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quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Por que deveríamos nos inspirar no exemplo de São João da Cruz?

São João da Cruz | Finoskov-(CC BY 4.0)

Por Philip Kosloski - publicado em 14/12/23

Embora não possamos ascender às mesmas alturas que São João da Cruz nas nossas vidas, certamente podemos partilhar as mesmas lutas que ele teve e aprender com o seu exemplo de abertura ao amor de Deus.

São João da Cruz é um santo muito conhecido e tido como um profundo escritor místico que explorou as profundezas da teologia espiritual.

Às vezes, seus escritos podem ser difíceis de ler para o cristão moderno e sua vida pode parecer impossível de imitar.

No entanto, o Papa Bento XVI acreditava que São João da Cruz era para todos. Ele explicou seus pensamentos em uma audiência geral em 2011. Primeiro, ele fez uma pergunta:

“Caros irmãos e irmãs, no fim permanece esta pergunta: com a sua mística excelsa, com este árduo caminho rumo ao cimo da perfeição, este santo tem algo a dizer também a nós, ao cristão normal que vive nas circunstâncias desta vida de hoje, ou é um exemplo, um modelo apenas para poucas almas escolhidas que podem realmente empreender este caminho da purificação, da ascese mística?”

Uma vida difícil

Bento XVI responde então à sua pergunta, afirmando a relevância de São João da Cruz:

“Para encontrar a resposta, em primeiro lugar temos que ter presente que a vida de são João da Cruz não foi um «voar sobre as nuvens místicas», mas uma vida muito árdua, deveras prática e concreta, quer como reformador da ordem, onde encontrou muitas oposições, quer como superior provincial, quer ainda no cárcere dos seus irmãos de hábito, onde esteve exposto a insultos incríveis e a maus tratos físicos. Foi uma vida dura, mas precisamente nos meses passados na prisão, ele escreveu uma das suas obras mais bonitas. E assim podemos compreender que o caminho com Cristo, o andar com Cristo, «o Caminho», não é um peso acrescentado ao fardo já suficientemente grave da nossa vida, não é algo que tornaria ainda mais pesada esta carga, mas é algo totalmente diferente, é uma luz, uma força que nos ajuda a carregar este peso. Se um homem tem em si um grande amor, este amor quase lhe dá asas, e suporta mais facilmente todas as moléstias da vida, porque traz em si esta grande luce; esta é a fé: ser amado por Deus e deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus. Este deixar-se amar é a luz que nos ajuda a carregar o fardo de todos os dias.

Além disso, Bento XVI explica que um elemento-chave da santidade de São João é uma “abertura” a Deus, uma virtude que todos podemos imitar:

“E a santidade não é uma obra nossa, muito difícil, mas é precisamente esta «abertura»: abrir as janelas da nossa alma, para que a luz de Deus possa entrar, não esquecer Deus, porque é precisamente na abertura à sua luz que se encontra a força, a alegria dos remidos. Oremos ao Senhor para que nos ajude a encontrar esta santidade, deixando-nos amar por Deus, que é a vocação de todos nós e a verdadeira redenção.”

Embora não possamos ascender às mesmas alturas que São João da Cruz nas nossas próprias vidas, certamente podemos partilhar as mesmas lutas que ele teve e aprender com o seu exemplo de abertura ao amor de Deus.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

O meu Natal em Belém

O cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo emérito de Milão (30Giorni)

Arquivo 30Dias - 12/2004

O meu Natal em Belém

Artigo do cardeal Carlo Maria Martini para o jornal La Stampa, publicado em 29 de dezembro de 2004.

de Carlo Maria Martini

Ainda que, no calendário civil, o dia de Natal em Jerusalém seja um dia como outro qualquer (este ano cai no shabbat, ou seja, o dia de repouso semanal judaico, mas sem nenhuma referência à celebração cristã), muitos percebem que para os cristãos este é um dia de grande festa, e correm a cumprimentá-los quando os encontram. Dizem “hag sameah”, que é a expressão com que se costuma cumprimentar nas festas judaicas, e poderia ser traduzida assim: “A tua festa seja feliz, te traga alegria!”. Luminárias nas ruas, pensadas para os turistas (nesses casos, o consumismo também ajuda um pouco), lembram também que nestes dias existe algo especial para os cristãos. Aumenta o número de peregrinos (ainda que não como seria de se esperar) e, a partir da véspera de Natal, todos os católicos (os ortodoxos celebrarão o Natal na data em que celebraremos a Epifania) se apressam para ir a Belém. Todos esses sinais, mesmo que discretos, expressam que aqui o Natal é também um dia no qual ainda se espera algo belo e grande: um dom do alto, uma alegria inesperada, uma espiral de paz depois de tantos sofrimentos. Dessa forma, muitos não cristãos também captam alguma coisa do sentido dessa festa, que não é tanto a celebração de um aniversário (cerca de 2004 anos do nascimento de Jesus), mas a festa da esperança, do que se deseja e se espera, ou seja, a manifestação definitiva e última do reino de Deus, que para nós é o Senhor Jesus, manifestação que enxugará toda lágrima e fechará a estação de lutos dolorosos. Muitos católicos, na noite de Natal, participam da missa do patriarca latino em Belém. Ele sai à meia-noite da sacristia da igreja adjacente à Basílica da Natividade (onde os gregos ortodoxos fazem seus ofícios) com a imagem do menino Jesus nas mãos, para depô-la no centro do altar. Nós também introduzimos essa cerimônia em Milão, há alguns anos, para lembrar precisamente o que acontece em Jerusalém na noite santa. Mas faz alguns anos que não participo dessa missa, na qual a igreja fica apinhada de gente e não é fácil encontrar um momento ou um lugar de recolhimento. Prefiro celebrar na manhã de Natal, com alguns jovens estudantes do Pontifício Instituto Bíblico de Roma que frequentam a Universidade Hebraica de Jerusalém. Celebramos a missa na chamada gruta de São Jerônimo. Esse ambiente subterrâneo é adjacente à gruta da Natividade, na qual há também um grande vai-e-vem de pessoas que descem pelas escadas para passar em frente da estrela que indica o lugar tradicional do nascimento de Jesus. Nós, por nossa vez, ficamos no pequeno quarto escuro a poucos metros da gruta tradicional. Ele lembra os trinta anos que São Jerônimo passou aqui em Belém, no lugar do nascimento de Jesus. A figura de São Jerônimo me atrai e me comove. Esse estudioso inteligente e tenaz, cansado das ambições e das fofocas de Roma, quis retirar-se em Belém para rezar e estudar intensamente as Escrituras judaicas e cristãs, dedicando-se sobretudo ao trabalho de tradução das línguas originais para o latim. Um trabalho ingrato, num tempo em que poucos conheciam o hebraico e faltavam ferramentas de trabalho, como dicionários e gramáticas. A ele devemos a tradução da Bíblia latina, a dita “Vulgata”, que chegou até nós e foi declarada pelo Concílio de Trento, no século XVI, o texto autêntico da Igreja latina. Aqui, à sombra da gruta de Belém, Jerônimo passava as noites estudando as Escrituras e algumas vezes, como ele mesmo lembra, adormecia com a rosto caído sobre o texto que tinha à sua frente. Esse exemplo de fidelidade a Jesus, em sua humildade de Belém, e de fidelidade às Sagradas Escrituras do primeiro e do segundo Testamento me inspira profundamente.

 Como São Jerônimo, ainda que muito longe de sua santidade e de seu rigor ascético e científico, sinto como se estivesse aqui também, em Jerusalém, para adorar o Se­nhor nascido por nós e estudar as Escrituras do povo hebraico e da primitiva comunidade cristã. Gostaria, assim, de conhecer mais a fundo algo do mistério de Deus e do homem, que encontrei tanto em meu ministério como bispo. Nem aqui, portanto, os dias de Natal reservam experiências particularmente “místicas”. Trata-se, de certa forma, de uma comemoração como as outras, mas na qual tomamos consciência do pequeno fato ocorrido em Belém há dois mil anos que mudou a história do mundo. Essa história parece continuar ainda pelos trilhos antigos, mas nós, que abrimos os olhos com a graça do batismo, vemos que já nela operam, no tecido da história cotidiana, também neste país, aquela fé, aquela alegria, aquela capacidade de acolhida e de reconciliação e aquela paz que os anjos cantaram sobre a gruta de Belém. A partir deste lugar, eu gostaria de chegar a toda a humanidade, em particular àqueles cujas orações guiei durante vinte e três anos no Domo de Milão. Gostaria que chegasse a todos eles a mensagem que nasce desta gruta despojada: mesmo nas menores coisas do nosso dia, mesmo nas mais escondidas ou aparentemente insig­nificantes, mesmo nas coisas que nos fazem sofrer está presente o mistério de Deus que, com amor, volta-se para nós. Como todos os anos, retorno a esta missa na gruta com olhos um pouco novos. Até mesmo a visão da cidade de Belém, com sua desolação e seu abandono pela falta de peregrinos, nos dá a oportunidade de esperar que um dia tudo isso dê lugar à alegria, ao bem-estar e à paz.

Fonte: https://www.30giorni.it/

A necessidade da Confissão surge dentro do coração de cada um

New Africa-Shutterstock

Por Mónica Muñoz - publicado em 12/12/23

O ser humano é comunicativo por natureza. Nosso Senhor Jesus Cristo sabia disso perfeitamente, por isso nos deixou o sacramento da Confissão.

O ser humano precisa se comunicar para viver. Por isso as relações interpessoais que se fortalecem com a conversa são tão importantes, pois fazem fluir todas as emoções e sentimentos, mesmo os mais ocultos que residem na alma.

Graças à sua natureza divina, Nosso Senhor Jesus Cristo foi um profundo conhecedor do homem e compreendeu perfeitamente esta necessidade. É por isso que os Evangelhos registram os atos do Senhor, que inicialmente foram transmitidos oralmente, cumprindo o seu mandato:

“Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”.

Mt 28, 19-20

Confessar é uma necessidade

Quando o Senhor Jesus foi crucificado, os discípulos se esconderam e, após a ressurreição, pareceu-lhes que tudo teria que voltar ao normal porque não sabiam que Jesus estava vivo.

Eles tinham muito o que conversar, tinham que processar os fatos e colocar as ideias em ordem. Portanto, o próprio Jesus Cristo aparece aos apóstolos e lhes dá poder e ordem:

“Disse-lhes outra vez: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós”. Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, lhes serão retidos”.

Jo 20, 21-23

O perdão

Claro, como eles poderiam perdoar pecados se não os ouvissem? Foi e é necessário dizê-los para que o sacerdote, que recebeu de Jesus esse mesmo poder, saiba se deve perdoá-los ou retê-los. Faz parte da lógica humana. Se não digo o que quero, não posso esperar que isso me seja dado só por causa do desejo que tenho dentro de mim.

Nos julgamentos orais, é evidente que, para proferir uma sentença, é necessário apresentar a acusação e as provas, e o advogado de defesa usa a retórica para convencer o júri da inocência do seu cliente.

Só o padre pode perdoar

Aqueles que pertencem a outras denominações religiosas confessam a sua culpa perante a comunidade quando prestam o seu testemunho. Há quem vá ao pastor para lhe contar as suas tentações, e o máximo que ele pode fazer é ouvi-los e aconselhar-lhes o que fazer, mas não lhes perdoar as suas faltas.

O Senhor foi muito claro. É um privilégio para os católicos, porque ninguém mais pode perdoar validamente em nome de Deus. Além disso, temos o enorme consolo do perdão pronunciado em voz alta, e não por mera suposição. Quem confessa tem a certeza de que os seus pecados foram perdoados. Portanto, aproveitemos esta graça e confessemos frequentemente.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Só o coração que ama corrige bem

Só o coração que ama corrige bem (Cléofas)

Só o coração que ama corrige bem

 POR PROF. FELIPE AQUINO

Corrigir os erros dos outros – com amor e ânimo de ajudar – é uma das melhores maneiras de compreendê-los!

Um dos aspectos mais nobres da compreensão é saber corrigir.

Pode ser que alguém retruque: “Espere um pouco. Fora o caso da educação das crianças, “corrigir” não é uma espécie de ato de orgulho, de superioridade? Não seria mais próprio da compreensão esforçar-se só em desculpar, relevar, não julgar; e focalizar apenas o lado bom da pessoa?”

Não parece que Cristo pense assim, tendo em conta que Ele nos diz: Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e corrige-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão (Mt 18,15).

São Paulo dá o mesmo conselho: Irmãos, se alguém for surpreendido em alguma falta, vós, que sois animados pelo Espírito, admoestai-o em espírito de mansidão (Gl 6,1).

Jesus, depois de censurar a pessoa que só enxerga o cisco no olho do irmão, fala do dever de corrigir: Tira primeiro a trave de teu olho e assim verás para tirar o cisco do olho de teu irmão (Mt 7,5).

Como vê, esse mesmo Jesus que nos ama e nos desculpa com infinita misericórdia, nos manda corrigir, precisamente porque quer, acima de tudo, o nosso bem. Por isso, porque nos ama, não hesita em alertar, em corrigir, em repreender, ainda que isso doa, como fez com os Apóstolos (cf. Mt 16,23 e 20,25-26).

– Quem é que não consegue corrigir e ajudar com amor? O egoísta indiferente, aquele que diz: “Isso é lá com ele, eu não me meto, que faça o que quiser… Se quer se afundar, que se afunde”. E, quando o outro se afunda mesmo, tranquiliza-se pensando: “Foi ele que quis, eu não tenho a culpa”.

– Também não ama o bastante (e, por isso, não corrige) o mole de sentimentos, que acha que é bom com os outros só porque passa por cima de tudo e tudo tolera. Nunca adverte nem corrige por medo de magoar e perder a estima. A esse sentimental covarde, o Espírito Santo diz no livro dos Provérbios: Melhor é a correção manifesta do que uma amizade fingida (Pr 27,5).

– Pior ainda que o tolerante mole é o psicólogo de araque que acha que corrigir é “traumatizar” ou tirar a “liberdade” (Meu Deus! Quando deixaremos de ouvir essas patacoadas?).

– Como é evidente, também não está em condições de corrigir cristãmente aquele que se irrita com os defeitos da pessoa, dá bronca na hora e diz que está “cansado de aguentá-la”. O que esse tal deve fazer é acalmar-se, ser humilde, calar e rezar pedindo a Deus o amor que não tem. E, se a irritação virou raiva ou ódio, ir logo confessar-se da sua séria falta de caridade.

Para corrigir fazendo o bem é preciso ter afeto pela pessoa, saber desculpá-la no íntimo de nós, e sentir pena quando vemos nela alguma coisa errada, porque pode lhe causar um mal. Justamente quem quer o bem do próximo deseja dar-lhe a mão que ajuda.

Pense que não é obstáculo para corrigir com eficácia o fato de sentir dificuldade em fazê-lo. Quase sempre custa falar de um defeito diretamente com o interessado; é natural que soframos com o receio de que – ainda que falemos com carinho – o outro não entenda e possa se melindrar. Mas mesmo assim é preciso rezar, antes, e depois, falar. É uma questão de coragem e de lealdade.

Seria deslealdade calar-se, fingir, sorrir na cara e criticar pelas costas. Vem a propósito um episódio da vida do célebre escritor Chateaubriand. Conta ele em suas Memórias que certa vez o rei Luís XVIII da França lhe pediu sua opinião sobre uma medida que acabava de adotar e sobre a qual Chateaubriand discordava. O escritor tentou esquivar a resposta mas, perante a insistência do monarca, falou lealmente que era totalmente contra: «Sire, pardonnez ma fidelité» (“Senhor, perdoai a minha fidelidade”).

Pense que é especialmente falho o pai, a mãe, o superior, o educador que, para evitar passar um mau bocado, omite as correções devidas e deixa correr à deriva a vida dos que deveria orientar. Falando desses comodistas, São Josemaria comentava: «Talvez poupem desgostos nesta vida… mas põem em risco a felicidade eterna – a própria e a dos outros – pelas suas omissões, que são verdadeiros pecados» (Forja, n. 577).

Retirado do livro: “Tornar a Vida Amável”. Francisco Faus. Ed. Cléofas e Cultor de Livros.

Fonte: https://cleofas.com.br/

Fé, verdade e cultura (8/8)

Fé, verdade e cultura (Presbíteros)

Fé, verdade e cultura

Por Joseph Ratzinger

CONCLUSÃO

Ao final destas minhas reflexões, quisera chamar novamente a atenção sobre uma indicação metodológica dada pelo Papa para as relações entre a Teologia e a Filosofia, entre a Fé e a razão, porque com ela se toca a questão prática de como se pode pôr em andamento, no sentido em que fala a Encíclica, uma renovação do pensamento filosófico e teológico. A Encíclica fala de um movimento circular entre a Teologia e a Filosofia, entendendo-o no sentido de que a Teologia tem que partir sempre em primeiro lugar da Palavra de Deus; mas, posto que essa Palavra é verdade, é preciso relacioná-la com a busca humana da verdade, com a luta da razão pela verdade, pondo-a assim em relação com a Filosofia.

A busca da verdade por parte de quem crê realiza-se, pois, num movimento em que sempre se confrontam a escuta da Palavra proclamada e a busca da razão. Desse modo, por um lado, a Fé se torna mais profunda e mais pura; por outro, o pensamento também se enriquece, porque se abrem para ele novos horizontes. Parece-me que essa idéia de circularidade pode ser ampliada ainda mais: a própria Filosofia não deveria fechar-se naquilo que lhe é meramente próprio e pensado por ela. Assim como tem que estar atenta aos conhecimentos empíricos, que se amadurecem nas diversas ciências, assim também deveria considerar a sagrada tradição das religiões, e especialmente a mensagem da Bíblia, como fonte de conhecimentos capazes de fecundá-la.

De fato, não há nenhuma grande filosofia que não tenha recebido da tradição religiosa luzes e orientações: pensemos na filosofia da Grécia ou da Índia, ou na filosofia que se desenvolveu no âmbito do cristianismo. Também vale o mesmo para as filosofias modernas, que embora estivessem convencidas da autonomia da razão e considerassem essa autonomia como critério último do pensar, mesmo assim mantiveram-se devedoras dos grandes temas do pensamento que a Fé cristã foi dando à Filosofia: Kant, Fichte, Hegel e Schelling não seriam imagináveis sem os antecedentes da Fé. Até mesmo Marx, no coração da sua radical reinterpretação, vive do horizonte de esperança assumido pela tradição judaica.

Quando a Filosofia apaga totalmente esse diálogo com o pensamento da Fé, acaba – como já disse uma vez Jaspers – numa “seriedade que se vai esvaziando, até ficar sem conteúdo”. Por fim se vê impelida a renunciar à questão da verdade, e isso significa dar-se a si mesma por perdida: uma filosofia que já não pergunta mais quem somos, para que somos, se existe Deus e a vida eterna, abdicou como filosofia.

Quero concluir com a menção de um comentário à Encíclica publicado no semanário alemão Die Zeit, cuja tendência é distanciar-se das posições da Igreja. O comentarista Jan Ross sintetiza com muita precisão o núcleo da Encíclica ao dizer que o destronamento da Teologia e da Metafísica “não somente tornou o pensamento mais livre, mas também mais estreito”. Sim, Ross não receia falar de um “emburrecimento por descrença”. “Quando a razão se afastou das questões últimas, tornou-se apática e tediosa, deixou de ser capaz de lidar com os enigmas vitais do bem e do mal, da morte e da imortalidade. A voz de João Paulo II – continua o comentarista – deu ânimo a muitos homens e a povos inteiros; também soou dura e cortante aos ouvidos de muitos, e até suscitou ódio, mas, se emudecer, far-se-á um terrível silêncio”.

Com efeito, se deixamos de falar de Deus e do homem, do pecado e da graça, da morte e da vida eterna, todo o grito e todo o ruído que houver será apenas uma tentativa inútil de fazer esquecer o emudecimento daquilo que é próprio do ser humano. O Papa fez frente ao perigo de um tal emudecimento, com a sua coragem e com a franqueza intrépida da Fé, prestando assim um serviço não somente à Igreja, mas a toda a Humanidade. E devemos agradecer-lhe por isso.

Joseph Ratzinger

Fonte: Site interrogantes.net

Link: http://www.interogantes.net

Tradução: Quadrante

https://presbiteros.org.br/

NAZARENO: Um telhado quebrado (milagres em Cafarnaum) - (17)

Nazareno (Vatican Media)

Cap. 17 - Um telhado quebrado (milagres em Cafarnaum)

A notícia se espalha: as pessoas vêm à procura de Jesus, que decide sair para proclamar "a boa nova". Ele encontra um leproso, aproxima-se dele apesar da proibição da lei de que os doentes impuros estivessem com os saudáveis, implora a Jesus de joelhos e Ele o cura. No entanto, Ele lhe ordena que fique em silêncio, um pedido que não é respeitado, tanto que Jesus não podia mais entrar em uma cidade publicamente, mas permanecia do lado de fora, em lugares desertos; e eles vinham até Ele de todos os lados. Em Cafarnaum, na casa de Amós, um amigo de André, as pessoas se aglomeravam para ouvi-lo. De repente, do telhado, algumas pessoas desceram uma cama com um homem paralítico. O nazareno parou, testemunhando silenciosamente a cena. Ele fica impressionado com a criatividade daqueles homens. "Homem, seus pecados lhe são perdoados". Essas palavras causam perplexidade entre os escribas e fariseus; Jesus esperava essa reação. Ele responde: "O que é mais fácil: dizer 'Seus pecados lhe são perdoados' ou dizer 'Levante-se e ande'? Agora, para que vocês saibam que o Filho do Homem tem poder na terra para perdoar pecados, digo a você - disse ele ao paralítico -: "levante-se, pegue a sua cama e volte para a sua casa. Em poucos instantes, o homem ficou curado.

https://media.vaticannews.va/media/audio/s1/2023/11/17/13/137470479_F137470479.mp3

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santa Luzia: o testemunho maiúsculo de uma adolescente

La dernière communion de sainte Lucie par Véronèse
© Artokoloro / Quint Lox / Aurimages

Por Hozana - publicado em 02/12/22

Conheça a história desta santa, que preferiu ficar sem os próprios olhos a renegar a fé em Cristo.

Um dos fatos que considero incontestes na Igreja Católica Apostólica Romana é a riqueza espiritual que ela nos oferece. É uma Igreja fundada na Bíblia, que professa a fé apostólica. Assim é que se pode dizer que o católico de verdade precisa ser crente e evangélico. Aonde iremos, se aqui, temos o Cristo eucarístico? Se, aqui, honramos a Mãe de Jesus, no seu verdadeiro papel bíblico, qual seja o de nos trazer o Salvador, o qual no-La deu por Mãe?

Quer ver outro fato maravilhoso da “sã doutrina”? Contamos com uma infinidade de intercessores no Céu: os anjos; e os santos e santas, a maioria destes provada no sangue do Cordeiro. Histórias de vida, com ricos e belos testemunhos — é o caso de Santa Luzia, sobre a qual pretendemos discorrer, neste texto.

Luzia nasceu na cidade italiana de Siracusa, no ano de 280. Seus pais, Lúcio e Eutíquia, eram nobres e ricos. Como cristãos, a educaram nessa fé, no amor ao próximo e temor de Deus. Perdeu o pai quando tinha apenas 5 anos. Ainda adolescente, sua mãe quis casá-la com um jovem nobre, de família pagã. Ela, porém, já se decidira ter por esposo a Jesus Cristo. Ao ser formalizado o pedido de casamento, foi concedido um tempo, por sua solicitação. Foi então que teve a inspiração de chamar a mãe para irem, juntas, à cidade de Catânia, visitar o túmulo de Santa Águeda (ou Ágata).

Milagre

Eutíquia sofria de uma hemorragia crônica. Já havia consultado muitos médicos em vão. Luzia havia meditado sobre o Evangelho da missa do dia (a cura da mulher hemorroíssa), e firmara a convicção: se sua mãe tocasse o túmulo de Santa Águeda, também seria curada; por intercessão desta santa. Sem dúvida, uma atitude de quem já vivia mergulhada em profunda oração. E, lá em Catânia, um fato ainda mais forte, extraordinário mesmo, daquela vida prometida inteiramente a Cristo. Deixando a mãe junto ao túmulo, vai orar. Santa Águeda lhe aparece (em êxtase) e lhe diz:

Luzia, minha irmã, porque pedes a mim o que tu mesma podes conseguir para tua mãe? Ela já foi curada pela tua fé.

O milagre aconteceu. Eutíquia, então, entendeu, aceitou o sinal vindo dos Céus: Luzia poderia dizer ‘não’ ao pretendente. Estava livre para oferecer sua virgindade a Jesus Cristo e doar seus dotes aos pobres. E a estes a jovem distribuiu toda a sua pequena fortuna.

Martírio

Vendo aquilo, o inconformado pretendente de Luzia a denunciou às autoridades pagãs que ela era cristã. Conforme um decreto do imperador romano Diocleciano, os cristãos deveriam ser castigados exemplarmente. Foi julgada e condenada. Nem o próprio imperador a convenceu de renegar a fé cristã. Não quis prestar sacrifícios aos deuses pagãos, nem romper seu voto de virgindade. Então, tem início o seu cruel martírio. Primeiro tentaram levá-la a um prostíbulo. (Seria uma desonra cristã, e o pior dos infortúnios para Luzia). O que fez? Suplicou a Deus, em simples e confiante oração: 

Quem vive casta e santamente, é templo do Espírito Santo, sem a minha vontade, a virtude nada sofrerá.

Prece ouvida: nem a força de vários homens, nem juntas de bois, nada a moveu de onde estava. Os carrascos, então lançaram resina e azeite fervente sobre ela, sem que a virgem, mártir e santa, nada sofresse. Resistiu até mesmo a chamas de fogo, para a fúria do governador, que, então, ordena a decapitação. Isto ocorre no momento em que ela deixava mais uma pérola de santidade, ao dizer:

Adoro a um só Deus verdadeiro, a quem prometi amor e fidelidade.

Protetora da visão

Santa Luzia é hoje conhecida como padroeira dos oftalmologistas, e protetora da visão. Segundo alguns, a partir do nome: Luzia, do italiano Luce (que se traduz por luz, daí, também, o nome Lúcia). Mas há outra consideração a respeito; foram-lhe arrancados os olhos, depois de lhe ceifarem a vida. Por isso, numa de suas imagens, veem-se os olhos num prato. Esta perversidade provocou outro favor divino à santa: nasceram-lhe outros olhos mais belos ainda.

Assim, há sinais extraordinários, testemunhos claros da presença do amor divino. na curta trajetória da santa de Siracusa, antes, durante, e mesmo após o seu martírio. 

Muitas são as igrejas que a têm como padroeira, espalhadas mundo afora. A partir de sua cidade natal. Devoção que se estende generosamente pelo Nordeste do Brasil. E muitas são as gravações de vídeos e áudios mostrando as graças obtidas, com a intercessão de Santa Luzia: problemas nos olhos, ou apertos de vida e situações embaraçosa, até mesmo a perda da fé.

Testemunho

E, eu, também, deixo o meu testemunho. No ano de 2018, sofri um descolamento total de retina (olho direito, o único de que dispunha, já em porcentagem diminuta), Imaginem o drama… Minha esposa já aprendera a acionar a santa, de vez que este não foi o primeiro. Mas o impressionante, no caso, foi o processo, que tentarei resumir. 

Viagem marcada, eu, minha esposa, e uma família amiga, numa espécie de retiro espiritual, Serra do Estêvão, aqui no Ceará, num antigo convento, com capela, inclusive assistida pela Comunidade Shalom. Pouco aproveitei… Estava há algum tempo percebendo a diminuição da minha visão. O oculista, após um exame de mapeamento, prescreveu-me um suplemento vitamínico e um colírio. No dia da viagem, (quinta-feira da Paixão) já tinha dificuldade de ler as mensagens do celular (em letra ampliada). Lá, dia seguinte, acordei, percebendo parte do olho coberto por uma espécie de véu; e, no sábado, à noite, não divisava as faces das pessoas. No domingo, andei e me alimentei monitorado. Contudo, sentimos a mão divina mover-se, na minha família, e a meu favor, mais uma vez. 

Outro casal participou do “retiro”. Ele, colega de trabalho do amigo que nos levou, aceitou também o convite, de véspera. Sua esposa, ao ver nossa aflição, nos acalmou, citando um centro oftalmológico avançado, em Fortaleza, que já resolvera problemas semelhantes, inclusive num familiar seu. Retornamos no domingo; e, na segunda, nova consulta ao meu oculista, que não só confirmou a informação de nossa amiga, como também me encaminhou ao referido centro. 

O poder da oração

Como geralmente ocorre, pelo menos por aqui, não havia vaga, mas por se tratar de encaminhamento, fui atendido, logo no dia seguinte; e dois dias depois, fui operado, e retornei a casa com mil e uma recomendações. Oh que bom! Eu já estava deixando aquela cegueira temporária, quando, outra vez, me vem o escuro véu. Na Clínica, constatou-se que a colagem estava perfeita, mas outra parte da frágil retina também resolvera desgrudar-se. Outra cirurgia, outro repouso, em posição nada confortável. Evidentemente, familiares e amigos estavam em oração desde o início, inclusive na França. Orações a Jesus das Santas Chagas, pedidos de intercessão de Nossa Senhora e de Santa Luzia. 

Seguem-se os retornos à Clínica, para os necessários acompanhamentos. Até que, alguns meses depois…  “Graças a Deus! Isto aqui não descola mais não!…” — bradou eufórico o cirurgião. Isto se deu na semana da novena de nossa santinha. Cremos que ela, amiga da Virgem Santíssima, intercedeu. Telefonamos para os dois casais parceiros da viagem, e nos encontramos na igrejinha de Santa Luzia, aqui na nossa bela Praia de Iracema, para uma missa de celebração e agradecimentos pela milagrosa intercessão. 

Novena de Santa Luzia

E, se você foi tocado, se conhece alguém (talvez você mesmo) que esteja precisando desta poderosa intercessão, participe da Novena de Santa Luzia pela saúde dos olhos do corpo e da alma disponível no Hozana (clique aqui para se inscrever). 

Reze uma das orações dedicadas à Santa Luzia, disponíveis em livros e sites, ou uma oração espontânea, vinda do fundo seu coração. Neste momento, você pode repetir comigo:

Luzia. Santa antes, durante e após cruel martírio, roga por todos nós, fracos de fé e impotentes ante tanta maldade e miséria, nossas e dos outros! Amém!

Prof. Olímpio Araújo, membro das academias AMLEF, ACLP e ALL, pelo Hozana

Fonte: https://pt.aleteia.org/

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

O essencial é a oração

Monsenhor Ramzi Garmou na Catedral de São José em Teerã [© Getty Images]

Arquivo 30Dias - 12/2010

O essencial é a oração

“Se a missão da Igreja não tiver raízes na oração, e por ela não for alimentada, jamais dará frutos e, como uma árvore que não recebe água, secará”. Palavras de Ramzi Garmou, arcebispo de Teerã dos Caldeus e presidente da Conferência Episcopal do Irã.

de Ramzi Garmou, arcebispo de Teerã dos Caldeus

Quais são as questões relevantes para o futuro das nossas Igrejas no Oriente Médio? Durante o recente Sínodo dos Bispos sublinhei em particular duas questões que agora gostaria de repetir.
Inicialmente eu tinha chamado a atenção sobre o risco para as nossas Igrejas de serem étnicas e nacionalistas, de fecharem-se em si mesmas para conservar cultura, língua e costumes próprios e de perder, deste modo, o sentido missionário.

O segundo ponto referia-se à vida contemplativa e monástica. Sabe-se que tal forma de vida cristã nasceu no Oriente, no Egito, na Mesopotâmia, na Pérsia, e mais tarde passou para o Ocidente. No Irã tivemos períodos em que havia centenas e centenas de mosteiros. E se entre o século IV e o século XIII a Igreja do Oriente, que hoje chamamos Assírio-Caldeia, pôde chegar até a China, a Mongólia, a Índia e a outros países, foi graças à presença de mosteiros onde a vida de oração era muito fervorosa e profunda. Se a missão da Igreja não tiver raízes na oração, e por ela não for alimentada, jamais dará frutos e, como uma árvore que não recebe água, secará. Hoje nos nossos países no Oriente, infelizmente, assistimos ao desaparecimento dessa forma de oração e de vida cristã.

Na minha opinião, a principal razão dessa dolorosa condição é o enfraquecimento da nossa fé e a preferência dada a outras atividades, no lugar da oração. O perigo do ativismo ameaça os que fazem o trabalho pastoral e faz com que esqueçamos o essencial da nossa missão e consagremos muito tempo às coisas secundárias. Recordemo-nos do episódio evangélico de Marta e Maria. Foi o próprio Jesus que disse que Maria, sentada aos seus pés enquanto escuta as suas palavras, escolheu a parte melhor, escolheu o essencial.

O Evangelho evidencia com força o tempo que Jesus dedica à oração. Ele despedia-se das multidões que vinham vê-lo para se afastar e rezar sozinho, transcorria as noites em oração... Jesus não nos pede para fazer muitas coisas, mas para fazer o essencial. O trabalho pastoral e a oração são complementares entre eles. Ambos são necessários para que a missão dê seus frutos, frutos que permaneçam. Espero que com a ajuda do Espírito Santo, possamos restabelecer esta forma de vida cristã e eclesial nas nossas Igrejas e responder a essa necessidade tão concreta e urgente.

Os quatro bispos que formam a Conferência Episcopal do Irã participaram do Sínodo. Na nossa próxima reunião deveremos tentar colocar em prática as decisões e as orientações sinodais, de modo que o grão semeado no Vaticano possa crescer e dar frutos para a Igreja de Cristo no Irã.

A Constituição da República Islâmica do Irã reconhece oficialmente três minorias religiosas: cristãos, zoroastrianos e judeus. Nós temos a liberdade de realizar as nossas atividades religiosas dentro dos nossos lugares de culto sem poder testemunhar a nossa fé cristã publicamente. Considerando que gozamos de uma liberdade religiosa limitada, é preciso fazer de tudo para que esta liberdade sirva a animar e a aprofundar a fé dos fiéis e torná-los conscientes da sua missão no país.

A emigração dos cristãos não começou hoje, não começou com a chegada do regime islâmico, conta já com um século de história e aumentou de intensidade nos últimos anos. Na minha opinião, as razões são numerosas. Há uma de ordem econômica, como acontece em muitos países: o índice de desemprego no Irã é muito elevado, muitos não têm trabalho, sem salário e sem possibilidade de enfrentar as despesas diárias. A segunda é de ordem política, ligada à condição de conflito e de insegurança que reina nos países desta região, e que se agravou depois da injusta ocupação do Iraque por parte dos Estados Unidos e as ameaças destes últimos contra o Irã.

A terceira refere-se a uma agência judaica com sede nos Estados Unidos, chamada Hias, que há cerca de dez anos encarrega-se de facilitar a saída dos cristãos iranianos para levá-los aos Estados Unidos, passando pela Áustria. Usando essa via, um grande número de fiéis abandonou o Irã e outros preparam-se para fazê-lo. Não sei por que essa agência faz este tipo de trabalho, sei que é uma das causas da aceleração da emigração.

Sobre o diálogo inter-religioso, há o oficial entre a Santa Sé e o Irã. E várias vezes tive a oportunidade, tanto em Teerã como no Vaticano, de participar aos encontros do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. A importância deste confronto foi colocada em evidência pelas proposições do Sínodo. Parece-me que manter este diálogo seja um gesto de sabedoria, pois permite um melhor conhecimento recíproco e o consolidamento de amizades fundamentadas em um espírito de confiança. Como cristãos, acreditamos na ação do Espírito Santo, que age no coração de cada homem e leva-o à verdade revelada em Jesus Cristo. Um diálogo vivido na fé e na sinceridade pode acender a luz da fé nos corações dos que dele participam. Porém, gostaria de insistir na necessidade e na eficácia do diálogo na vida cotidiana. Em um país como o Irã – onde somos um pequeno rebanho cristão ao lado de uma maioria absoluta islâmica – é através das trocas assim simples e naturais que podemos testemunhar a nossa fé em Jesus Cristo. Todos os dias, no nosso trabalho, na escola, no ônibus ou na vizinhança, estamos ao lado dos nossos irmãos muçulmanos, e cabe a nós transformarmos tais ocasiões gratuitas em momentos nos quais anunciar o Evangelho, e isso é possível quando a nossa vida é animada todos os dias pelo amor ao nosso próximo.

Infelizmente o Sínodo, em duas semanas de trabalhos, não atribuiu suficiente relevância à difícil, crítica condição dos catecúmenos e dos neófitos no Oriente Médio. Frequentemente são afastados das próprias famílias, perseguidos pelos regimes e, o que é pior, sentem-se excluídos da Igreja, que não quer assumir nenhum risco. O Evangelho nos recorda que a perseguição e o martírio fazem parte da vida cristã e da missão da Igreja. Rezemos ao Espírito Santo, Espírito de coragem e de força, para que nos torne capazes de acolher os nossos irmãos e as nossas irmãs, que graças ao seu testemunho de vida consolidam a Igreja, corpo místico de Cristo.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Fé, verdade e cultura (7/8)

Fé, verdade e cultura (Presbíteros)

Fé, verdade e cultura

Por Joseph Ratzinger

a) A diferença entre as religiões e seus perigos

Temos que conformar-nos com isso? É inevitável a alternativa entre o rigorismo dogmático e o relativismo humanitário? Penso que as teorias aqui analisadas não pensaram suficientemente três coisas. Em primeiro lugar, as religiões (e agora também o agnosticismo e o ateísmo) são consideradas iguais. Mas com certeza isto não é assim. Com efeito, há formas de religião degeneradas e doentias, que não elevam o homem, mas o alienam: a crítica marxista da religião não carecia totalmente de base. Também as religiões com uma certa grandeza moral, e que estão a caminho da verdade, podem estar doentes em alguns pontos. No hinduísmo (que mais propriamente é um nome coletivo para diversas religiões), há elementos grandiosos, mas também aspectos negativos: por exemplo o entrelaçamento com o sistema de castas, a prática da queima de viúvas – que se formou a partir de representações inicialmente simbólicas -, bem como as aberrações do shaktismo (*), para mencionar apenas uns poucos exemplos. Também o Islã, com toda a grandeza que representa, está continuamente exposto ao perigo de perder o equilíbrio, de dar espaço à violência e deixar que a religião deslize para o ritualismo externo.

E naturalmente há também, como todos nós bem sabemos, formas doentias no cristianismo. Assim aconteceu quando os cruzados, na conquista da cidade santa de Jerusalém, em que Cristo morreu por todos os homens, mergulharam muçulmanos e judeus num banho de sangue. Isto significa que a religião exige discernimento, discernimento em relação às formas das religiões e discernimento no interior da própria religião, conforme o seu próprio nível.

Com o indiferentismo quanto aos conteúdos e às idéias – todas as religiões, embora distintas, seriam iguais -, não se pode avançar. O relativismo é perigoso, tanto para a formação do ser humano individualmente como em comunidade. A renúncia à verdade não cura o homem. Não se pode esquecer o enorme mal que se fez na História em nome de opiniões e intenções boas.

b) A questão da salvação

Tocamos já o segundo ponto costumeiramente deixado de lado. Surpreendentemente, quando se fala do significado salvífico das religiões, pensa-se, na maioria das vezes, apenas em que todas possibilitariam a vida eterna, o que acaba neutralizando o pensamento da vida eterna, pois todo o mundo chegaria a ela de uma forma ou de outra. Contudo, isso rebaixa de maneira inconveniente a questão da salvação.

O céu começa na terra. A salvação no além pressupõe uma vida correspondente no aquém. Não podemos, pois, perguntar-nos apenas quem vai para o céu e desentender-nos simultaneamente da questão do céu. É necessário perguntar o que é o céu e como vem à terra. A salvação do além deve refletir-se numa forma de vida que torne o homem humano no aquém, isto é, neste mundo, e portanto conforme com a vontade de Deus. Uma vez mais, isto significa que, na questão da salvação, é preciso olhar para além das próprias religiões, para um horizonte ao qual pertencem as regras de uma vida reta e justa, regras que não podem ser relativizadas arbitrariamente. Eu diria, pois, que a salvação começa com a vida reta e justa do homem neste mundo, que abarca sempre os dois polos: o indivíduo e a comunidade.

Há formas de comportamento que nunca podem servir para tornar reto e justo o homem, e outras que sempre pertencem ao ser reto e justo do homem. Isto significa que a salvação não está nas religiões como tais, mas depende também de até que ponto elas levam os homens à Deus, à verdade e ao bem. Por isso, a questão da salvação traz sempre consigo um elemento de crítica religiosa, embora também possa aliar-se positivamente com as religiões. Em qualquer caso, tem a ver com a unidade do bem, com a unidade do verdadeiro, com a unidade de Deus e do homem.

c) A consciência e a capacidade do homem para a verdade

A unidade do homem tem um órgão: a consciência. Foi uma ousadia de São Paulo afirmar que todos os homens têm a capacidade de escutar a sua consciência, separando assim a questão da salvação da questão do conhecimento e da observância da Torah, e situando-a no terreno da comum exigência interior em que o Deus único fala e diz a cada um o que é verdadeiramente essencial na Lei: Quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente as prescrições da lei, sem ter lei são lei para si mesmos, demonstrando que têm a realidade dessa lei escrita no seu coração, segundo o testemunho da sua consciência… (Rom 2, 14 e segs.). Paulo não diz: “Se os gentios se mantiverem firmes na sua religião, isso é bom diante do juízo de Deus”. Pelo contrário, ele condena grande parte das práticas religiosas do seu tempo. Remete para outra fonte, para aquela que todos trazem escrita no coração, para o único bem do único Deus.

Enfrentam-se hoje dois conceitos contrários de consciência neste ponto, que na maioria das vezes simplesmente se intrometem um no outro. Para Paulo, a consciência é o órgão da transparência do único Deus em todos os homens, que são um só homem. Mas, atualmente, a consciência aparece como expressão do caráter absoluto do sujeito, acima do qual não poderia haver, no campo moral, nenhuma instância superior. O bem como tal não seria cognoscível. O Deus único não seria cognoscível. No que diz respeito à moral e à religião, a última instância seria o sujeito. Isso seria lógico, se a verdade como tal fosse inacessível.

Assim, o conceito moderno de consciência equivale à canonização do relativismo, da impossibilidade de haver normas morais e religiosas comuns, ao passo que, pelo contrário, para Paulo e para a tradição cristã, a consciência sempre foi a garantia da unidade do ser humano e da cognoscibilidade de Deus, e portanto da obrigatoriedade comum de um mesmo e único bem. O fato de em todos os tempos ter havido e haver santos pagãos baseia-se em que em todos os lugares e em todos os tempos – embora muitas vezes com grande esforço e apenas parcialmente – a voz do coração era perceptível; a Torah de Deus se nos fazia perceptível como obrigação dentro de nós mesmos, no nosso ser criatural, e desse modo tornava possível que superássemos a mera subjetividade na relação de uns com os outros e na relação com Deus. E isto é a salvação.

Resta saber o que Deus faz com os pobres fragmentos do nosso caminho rumo ao Bem, rumo a Ele mesmo e ao Seu mistério: um caminho que não deveríamos pretender controlar.

(*) Conjunto de crenças dentro do tantrismo – movimento filosófico e ritualístico que influenciou diversas seitas hinduístas, budistas etc. – que preconiza a realização espiritual por meio de práticas densamente simbolistas, que em alguns casos abrangem a magia negra, o culto à morte e práticas sexuais orgiásticas (N. do T.)

Joseph Ratzinger

Fonte: Site interrogantes.net

Link: http://www.interogantes.net

Tradução: Quadrante

https://presbiteros.org.br/

Onde conservar as cinzas dos defuntos? Duas respostas do Dicastério para a Doutrina da Fé

A sede do Dicastério para a Doutrina da Fé (Vatican Media)

O cardeal Zuppi havia perguntado se era possível mantê-las em locais comuns, semelhantes aos ossuários, e se uma pequena parte poderia ser mantida em um local significativo para o falecido. Sim, em ambos os casos. Deve-se evitar todo e qualquer equívoco panteísta, naturalista ou niilista.

Vatican News

Será possível predispor um lugar sagrado "para a acumulação e conservação comunitária das cinzas dos batizados falecidos", ou seja, um cinerário comunitário onde as cinzas individualmente consideradas são depositadas. É o que afirma o Dicastério para a Doutrina da Fé em resposta a duas perguntas do arcebispo de Bolonha, norte da Itália, Matteo Zuppi, sobre o tema da cremação dos fiéis defuntos. A segunda resposta afirma que a autoridade eclesiástica também pode considerar e avaliar o pedido dos membros da família para manter uma "parte mínima" das cinzas de uma pessoa falecida em um local significativo para a história da pessoa que morreu.

O cardeal Zuppi, diante do "aumento da escolha de cremar o falecido" e de dispersar as cinzas na natureza, também para "não deixar que prevaleçam as razões econômicas, sugeridas pelo menor custo da dispersão, e dar indicações para o destino das cinzas, uma vez expirado o prazo para a sua preservação", desejando "corresponder não só ao pedido dos familiares, mas sobretudo à proclamação cristã da ressurreição dos corpos e do respeito devido a eles", apresentou estas questões. A primeira: "Levando em conta a proibição canônica de espalhar as cinzas de uma pessoa falecida - semelhante ao que acontece nos ossuários - é possível predispor um local sagrado definido e permanente para a acumulação e preservação comunitária das cinzas de pessoas batizadas falecidas, indicando para cada uma delas os dedos pessoais?". E a segunda: "Pode-se permitir que uma família guarde parte das cinzas de um familiar em um lugar significativo para a história do falecido?"

O Dicastério, em um texto assinado pelo cardeal prefeito Victor Fernandez e aprovado pelo Papa em 9 de dezembro, responde afirmativamente. Em primeiro lugar, lembra que, de acordo com a Instrução Ad resurgendum cum Christo 2016 (nº 5), "as cinzas devem ser mantidas em um lugar sagrado (cemitério), e também em uma área especificamente dedicada a esse fim, desde que tenha sido designada para esse fim pela autoridade eclesiástica". As razões para essa escolha são citadas, a saber, a necessidade de "reduzir o risco de remover o falecido da memória e das orações dos parentes e da comunidade cristã" e evitar "o esquecimento e a falta de respeito", bem como "práticas inconvenientes ou supersticiosas".

Em seguida, é lembrado: "Nossa fé nos diz que seremos ressuscitados com a mesma identidade corporal que é material", embora "essa matéria será transfigurada, liberada das limitações deste mundo. Nesse sentido, a ressurreição será nesta carne em que vivemos agora". Mas essa transformação "não implica a recuperação das partículas idênticas de matéria que formavam o corpo". Portanto, o corpo ressuscitado "não consistirá necessariamente dos mesmos elementos que tinha antes de morrer. Não se tratando de uma simples revivificação do cadáver, a ressurreição pode ocorrer mesmo que o corpo tenha sido totalmente destruído ou disperso. Isso nos ajuda a entender por que em muitos cemitérios as cinzas dos falecidos são mantidas todas juntas, sem mantê-las em lugares separados".

Em seguida, o Dicastério ressalta que "as cinzas do falecido procedem de restos materiais que fizeram parte do percurso histórico vivido pela pessoa, a ponto de a Igreja ter um cuidado e uma devoção especiais pelas relíquias dos Santos. Esse cuidado e essa memória também nos levam a uma atitude de respeito sagrado" em relação às cinzas, que "guardamos em um lugar sagrado e adequado para a oração".

Portanto, o Dicastério responde a Zuppi que "é possível predispor de um lugar sagrado, definido e permanente, para a acumulação e conservação comunitária das cinzas dos batizados falecidos, indicando para cada um os dados pessoais para não dispersar a memória nominal". A Igreja, por conseguinte, admite a possibilidade de depositar as cinzas em um lugar comum, como acontece com os ossuários, mas preservando a memória nominal de cada um dos falecidos individualmente. Por fim, afirma-se que, excluindo todo e "qualquer tipo de equívoco panteísta, naturalista ou niilista", em conformidade com as normas civis, se as cinzas do falecido forem mantidas em um local sagrado, a autoridade eclesiástica "pode considerar e avaliar um pedido de uma família para preservar devidamente uma parte mínima das cinzas de seu parente em um local significativo" para sua história.

Em resposta a uma pergunta da mídia vaticana, o Dicastério explicou que a intervenção e a avaliação da autoridade eclesiástica não são apenas canônicas, mas também de natureza pastoral, para ajudar a família a discernir quais escolhas fazer, levando em conta todos os fatores.

Considerando que algumas legislações não permitem que as cinzas do falecido sejam divididas, o Dicastério acrescentou que a segunda pergunta surgiu de um diálogo entre bispos de diferentes países, aos quais o cardeal Zuppi deu voz, e considerou a possibilidade de um ponto de vista teológico e não civil, como foi posteriormente esclarecido na resposta.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF