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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Fé, verdade e cultura (3/8)

Fé, verdade e cultura (Presbíteros)

Fé, verdade e cultura

Por Joseph Ratzinger

Quando a escrita, o escrito, é convertido em barreira que oculta o conteúdo, transforma-se numa antiarte, que não torna o homem mais sábio, mas o leva a extraviar-se numa sabedoria falsa e doente. Por isso, em face do “giro linguístico”, A. Kreiner adverte com razão: “O abandono da convicção de que se pode remeter com meios linguísticos a conteúdos extralinguísticos equivale ao abandono de um discurso que de algum modo ainda estava cheio de sentido”. E sobre esta mesma questão João Paulo II comenta na Encíclica Fides et ratio: “A interpretação desta Palavra (a de Deus) não pode levar-nos de interpretação em interpretação, sem nunca chegarmos a descobrir uma afirmação simplesmente verdadeira”. O homem não está aprisionado na sala de espelhos das interpretações; pode e deve buscar o acesso ao real, que está além das palavras e se lhe revela nas palavras e através delas.

Aqui chegamos ao ponto central da discussão da Fé cristã com determinado tipo de cultura moderna, que gostaria de ser considerada como a cultura moderna sem mais, mas que, felizmente, é apenas uma variedade desta. Isto fica muito claro, por exemplo, na crítica que o filósofo italiano Paolo Flores d’Arcais fez à Encíclica Fides et ratio.

Como a Encíclica insiste na necessidade da questão da verdade, comenta esse pensador que “a cultura católica oficial (isto é, a Encíclica) já não tem nada que dizer à cultura «enquanto cultura»…”. Mas isso significa também que a pergunta pela verdade estaria fora da cultura “enquanto cultura”. Nesse caso, porém, essa tal cultura “enquanto cultura” não seria antes uma anticultura? E não seria a sua presunção de ser “a cultura sem mais” uma presunção arrogante e que despreza o ser humano?

Fica evidente que é exatamente disso que se trata quando Flores d’Arcais acusa a Encíclica de ter conseqüências mortíferas para a democracia e identifica o seu ensinamento com o tipo “fundamentalista” do Islã. Comentando o fato de o Papa ter qualificado como carentes de validade autenticamente jurídica as leis que permitem o aborto e a eutanásia, argumenta: quem se opusesse dessa forma a um Parlamento eleito e tentasse exercer o poder secular com uma máscara eclesial, mostraria que o selo do dogmatismo católico permanecerá essencialmente estampado no seu pensamento.

Semelhantes afirmações pressupõem que não pode haver nenhuma instância acima das decisões da maioria. A maioria conjuntural converte-se num absoluto. Porque, de fato, volta-se a cair num absoluto, algo inapelável. Estamos expostos ao domínio do positivismo e à absolutização do conjuntural, do manipulável. Se o homem se põe fora da verdade, necessariamente passa a estar submetido ao conjuntural, ao arbitrário. Por isso, não é “fundamentalismo”, e sim um dever de humanidade proteger o homem contra a ditadura do conjuntural convertido em absoluto e devolver-lhe a sua dignidade, que consiste justamente em que nenhuma instância humana pode dominá-lo porque está aberto à própria verdade. Precisamente pela sua insistência na capacidade do homem para a verdade, a Encíclica é uma apologia sumamente necessária da grandeza do homem contra tudo o que pretende apresentar-se como a cultura tout court.

Naturalmente, é difícil voltar a dar carta de cidadania à questão da verdade no debate público, por causa do cânon metodológico que hoje se impôs como selo de garantia de cientificidade. Por isso é necessário um debate fundamental sobre a essência da Ciência, sobre a verdade e o método, sobre a tarefa que cabe à Filosofia e sobre os possíveis caminhos que ela pode trilhar.

O Papa não considerou que era tarefa sua tratar na Encíclica da questão – totalmente prática – de se a verdade pode chegar a ser novamente científica, e como. Mas mostra por que devemos acometer essa tarefa. Não quis realizar ele mesmo a tarefa dos filósofos, mas cumpriu a tarefa de denunciar e advertir-nos contra aquilo que é uma tendência autodestrutiva da “cultura enquanto tal”. Aliás, justamente essa chamada de atenção é um ato autenticamente filosófico, que revive no presente a origem socrática da Filosofia e com isso mostra a potência filosófica contida na Fé bíblica.

Opõe-se à essência da Filosofia um certo tipo de cientificidade que barra o caminho para a questão da verdade, ou mesmo a torna impossível. Essa autoclausura, esse apoucamento da razão não pode ser a norma da Filosofia, nem a Ciência como um todo pode tornar impossíveis as perguntas que são próprias do homem, sem as quais a própria Ciência converte-se num ativismo vazio e, no fim das contas, perigoso. O papel da Filosofia não é o de submeter-se a um cânon metodológico qualquer, por ser ele legítimo para certos setores do pensamento. Sua tarefa tem de ser justamente a de pensar a cientificidade como um todo, conceber criticamente a sua essência e – de maneira racionalmente responsável – ir mais além, rumo àquilo que lhe dá sentido.

A Filosofia tem de perguntar-se sempre sobre o homem, e portanto questionar-se sempre sobre a vida, sobre a morte, sobre Deus e sobre a eternidade. Para isso, terá de servir-se hoje, antes de mais nada, dos becos sem saída aos quais chega aquele tipo de cientificidade que afasta o homem de tais questões. E partindo dessas aporias – que a nossa sociedade põe à mostra – tentar sempre abrir novamente o caminho rumo ao que é necessário, e rumo àquilo que se faz necessário.

Na história da Filosofia moderna não faltaram tentativas como essa – também hoje em dia há suficientes ensaios promissores -, visando abrir outra vez a porta para a questão da verdade: uma porta para além da linguagem que gira sobre si mesma. Nesse sentido, a chamada da Encíclica é sem dúvida crítica para com a nossa situação cultural atual, mas ao mesmo tempo está em profunda união com os elementos essenciais do esforço intelectual da Idade Moderna.

A confiança em buscar a verdade e encontrá-la nunca é anacrônica. É justamente essa confiança que mantém o homem na sua dignidade, que rompe os particularismos e une as pessoas – ultrapassando os limites culturais -, em virtude da sua comum dignidade.

Joseph Ratzinger

Fonte: Site interrogantes.net

Link: http://www.interogantes.net

Tradução: Quadrante

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Maria e o advento

 

"Maria é o Advento! Que o seu Advento seja como o de Maria!" (Vatican Media)

Dom Hilário Moser, SDB, bispo emérito de Tubarão/SC, propõe uma reflexão sobre Maria, neste dia em que se celebra a solenidade de sua Imaculada Conceição: "Em Maria, a presença da Santíssima Trindade a tornou um paraíso de bênçãos, um mar de vida divina, mais do que todos os santos e as santas do céu."

Dom Hilário Moser, SDB - bispo emérito de Tubarão/SC

Você sabe, o Advento é o tempo litúrgico que nos prepara para o santo Natal: dura quatro semanas, nas quais têm importância particular os quatro domingos que dão início a cada uma delas. O segundo domingo do Advento ocorre sempre nas proximidades da festa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora (8 de dezembro).

A figura de Maria Imaculada, no Advento, merece lugar especial, pois, de certa forma, Ela é o Advento. Por quê? Porque ninguém melhor do que Ela esperou a chegada do Filho de Deus que trazia em seu seio. Ninguém melhor do que Ela se preparou para acolher o Filho de Deus.

Se, ao nascer, Jesus foi posto numa manjedoura de animais no interior de uma gruta fria e sombria, ao ser concebido, Ele encontrou um “lugar” bem melhor, bem mais puro, bem mais santo: o seio da Virgem de Nazaré. O Filho de Deus foi a única pessoa que pôde escolher a própria Mãe. Escolheu-a e a preparou para cumprir essa missão sublime.

Vindo ao mundo a fim de destruir o domínio do diabo e do pecado, não teria sentido o Filho de Deus ser concebido por mulher manchada pelo pecado (o pecado original). A morte de Cristo na cruz nos resgatou a todos nós do pecado. Resgatou também Maria, mas de forma diferente.

Nós, que nascemos com a mancha do pecado original, somos purificados do pecado por meio do batismo, pelo qual são aplicados a nós os méritos de Jesus morto na cruz. Maria também foi resgatada, mas por antecipação, isto é, impedindo que o pecado a manchasse: por isso Ela é chamada a Imaculada Conceição. Isenta de toda mancha de pecado, Ela também é cheia de graça, isto é, repleta dos dons de Deus. Em outras palavras, em Maria, a presença da Santíssima Trindade a tornou um paraíso de bênçãos, um mar de vida divina, mais do que todos os santos e as santas do céu. Esta é Maria que, no Advento, vemos caminhar para Belém à espera do nascimento do Salvador do mundo.

Como Maria se terá preparado para esse momento sublime? Sem dúvida pela atenção à Palavra de Deus, pela oração, pelo amor ao Filho de Deus que trazia em seu seio. É isto que também se espera de todos nós na preparação (Advento) do santo Natal.

Advento é tempo de ouvir com mais atenção a Palavra de Deus, de aumentar a entrega à oração, de crescer no amor ao Filho de Deus que quer nascer dentro de nós, de ampliar a fraternidade para com os irmãos e as irmãs de Jesus que são todos os seres humanos.

Tome Maria como exemplo, como modelo. Ponha-se a seu lado, caminhe com Ela e vá aprendendo a se preparar para acolher Jesus que vem. O Natal sem Jesus não tem sentido. O Natal sem Maria não é bem celebrado. Maria é o Advento! Que o seu Advento seja como o de Maria!

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

NAZARENO: O vinho que termina... (As Bodas de Caná) - (12)

Nazareno (Vatican Media)

Cap. 12 - O vinho que termina... (As Bodas de Caná)

Jesus e os discípulos chegam para a festa de casamento. Maria já está em Caná há alguns dias para ajudar a noiva. Todos estão se preparando para a refeição, e um amigo do noivo, um trabalhador de couro, mas designado "mestre de mesa", é o responsável. A procissão nupcial passa pelas ruas do vilarejo em meio a cantos, aclamações e bênçãos. Em casa, o banquete começa, mas em um determinado momento Maria percebe que não há vinho. Ela se volta para Jesus, que responde: “Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”. O olhar de Jesus está cheio de amor por sua mãe e, apesar dessa resposta, já está claro que ele se renderia a ela. Ela diz aos servos que façam o que ele disser. Jesus mandou encher as ânforas com água, que imediatamente transforma em vinho. Tudo acontece em poucos minutos, sem que os convidados percebam. Saindo de Caná, Jesus e seus discípulos seguem para Cafarnaum.

https://media.vaticannews.va/media/audio/s1/2023/10/12/16/137360800_F137360800.mp3

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Imaculada Conceição: o dogma que a Virgem Maria confirmou pessoalmente

Imaculada Conceição | Public Domain

Por Reportagem local - publicado em 21/07/20

Como é que poderia aquela pobre menina saber que, quatro anos antes, tinha sido promulgado o dogma pelo papa Pio IX? Ela nem sabia o que significava "conceição"!

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O ano era 1858. No sopé dos Pirineus, na França, “uma pequena moça” apareceu para a adolescente Bernadette Soubirous, de 14 anos, durante uma série de visões que durou cinco meses, de fevereiro a julho.

A “Senhora” pediu que fizéssemos penitência pela conversão dos pecadores e que fosse construído um santuário em cima do depósito de lixo em que as aparições ocorriam.

Bernadette, a menina asmática da família mais pobre da cidade, virou objeto imediato de descrédito. Perseverante apesar do escárnio e da suspeita, Bernadette aprendeu a obediência naquela que o papa Pio XII chamaria de “Escola de Maria”.

Graças à sua submissão às orientações da Senhora, brotou no local uma fonte cujas águas dotadas de poderes de cura realizaram vários milagres já confirmados.

A menina retransmitiu ao pároco o pedido da Senhora para que fosse construída uma capela sobre a gruta. Ele inicialmente rejeitou o pedido, mas, depois de algum tempo, a baixa instrução de Bernadette acabou servindo para confirmar a autenticidade daqueles eventos sobrenaturais e dos complexos conceitos envolvidos neles.

É que a “Senhora” tinha se apresentado a Bernardette declarando: “Eu sou a Imaculada Conceição”!

Ora, como é que poderia aquela pobre menina saber que, quatro anos antes, tinha sido promulgado pelo papa Pio IX o dogma da Imaculada Conceição? Ela nem sequer sabia o que a palavra “conceição” significava!

As autoridades locais queriam impedir as multidões de visitar o local. Tentavam forçar uma condenação por parte do bispo, que criou uma comissão de investigação. Quatro anos mais tarde, as aparições foram declaradas autênticas e, em 1876, a basílica sobre a gruta foi consagrada.

Graças às aparições em Lourdes, o dogma da Imaculada Conceição se tornou assunto de discussão comum e ajudou a espalhar uma compreensão da lógica divina ao preservar Maria da mancha do pecado.

Bernadette morreu num convento, escondida do mundo, vinte e um anos depois da última aparição. Seu corpo permaneceu incorrupto internamente, mas não sem defeitos exteriores; durante a terceira exumação, em 1925, revestimentos de cera foram colocados em seu rosto e em suas mãos antes que o corpo fosse transferido para um relicário de cristal, naquele mesmo ano.

Para os católicos, os santos incorruptos ajudam a contemplar o quanto a iluminação divina consegue elevar um ser humano a um estado tal de santidade que as próprias células destinadas ao pó permanecem preservadas.

O dogma

Em 8 de dezembro de 1854, o papa Pio IX proclamou, com a bula “Ineffabilis Deus”, o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria, ou seja, que Nossa Senhora foi preservada por Deus, desde o instante da sua concepção, pelos méritos da redenção de Cristo, do pecado original que mancha todos os homens devido à transgressão de Adão, a fim de preparar a mais perfeita Mãe para o seu Filho.

A definição do dogma da Imaculada Conceição constituiu um longo caminho de discernimento, no qual o “sensus fidelium” teve um papel muito importante. De fato, o sentir do povo fiel esteve à frente da formulação do dogma já desde os primeiros séculos do cristianismo.

O povo cristão acreditou e defendeu intensamente a verdade da pureza de Maria desde os inícios, sobretudo no Oriente, onde os Padres da Igreja a definiam como a “Panaghia”, a toda santa, santificada pelo Espírito Santo, “lírio puríssimo”, “imaculada”.

O dogma da Imaculada levou à culminação um longo caminho de discernimento teológico e doutrinal da Igreja e foi recebido com grandes festejos, adquirindo, poucas décadas depois, o caráter de solenidade com vigília, como as grandes festas do calendário cristão.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Fé, verdade e cultura (2/8)

Fé, verdade e cultura (Presbíteros)

Fé, verdade e cultura

Por Joseph Ratzinger

1. AS PALAVRAS, A PALAVRA E A VERDADE

Num livro de sucesso publicado nos anos quarenta, Cartas do diabo ao seu sobrinho, o escritor e filósofo C.S. Lewis mostrou magnificamente como não é moderno perguntar pela verdade. O livro compõe-se de cartas fictícias de um demônio superior, Screwtape, que dá lições a um principiante na arte de seduzir o homem, instruindo-o quanto ao modo correto de proceder. O demônio pequeno tinha manifestado aos seus superiores a preocupação de que justamente os homens mais inteligentes poderiam ler os livros dos sábios antigos e descobrir assim os rudimentos da verdade. Screwtape tranquiliza-o esclarecendo que os espíritos infernais felizmente conseguiram persuadir os eruditos do mundo ocidental a aderir ao “ponto de vista histórico”, o que significa que “a única questão que com certeza nunca levantarão é a relativa à verdade do que leram; em vez disso, perguntar-se-ão sobre as repercussões e as influências recíprocas, sobre a evolução do escritor estudado, sobre a história da sua autoridade e outras coisas desse tipo”.

Josef Pieper, que reproduz essa passagem de C.S. Lewis no seu tratado sobre a interpretação, assinala a esse respeito que as edições de Platão ou de Dante, por exemplo, nos países dominados pelo comunismo, antepunham ao texto uma introdução que pretendia proporcionar ao leitor uma compreensão histórica e assim excluir a questão da verdade. Uma cientificidade exercida dessa forma torna os espíritos imunes à verdade. A questão de saber se o que foi dito pelo autor é ou não verdadeiro, e em que medida, seria uma questão “não-científica”; tirar-nos-ia do campo do demonstrável e do verificável e nos faria recair na ingenuidade do mundo pré-crítico. Deste modo, neutraliza-se também a leitura da Bíblia: podemos explicar quando e em que circunstâncias surgiu determinado texto, e assim conseguimos classificá-lo dentro do “histórico”, que no fim das contas não nos afeta.

Por trás desse modo de interpretação histórico, há uma filosofia, uma atitude apriorística ante a realidade, que nos diz: não faz sentido perguntar sobre o que é, só podemos perguntar-nos sobre o que podemos fazer com as coisas. A questão não é a verdade, mas a práxis, o domínio das coisas para nosso proveito. Diante dessa redução aparentemente iluminadora do pensamento humano, surge sem mais a pergunta: e o que é realmente o que nos traz proveito? E para que nos aproveita? Aliás, para que existimos?

O observador profundo verá nessa atitude fundamental moderna uma falsa humildade e, ao mesmo tempo, uma falsa soberba: falsa humildade, porque nega ao homem a capacidade de conhecer a verdade; e falsa soberba, porque esse homem se situa acima das coisas, acima da própria verdade, e – na medida em que erige como meta do seu pensamento a ampliação do seu poder – acima da realidade.

O que em Lewis aparece sob a forma de ironia, podemos encontrá-lo hoje apresentado “cientificamente” na crítica literária, em que a a questão da verdade é abertamente descartada como não-científica. O exegeta alemão Mario Reiser chamou a atenção para uma passagem de Umberto Eco no seu best-seller O nome da rosa, em que diz: “A única verdade consiste em aprender a libertar-se da paixão doentia pela verdade”.

O fundamento para a renúncia inequívoca à verdade estriba no que hoje se denomina o “giro linguístico”: não se poderia remontar para além da linguagem e das suas representações, a razão estaria condicionada pela linguagem e vinculada à linguagem. Já em 1901 F. Mauthner cunhou a seguinte frase: “O que se denomina pensamento é pura linguagem”. M. Reiser comenta, neste contexto, o abandono da convicção de que com meios linguísticos se pode ascender ao que é supralinguístico. O relevante exegeta protestante U. Luz afirma – totalmente de acordo com o que antes dizia Screwtape – que a crítica histórica abdicou na Idade Moderna da questão da verdade, e considera-se obrigado a aceitar e reconhecer como correta essa capitulação: agora já não haveria uma verdade a buscar para além do texto, mas apenas posições sobre a verdade que concorreriam entre si, ofertas de verdade que seria preciso defender com um discurso público no mercado das visões-de-mundo.

Quem medita sobre semelhantes modos de ver as coisas, perceberá que lhe vem quase que inevitavelmente à memória uma passagem profunda do Fedro de Platão. Nela, Sócrates conta a Fedro uma história ouvida dos antigos, que “tinham conhecimento do que é verdadeiro”. Certa vez Thot, o “pai das letras” e o “deus do tempo”, teria visitado o rei egípcio Thamus, de Tebas. Instruiu o soberano em diversas artes que havia inventado, e especialmente na arte de escrever que tinha concebido. Ponderando o seu próprio invento, disse ao rei: “Este conhecimento, ó rei, tornará os egípcios mais sábios e fortalecerá a sua memória; é o elixir da memória e da sabedoria”. Mas o rei não se deixou impressionar. Previu o contrário como consequência do conhecimento da escrita: “Este método produzirá esquecimento nas almas dos que o aprenderem porque descuidarão o exercício da memória, já que agora, fiando-se da escrita externa, recordarão apenas de uma maneira externa, não a partir do seu próprio interior e de si mesmos. Por conseguinte, tu inventaste um meio, não para recordar, mas para perceber, e transmites aos teus aprendizes apenas a representação da sabedoria, não a própria sabedoria. Pois agora são eruditos em muitas coisas, mas sem verdadeira instrução, e assim pensam ser entendidos em mil coisas quando na realidade não entendem nada, e são gente com quem é difícil tratar, pois não são verdadeiros sábios, mas sábios apenas na aparência”.

Quem pensa no modo como hoje os programas de televisão do mundo inteiro inundam o homem com informações e o tornam assim “sábio na aparência”; quem pensa nas enormes possibilidades do computador e da Internet, que, por exemplo, permitem que qualquer um tenha acesso a todos os textos de um Padre da Igreja e veja as palavras sem no entanto ter compreendido o pensamento, esse não considerará exageradas as prevenções do rei. Platão não rejeita a escrita enquanto tal – como nós também não rejeitamos as novas possibilidades de informação, antes fazemos delas um uso agradecido -, mas dá um sinal de alerta cuja seriedade se comprova diariamente pelas consequências do “giro linguístico” e pelas muitas circunstâncias que são familiares a todos. H. Schade mostra o núcleo daquilo que Platão tem a dizer-nos hoje quando escreve: “É acerca do predomínio de um mero método filológico e da consequente perda da realidade que Platão nos previne”.

Joseph Ratzinger

Fonte: Site interrogantes.net

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Tradução: Quadrante

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Santo Ambrósio costumava ler livros de um jeito diferente

Olena Yakobchuk | Shutterstock

Por Michael Rennier - publicado em 06/12/21

E essa maneira incomum deu origem ao que hoje chamamos de "lectio divina".

Os primeiros livros que passamos a amar provavelmente eram histórias lidas em voz alta para nós pelos nossos pais, um professor ou um irmão mais velho. Talvez você tenha ido a uma roda de histórias na biblioteca e se sentou com as outras crianças para ouvir belos contos. Ou, se você tinha irmãos e irmãs, talvez a mãe os reunisse para ouvir uma história para dormir…

De fato, a leitura começa como uma experiência coletiva. Atualmente, meus quatro filhos mais novos têm o hábito de ouvir audiolivros na sala de jogos. Eles sentam lá, todos juntos, e ouvem em silêncio por horas.

Depois que aprendemos a ler, na maior parte das vezes, toda a nossa leitura se torna uma experiência individual, algo que você faz sozinho em silêncio. Talvez ocasionalmente lemos em voz alta para uma classe ou para nossos filhos, como nossos pais faziam por nós. Mas os adultos raramente ficam sentados ouvindo audiolivros juntos.

Leitura e socialização

A teoria, porém, diz que, no passado, os adultos costumavam ser muito mais sociáveis ​​quando se tratava de leitura. Na cultura antiga, talvez porque as taxas de alfabetização fossem mais baixas e as cópias físicas de livros muito mais raras, a leitura em voz alta era muito mais comum. Não era raro um grupo de pessoas se reunir em uma praça pública para ouvir coletivamente um livro sendo lido.

Santo Agostinho, em suas Confissões, comenta como sobre as mudanças na maneira como as pessoas liam. Quando jovem, ele conheceu Santo Ambrósio, que era bispo de Milão. Agostinho procurou Ambrósio como mentor e regularmente ia ao escritório do bispo para pedir-lhe conselhos.

Logo, Agostinho percebeu algo interessante sobre o homem mais velho, que muitas vezes estava lendo um livro quando seu jovem protegido entrava na sala. Ele escreve: “Quando ele lia, seus olhos percorriam a página e seu coração buscava o significado, mas sua voz estava silenciosa e sua língua parada … porque ele nunca lia em voz alta”.

Uma novidade para Santo Agostinho

Agostinho menciona isso porque era incomum. Era uma novidade que uma pessoa pudesse colocar palavras diretamente em sua mente, sem qualquer som ou movimento externo. Seus lábios nem se moviam para pronunciar as palavras, mas “Seus olhos percorriam a página e seu coração procurava o significado.”

A leitura, aos poucos, se afastava dos grupos e se tornava uma atividade individual. Alguns historiadores acreditam que a mudança ajudou a desenvolver uma vida interior robusta.

Lectio divina

Essa habilidade de meditar cuidadosamente nas palavras e em um ritmo individual foi um importante desenvolvimento espiritual, pois permitiu um novo tipo de estudo da Bíblia. Santo Ambrósio era conhecido por levar as Escrituras diretamente ao coração e meditar meditar profundamente nelas. Ele tinha um método novo, já começando a se popularizar no oriente, que ajudou a introduzir no mundo ocidental. Chama-se lectio divina.

lectio divina é uma atitude de escuta orante. Envolve permanecer em silêncio com algumas palavras de interesse e ponderá-las, permitindo que Deus fale por meio delas de novas maneiras. Conforme Ambrósio a praticava, ele claramente rendia grandes frutos na sabedoria e no poder de sua pregação.

Se praticássemos uma lectio divina da vida cotidiana, o que ouviríamos? Parece-me que a escuta orante pode ser praticada em todas as áreas de nossas vidas, não apenas lendo um texto.

 A cada Advento, somos incentivados a desacelerar e ouvir mais, não só com a leitura silenciosa, mas também com o tempo de silêncio, a oração, a atenção à beleza e o tempo com a família. É uma oportunidade pela qual sou grato, este lembrete de manter o ruído fora dos meus ouvidos para ouvir e me concentrar no que é realmente importante.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

NAZARENO: Pescadores e apóstolos (primeiros encontros com seus amigos) - (11)

Nazareno (Vatican Media)

Cap. 11 - Pescadores e apóstolos (primeiros encontros com seus amigos)

Saindo do deserto, Jesus desce até o Jordão, onde o Batista continua a batizar. André e João seguem seus passos. O Nazareno não fala, não tem pressa em ensinar, prefere compartilhar sua vida com eles, que já se sentem amados e acolhidos. "Encontramos o Messias": dizem eles, André convence assim seu irmão Simão Pedro, um pescador como ele. Em Betsaida, os seguirá Filipe e depois Natanael, conhecido como Bartolomeu. No almoço, na casa de Filipe, batem à porta: Judas Tadeu, primo de Jesus por parte de José. Ele traz uma mensagem de Maria para seu filho. "Ela está esperando você e seus amigos amanhã em Caná para o casamento de Susana".

https://media.vaticannews.va/media/audio/s1/2023/10/05/16/137341524_F137341524.mp3

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

O Catecismo da Igreja Católica, “um dom para todos”

Santo João Paulo II (Vatican Media)

No dia 7 de dezembro de 1992, João Paulo II apresentava oficialmente o novo “Catecismo” aos fiéis de todo o mundo, uma possibilidade para conhecer melhor “a amplitude, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo”. Palavras que ressoam neste vídeo histórico e às quais o Papa Francisco se referiu de forma aprofundada em 2017, por ocasião do vigésimo quinto aniversário da sua promulgação.

https://youtu.be/KGfC67-FEas

Michele Raviart – Cidade do Vaticano

Em 7 de dezembro de 1992, São João Paulo II apresentava, solenemente, o novo “Catecismo da Igreja Católica”, explicando seu objetivo específico: "Ele expõe os conteúdos da fé, de modo coerente com a verdade bíblica, com a genuína tradição da Igreja e em particular com os ensinamentos do Concílio Vaticano II; põe em evidência o fundamento e essência do anúncio cristão, com o intuito de expor, mediante uma linguagem mais sensível às exigências do mundo de hoje, a perene verdade católica".

Obra presidida pelo cardeal Ratzinger

O texto do “Catecismo da Igreja Católica”, um trabalho que durou seis anos, foi realizado sob a direção do cardeal Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, por uma Comissão de doze cardeais e bispos e uma Comissão editorial de sete bispos diocesanos, especialistas em teologia e catequese.

Após uma consulta dos bispos, teólogos e exegetas do mundo inteiro, a Comissão redigiu um texto, ponto de referência para a transmissão da fé católica, dividido em três partes: "Profissão de Fé", "Celebração da o mistério cristão", "A vida em Cristo e Oração cristã". Trata-se, segundo São João Paulo II, de “um verdadeiro dom, profundamente enraizado na Sagrada Escritura e na Tradição apostólica”, mas também “dirigido ao futuro e a todos, porque coloca ao centro Jesus Cristo, Senhor de todos”.

Processo da publicação

A ideia de estabelecer um “ponto de referência” do anúncio profético e catequético teve início em 1985, a pedido dos Padres Sinodais recebidos pelo Papa, por ocasião dos vinte anos da conclusão do Concílio Vaticano II. No ano seguinte, em 1986, iniciaram-se os trabalhos das Comissões sobre o texto, aprovado por São João Paulo II, em 25 de junho de 1992, promulgado na Constituição “Fidei depositum”, mas publicado, definitivamente, com a Carta Apostólica “Laetamur Magnopere, em 15 de agosto de 1992.

A fé, resposta significativa à experiência humana

Vinte e cinco anos após a “Fidei depositum”, em 11 de outubro de 2017, o Papa Francisco recordou a importância do “Catecismo da Igreja Católica”, fruto do Concílio e do desejo de São João XXIII, “por sua capacidade de apresentar, com uma linguagem renovada, a beleza da fé em Jesus Cristo; um instrumento importante, não apenas porque apresenta aos cristãos os ensinamentos de todos os tempos, para crescer na compreensão da fé, mas também e, sobretudo, porque pretende aproximar os nossos contemporâneos, com os seus problemas novos e diversos, à santa Igreja, comprometida em apresentar a fé à existência humana, como resposta significativa, neste momento histórico particular”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santo Ambrósio

Santo Ambrósio (A12)

07 de dezembro

SANTO AMBRÓSIO

Ambrósio, filho de nobres romanos, nasceu em Tréveris, Alemanha, em 340, quando seu pai era governador das Gálias. Recebeu tradicional educação romana, rica em valores morais e cívicos, pelo amor à justiça, retidão, probidade, doação às causas públicas. Aos 35 anos, catecúmeno (na época, o batismo era adiado até a idade adulta) e governador romano com sede em Milão, foi à igreja onde se deveria eleger um novo bispo, para manter a ordem pública: havia uma divergência entre os fiéis católicos e os hereges arianos.

Foi surpreendido com a sua aclamação a bispo, pelo clero e pelos fiéis, por conta das suas elevadas qualidades. Foi então batizado, ordenado sacerdote e sagrado bispo, apesar de seus protestos, mas reconhecendo naquela aclamação a vontade de Deus.

Grande organizador e administrador como alto funcionário do Império, fez o mesmo no episcopado, destacando-se no campo pastoral, doutrinal, litúrgico, político; extirpou definitivamente os restos de paganismo no Senado romano, que ainda cultuava a “deusa vitória”; impôs ao imperador Teodósio, como a qualquer outro fiel, penitência pública por tolerar abusos dos seus legionários que devastaram a cidade de Tessalônica.

 Seus escritos, em latim clássico e elegante, atraíam pela forma e pelo conteúdo, e assim um jovem professor de retórica, Agostinho, chegou à conversão… escreveu textos ascéticos, tratados sobre os deveres do clero e dos fiéis, e quatro obras sobre a virgindade, virtude ignorada pela moral romana. Também poemas, alguns ainda constantes do breviário litúrgico. Por tudo isso, é considerado Doutor da Igreja. Porém, mais do que pregar, vivia a sua fé: jejuava todos os dias, exceto aos domingos, e distribuiu seu grande patrimônio aos pobres e obras de caridade. Faleceu em 4 de abril de 394, aos 60 anos.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

Sempre fundamental é a coerência de vida para os que seguem a Cristo, que nos deixou o exemplo de ensinar, e viver concretamente, a Fé. Intelectual e grande administrador, civil e religioso, foi a prática da caridade – seja na correção a um imperador, seja nas obras de misericórdia aos pobres – que deu testemunho da verdade de vida de Santo Ambrósio. A grandeza da partilha dos seus bens, espirituais e materiais, com todos, é modelo claro de ação para os fiéis de todos os tempos.

Oração:

Deus de bondade e misericórdia, que tantas graças e dons concedestes a Santo Ambrósio, dai-nos, pela sua intercessão, utilizar com perseverança e coerência tudo o que de Vós recebemos, para o bem do próximo e para a Vossa maior glória, na generosidade caridosa da entrega e do serviço. Pelas doces mãos de Nossa Senhora, Vossa e nossa Mãe. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Fé, verdade e cultura (1/8)

Fé, verdade e cultura (Presbíteros)

Fé, verdade e cultura

Por Joseph Ratzinger

A busca da verdade – sobre Deus e sobre o mundo – é profundamente humana e aparece em todas as culturas. Mas a verdade não é meramente relativa, como se as culturas fossem incomunicáveis e incapazes de evoluir. É por ela que a fé católica se encontra com a filosofia e com as outras religiões. Estas reflexões do então Cardeal Ratzinger sobre a Encíclica Fides et Ratio, de João Paulo II, foram apresentadas no Primeiro Congresso Internacional da Faculdade San Dámaso de Teologia, em Madrid, no dia 16.02.2000.

Do que trata, essencialmente, a Encíclica Fides et ratio? É um documento só para especialistas, uma tentativa de renovar a partir da perspectiva cristã uma disciplina em crise, a Filosofia, e portanto interessante só para os filósofos, ou coloca uma questão que nos afeta a todos? Dito de outra maneira: A Fé precisa realmente da Filosofia, ou a Fé – que, em palavras de Santo Ambrósio, foi confiada a pescadores e não a dialéticos – é completamente independente da existência ou inexistência de uma filosofia aberta em relação a ela? Se considerarmos a Filosofia apenas como uma disciplina acadêmica entre outras, então a Fé é de fato independente dela. Mas o Papa João Paulo II entende a Filosofia num sentido muito mais amplo e mais conforme com a sua origem. A Filosofia pergunta se o homem pode conhecer a verdade, as verdades fundamentais sobre si mesmo, sobre a sua origem e o seu futuro, ou se vive numa penumbra que não é possível iluminar e tem de recolher-se, em última análise, ao âmbito da utilidade.

A característica própria da Fé cristã no mundo das religiões é que afirma dizer-nos a verdade sobre Deus, o mundo e o homem, e que pretende ser a religio vera, a religião da verdade.

Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida: nestas palavras de Cristo segundo São João (14, 6) está expressa a pretensão fundamental da Fé cristã. Dessa pretensão, brota o impulso missionário da Fé: se a Fé cristã é a verdade, diz respeito a todos os homens. Se fosse apenas uma variante cultural das experiências religiosas do homem, cifradas em símbolos e nunca decifradas, então faria bem em permanecer na sua cultura e deixar as outras em paz.

Mas isto significa o seguinte: a questão da verdade é a questão essencial da Fé cristã, e, neste sentido, a Fé tem inevitavelmente a ver com a Filosofia. Se tivesse que caracterizar brevemente a intenção da Encíclica, diria que quer reabilitar a questão da verdade num mundo marcado pelo relativismo. Perante a situação atual da Ciência – que certamente busca verdades, mas qualifica a questão da verdade como sendo não-científica -, a Encíclica apresenta essa questão como tarefa racional e científica; caso contrário, a Fé perderia o ar que respira. A Encíclica quer simplesmente animar-nos de novo a empreender a aventura da verdade. Por isso fala daquilo que está fora do âmbito da Fé, mas também daquilo que está no próprio centro do mundo da Fé.

Joseph Ratzinger

Fonte: Site interrogantes.net

Link: http://www.interogantes.net

Tradução: Quadrante

https://presbiteros.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF