2ª Pregação do Advento 2023 (Vatican Media)
Segunda Pregação do Advento 2023 do cardeal
Cantalamessa
"O presépio é, portanto,
uma tradição útil e bela, mas não podemos nos contentar com os tradicionais
presépios externos. Devemos montar para Jesus um presépio diverso, um presépio
do coração. Corde creditur: crê-se com o coração. Christum habitare per fidem
in cordibus vestris: que Cristo venha habitar em vossos corações pela fé (Ef
3,17). Maria e o seu Esposo continuam, misticamente, a bater às portas, como
fizeram naquela noite em Belém."
Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap
“BEM-AVENTURADA AQUELA QUE ACREDITOU!”
Segunda Pregação do Advento de 2023
Depois
do Precursor João Batista, hoje nos deixamos conduzir
pela Mãe de Jesus para “entrarmos” no mistério do Natal. No
Evangelho de domingo passado, o Quarto do Advento, ouvimos a narrativa da
Anunciação. Ele nos recorda como Maria concebeu e deu à luz o Cristo e como
podemos concebê-lo dá-lo à luz também nós, isto é, mediante a fé! Referindo-se
a este momento, Isabel, pouco depois, exclamará: “Bem-aventurada aquela que
acreditou” (Lc 1,45).
Repetiu-se,
infelizmente, acerca da fé de Maria, o que acontecera com a pessoa de Jesus.
Como os hereges arianos buscavam qualquer pretexto para pôr em dúvida a plena
divindade de Cristo, os Padres da Igreja, para lhes tirar qualquer apoio, às
vezes deram uma explicação “pedagógica” de todos aqueles textos do Evangelho
que pareciam admitir um progresso de Jesus no conhecimento da vontade do Pai e
na obediência a ela. Um destes textos era o da Carta aos Hebreus, segundo a
qual Jesus “aprendeu o que significa a obediência, por aquilo que sofreu” (Hb
5,8), um outro, a oração de Jesus no Getsêmani. Em Jesus, tudo devia ser dado e
perfeito em princípio. Como bons gregos, pensavam que o tornar-se não
pode incidir sobre o ser das coisas.
Algo de
semelhante, eu dizia, se repetiu, tacitamente, para a fé de Maria. Dava-se por
pressuposto que ela tivesse cumprido o seu ato de fé no momento da Anunciação e
nele tivesse permanecido estável por toda a vida, como quem com a sua voz,
alcançou de uma vez a nota mais aguda e a mantém interruptamente por todo o
resto do canto. Dava-se uma explicação reconfortante de todas as palavras que
pareciam dizer o contrário.
O dom que o
Espírito Santo deu à Igreja, com a renovação da Mariologia, foi a descoberta de
uma dimensão nova da fé de Maria. A Mãe de Deus – afirmou o Concílio Vaticano
II – “avançou pelo caminho da fé” (LG 58). Não acreditou de uma vez por todas,
mas caminhou na fé e progrediu nela. A afirmação foi retomada e tornada mais
explícita por São João Paulo II na Encíclica Redemptoris Mater:
As palavras
de Isabel: “Bem-aventurada aquela que acreditou” não se aplicam apenas àquele
momento particular da Anunciação. Esta representa, sem dúvida, o momento
culminante da fé de Maria na expectação de Cristo, mas é também o ponto de
partida, no qual se inicia todo o seu caminho para Deus, toda a sua
caminhada de fé (RM 14).
Neste
caminho, Maria chegou, escrevia o Papa, até a “noite da fé” (RM 17). São
conhecidas e repedidas as palavras de Santo Agostinho sobre a fé de Maria:
“A Virgem
Maria deu à luz crendo, aquele que tinha concebido crendo (“quem credendo
peperit, credendo concepit”)... Depois que o anjo tinha falado, ela, cheia
de fé, concebendo Cristo no coração antes que no ventre, respondeu:
“Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”[1].
Devemos
completar a lista do que aconteceu depois da Anunciação e do Natal: pela fé,
Maria apresentou o Menino no templo, pela fé o seguiu, mantendo-se à parte, em
sua vida pública, pela fé esteve sob a cruz, pela fé aguardou a sua
ressurreição.
Reflitamos
sobre alguns momentos do caminho de fé da Mãe de Deus. Há fatos aparentemente
contrastantes que Maria confronta dentro de si, sem compreender. É “o Filho de
Deus” e deita em uma manjedoura! Ela conserva tudo em seu coração e deixa que
fermente à espera. Ouvirá a profecia de Simeão e logo se dará conta do quanto
era verdadeira! Todos os altos e baixos da vida do filho, todas as
incompreensões, as progressivas deserções ao seu redor, tiveram uma profunda
repercussão em seu coração de Mãe. Começa a fazer experiência dolorosa disso na
perda de Jesus no templo: “Por que me procuráveis? Eles, porém, não
entenderam...” (Lc 2,49).
Enfim, há a
cruz. Está lá, impotente diante do martírio do filho, mas consente ao amor. É
uma réplica do drama de Abraão, mas quão imensamente mais exigente! Com Abraão,
Deus se detém no último momento, com ela não. Aceita que o filho seja imolado,
o entrega ao Pai, com o coração dilacerado, mas de pé, forte pela sua fé
inabalável. É aqui que a voz de Maria alcança a nota mais alta. De Maria,
deve-se dizer com maior razão o que o Apóstolo diz de Abraão: esperando contra
toda esperança, Maria acreditou e, assim, tornou-se mãe de muitos povos (Rm
4,18).
Houve um
tempo em que a grandeza de Maria era vista sobretudo nos privilégios que
competiam para multiplicar, com o resultado de distanciá-la, ao invés de
“associá-la” a Cristo, o qual se fizera “em tudo semelhante a nós”, nada
excluído, nem mesmo a tentação, mas somente o pecado. O Concílio nos orientou a
ver a sua grandeza sobretudo na sua fé, esperança e caridade. Afirma a Lumen
gentium:
Concebendo,
gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no templo, padecendo com
Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a sua fé,
esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a
vida sobrenatural. É por esta razão nossa mãe na ordem da graça (LG 61).
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Tradução de
Fr. Ricardo Farias, OFMCap.
Notas:
[1] Cf. Agostinho, Discursos, 215,4.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt