que haveria para mim de mais agradável e sublime que beijar agora os vossos lábios que proclamaram a glória do Senhor, como também ser visto por vossos olhos que, desprezando o mundo, se tornaram dignos de contemplar a Deus?

Mas, como não me é dada essa alegria, eu vos envio esta carta, que me substituirá ante os vossos olhos e ouvidos. Por ela vos felicito e ao mesmo tempo exorto a perseverardes fortes e inabaláveis na proclamação da glória celeste. Uma vez no caminho da graça do Senhor, deveis prosseguir com espírito forte até conquistardes a coroa, tendo o Senhor como protetor e guia, pois ele disse: Eis que eu estou convosco todos os dias até o fim do mundo (Mt 28,20).


Ó cárcere feliz, iluminado pela vossa presença! Ó cárcere feliz, que leva para o céu os homens de Deus! Ó trevas mais luminosas que o próprio sol e mais brilhantes que a luz deste mundo, onde estão agora colocados os templos de Deus, que são os vossos corpos santificados pela proclamação da fé!

Nada mais ocupe agora vossas mentes e corações, senão os preceitos divinos e os mandamentos celestes, pelos quais o Espírito Santo sempre vos animou a suportar os sofrimentos. Ninguém pense na morte mas na imortalidade nem no sofrimento passageiro, mas na glória eterna. Pois está escrito: É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos seus justos (Sl 115,15). E também: É um sacrifício agradável a Deus um espírito que sofre; Deus não desprezará um coração contrito e humilhado (Sl 50,19).


E ainda em outro lugar fala a Escritura divina dos tormentos que consagram os mártires de Deus e os santificam pelas provações dos sofrimentos: Embora tenham suportado tormentos diante dos homens, sua esperança está cheia de imortalidade. Julgarão as nações e dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre (Sb 3, 4.8).


Assim, quando vos lembrais de que ides julgar e reinar com o Cristo Senhor, a alegria é que deve prevalecer em vós, superando os suplícios presentes pela exultação futura. Bem sabeis que, desde o princípio, a justiça está em luta com o mundo: logo na origem da humanidade, o justo Abel foi assassinado, como depois dele todos os justos, profetas e apóstolos enviados por Deus.

A todos eles o Senhor quis dar a si mesmo como exemplo, ensinando que só aqueles que seguissem o seu caminho poderiam entrar em seu reino: Quem ama a sua vida neste mundo, perdê-la-á. E quem odeia a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna (Jo 12,25). E ainda: Não temais os que matam os corpos, não podem, contudo, matar a alma; temei antes aquele que pode matar na geena a alma e o corpo (Mt 10,28).

São Paulo também nos exorta a imitar em tudo o Senhor, se desejamos alcançar as suas recompensas. Diz ele: Somos filhos de Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros – herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo; se realmente sofremos com ele, é para sermos também glorificados com ele (Rm 8,17).

Fonte: https://liturgiadashoras.online/

Costa do Marfim. Bispos: “jovens emigram porque não podem desfrutar riquezas do País”

Dom Marcelin Yao Kouadio e a nova Presidência da Conferência Episcopal da Costa do Marfim (CECI) | Vatican Media

O Presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim, Dom Marcelin Yao Kouadio, disse em entrevista à Agência Fides a propósito das emigrações, que os Países africanos são imensamente ricos, mas os seus habitantes não podem desfrutar destas riquezas, e os nossos jovens são obrigados a ir morrer no cemitério que se tornou o Mediterrâneo.

Cidade do Vaticano

“Os primeiros missionários da Sociedade das Missões Africanas (SMA) chegaram à Costa do Marfim em 1895. Somos, portanto, uma Igreja relativamente jovem”, disse em entrevista à Agência Fides o Bispo de Daloa e Presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim, Dom Marcelin Yao Kouadio.

A Costa do Marfim é ainda “terra de missão”?

Atualmente temos 15 dioceses com 4 províncias eclesiásticas, e toda a hierarquia é toda ela composta por Bispos vindos do clero diocesano da Costa do Marfim. Mas, certamente, ainda acolhemos missionárias e missionários estrangeiros pertencentes a diversas congregações religiosas (sobretudo femininas) e institutos de vida apostólica. Portanto, ainda somos uma Igreja “em terra de missão”. A nossa problemática é como passar desta condição para uma Igreja missionária.

O que pode ajudar esta passagem?

Do meu ponto de vista, é preciso ter em consideração a chamada “tríplice autonomia”. Em primeiro lugar, a autonomia do pessoal envolvido no trabalho apostólico, por meio de uma pastoral vocacional bem organizada, dirigida às gerações jovens. E depois a autonomia cultural, através da inculturação da fé: como valorizar a cultura local, que tem os seus valores, na dinâmica do anúncio do Evangelho. Na cultura tradicional do nosso povo existem fatores como a crença em Deus, o Ser Supremo; o reconhecimento do mal feito e do pecado; a crença na vida depois da morte; o sentido da vida comunitária. Finalmente, a autonomia financeira de todas as nossas dioceses. A nível nacional criámos um fundo católico nacional que está a ter bons resultados. Estamos terminando de construir a construção de uma cidade financiada por este fundo. É uma cidade com diversas casas para alugar em vista à criação de fundos para a Igreja.

Como se realiza o diálogo com as outras comunidades de crentes no seu País?

Num contexto como o da Costa do Marfim, se deve falar de diálogo inter-religioso, porque ainda existem os seguidores da religião tradicional africana e existem os muçulmanos. O diálogo ecuménico, pelo contrário, diz respeito às relações com as Igrejas protestantes. Na Costa do Marfim foi criada uma espécie de aliança entre comunidades de crentes pela paz, trazendo juntos sobretudo os nossos irmãos protestantes e os muçulmanos. Neste momento, como Conferência Episcopal, estamos presentes como observadores. Existe também o Fórum Nacional das Confissões Religiosas onde estão presentes todas as confissões do País, e onde juntamente com todos os outros líderes religiosos promovemos iniciativas para a paz e a coesão social, sobretudo durante o período crítico das eleições.

Em 2023, a primeira nacionalidade de imigrantes a chegar à costa italiana é da Costa do Marfim, até agora quase 8.000 pessoas. O que nos pode dizer sobre isso?

O fenómeno da emigração é uma realidade infeliz na medida em que os Países africanos, como a Costa do Marfim, são imensamente ricos. Mas os seus habitantes não podem desfrutar destas riquezas. Só para darmos um exemplo, a Costa do Marfim é o maior produtor mundial de cacau. Mas quem o cultiva na Costa do Marfim não se pode dar ao luxo de comprar “o bom chocolate” anunciado na vossa publicidade na Europa. Somos o terceiro maior produtor de café no mundo, sem contar o ouro, diamantes e muito mais ainda. E o mesmo vale para os outros Países africanos. Os seus filhos são obrigados a ir morrer naquele cemitério que se tornou o Mediterrâneo. É uma tragédia. Diz-se que vivemos num mundo globalizado. Diz-se que o mundo é uma grande aldeia, mas a mobilidade de que se fala é muitas vezes de sentido único. Existem alguns que podem ir em todo o lado mesmo sem visto, mas muitos outros que não se podem movimentar. A Igreja procura sensibilizar os jovens sobre os riscos de partir. Durante a última Quaresma orientei um retiro com 12 mil jovens onde abordamos o tema.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Novamente o aborto e a cultura da morte

Spotlight Images Agency | Shutterstock
Por Francisco Borba Ribeiro Neto

O aborto é uma manifestação da cultura da morte, não sua causa. Ele não gera essa cultura da morte, é gerado por ela.

O contínuo avanço do aborto em nossas sociedades (permitido por lei em pelo mesmo 66 países e repetidamente invocado como direito em países como o nosso) nos obriga a uma séria reflexão sobre sua relação com a “cultura da morte”, denunciada por São João Paulo II na Evangelium vitae.

Uma cultura não se torna hegemônica apenas porque determina a mentalidade da maioria da população ou as normas seguidas pelo Estado. Ela, frequentemente, não corresponde à mentalidade da maioria. Em alguns casos, não se identifica nem mesmo com as posições oficiais do Estado. Uma cultura, se torna hegemônica à medida que condiciona a mentalidade da maioria dos formadores de opinião e dos tomadores de decisões (sejam agentes públicos ou privados). Nas sociedades contemporâneas, as mudanças começam justamente quando novas ideias, que são minoritárias entre a população e não tem representatividade junto ao poder político, começam a tornar-se hegemônicas. Por isso, temos que considerar que a cultura da morte, se não é hegemônica, pelo menos já é fortíssima no mundo de hoje.

O que caracteriza a cultura da morte?

O aborto é uma manifestação da cultura da morte, não sua causa. Ele não gera essa cultura da morte, é gerado por ela. Caso o enfrentemos como se fosse apenas uma tendência isolada e não o fruto de uma mentalidade que vai se consolidando, estaremos apenas “enxugando o gelo” e seremos, mais cedo ou mais tarde, superados pela onda que vai crescendo. Para ser efetiva, a luta contra o aborto tem que estar inserida numa batalha maior, contra a cultura da morte.

Essa cultura é caracterizada por um imediatismo desesperançado. Pode ser a perda de esperança atormentada, que leva ao desespero, daquelas pessoas que não veem nenhuma chance de serem minimamente felizes diante daquilo que lhes acontece. Pode ser uma desesperança fria e calculista, de quem se entregou a um pragmatismo cínico, para o qual todo ideal e todo afeto são ilusórios, e por isso o que resta é tentar controlar a vida, extraindo dela o máximo de prazer imediato. Num caso ou no outro, a morte é uma opção válida porque não existe um bom motivo para se sacrificar em nome da vida.

No caso de quem se vê realmente diante da opção de abortar, essa desesperança é acompanhada por um ocultamento da pessoa do nascituro. Fazemos muitas discussões conceituais sobre o direito do nascituro à vida, mas quem já encontrou pessoas que pensavam em abortar sabe que o problema não é teórico: elas simplesmente procuram não ver a criança que já está no útero. Não por acaso, uma das mais fortes e combatidas campanhas pró-vida consiste simplesmente em mostrar às mães imagens de como deve estar, naquele momento, a criança em seu ventre.

Recuperar a esperança

Bento XVI, respondendo a uma pergunta sobre as legislações pró-aborto, considerou que lhe parecia que “na base destas legislações haja por um lado um certo egoísmo e por outro uma dúvida sobre o futuro. E a Igreja responde sobretudo a estas dúvidas: a vida é bela, não é algo duvidoso, mas é um dom e também em condições difíceis a vida permanece sempre um dom. Portanto voltar a criar esta consciência da beleza do dom da vida. E depois, outra coisa, a dúvida do futuro: naturalmente há tantas ameaças no mundo, mas a fé dá-nos a certeza de que Deus é sempre mais forte e permanece presente na história e, portanto, podemos, com confiança, também dar a vida a novos seres humanos. Com a consciência de que a fé nos dá sobre a beleza da vida e sobre a presença providente de Deus no nosso futuro podemos resistir a estes medos que estão na base destas legislações”.

A cultura da morte é combatida justamente com essa consciência da beleza da vida, por meio do afeto que acolhe e mostra uma esperança onde antes só havia desespero ou cálculo individualista. Existe uma luta jurídica, absolutamente necessária, em defesa da vida. Contudo, temos que ter claro que a luta contra a cultura da morte deve transcender esse aspecto legislativo, deve ser também um trabalho formativo e um acompanhamento solidário que desperta para a confiança no amor, a beleza da vida e a esperança no futuro – pois todas essas três coisas faltam na cultura da morte e na opção pelo aborto.

Um caminho de justiça, mas também de solidariedade

Frequentemente, nossas campanhas pró-vida são interpretadas como se estivéssemos apenas culpando e penalizando as mulheres, fazendo com que elas se sintam menos amadas e respeitadas por causa disso. Precisamos aprender sempre mais a mostrar que a luta pró-vida é uma luta por amor tanto às crianças que estão por nascer quanto a suas mães. Uma mulher grávida, em dificuldade, deve descobrir-se amada por aqueles que lutam contra o aborto, ela e seu bebê devem receber o afeto e o apoio necessários para que ambos levem a vida para frente, para que a criança nasça e ambos, mãe e criança, experimentem a beleza da vida e do amor.

Não são apenas questões conceituais ou de um afeto abstrato, implicam em gestos concretos, apoios que podem ser psicológicos, familiares ou mesmo econômicos. Quando uma criança morre abortada, a responsabilidade raras vezes e só da mãe, quase sempre existe um conjunto de pessoas a levaram a isso ou deixaram de dar-lhe o apoio que lhe permitiria levar a gravidez à frente. Uns e outros, por empenho com o mal ou por omissão diante do bem, colaboram com a cultura da morte.

É natural e justo que nos sintamos indignados diante, por exemplo, do ativismo judicial que tenta legalizar o aborto no Brasil a qualquer custo. Contudo, a indignação deve levar ao compromisso, não à raiva. Quando olhamos o mundo com raiva dos abortistas e não com amor pelas vítimas do aborto (que são não só os filhos, mas também as mães que abortam por falta de apoio e orientação) reproduzimos a lógica do mal que gera o aborto e que deveríamos estar combatendo. O diabo ri contente quando vê os amigos de Deus olhando o mundo com os olhos da raiva e do ressentimento e não com os olhos do perdão e do amor. Quando isso acontece, ele (o diabo) sabe que já venceu uma batalha (que acontece em nosso coração e na sociedade).

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Agostinho e a liberdade (4/6)

Escavações da antiga cidade de Hipona, Argélia (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 06/2002

Agostinho e a liberdade

O relatório do Arcebispo de Argel da Universidade de Pádua de 24 de maio, no final da série de conferências sobre a atualidade de Santo Agostinho.

por Henri Teissier

A liberdade de Agostinho em relação aos ricos

Duas intervenções no colóquio de Argel insistiram particularmente na dimensão social do compromisso de Agostinho: a de Lepelley, de que já falámos, e a do Padre Angelo Di Berardino centrada na defesa dos pobres através da condenação da usura. Para muitos argelinos que se opõem a Agostinho, a questão dos circuncelliones, outrora aliados dos donatistas, oferece uma oportunidade para atacar o bispo de Hipona. Khadidja Mansouri, de Oran, abordou recentemente este tema em Roma, por ocasião de um colóquio organizado pelo Augustinianum(13).

Kamal Mellouk, um apoiante argelino de Agostinho, já tinha criticado este tipo de abordagem num artigo de 1995: «Alguns querem apresentá-lo [Agostinho] como um reacionário de extrema-direita, mais preocupado em proteger os ricos do que os pobres. Estas mesmas pessoas querem ver no conflito que o colocou contra os donatistas uma verdadeira luta de classes entre os imperialistas defendidos por Agostinho e os proletários agrícolas da Numídia, os circuncellioni defendidos pelos donatistas"(14).

A intervenção de Lepelley no colóquio trouxe numerosos argumentos para rejeitar esta tese. Graças em particular às cartas descobertas por Johannes Divjak, Lepelley apresenta muitos exemplos das intervenções de Agostinho em defesa dos pobres ameaçados pela dureza dos ricos: a defesa de alguns pequenos agricultores que os proprietários queriam escravizar ou que foram vítimas de dupla tributação ( Carta 247); as denúncias de que a autoridade imperial estabelecesse em Hipona o cargo de "defensor da plebe" criado em 368 pelo imperador Valentiniano I ( Carta de Divjak22 de 420)(15); o protesto contra a corrupção ou o protesto contra o sequestro de pessoas indefesas nas costas para escravizá-las; o apelo ao respeito do direito de asilo nas igrejas em benefício dos indivíduos procurados pelas autoridades.

Os sermões de Agostinho são salpicados de apelos angustiados aos ricos para que ajudem os pobres: «Estamos agora no inverno Pense nos pobres, como você deve vestir o Cristo nu" ( Sermão 25, 8, 8). Agostinho convida a sua própria Igreja a dar o exemplo: quando necessário, manda vender os vasos sagrados: «Ele estabeleceu uma matrícula pauperorum onde eram registrados os indigentes, alimentados e sustentados às custas da Igreja» ( Carta Divjak 20, 2).

O Padre Di Berardino faz os mesmos esclarecimentos sobre o problema da usura: «Onde as leis romanas do século IV se limitavam a reprimir os excessos da prática (da usura) muito difundida, Agostinho interveio com força para obrigar os cristãos a libertarem-se da este gravíssimo pecado contra a lei divina"(16): "Será que alguém que rouba algo de um rico pela força é mais cruel do que alguém que arruína um pobre através da usura? Aqui estão as dotações injustas que eu gostaria e exijo a restituição, mas a que juiz podemos recorrer para isso?" ( Carta 15 3, 25).

Liberdade, verdade e coerção

Uma das injustiças mais graves cometidas contra Agostinho foi pintá-lo como um partidário da coerção em nome da verdade. A sua parábola pessoal foi antes de tudo uma longa busca pela verdade, do maniqueísmo ao ceticismo, depois ao neoplatonismo e ao cristianismo. Seguiu as grandes correntes de pensamento do seu tempo, procurando apaixonadamente a verdade até que esta lhe tocou o coração: «Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova» (Confissões X, 27 ) .

Serge Lancel, no seu discurso, resume a questão nestes termos: «Não podemos evitar a questão do uso do braço secular nas fases finais da luta antidonatista, no início do século V. Mas seria demasiado fácil contrastar artificialmente os cristãos cismáticos considerados tenazmente independentes das autoridades imperiais e um bispo católico apresentado como submisso a essas mesmas autoridades. Agostinho, a partir de 403-404, resignou-se a utilizar todos os recursos legislativos disponíveis contra os seus adversários, muitas vezes antiquados, para pôr fim ao terrorismo do braço armado dos Donatistas, os Circumcellioni, quando teve que notar que o medo de as leis e a força militar eram mais fortes que os argumentos"(17).

Nas suas relações com os outros, pede que o diálogo seja privilegiado, procurando incansavelmente temas que possam obter consenso. É por isso que ele gostaria que, em vez de punir os recalcitrantes, se fizessem esforços para conduzi-los à verdade. Duas intervenções foram dedicadas ao tema do diálogo em Agostinho: a de Thérèse Fuster, Agostinho, homem de diálogo e relacionamento , e a de Maria Grazia Mara sobre Agostinho: homem de relacionamento humano e diálogo nas Confissões. Outra palestra, apresentada pelo professor Tahar Absi, de Argel, abordou o mesmo tema a partir da concepção agostiniana de educação.

O Cardeal Duval falou extensivamente sobre este tema durante o seu discurso no Palácio da Cultura, reconhecendo que Agostinho finalmente se deixou persuadir. Mas também relatou as belas palavras dirigidas por Agostinho a Vicente, bispo donatista de Cartennas, hoje Tenes ( Carta 93 ): «Ninguém deve ser forçado à unidade de Cristo; é com a palavra que devemos agir, com a discussão que devemos combater, com a razão que devemos vencer...”(18).

O Cardeal Duval recordou também a bela declaração de Agostinho na Conferência de Cartago: «A vitória pertence apenas à verdade e a vitória da verdade é a caridade». Finalmente (é novamente Agostinho quem fala, pela boca do Cardeal Duval): «Nenhum de nós diga que já encontrou a verdade: procuremo-la, como se fosse desconhecida de todos nós» (Contra a carta de Mani disse da fundação 27, 34 ). Recordemos que todos estes textos foram apresentados pelo Cardeal Duval perante uma audiência argelina numa época em que ainda vigorava o sistema de partido único e, portanto, a verdade única.

__________

13 Ver El Watan , 7 de Maio de 2002, p. 12.
14 K. Mellouk, Saint Augustin, algérien malgré nous , em El Watan , 13 e 14 de janeiro de 1995.
15 J. Divjak, ópera Sancti Augustini. Epistolae ex duabus codicibus nuper in lucem prolatae , Viena 1981, p. 234.
16 A. Di Berardino, “La défense du pauvre. Santo Agostinho et l'usure”, Anais do colóquio de Argel.
17 S. Lancel, “Entre Africanité et Romanité: le chemin d'Augustin vers l'universel”, Anais do Colóquio de Argel.
18 Ver A. Mandouze,L'aventure de la raison et de la grâce , Paris 1968, p. 371.

Fonte: http://www.30giorni.it/

O Papa responde às Dubia de cinco cardeais

Publicadas no site do Dicastério para a Doutrina da Fé as respostas do Papa Francisco às perguntas dos cardeais Brandmüller, Burke, Sandoval Íñiguez, Sarah e Zen Ze-kiun (Vatican Media Divisão Foto)

Os cardeais Brandmüller, Burke, Sandoval Íñiguez, Sarah e Zen Ze-kiun apresentaram cinco perguntas ao Papa solicitando esclarecimentos sobre algumas questões relacionadas à interpretação da Revelação Divina, à bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo, à sinodalidade como dimensão constitutiva da Igreja, à ordenação sacerdotal de mulheres e ao arrependimento como condição necessária para a absolvição sacramental.

Vatican News

O Papa Francisco respondeu a cinco Dubia enviadas a ele em julho passado pelos cardeais Walter Brandmüller e Raymond Leo Burke, com o apoio de três outros cardeais, Juan Sandoval Íñiguez, Robert Sarah e Joseph Zen Ze-kiun. As perguntas dos purpurados, em italiano, e as respostas do Papa, em espanhol, foram publicadas esta segunda-feira, 2 de outubro, no site do Dicastério para a Doutrina da Fé. A seguir está o texto com uma nossa tradução das respostas do Papa:

1) Dubium sobre a afirmação de que a Revelação Divina deve ser reinterpretada de acordo com as mudanças culturais e antropológicas em voga.

Após as afirmações de alguns bispos, que não foram corrigidas nem retratadas, surge a questão de saber se a Revelação Divina na Igreja deve ser reinterpretada de acordo com as mudanças culturais de nosso tempo e de acordo com a nova visão antropológica que essas mudanças promovem; ou se a Revelação Divina é vinculante para sempre, imutável e, portanto, não pode ser contradita, de acordo com o que foi ditado pelo Concílio Vaticano II, de que a Deus que revela é devida "a obediência da fé" (Dei Verbum 5); de que o que é revelado para a salvação de todos deve permanecer "para sempre intacto" e vivo, e ser "transmitido a todas as gerações" (7) e de que o progresso da compreensão não implica nenhuma mudança na verdade das coisas e das palavras, porque a fé foi "transmitida de uma vez por todas" (8), e o Magistério não é superior à palavra de Deus, mas ensina apenas o que foi transmitido (10).

Respostas do Papa Francisco

Caros irmãos,

embora nem sempre pareça prudente responder diretamente às perguntas que me são dirigidas, e seria impossível responder a todas elas, neste caso considerei oportuno fazê-lo, dada a proximidade do Sínodo.

Resposta à primeira pergunta

a) A resposta depende do significado que atribuem à palavra "reinterpretar". Se for entendida como "interpretar melhor", a expressão é válida. Nesse sentido, o Concílio Vaticano II afirmou que é necessário que, através do trabalho dos exegetas - e eu acrescentaria, dos teólogos - "o juízo da Igreja amadureça" (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 12).

b) Portanto, se é verdade que a Revelação divina é imutável e sempre vinculante, a Igreja deve ser humilde e reconhecer que nunca esgota sua insondável riqueza e precisa crescer em sua compreensão.

c) Consequentemente, também cresce em sua compreensão do que ela mesma afirmou em seu Magistério.

d) As mudanças culturais e os novos desafios da história não alteram a Revelação, mas podem nos estimular a expressar melhor certos aspectos de sua riqueza transbordante que oferece sempre mais.

e) É inevitável que isso possa levar a uma melhor expressão de algumas afirmações passadas do Magistério, e isso de fato aconteceu ao longo da história.

f) Por outro lado, é verdade que o Magistério não é superior à Palavra de Deus, mas também é verdade que tanto os textos da Escritura quanto os testemunhos da Tradição precisam de uma interpretação que permita distinguir sua substância perene dos condicionamentos culturais. Isso é evidente, por exemplo, em textos bíblicos (como Êxodo 21, 20-21) e em algumas intervenções magisteriais que toleravam a escravidão (cf. Nicolau V, Bula Dum Diversas, 1452). Esse não é um argumento secundário, dada sua íntima conexão com a verdade perene da dignidade inalienável da pessoa humana. Esses textos precisam de uma interpretação. O mesmo se aplica a algumas considerações do Novo Testamento sobre as mulheres (1 Coríntios 11, 3-10; 1 Timóteo 2, 11-14) e a outros textos da Escritura e testemunhos da Tradição que não podem ser repetidos hoje assim como.

g) É importante enfatizar que o que não pode mudar é o que foi revelado "para a salvação de todos" (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 7). Portanto, a Igreja deve discernir constantemente o que é essencial para a salvação e o que é secundário ou menos diretamente relacionado a esse objetivo. Interessa-me recordar o que São Tomás de Aquino afirmou: "quanto mais se vai aos particulares, mais aumenta a indeterminação" (Summa Theologiae 1-1 1, q. 94, art. 4).

h) Por fim, uma única formulação de uma verdade nunca pode ser compreendida adequadamente se for apresentada isoladamente, isolada do contexto rico e harmonioso de toda a Revelação. A "hierarquia das verdades" também implica colocar cada verdade em conexão adequada com verdades mais centrais e com o ensino da Igreja como um todo. Isso pode levar a diferentes maneiras de expor a mesma doutrina, mesmo que "para aqueles que sonham com uma doutrina monolítica defendida por todos sem nuances, isso pode parecer uma dispersão imperfeita. Mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diferentes aspectos da inesgotável riqueza do Evangelho (Evangelii Gaudium, 40). Toda corrente teológica tem seus riscos, mas também suas oportunidades.

2) Dubium sobre a afirmação de que a prática difusa de abençoar uniões do mesmo sexo está de acordo com a Revelação e o Magistério (CCC 2357).

De acordo com a Revelação Divina, atestada na Sagrada Escritura, que a Igreja, "por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, piedosamente escuta, santamente conserva e fielmente expõe" (Dei Verbum IO): "No princípio" Deus criou o homem à sua imagem, macho e fêmea os criou e os abençoou, para que fossem fecundos (cf. Gn 1, 27-28), pelo que o Apóstolo Paulo ensina que negar a diferença sexual é a consequência de negar o Criador (Rm 1, 24-32). Pergunta-se: pode a Igreja derrogar esse "princípio", considerando-o, em contraste com o que ensina a Veritatis Splendour 103, como um mero ideal, e aceitando como "bem possível" situações objetivamente pecaminosas, como as uniões entre pessoas do mesmo sexo, sem deixar de respeitar a doutrina revelada?

Resposta do Papa Francisco à segunda pergunta

a) A Igreja tem uma concepção muito clara do matrimônio: uma união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta a gerar filhos.

Somente essa união pode ser chamada de "matrimônio". Outras formas de união o realizam apenas "de maneira parcial e analógica" (Amoris laetitia 292), portanto não podem ser chamadas estritamente de "matrimônio".

b) Não se trata apenas de uma questão de nomes, mas a realidade que chamamos de matrimônio tem uma constituição essencial única que requer um nome exclusivo, não aplicável a outras realidades. É, sem dúvida, muito mais do que um mero "ideal".

c) Por essa razão, a Igreja evita qualquer tipo de rito ou sacramental que possa contradizer essa convicção e levar a entender que se reconheça como matrimônio algo que não o é.

d) Todavia, em nosso relacionamento com as pessoas, não devemos perder a caridade pastoral, que deve permear todas as nossas decisões e atitudes. A defesa da verdade objetiva não é a única expressão dessa caridade, que também é composta de gentileza, paciência, compreensão, ternura e encorajamento. Portanto, não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam, excluem.

e) Portanto, a prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam um conceito errôneo de matrimônio. Pois, quando se pede uma bênção, está se expressando um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor.

f) Por outro lado, embora existam situações que, de um ponto de vista objetivo, não são moralmente aceitáveis, a mesma caridade pastoral exige que não tratemos simplesmente como "pecadores" outras pessoas cuja culpa ou responsabilidade pode ser atenuada por vários fatores que influenciam a imputabilidade subjetiva (cf. São João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, 17).

g) As decisões que podem fazer parte da prudência pastoral em determinadas circunstâncias não precisam necessariamente se tornar uma norma. Ou seja, não é conveniente que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial habilite constante e oficialmente procedimentos ou ritos para todo tipo de questão, pois tudo "que faz parte de um discernimento prático diante de uma situação particular não pode ser elevado ao nível de norma", porque isso "daria lugar a uma casuística insuportável" (Amoris laetitia 304). O Direito Canônico não deve e não pode abranger tudo, nem as Conferências Episcopais, com seus vários documentos e protocolos, devem pretender isso, uma vez que a vida da Igreja flui por muitos canais além dos normativos.

3) Dubium acerca da afirmação de que a sinodalidade é "dimensão constitutiva da Igreja" (Cost. Ap. Episcopalis Communio 6), de modo que a Igreja seria por sua natureza sinodal.

Já que o Sínodo dos bispos não representa o colégio episcopal, mas é um mero órgão consultivo do Papa, enquanto os bispos, como testemunhas da fé, não podem delegar sua confissão da verdade, se questiona se a sinodalidade pode ser critério regulamentar supremo do governo permanente da Igreja sem alterar o seu regime constitutivo desejado pelo seu Fundador, para o qual a suprema e plena autoridade da Igreja é exercitada seja pelo Papa, em virtude do seu cargo, seja pelo colégio dos bispos juntamente com a sua cabeça, o Romano Pontífice (Lumen gentium 22).

Resposta do Papa Francisco à terceira pergunta

a) Não obstante reconheçam que a autoridade suprema e plena da Igreja seja exercitada seja pelo Papa em virtude do seu cargo, seja pelo colégio dos bispos com a sua cabeça o Romano Pontífice (Cfr. Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium, 22), com essas mesmas perguntas os senhores manifestam a própria necessidade de participar, de expressar livremente o seu parecer e de colaborar, pedindo assim uma forma de "sinodalidade" no exercício do meu ministério.

b) A Igreja é um "mistério de comunhão missionária", mas esta comunhão não é somente afetiva ou etérea, mas implica necessariamente uma participação real: não só a hierarquia, mas todo o Povo de Deus em modos diversos e em diferentes níveis pode fazer ouvir a própria voz e sentir-se parte do caminho da Igreja. Neste sentido, podemos dizer que a sinodalidade, como estilo e dinamismo, é uma dimensão essencial da vida da Igreja. Sobre este ponto, disse coisas muitos belas são João Paulo II na Novo Millennio Ineunte.

c) Outra coisa é sacralizar ou impor uma determinada metodologia sinodal que agrada um grupo, transformá-la em norma e percurso obrigatório para todos, porque isto levaria somente a “congelar” o caminho sinodal, ignorando as diversas características das várias Igrejas particulares e a variegada riqueza da Igreja universal.

4) Dubium acerca do apoio de pastores e teólogos à teoria de que “a teologia da Igreja mudou” e que, portanto, a ordenação sacerdotal pode ser conferida às mulheres.

Após as afirmações de alguns prelados, que não foram nem corrigidas nem retratadas, segundo os quais com o Vaticano II teria mudado a teologia da Igreja e o significado da Missa, se questiona se ainda é válido o ditado do Concílio Vaticano II, de que "o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem essencialmente e não apenas em grau" (Lumen Gentium IO) e que os presbíteros, em virtude do "sacro poder da ordem para oferecer o sacrifício e perdoar os pecados" (Presbyterorum Ordinis 2), agem em nome e na pessoa de Cristo mediador, por meio do qual tornou-se perfeito o sacrifício espiritual dos fiéis. Questiona-se também se ainda é válido o ensinamento da carta apostólica de são João Paulo II Ordinatio Sacerdotalis, que ensina como verdade a ser considerada definitiva a impossibilidade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, de modo que este ensinamento não está mais sujeito a mudanças nem à livre discussão dos pastores ou dos teólogos.

Resposta do Papa Francisco à quarta pergunta

a) "O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem essencialmente" (Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium, 10). Não é oportuno apoiar uma diferença de grau que implique considerar o sacerdócio comum dos fiéis como algo de "segunda categoria" ou de menor valor ("um grau inferior"). Ambas as formas de sacerdócio se iluminam e se amparam reciprocamente.

b) Quando são João Paulo II ensinou que é preciso afirmar "de modo definitivo" a impossibilidade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres de modo algum estava denigrando as mulheres e conferindo um poder supremo aos homens. São João Paulo II afirmou também outras coisas. Por exemplo, que quando falamos do poder sacerdotal “estamos no âmbito da função, não da dignidade e da santidade”. (são João Paulo II, Christifideles laici, 51). São palavras que não colhemos suficientemente. Afirmou ainda claramente que não obstante só o sacerdote presida à Eucaristia, as tarefas "não dão justificação à superioridade de uns sobre os outros" (são João Paulo II, Christifideles laici, nota 190; Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Inter Insigniores, VI). Afirmou também que se a função sacerdotal é "hierárquica", não deve ser compreendida como uma forma de domínio, mas “é totalmente ordenada à santidade dos membros de Cristo” (são João Paulo II, Mulieris dignitatem, 27). Se isto não for compreendido e não forem tiradas as consequências práticas dessas distinções, será difícil aceitar que o sacerdócio seja reservado só aos homens e não poderemos reconhecer os direitos das mulheres ou a necessidade de que elas participem, de vários modos, na condução da Igreja.

c) De outro lado, para ser rigorosos, reconheçamos que ainda não foi desenvolvida exaustivamente uma doutrina clara e com autoridade sobre a natureza exata de uma "declaração definitiva". Não é uma definição dogmática, e mesmo assim deve ser aceita por todos. Ninguém pode contradizê-la publicamente e todavia pode ser objeto de estudo, como no caso da validade das ordenações na Comunhão anglicana.

5) Dubium acerca da afirmação de que “o perdão é um direito humano” e a insistência do Santo Padre sobre o dever de absolver todos e sempre, para o qual o arrependimento não seria condição necessária para a absolvição sacramental.

Questiona-se se ainda está em vigor o ensinamento do Concílio de Trento, segundo o qual, para a validade da confissão sacramental, é necessária a contrição do penitente, que consiste em detestar o pecado cometido com o propósito de não pecar mais (Parágrafo XIV, Capítulo IV: DH 1676), de modo que o sacerdote deve adiar a absolvição quando estiver claro que esta condição não foi realizada.

Resposta do Papa Francisco à quinta pergunta

a) O arrependimento é necessário para a validade da absolvição sacramental  e implica a intenção de não pecar. Mas aqui não há matemática e devo recordar mais uma vez que o confessionário não é uma alfândega. Não somos os donos, mas humildes administradores dos Sacramentos que nutrem os fiéis, porque estes dons do Senhor, mais do que relíquias a conservar, são auxílio do Espírito Santo para a vida das pessoas.

b) Existem muitas maneiras de expressar arrependimento. Muitas vezes, nas pessoas que estão com a autoestima muito ferida, declararem-se culpadas é uma tortura cruel, mas só o ato de se aproximar da confissão é uma expressão simbólica de arrependimento e de busca da ajuda divina.

c) Quero também recordar que “às vezes nos custa muito dar espaço na pastoral ao amor incondicional de Deus" (Amoris laetitia 311), mas se deve aprender. Seguindo são João Paulo II, defendo que não devemos pedir aos fiéis propósitos de correção demasiados detalhados e firmes, que no final acabam por ser abstratos ou até mesmo narcisistas, mas inclusive a previsibilidade de uma nova queda "não prejudica a autenticidade do propósito" (são João Paulo II, Carta ao Card. William W. Baum e aos participantes do curso anual da Penitenciaria Apostólica, 22 de março de 1996, 5).

d) Por fim, deve ser claro que todas as condições que normalmente se colocam na confissão geralmente não são aplicáveis quando a pessoa se encontra numa situação de agonia ou com as suas capacidades mentais e psíquicas muito limitadas.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF