Translate

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

São Bruno Abade

São Bruno Abade (Guadium Press)

06 de outubro

São Bruno Abade

São Bruno

São Bruno foi um nobre alemão e sacerdote famoso. Porém, ao se deparar com uma realidade sobrenatural, desistiu da fama e fundou uma das Ordens Monásticas mais austeras da Igreja.

A este santo se deve a fundação de uma das Ordens religiosas mais importantes e mais humildes que prestam austeridade e reconhecimento a Deus. A ordem de Cartuxa da Torre (a Ordem dos Cartusianos).

Origens

Bruno nasceu na cidade de Colônia, Alemanha, no ano 1030. Nasceu em berço nobre. Ainda muito jovem foi enviado para fazer seus estudos em Reims e Paris, na França.  Destacou-se nos estudos por causa de sua inteligência brilhante. Tornou-se especialista em humanidades, línguas, direito e outras matérias. E, me meio ao mundo universitário, sentiu-se chamado para o sacerdócio.

Ordenação

Quando terminou os estudos, o jovem Bruno voltou para a sua terra natal na Alemanha. Confirmando sua vocação, entrou para o Colegiado de São Cuniberto, onde foi ordenado padre.

A conversão de um padre

Alguns anos mais tarde, o Padre Bruno voltou à cidade de Reims para dar aulas de teologia. Passou algum tempo em Reims e depois foi lecionar teologia em Paris. Estando na França, foi certa vez uma cidade chamada Sena. Ali, um fato mudaria radicalmente o rumo de sua vida. Padre Bruno foi celebrar as exéquias, ou seja, foi fazer a encomendação de um defunto. Quando foram enterrar o morto, padre Bruno ouviu a voz do cadáver por três vezes, sendo que, no final, o morto disse: 'Por justo juízo de Deus fui condenado'. Presenciar este fato e ouvir estas palavras mexeram profundamente com a vida do padre Bruno. Depois disso ele abandonou totalmente o luxo que os padres tinham na época e entregou sua vida a Deus, com o desejo de viver na contemplação, na caridade para com o próximo, na oração, no silêncio e nos exercícios espirituais.

O chamado de Bruno arrasta seus amigos

Os amigos do Padre Bruno, vendo a radicalidade de sua conversão, sentiram-se também chamados a viverem mais radicalmente o Evangelho. Então eles se reuniram, repartiram tudo o que tinham com os pobres e ingressaram na Abadia Beneditina de Solesmes. Ali viveram a vida monástica por algum tempo seguindo a regra de São Bento.

Austeridade

O Padre Bruno, porém, sentia necessidade de uma vida mais austera. A experiência que tivera rezando por aquele defunto o fez enxergar que tudo nesta vida é passageiro e que devemos fazer todo esforço possível para alcançarmos a verdadeira vida na presença de Deus. Por isso, ele e mais 6 companheiros retiraram-se para uma região rochosa no alto de uma serra chamada Cartuxa. Esses montes ficavam no centro de um deserto que fazia parte da Diocese de Grenoble, também na França.

Confirmação profética

Na noite anterior à chegada do Padre Bruno e seus companheiros, o bispo de Grenoble teve um sonho: ele viu sete estrelas descerem do céu sobre aquela região desértica. Foi no ano de 1084. Neste ano, São Bruno e seus companheiros assumiram aquele lugar como um presente de Deus. Ali, ergueram barracos bem simples feitos de madeira e uma capelinha dedicada a Nossa Senhora. Quando terminaram de construir a capelinha e de dedicá-la à Virgem Maria, jorrou da terra um jato de água que se transformou numa fonte fornecedora de água e vida para aqueles monges solitários.

Nascimento da Ordem de Cartuxa

Assim nasceu a famosa Ordem Cartuxa. São bruno e seus companheiros escolheram viver uma vida bastante rigorosa. Alimentavam-se apenas de dois em dois dias. Dormiam menos e viviam sob muita disciplina. Vestiam roupas brancas e ásperas e dedicavam suas vidas à oração, ao trabalho e à caridade fraterna. Um abade, superior da comunidade Monástica de Cluny, conheceu a vida de São Bruno e seus companheiros e a descreveu assim:

'... São os mais pobres entre os monges e habitam cada um uma cela com seu tosco habito de penitencia e quase só comem pão. Não comem carne, nem pescado. Aos domingos e as quintas comem ovos e queijo. As segundas e sábados ervas e nos outros dias água e pão. Só comem uma vez ao dia, exceto nos dias de festa quando não comem e guardam estrito silencio, se comunicando através de sinais.'

Chamado a deixar o deserto

Depois de alguns anos vivendo no deserto, vários discípulos juntaram-se a São Bruno e seus companheiros. Eles também buscavam uma vida austera, de oração e contemplação. Padre Bruno sentia-se feliz na vida que levava. Porém, o Papa Urbano II, que conhecia o Padre Bruno e sabia de suas qualidades, pois tinha sido seu professor na cidade de Reims, chamou-o para ser seu colaborador em Roma. Padre Bruno aceitou por obediência, vendo nisso um chamado de Deus.

Em Roma

Alguns discípulos seguiram o Padre Bruno. Em Roma, ele foi nomeado pelo Papa como Arcebispo de Reggio. Em seu coração, porém, a vontade era de voltar à vida na Cartuxa e ao  silencio. Depois de alguns anos, tendo prestado grandes serviços à Igreja no tocante à instrução dos clérigos e à assessoria direta ao Papa, obteve licença do Papa para voltar à solidão monástica, ao silêncio e à contemplação.

Voltando à vida contemplativa

O Papa permitiu que Dom Bruno voltasse à vida monástica, porém, dentro da Itália, para que, quando fosse preciso, pudesse encontra-lo com facilidade. Assim, Dom Bruno foi para a Calábria. Lá, ele fundou, acompanhado de seus amigos que o tinham seguido até Roma, o Mosteiro de Santa Maria del Yermo. Sua nova fundação também passou a ser conhecida como Ordem Cartuxa da Torre.

A Ordem floresce

Na Calábria, a Ordem recém fundada por Dom Bruno floresceu. Logo foi preciso construir outro mosteiro. Este, construído em Bosco, recebeu o nome de Santo Estéfano. O povo, tendo descoberto a presença de Dom Bruno e sabendo de sua fama de santidade, passou a procura-lo para pedir aconselhamento, auxílio, orações. Assim, muitos foram curados pelas bênçãos e orações de São Bruno. Seu renome chegou a vários cantos da Europa, espalhando-se pela Itália, Alemanha e França.

Falecimento

São Bruno faleceu no dia 6 de outubro do ano 1101. Multidões foram se despedir dele e pedir sua intercessão, tendo a certeza de que ele já estava na glória de Deus. E muitas graças aconteceram. Após sua morte, ele se tornou o padroeiro da cidade de Colônia, na Alemanha.

A festa de São Bruno passou a ser celebrada no dia de sua passagem para o céu, em 6 de outubro.

Oração a São Bruno

"Onipotente e Eterno Deus, que concedestes a graça da fidelidade a São Bruno, fundador da Ordem dos Cartuxos, através do silêncio e da contemplação, concedei-nos também a nós sermos bem firmes na fé pela contemplação de vossas maravilhas. SÃO BRUNO, ROGAI POR NÓS."

Fonte: https://cruzterrasanta.com.br/

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

“Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era bom” (A Criação, 1)

Foto: Kurt K. Kreger (cc)

“Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era bom” (A Criação, 1)

Se antes o mundo manifestava Deus, hoje, para muitos, se tornou obscuro. Por que a fé na Criação é ainda decisiva na era da ciência?

27/09/2017

“Quando olho para o teu céu, obra de tuas mãos, vejo a lua e as estrelas que criaste: Que coisa é o ser humano, para dele te lembrares, o filho do homem, para o visitares?” (Sl 8,4-5). A contemplação do mundo causa assombro nos homens de todas as épocas. Também hoje, mesmo que possamos conhecer bem as causas físicas das cores de um pôr do sol, de um eclipse ou da aurora boreal, presenciar esses fenômenos nos fascina. Além disso, à medida que a ciência avança, se torna mais patente a complexidade e a imensidão que nos rodeia, tanto abaixo da nossa escala – desde a vida microscópica até as entranhas da matéria – como acima, nas distâncias e magnitudes das galáxias, que ultrapassam a imaginação de qualquer um.

À MEDIDA QUE A CIÊNCIA AVANÇA, SE TORNA MAIS PATENTE A COMPLEXIDADE E A IMENSIDÃO QUE NOS RODEIA, TANTO ABAIXO DA NOSSA ESCALA

Também nos surpreendemos profundamente ao considerar a realidade de nosso eu: quando percebemos que existimos, sem podermos compreender completamente a origem da nossa vida e da consciência que cada um tem de si próprio. De onde venho? Ainda que a velocidade com que se vive hoje em muitas partes do planeta leve a esquivar este tipo de perguntas, na realidade não são questões exclusivas para pessoas especialmente introspectivas: correspondem a uma necessidade de encontrar as coordenadas fundamentais, uma orientação que pode ficar adormecida, mas cedo ou tarde, volta a brotar na vida de todos.

A busca de um Rosto além do universo

Perceber o abismo da própria consciência ou a imensidão do mundo pode se limitar, às vezes, a sentir uma profunda vertigem. No entanto, em todas as épocas, a religiosidade dos homens sondou além desses fenômenos; buscou, de formas, muito variadas, um Rosto ao qual adorar. Por isso, diante do espetáculo da natureza, diz o salmista: “Os céus narram a glória de Deus, o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 19, 2); e também, ante o mistério do eu, da vida: “Eu te louvo porque me fizeste maravilhoso” (Sl 139,14). Durante séculos esta passagem do mundo visível a Deus se fazia com grande naturalidade. Mas hoje, às vezes, o fiel se vê ante perguntas que podem causar perplexidade: essa busca de um Rosto além do universo conhecido não é própria de um estado superado da humanidade? Os avanços da ciência, mesmo quando esta não disponha de respostas para todas as perguntas e problemas, não fazem da noção de criação um tipo de cobertura da nossa ignorância? Portanto, não é uma questão de tempo que a ciência responda a todas essas perguntas?

Seria um erro descartar com muita rapidez essas questões como impertinências, ou como sintomas de um ceticismo sem fundamento. Simplesmente, manifestam como “a fé tem que ser revivida e reencontrada em cada geração”[1]: também no momento presente, no qual a ciência e a tecnologia mostram tudo o que o homem pode conhecer e fazer por si mesmo, até o ponto de que a ideia da existência de algo anterior à nossa iniciativa se tornou, às vezes, distante e difícil de imaginar. Essas questões, pois, requerem uma consideração tranquila, que permita fortalecer a própria fé, compreendendo o seu sentido e a sua relação com a ciência e a razão, para poder iluminar também a outros. Naturalmente, em dois artigos só é possível traçar algumas vias, sem esgotar um problema que por si só afeta muitos aspectos da fé cristã.

A revelação da criação

Em nosso percurso podemos partir simplesmente da afirmação fundamental da Bíblia sobre a origem de tudo o que existe e, em particular, de cada pessoa ao longo da história. Trata-se de uma afirmação muito concreta e fácil de enunciar: somos criaturas de Deus, fruto da sua liberdade, sabedoria e amor. “O Senhor realiza tudo quanto quer no céu e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135, 6). “Como são numerosas, Senhor, tuas obras! Tudo fizeste com sabedoria, a terra está cheia das tuas criaturas” (Sl 104,24).

O PRÓPRIO GÊNESIS NÃO POUPA DETALHES SOBRE COMO O MAL E A DOR ABREM CAMINHO DESDE O INÍCIO DA HISTÓRIA, NO ENTANTO AFIRMA REPETIDAMENTE QUE O MUNDO É ESSENCIALMENTE BOM

Entretanto, às vezes, as afirmações mais simples ocultam as realidades mais complexas. Se, no presente, a razão humana não vê nitidamente essa concepção do mundo como criatura, tampouco chegou a ela de um modo simples. Historicamente, a noção de criação –no sentido em que a Igreja exprime no Credo – surgiu só no percurso da revelação ao povo de Israel. O apoio da Palavra divina permitiu expor os limites das distintas concepções míticas sobre as origens do cosmos e do homem, para ultrapassar as especulações dos brilhantes filósofos gregos, e reconhecer o Deus de Israel como o único Deus, que criou tudo do nada.

Uma característica distintiva do relato bíblico é, pois, o fato de que Deus crie sem partir de nada preexistente, só com a força da sua palavra: “Deus disse: ‘Faça-se a luz’! E a luz se fez (...).‘ ‘Façamos o ser humano à nossa imagem’ (...). Deus criou o ser humano à sua imagem” (Gn 1, 3.26-27).

Também é característico deste relato o fato de que na origem não havia nenhum rastro de mal: “Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1, 31). O próprio Gênesis não poupa detalhes sobre como o mal e a dor abrem caminho desde o início da história. Contudo, e em contraste com esta experiência universal, a Bíblia afirma, repetidamente, que o mundo é essencialmente bom, que a Criação não é uma forma degradada de ser, mas um imenso dom de Deus. “O universo não apareceu como resultado duma onipotência arbitrária, duma demonstração de força ou dum desejo de autoafirmação. A criação pertence à ordem do amor. (...): “Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado” (Sb 11, 24). Então cada criatura é objeto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo. Até a vida efêmera do ser mais insignificante é objeto do seu amor e, naqueles poucos segundos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho”[2].

NOSSOS ANTEPASSADOS NÃO TIVERAM UM MICROSCÓPIO, ACELERADORES DE PARTÍCULAS OU REVISTAS ESPECIALIZADAS, MAS TALVEZ SABIAM E VIAM COISAS ESSENCIAIS; COISAS QUE NÓS PODEMOS TER PERDIDO DE VISTA PELO CAMINHO

O início do Evangelho de São João também lança uma luz decisiva sobre esse relato. “No princípio era o Verbo” (Jo 1, 1), escreve o quarto evangelista, retomando as primeiras palavras do Gênesis (Cfr. Gn 1, 1). No início do mundo está o logos de Deus, que faz dele uma realidade profundamente racional, radicalmente plena de sentido. “Contigo está a Sabedoria que conhece as tuas obras e que estava presente quando fazias o mundo; ela sabe o que é agradável aos teus olhos e o que é correto conforme os teus preceitos” (Sb 9, 9). A propósito do termo grego com o qual se designa ao Verbo de Deus, explicava Bento XVI: “Logos significa conjuntamente razão e palavra – uma razão que é criadora e capaz de se comunicar, mas precisamente enquanto razão. Com este termo, João ofereceu-nos a palavra conclusiva para o conceito bíblico de Deus, uma palavra na qual todos os caminhos, muitas vezes cansativos e sinuosos, da fé bíblica alcançam a sua meta, encontram a sua síntese. No princípio era o logos, e o logos é Deus: diz-nos o evangelista. Este encontro entre a mensagem bíblica e o pensamento grego não era simples coincidência”[3].

Todo diálogo pressupõe um interlocutor racional, com logos. Desta forma, o diálogo que os filósofos gregos começaram a praticar com o mundo era possível precisamente porque a realidade criada está repleta de racionalidade, de uma lógica muito simples e ao mesmo tempo muito complexa. Este diálogo vinha a encontrar-se, pois, com a afirmação decidida de que o mundo “não é fruto duma qualquer necessidade, dum destino cego ou do acaso”[4], mas de uma inteligência amorosa – um Ser pessoal – que transcende a própria ordem do universo, porque o precede.

O núcleo dos relatos da criação

Não é raro que os relatos da criação no Gênesis sejam percebidos hoje como textos belos e poéticos, cheios de sabedoria, mas no fundo, não estão à altura da sofisticação e a seriedade metodológica que a ciência e a crítica literária e histórica adquiriram com o tempo. No entanto, seria um erro tratar com desdém os nossos antepassados porque não tiveram um microscópio, aceleradores de partículas ou revistas especializadas: esqueceríamos facilmente que talvez sabiam e viam coisas essenciais; coisas que nós podemos ter perdido de vista pelo caminho. Para compreender o que uma pessoa ou um texto querem nos dizer é necessário compreender o seu modo de falar, sobretudo se é diferente do nosso. Neste sentido, convém ter em conta que, nos relatos da criação, “a imagem do mundo emerge sob as letras do autor inspirado com as características das cosmogonias da época”, e é nesse quadro onde Deus insere a novidade específica da sua revelação a Israel e aos homens de todos os tempos: “a verdade sobre a criação de tudo por obra do único Deus”[5].

MESMO NO MEIO DA IMPERFEIÇÃO, DO MAL, DA DOR, O CRISTÃO VÊ EM CADA SER UM PRESENTE QUE SURGE DO AMOR E QUE CHAMA AO AMOR: A DESFRUTAR, A RESPEITAR, A CUIDAR, A TRANSMITIR

Contudo, se responde com frequência que, a noção de criação teve um papel no passado, mas hoje seria ingênuo tentar propor isso novamente. A física moderna e as descobertas sobre a evolução das espécies teriam tornado obsoleta a ideia de um criador que intervém para gerar e dar forma ao mundo: a racionalidade do universo seria, no melhor dos casos, uma propriedade interior à matéria, e falar de outros agentes suporia desafiar a seriedade do discurso científico. No entanto, ao raciocinar deste modo, faz-se de modo inconsciente, uma leitura literalista da Bíblia, que a própria Bíblia descarta. Se, por exemplo, se comparam os dois relatos sobre a criação, situados um após o outro nos dois primeiros capítulos do Gênesis, observam-se diferenças muito claras que não é possível atribuir a um descuido do redator. Os autores sagrados eram conscientes de que não precisavam oferecer uma descrição detalhada e literal sobre como foi a origem do mundo e do homem: procuravam expressar, por meio da linguagem e dos conceitos de que dispunham, algumas verdades fundamentais[6].

Quando se compreende corretamente a linguagem peculiar desses relatos – uma linguagem primitiva, mas cheia de sabedoria e de profundidade –, pode-se identificar o seu verdadeiro núcleo. Falam-nos de uma “intervenção pessoal”[7] que transcende a realidade do universo: antes do mundo existe a liberdade pessoal e a sabedoria infinita de um Deus criador. Por meio de uma linguagem simbólica, aparentemente ingênua, uma profunda pretensão de verdade abre o seu caminho; poderia ser resumida assim: Deus fez tudo isto porque quis[8]. A Bíblia não pretende pronunciar-se sobre os estados da evolução do universo e da origem da vida, mas afirmar “a liberdade da onipotência”[9] de Deus, a racionalidade do mundo que Deus cria, e o seu amor por este mundo. Desta forma se mostra uma imagem da realidade, e de cada um dos seres que fazem parte dela, como “um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos”[10]. A realidade, sob a luz da fé na criação, é marcada em sua própria entranha com o sinal da aceitação. Mesmo no meio da imperfeição, do mal, da dor, o cristão vê em cada ser um presente que surge do Amor e que chama ao amor: a desfrutar, a respeitar, a cuidar, a transmitir.

Marco Vanzini / Carlos Ayxelá

Foto: Kurt K. Kreger (cc)


[1] J. Ratzinger, Dios y el mundo, Random House Mondadori, Barcelona 2002, p. 49.

[2] Francisco, Enc. Laudato si’ (24-V-2015), 77.

[3] Bento XVI, Discurso na Universidade de Regensburg (12-IX-2006).

[4] Catecismo da Igreja Católica, 295.

[5] São João Paulo II, Audiência, 29-I-1986.

[6] Junto a essas razões internas à própria Bíblia, o conhecimento sobre a forma correta de interpretar o texto sagrado também se conseguiu pelo diálogo – não isento de tensões, mas muito frutífero – entre a teologia e a ciência. Nesses longos processos, é frequente que ocorram excessos por ambas as partes, que se alimentam mutuamente: uma leitura fundamentalista da Bíblia, pela qual se pretende fazer que diga mais do que realmente diz, costuma desacreditar o texto sagrado, de modo que a ciência se considera autorizada a dizer mais do que realmente é capaz de dizer sobre a origem e o sentido da realidade.

[7] J. Ratzinger, La fiesta de la fe, Desclée, Bilbao 1999, 25.

[8] Esta convicção estava radicada fortemente na fé de Israel, como mostram as palavras de uma mãe a seu filho, antes do martírio: “Eu te suplico, filho, contempla o céu e a terra e o que neles existe. Reconhece que Deus os fez do que não existia, e que assim também se originou a humanidade” (2 Mc 7, 28).

[9] R. Guardini,La fine dell’epoca moderna. Il potere, Morcelliana, Brescia 1993, 17.

[10] Francisco, Laudato si’, 76.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

Laudate Deum: o apelo final do Papa Francisco para deter a catástrofe climática

Antoine Mekary | ALETEIA
Por I. Media

Em 4 de outubro de 2023, o Papa Francisco publicou a exortação apostólica Laudate Deum ("Louvado seja Deus"), a continuação de sua encíclica Laudato si'. Deciframos este texto de vinte páginas. Veja aqui:

Oito anos após a publicação da encíclica Laudato si’, o Papa Francisco está pedindo aos líderes mundiais que ajam em relação à urgência do aquecimento global em sua exortação apostólica Laudate Deum, publicada em 4 de outubro de 2023. A agência I.MEDIA decifra esse texto altamente político de cerca de vinte páginas que o Papa quis publicar no Dia de São Francisco de Assis, apenas algumas semanas antes da COP 28 em Dubai.

1- Por que o Papa está soando o alarme (novamente)?

“O mundo que nos acolhe está desmoronando e pode estar se aproximando de um ponto de ruptura”. Com quase 87 anos, o pontífice argentino está pegando sua caneta novamente para alertar o mundo sobre a “crise climática global” que o ameaça. Para ele, não se trata mais de “negar”, “esconder”, “ocultar” ou “relativizar” os sinais da mudança climática: “[eles] estão aí, cada vez mais evidentes”.

Criticando as “opiniões desdenhosas e irracionais” que ele diz encontrar sobre o assunto, “mesmo dentro da Igreja Católica”, o Papa se baseia em um grande conjunto de dados científicos para finalmente afirmar: “Não podemos mais duvidar da origem humana […] das mudanças climáticas”.

A acidez dos oceanos, o derretimento das geleiras, o aumento do nível do mar, as secas… o chefe da Igreja Católica lista os sinais de uma “doença silenciosa” que afeta a humanidade e reitera que “a mudança nas temperaturas médias da superfície não pode ser explicada sem o efeito do aumento dos gases de efeito estufa”.

Observando com amargura que “as reações são insuficientes”, ele advertiu mais uma vez: “Não podemos mais impedir o enorme dano que causamos. Só temos tempo para evitar danos ainda mais dramáticos”.

2- A quem o Papa Francisco está se dirigindo?

Para essa 5ª exortação apostólica de seu pontificado, o Papa usa uma fórmula incomum, dirigindo esse texto “a todas as pessoas de boa vontade”. Embora o papa nos garanta, no final do texto, que não quer “deixar de lembrar aos fiéis católicos as motivações que decorrem de sua fé”, ele imediatamente nos lembra que sua exortação também é dirigida aos “irmãos e irmãs de outras religiões”. Portanto, seu público-alvo não são apenas os católicos, mas todos aqueles afetados pelas mudanças climáticas… em outras palavras, todos.

Em comparação, sua primeira exortação Evangelii Gaudium (2013) foi dirigida a “bispos, padres e diáconos, pessoas consagradas e fiéis leigos”. O mesmo público foi alvo da Amoris Laetitia (2016), com a adição das palavras “cônjuges cristãos”. Christus vivit (2019) foi dirigida aos “jovens e a todo o povo de Deus”. Por fim, Querida Amazônia (2020) foi dirigida “ao povo de Deus e às pessoas de boa vontade”.

Pela primeira vez desde 2013, o Papa está publicando uma exortação que não é fruto de um Sínodo, mas de uma intuição pessoal ligada à aproximação da COP28. A linguagem desse documento é, portanto, deliberadamente secular, mais próxima dos discursos dos diplomatas da Santa Sé na ONU do que dos textos anteriores do pontificado, incluindo a Laudato si’, que assumiu um tom mais espiritual e bíblico, com um apelo à conversão de estilos de vida.

Trata-se mais de um apelo internacional, dirigido principalmente aos tomadores de decisão, que são, portanto, “instados” a tomar decisões concretas dentro da estrutura de negociações multilaterais que permitem que todos os Estados, mas também atores não estatais, como as ONGs, expressem suas opiniões.

3- O que ele propõe?

Em sua carta, o Papa Francisco faz um ataque intransigente ao “paradigma tecnocrático” que instalou a “ideologia” do “crescimento infinito” e deu tanto poder a “uma pequena parte da humanidade”. Ele continua criticando as fraquezas do “multilateralismo”, que não deve ser confundido com “autoridade global concentrada nas mãos de uma única pessoa ou de uma elite com poder excessivo”.

Como ele repete regularmente em seus discursos para embaixadores em particular, nessa carta ele defende o estabelecimento de uma nova autoridade mundial “eficaz”, regulada “por lei” e não dependente de “mudanças nas circunstâncias políticas ou dos interesses de alguns”.

Para isso, ele conta com a ação da sociedade civil e dos cidadãos, e afirma: “Se os cidadãos não controlarem o poder político – nacional, regional e municipal -, os danos ambientais também não poderão ser controlados”.

Embora reconheça que “as soluções mais eficazes não virão apenas de esforços individuais, mas, sobretudo, de grandes decisões políticas nacionais e internacionais”, o papa enfatiza a importância da “nova cultura” trazida pelo comportamento doméstico “para poluir menos, reduzir o desperdício e consumir com moderação”. Essas iniciativas, acrescenta, “podem exercer pressão sobre os fatores de poder” e ter “uma dinâmica efetiva que as Nações Unidas não podem alcançar”, explica o pontífice argentino.

4- O que o Papa espera da próxima COP 28?

A redação da encíclica Laudato si’ foi acelerada para que pudesse ser publicada antes da COP 21 em Paris. Desta vez, o Papa Francisco está usando a próxima COP nos Emirados Árabes Unidos como uma oportunidade para aumentar a conscientização. Ele dedica um capítulo inteiro ao assunto com o título: “O que podemos esperar da COP28 em Dubai?

Observando desde o início que o país do Golfo é um “grande exportador de combustíveis fósseis”, o Papa não quer se dar por vencido: dizer que não há nada a esperar seria um ato suicida que exporia toda a humanidade, especialmente os mais pobres, aos piores impactos das mudanças climáticas.

Depois de relembrar os sucessos, mas principalmente os fracassos, das cúpulas anteriores, ele espera “um ponto de virada” em dezembro e estabelece alguns objetivos grandiosos: a introdução de “formas obrigatórias de transição energética”. Elas devem ser “eficazes, obrigatórias e fáceis de monitorar”. “Somente dessa forma concreta será possível reduzir significativamente o dióxido de carbono e evitar os piores males a tempo”, adverte, argumentando que tais medidas restaurariam “a credibilidade da política internacional”.

Ele não está esperando que soluções puramente tecnológicas sejam encontradas para pôr fim à crise. Pelo contrário, ele adverte: “Supor que qualquer problema futuro possa ser resolvido por novas intervenções técnicas é um pragmatismo homicida”.

5- O grito de um Papa do Sul?

Em consonância com muitos dos discursos e textos de seu pontificado, o Papa Francisco está mais uma vez falando em nome do Sul, denunciando fortemente o domínio dos países ricos e seu modelo de desenvolvimento sobre o resto do mundo. “Na tentativa de simplificar a realidade, não falta quem culpe os pobres de terem demasiados filhos e procure resolver o problema mutilando as mulheres dos países menos desenvolvidos”, insiste o pontífice, apontando para as campanhas em favor da contracepção e do aborto regularmente conduzidas pelo Ocidente.

“Mas a realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre de toda a população mundial e que a emissão pro capite dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres. Como esquecer que a África, que alberga mais de metade das pessoas mais pobres do mundo, é responsável apenas por uma mínima parte das emissões no passado?”, escreve o Papa.

Observando que as emissões per capita nos Estados Unidos são cerca de duas vezes maiores do que as de uma pessoa que vive na China, e cerca de sete vezes maiores do que a média dos países mais pobres, Francisco aponta diretamente para a responsabilidade do Ocidente pelas mudanças climáticas. “Podemos afirmar que uma mudança generalizada do estilo de vida irresponsável ligado ao modelo ocidental teria um impacto significativo a longo prazo”, afirma.

Apelando para uma mudança radical, o Papa expressa sua simpatia pelos “acontecimentos” liderados pelos movimentos ambientais. “Por ocasião das Conferências sobre o Clima, chamam frequentemente a atenção as ações de grupos ditos «radicalizados»; mas na realidade eles preenchem um vazio da sociedade inteira que deveria exercer uma sã pressão, pois cabe a cada família pensar que está em jogo o futuro dos seus filhos”, insiste o Papa.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Conheça o santo apelidado de “ladrão do purgatório”

São JoãoMacias (Lawrence OP | Flickr CC BY-NC-ND 2.0)

Por Philip Kosloski

São João Macías, amigo de São Martinho de Lima, é frequentemente retratado "roubando" almas do purgatório com o seu rosário.

Leigo dominicano do século XVI, São João Macías era amigo de São Martinho de Lima e o ajudava nas tarefas diárias. Uma das principais funções de João, ou Juan, era ir ao encontro dos pobres que chegavam ao seu convento peruano em busca de assistência material ou espiritual – muitas vezes, mais de duzentas pessoas por dia.

Além da sua disposição alegre e do seu ânimo incentivador, João Macías se tornou conhecido pela natureza às vezes milagrosa de seu serviço aos pobres. Todos sabiam que ele trabalhava muito para angariar donativos e depois distribuí-los. De fato, muitas vezes voltava de mãos vazias quando ia tentar obter ajudas, mas ainda assim, de alguma forma, conseguia jamais negar ajuda a ninguém.

São JoãoMacias
São JoãoMacias

Oração entre santos

A sua amizade com São Martinho de Lima (também chamado de São Martinho de Porres), outro santo da ordem dominicana, acabaria por levá-los a uma cerimônia de beatificação conjunta.

Os dois se encontravam frequentemente nas rondas diárias pela cidade e se tornaram grandes amigos espirituais. Eram fonte constante de incentivo um para o outro. Em 1837, foram beatificados juntos, pelo Papa Gregório XVI.

Durante a sua vida, São João Macías rezou frequentemente o rosário pelas almas do purgatório, como explica a Confraria dos Intercessores pelas Almas do Purgatório no seu site.

A iconografia, de fato, representa São João Macías libertando as almas do purgatório com o terço, que ele sempre manteve consigo como herança da mãe. Devido à sua constante oração mariana pelas almas do purgatório, seus biógrafos o chamam de “ladrão do purgatório” – e os artistas católicos frequentemente o retratam “roubando” almas do purgatório com o seu rosário.

Seu exemplo nos recorda a necessidade de orar por essas almas, bem como nos lembra do poder desta oração de intercessão.

No mês de outubro, dedicado ao santo rosário, temos uma excelente oportunidade para exercer esta magnífica obra de misericórdia. As almas que chegarem ao céu certamente retribuirão, intercedendo por nós que ainda estamos neste mundo.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Agostinho e a liberdade (6/6)

Agostino encontra os notáveis ​​milaneses (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 06/2002

Agostinho e a liberdade

O relatório do Arcebispo de Argel da Universidade de Pádua de 24 de maio, no final da série de conferências sobre a atualidade de Santo Agostinho.

por Henri Teissier

Livre arbítrio, onipotência divina e salvação pela graça

O tema teológico da “liberdade em Agostinho” seria o ponto central do debate proposto nesta conferência. Na realidade localizei este aspecto da nossa reflexão no final da minha intervenção, pois trata-se de um problema filosófico-teológico. Deve-se esclarecer também que, por enquanto, a reflexão sobre Agostinho na Argélia não atingiu este nível. As questões de identidade dominaram o campo com seus argumentos históricos.

Pode Agostinho ser considerado um ancestral da Argélia apesar de ser cristão e de se expressar em latim? Ele poderá encarnar a figura de um herói nacional quando toda a sua vida se passa dentro do Império Romano? Como vimos, até agora o interesse da Argélia está fora da reflexão teológica de Agostinho. A nossa busca pela relevância de Agostinho neste campo será, portanto, limitada; no entanto, podemos partir da conferência pública realizada pelo Cardeal Duval em 1987.

A primeira parte do seu texto intitulava-se “Livre arbítrio, prerrogativa essencial do homem”. O cardeal assumiu brevemente as posições de Agostino no De libero ordininio, um tratado iniciado, como se sabe, em Roma, mas terminado em África. Ele esclareceu algumas posições de Agostinho a respeito das ideias dos astrólogos, tema que foi retomado na conversa de Argel. Sabe-se, de facto, que a visão tradicional muçulmana permanece caracterizada por uma certa submissão ao destino. Duval relatou a Evodius a frase de Agostinho: "Existe alguma coisa que dependa mais da vontade do que a própria vontade?" ( De livre arbítrio I, 12, 26).

Posteriormente, o Cardeal Duval passou a outro nível, não mais filosófico como o problema do livre arbítrio, mas sim teológico, com a questão da graça e da liberdade. Ele abordou a questão a partir de sua concepção espiritual, que era uma concepção agostiniana: «Em que consiste sobretudo a atividade daquilo que Agostinho chama libertas ? No fato de que Deus que é amor transforma a vida do homem para que seja um exercício de amor”.

A distinção de níveis entre o nível filosófico e o nível teológico de uma questão nem sempre é fácil de perceber nas análises da imprensa argelina. É por esta razão que a reportagem sobre a conferência dos cardeais sobre Algérie Actualité, Mustafa Cherif disse: «A defesa dos direitos humanos, crentes ou não, baseia-se na ideia fundamental do livre arbítrio. Princípio que faz do homem quando realiza a vontade divina através da liberdade que se exerce pela graça segundo a teoria cristã”(21).

Neste julgamento vemos que é difícil, num contexto muçulmano, distinguir o problema do “livre arbítrio” enfrentado por Agostinho no início da sua vida, especialmente devido ao maniqueísmo, do problema da graça e da liberdade que surgiria da crise pelagiana. O primeiro problema deve ser colocado a um nível fundamentalmente filosófico e, até certo ponto, é um problema comum às sociedades de cultura muçulmana e de cultura cristã. O segundo é um problema teológico mais especificamente cristão, pois se situa num nível que deveria ser definido como o nível do sobrenatural. Um dos jornalistas que cobriu este tema traduz a palavra “graça” para o árabe como “perdão”, sintoma da dificuldade de entrar no vocabulário teológico propriamente cristão.

A conversa sobre Santo Agostinho incluiu também um debate sobre livre arbítrio, graça e liberdade. Deveria ser introduzido por uma conferência sobre este problema abordado a partir de uma perspectiva islâmica. O discurso foi apresentado pelo professor Bouamrane Cheikh com o título “Predestinação e livre arbítrio no Islã”. Mas esta questão não suscitou qualquer debate nem na sala nem na imprensa.

O professor Otto Wermelinger abordou o mesmo tema a partir de uma perspectiva cristã com o título “Decisões do Conselho Africano de 418 sobre Graça e Liberdade Apresentadas por Agostinho a Bonifácio, Bispo de Roma”. Ele colocou a ação da graça onde o Cardeal Duval a colocou: a inspiração do amor divino. Para Agostinho, diz Wermelinger, «a graça é uma ajuda eficaz que ilumina o intelecto e transforma. O amor divino é tal que Deus toca o coração do homem”. Conclusões Assim, uma sociedade muçulmana começou a assimilar uma figura cristã emblemática na sua herança. É um ponto de partida. Muitos argelinos ainda não se sentem suficientemente livres em relação à sua história, a ponto de nela incluir um cristão de cultura latina.

Mas, aos poucos, personalidades corajosas conseguiram restaurar a liberdade de Agostinho na sociedade de suas origens. Este é um trabalho longo, ainda em andamento. Com efeito, é necessário libertar Agostinho dos preconceitos que alteram a sua imagem e fazem dele um agente do Estado romano e da sua expansão cultural. Uma vez iniciado este trabalho, a reflexão na Argélia deverá libertar-se apenas dos problemas de identidade para olhar para as questões fundamentais que Agostinho coloca e que têm significado para todos os homens: o problema do mal, a relação entre o homem e Deus, o, a ação de Deus na história e na história das ações do homem, e muitos outros temas que Agostinho aborda com sua típica paixão e rigor intelectual.

Agostinho e liberdade, do ponto de vista da Argélia, significa antes de tudo a liberdade dos argelinos diante de Agostinho, da sua pessoa, da sua mensagem. Muitos ainda não têm essa liberdade. Mas muitos também, usando a sua liberdade, reconhecem Agostinho como mestre para a sua vida, na sua identidade de muçulmanos e expressam a alegria de saber que este Mestre é originário do seu país.

Um belo testemunho neste sentido é-nos oferecido por Kamal Mellouk, este cidadão de Tagaste-Souk Ahras de quem já falámos várias vezes. Afirma «que quer aprofundar a sua relação com Agostinho para um melhor conhecimento, através do seu itinerário espiritual, do seu próprio itinerário rumo Àquele para quem fomos feitos, Aquele que nos orientou para Ele». Depois acrescenta: «Santo Agostinho é hoje e sempre será nosso companheiro de viagem. Senti que ele tinha um sentido de interioridade e sobretudo a agudeza das suas respostas a problemas que ainda hoje são os nossos. Quando descobri que as Confissões são o diálogo que Agostinho estabelece com Deus, fiquei particularmente impressionado. As Confissões, o livro que está sempre na minha mesa de cabeceira, está repleto, do começo ao fim, da presença do Criador. É também uma longa e comovente carta aberta a Deus, que Agostinho deixa a quem quiser lê-la, para que todos possam ver a graça divina em ação”.

Aqui está um aspecto notável da relevância de Agostinho na Argélia de hoje e um testemunho da liberdade de um argelino muçulmano na sua relação com a mensagem de Agostinho.

__________
21 M. Cherif, Religion et liberté selon l'Augustin algérien , em Algérie Actualité , 5-11 de fevereiro de 1987.

Fonte: http://www.30giorni.it/

Papa: se deixarmos espaço para o Espírito Santo, o Sínodo correrá bem

Papa Francisco no Sínodo (Vatican Media)

Na abertura dos trabalhos da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo sobre a Sinodalidade, que começou hoje (04) no Vaticano, o Papa Francisco recordou que “se o Espírito Santo estiver no comando, será um bom sínodo, e se Ele não estiver, não será”.

https://youtu.be/bacTpEKS5mQ

Thulio Fonseca – Vatican News

Na tarde desta quarta-feira, 04 de outubro, na Sala Paulo VI, no Vaticano, teve inicio a primeira Congregação Geral da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, com a presença do Papa, que de forma espontânea discursou aos participantes.

Francisco iniciou recordando “que foi São Paulo VI quem disse que a Igreja no Ocidente tinha perdido esta ideia de sinodalidade, e por isso criou o secretariado do Sínodo dos Bispos, que realizou muitos encontros, muitos sínodos sobre temas diferentes”.

Ao discorrer sobre o conceito de sinodalidade, o Santo Padre observou que este ainda não atingiu pleno amadurecimento e não é amplamente compreendido dentro da Igreja. No entanto, ele destacou que ao longo de quase seis décadas, a Igreja tem gradualmente trilhado esse caminho, "e hoje podemos chegar a este Sínodo com este tema”. De acordo com o Pontífice, esse enfoque surgiu através dos bispos de todo o mundo. Após o Sínodo da Amazônia, um questionário foi enviado às dioceses, e a questão da sinodalidade emergiu como um tema amplamente evidenciado e apoiado pela grande maioria dos bispos.

Não somos um parlamento

“O Sínodo não é um parlamento, é outra coisa; o Sínodo não é uma reunião de amigos para resolver algumas questões atuais ou dar opiniões, é outra coisa. Não esqueçamos, irmãos e irmãs, que o protagonista do Sínodo não somos nós: é o Espírito Santo”, enfatizou Francisco.

O Papa então sublinhou a importância da presença do Espírito Santo, que traz harmonia a comunidade eclesial, e que deve guiar o Sínodo. E em seguida fez um alerta aos participantes: “se entre nós houver outras formas de avançar pelos interesses humanos, pessoais, ideológicos, não será um Sínodo, será uma reunião parlamentar”.

A harmonia do Espirito Santo

“Se neste Sínodo chegarmos a uma declaração que é tudo igual, sem nuances , o Espírito não está aqui, ficou do lado de fora” destacou o Santo Padre ao afirmar que  a Igreja é composta de uma única harmonia de vozes que são conduzidas pelo Espírito Santo: “é assim que devemos conceber a Igreja, cada comunidade cristã, cada pessoa tem a sua peculiaridade, mas estas particularidades devem ser incluídas na sinfonia da Igreja, e esta sinfonia é criada somente pelo Espírito”.

Francisco destacou ainda que o Espírito Santo nos conduz pela mão e nos consola: “a presença do Espírito é assim – permitam-me a palavra – quase materna, como uma mãe nos conduz, nos dá esta consolação. Devemos aprender a ouvir as vozes do Espírito: são todas diferentes. Aprendamos a discernir”.

Atenção às palavras

Outro alerta do Papa foi sobre as palavras vazias e mundanas: "a tagarelice é contrária ao Espírito Santo e é uma doença muito comum entre nós. Palavras vazias entristecem o Espírito Santo, e se não permitirmos que Ele nos cure dessa enfermidade, será difícil seguir um caminho sinodal adequado. Pelo menos aqui: se você discorda do que um bispo, uma freira ou um leigo estão dizendo, seja franco com eles. Isso é o que significa um Sínodo: falar a verdade, não ter conversas por baixo da mesa."

“Cuidado com isso: não devemos ocupar o lugar do Espírito Santo com coisas mundanas, mesmo que sejam boas, como o bom senso. Isso é útil, mas o Espírito Santo vai além. Devemos aprender a viver em nossa Igreja com a orientação do Espírito Santo.”

Mensagem aos jornalistas

Francisco relembrou como a controvérsia e a pressão da mídia se sobrepuseram às discussões em Sínodos anteriores. "Quando ocorreu o Sínodo sobre a família, houve uma opinião pública de que a comunhão deveria ser concedida aos divorciados, e isso influenciou o Sínodo. Quando aconteceu o Sínodo para a Amazônia, havia pressão e opiniões públicas sobre a ordenação de homens casados."

Agora", disse o Papa, "existem algumas suposições sobre este Sínodo: 'O que eles vão fazer? Talvez permitir o sacerdócio para as mulheres.' Eu não sei, essas são as coisas que estão sendo ditas lá fora. E essas coisas são ditas com tanta frequência que os bispos às vezes têm medo de comunicar o que está acontecendo." Por isso, o Pontífice se dirigiu diretamente aos "comunicadores", pedindo que desempenhem bem o seu papel, com integridade e imparcialidade.

“Portanto, peço a vocês, comunicadores, que cumpram bem o seu papel, com integridade, para que a Igreja e as pessoas de boa vontade, compreendam que também na Igreja a prioridade é a escuta. Transmitam essa mensagem, pois é de extrema importância.”

Francisco encerrou seu discurso expressando profunda gratidão a todos que contribuem para este momento de pausa e reflexão, onde a Igreja se dedica à escuta durante o Sínodo, enfatizando que, em sua perspectiva, isso representa o aspecto mais significativo e essencial do processo sinodal.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

A intercessão de Maria e Papa Francisco

Papa Francisco reza diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima, 12/05/17 (Vatican Media)

“Retira o sol e onde estaria o dia? Tira Maria e o que restará, senão a noite mais escura?”; “Lembre-se que neste mundo te jogam para um mar agitado; você não está caminhando sobre terra firme. Lembre-se que se não quiser se perder no mar, você deve manter os olhos fixos na estrela brilhante e chamar Maria”. (São Bernardo de Claraval)

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

“E assim começamos a rezar a Ela com algumas expressões que lhe são dirigidas, presentes nos Evangelhos: “cheia de graça”, “bendita sois vós entre as mulheres”. Em breve, à oração da Ave-Maria seria acrescentado o título “Theotokos”, “Mãe de Deus”, sancionado pelo Concílio de Éfeso. E, analogamente ao que acontece no Pai-Nosso, depois do louvor acrescentamos a súplica: pedimos à Mãe que reze por nós, pecadores, para que interceda com a sua ternura, “agora e na hora da nossa morte”. Agora, nas situações concretas da vida, e no momento final, a fim de que nos acompanhe - como Mãe, como primeira discípula - na passagem para a vida eterna. (Papa Francisco)”

"Rezar em comunhão com Maria": este foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral de 24 de março de 2021, transmitida da Biblioteca do Palácio Apostólico devido à pandemia. "Maria- reiterou ele -  está sempre presente, ao nosso lado, com a sua ternura maternal". E recordava, que "da mediação única de Cristo adquirem significado e valor as outras referências que o cristão encontra para a sua oração e devoção, em primeiro lugar à Virgem Maria, Mãe de Jesus. Ela ocupa um lugar privilegiado na vida e, portanto, também na oração do cristão, porque é a Mãe de Jesus (...). Na iconografia cristã a sua presença está em toda a parte, às vezes até com grande destaque, mas sempre em relação ao Filho e em função d'Ele. As suas mãos, o seu olhar, a sua atitude são um “catecismo” vivo e indicam sempre o âmago, o centro: Jesus. Maria está totalmente voltada para Ele".

Depois de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje uma reflexão sobre "Intercessão de Maria e Papa Francisco":

"O Capítulo oitavo da Lumen Gentium é dedicado a Maria, mergulhada na identidade e missão da Igreja. Nesse capitulo, em relação à Maria, o documento conciliar usa o termo “multiforme intercessão”. No número 62 da Lumen Gentium fala dessa intercessão de Maria Santíssima com as seguintes palavras: “Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até à consumação eterna de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada”. Maria, portanto, continua a alcançar aos seus filhos os dons da salvação eterna, pelos méritos não dela, mas de seu único Filho Salvador.

O Papa Francisco, em seu primeiro livro, ensaiando alguns temas de suas encíclicas e seu Pontificado, escreve assim sobre a Intercessão de Maria, num subtítulo em que dá esse destaque: “Na cruz, quando Cristo suportava em sua carne o dramático encontro entre o pecado do mundo e a misericórdia divina, pode ter a seus pés a presença consoladora da Mãe e do amigo. Naquele momento crucial, antes de declarar consumada a obra que o Pai lhe havia confiado, Jesus disse à Maria: “Mulher, eis o teu filho”. E logo a seguir, disse ao amigo bem amado: “Eis a tua mãe”. Essas palavras de Jesus, no limiar da morte, não exprimem primeiramente uma terna preocupação com sua mãe; mas são, antes, uma fórmula de revelação que manifesta uma missão salvadora especial. Jesus nos deixava a Sua mãe como nossa mãe. Esó depois de fazer isso é que pode sentir que “tudo se consumara”. Ao pé da cruz, na hora suprema da nova criação, Cristo nos conduz a Maria; nos conduz a Ela, porque não quer que caminhemos sem uma mãe; e, nesta imagem materna, o povo lê todos os mistérios do Evangelho. Não é do agrado do Senhor que falte à sua Igreja o ícone feminino”(p. 108).

Há um fato bíblico inegável onde vemos claramente a intercessão de Nossa Senhora para que o primeiro milagre de Cristo acontecesse, ou seja, nas bodas de Caná da Galileia, onde por intermédio do pedido da mãe, Cristo antecipa a sua hora de agir transformando água em vinho. O primeiro milagre de Jesus foi realizado depois de um pedido de Sua mãe. Foi numa festa de casamento e o olhar atento e feminino de Maria percebeu que o vinho estava no fim (João 2, 1-12). A princípio Jesus respondeu que sua hora ainda não havia chegado, mesmo assim ela disse aos que estavam servindo: “Fazei o que Ele vos disser”. Como ela intercedeu naquelas bodas da festa de um casamento, continua a interceder pela sua Igreja e por todos os seus filhos, recebidos ao pé da cruz por Jesus que entregou sua Mãe como Mãe da Igreja e da humanidade inteira. Nas Catacumbas de São Pedro e São Marcelino há uma pintura de Pedro e Paulo com Maria ao centro com as mãos erguidas ao céu em oração, sugerindo a intercessão da Mãe pela Igreja Primitiva, fundada nessas colunas de Pedro e Paulo.

Nas palavras de São Bernardo de Claraval: “Retira o sol e onde estaria o dia? Tira Maria e o que restará, senão a noite mais escura?”; “Lembre-se que neste mundo te jogam para um mar agitado; você não está caminhando sobre terra firme. Lembre-se que se não quiser se perder no mar, você deve manter os olhos fixos na estrela brilhante e chamar Maria”. Santo Afonso de Ligório, um grande doutor da Igreja e conhecido pela sua profunda devoção à Santíssima Mãe, escreveu uma obra importantíssima: As glórias de Maria. Nela, ele disse: “Se Assuero salvou os judeus porque amava Ester, como pode Deus, que ama Maria imensamente, não ouvi-la quando ela ora pelos pecadores que se recomendam a ela?” Que a resposta a essa pergunta possa fazer questionar a nossa mente e coração."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF