Escrevemos
este Comunicado à imprensa para ajudar a esclarecer a recepção
de Fiducia supplicans, recomendando ao mesmo tempo uma leitura
completa e atenta da citada Declaração para compreender melhor
o significado de sua proposta.
1.
Doutrina
Os
compreensíveis pronunciamentos de algumas Conferências Episcopais sobre o
documento Fiducia supplicans têm o valor de evidenciar a
necessidade de um período mais longo de reflexão pastoral. Quanto foi expresso
por essas Conferências Episcopais não pode ser interpretado como uma oposição
doutrinal, porque o documento é claro e clássico a respeito do matrimônio e da
sexualidade. Existem diversas frases fortes na Declaração que
não deixam dúvidas:
«A presente
Declaração permanece firme quanto à doutrina tradicional da Igreja sobre o
matrimônio, não admitindo nenhum tipo de rito litúrgico ou de bênçãos
semelhantes a um rito litúrgico que possam criar confusão». Age-se
diante de casais em situação irregular «sem convalidar oficialmente o
seu status ou modificar de algum modo o ensinamento perene da
Igreja sobre o matrimônio» (Apresentação).
«São
inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre aquilo que é
constitutivo do matrimônio, como “união exclusiva, estável e indissolúvel entre
um homem e uma mulher, naturalmente aberta à geração de filhos” e aquilo que o
contradiz. Esta convicção é fundada sobre a perene doutrina católica do
matrimônio. Somente neste contexto as relações sexuais encontram o seu sentido
natural, adequado e plenamente humano. A doutrina da Igreja sobre este ponto
permanece firme» (4).
«Tal é
também o sentido do Responsum da então Congregação para a
Doutrina da Fé, onde se afirma que a Igreja não tem o poder de conceder a
bênção a uniões entre pessoas do mesmo sexo» (5).
«Dado que a
Igreja desde sempre considerou moralmente lícitas somente aquelas relações
sexuais que são vividas ao interno do matrimônio, ela não tem o poder de
conferir a sua bênção litúrgica quando esta, de qualquer modo, possa oferecer
uma forma de legitimação moral a uma união que presuma ser um matrimônio ou a
uma prática sexual extra-matrimonial» (11).
Evidentemente,
não há espaço para se tomar distância doutrinal desta Declaração ou
para considerá-la herética, contrária à Tradição da Igreja ou blasfema.
2.
Recepção prática
Alguns
Bispos, todavia, exprimem-se em modo particular a respeito de um aspecto
prático: as possíveis bênçãos de casais em situação irregular. A Declaração contém
a proposta de breves e simples bênçãos pastorais (não litúrgicas, nem
ritualizadas) de casais irregulares (não das uniões), sublinhando
que se trata de bênçãos sem forma litúrgica, que não aprovam nem justificam a
situação em que se encontram essas pessoas.
Os
documentos do Dicastério para a Doutrina da Fé, como Fiducia supplicans,
podem requerer, nos seus aspectos práticos, mais ou menos tempo para a sua
aplicação, segundo os contextos locais e o discernimento de cada Bispo
diocesano com a sua Diocese. Em alguns lugares não existem dificuldades para
uma aplicação imediata, em outros há a necessidade de não inovar nada enquanto
se toma todo o tempo necessário para a leitura e a interpretação.
Alguns
Bispos, por exemplo, estabeleceram que cada sacerdote deve realizar o
discernimento, mas poderá dar essas bênçãos apenas de modo privado. Nada disso
é problemático, se é expresso com o devido respeito por um texto assinado e
aprovado pelo próprio Sumo Pontífice, buscando de algum modo acolher a reflexão
nele contida.
Cada Bispo
local, em virtude do próprio ministério, tem sempre o poder do
discernimento in loco, isto é, naquele lugar concreto que ele
melhor que outros conhece, porque é o seu rebanho. A prudência e a atenção ao
contexto eclesial e à cultura local poderiam admitir diversas modalidades de
aplicação, mas não uma negação total ou definitiva deste caminho que é proposto
aos sacerdotes.
3.
A situação delicada de alguns países
O caso de
algumas Conferências Episcopais deve ser compreendido no próprio contexto. Em
diversos países existem fortes questões culturais e até mesmo legais que
requerem tempo e estratégias pastorais a longo prazo.
Se existem
legislações que condenam à prisão e, em alguns lugares, à tortura e até à morte
o simples fato de declarar-se homossexual, entende-se que seria imprudente uma
bênção. É evidente que os Bispos não queiram expor as pessoas homossexuais à
violência. Permanece importante, porém, que estas Conferências Episcopais não
sustentem uma doutrina diferente daquela da Declaração aprovada
pelo Papa, enquanto é a doutrina de sempre, mas sobretudo que proponham a
necessidade do estudo e do discernimento para agir com prudência pastoral em um
tal contexto.
Na verdade,
não são poucos os países que em diversa medida condenam, proíbem e criminalizam
a homossexualidade. Nestes casos, além da questão das bênçãos, existe uma
tarefa pastoral de grande amplitude, que inclui formação, defesa da dignidade
humana, ensinamento da Doutrina Social da Igreja e diversas estratégias que não
admitem pressa.
4.
A verdadeira novidade do documento
A
verdadeira novidade desta Declaração, que requer um generoso
esforço de recepção, do qual ninguém deveria declarar-se excluído, não é a
possibilidade de abençoar casais irregulares. É o convite a distinguir duas
formas diferentes de bênção: “litúrgicas ou ritualizadas” e “espontâneas ou pastorais”.
Na Apresentação é explicado claramente que «o valor deste
documento é […] aquele de oferecer uma contribuição específica e inovativa
ao significado pastoral das bênçãos, que permite ampliar e
enriquecer sua compreensão clássica, estreitamente ligada a uma perspectiva
litúrgica». Esta «reflexão teológica, baseada sobre a visão pastoral de Papa
Francisco, implica um verdadeiro desenvolvimento a respeito de quanto foi dito
sobre as bênçãos no Magistério e nos textos oficiais da Igreja».
Como pano
de fundo, encontra-se a avaliação positiva da “pastoral popular” que aparece em
muitos textos do Santo Padre. Neste contexto, o Santo Padre nos convida a
valorizar a fé do Povo de Deus, que mesmo em meio aos seus pecados sai da
imanência e abre o seu coração para pedir a ajuda de Deus.
Por esta
razão, mais que pela bênção a casais irregulares, o texto do Dicastério adotou
a elevada forma de uma “Declaração”, que representa muito mais que um responsum ou
que uma carta. O tema central, que convida particularmente a um aprofundamento
que enriqueça a prática pastoral, é a compreensão mais ampla das bênçãos e a
proposta de aumentar as bênçãos pastorais, que não exigem as mesmas condições
daquelas realizadas num contexto litúrgico ou ritual. Em consequência, para
além da polêmica, o texto requer um esforço de reflexão serena, feita com
coração de pastor, livre de toda ideologia.
Mesmo que
algum Bispo considere prudente para o momento não dar estas bênçãos, permanece
verdadeiro que todos necessitamos crescer na convicção de que as bênçãos não
ritualizadas não são uma consagração da pessoa ou do casal que as recebe, não
justificam todas as suas ações, não ratificam a vida que leva. Quando o Papa
nos pediu para crescer na compreensão mais ampla das bênçãos pastorais, ele nos
propôs pensar um modo de abençoar que não implique tantas condições para
realizar este gesto simples de proximidade pastoral, que é um meio para
promover a abertura a Deus em meio às mais diversas circunstâncias.
5.
Como se apresentam concretamente estas “bênçãos pastorais”?
Para
distinguir-se claramente das bênçãos litúrgicas ou ritualizadas, as “bênçãos
pastorais” devem ser sobretudo muito breves (cfr. n. 28). Trata-se de bênçãos
de poucos segundos, sem uso do Ritual de Bênçãos. Se se aproximam juntas duas
pessoas para pedi-la, simplesmente implora-se ao Senhor paz, saúde e outros
bens para estas duas pessoas que as pedem. Ao mesmo tempo, implora-se que
possam viver o Evangelho de Cristo em plena fidelidade e que o Espírito Santo
as livre de tudo que não corresponde à vontade divina e de tudo que requer
purificação.
Esta forma
de bênção não ritualizada, com a simplicidade e a brevidade de sua forma, não
pretende justificar algo que não seja moralmente aceitável. Obviamente, não é
um matrimônio, nem mesmo uma “aprovação”, nem a ratificação de coisa alguma. É
unicamente a resposta de um pastor a duas pessoas que pedem a ajuda de Deus.
Por isso, neste caso, o pastor não põe condições e não quer conhecer a vida
íntima dessas pessoas.
Dado que
alguns manifestaram dúvidas sobre como poderiam ser estas bênçãos, vejamos um
exemplo concreto: imaginemos que em meio a uma grande peregrinação um casal de
divorciados em nova união diga ao sacerdote: “Por favor, nos dê uma
bênção, não conseguimos encontrar trabalho, ele está muito doente, não temos
uma casa, a vida está se tornando muito pesada: que Deus nos ajude!”.
Neste caso,
o sacerdote pode recitar uma simples oração como esta: «Senhor, olha estes
teus filhos, concede-lhes saúde, trabalho, paz e ajuda recíproca. Livra-os de
tudo aquilo que contradiz o teu Evangelho e concede-lhes viver segundo a tua
vontade. Amém». E conclui com o sinal da cruz sobre cada um deles.
Trata-se de
10 ou 15 segundos. Faz sentido negar este tipo de bênção a essas duas pessoas
que a imploram? Não é o caso de sustentar a sua fé, pouca ou muita que seja; de
ajudar a sua fraqueza com a bênção divina e de dar um canal a esta abertura à
transcendência, que poderia conduzi-las a ser mais fiéis ao Evangelho?
Para
afastar equívocos, a Declaração acrescenta que, quando a
bênção é pedida por um casal em situação irregular, «ainda que expressa fora
dos ritos previstos pelos livros litúrgicos […] esta bênção jamais será
realizada conjuntamente a ritos civis de união e nem mesmo em relação a estes.
Nem sequer com as roupas, gestos ou palavras próprios de um matrimônio. O mesmo
vale quando a bênção é pedida por um casal do mesmo sexo» (39). É claro,
portanto, que ela não deve acontecer num lugar importante do edifício sacro ou
diante do altar, porque isto causaria confusão.
Por esta
razão, cada Bispo na sua Diocese é autorizado pela Declaração Fiducia
supplicans a ativar este tipo de bênçãos simples, com todas as
recomendações de prudência e de atenção, mas em nenhum modo é autorizado a
propor ou a ativar bênçãos que possam assemelhar-se a um rito litúrgico.
6.
Catequese
Em alguns
lugares, talvez será necessária uma catequese que ajude a todos a entender que
este tipo de bênção não é uma ratificação da vida que levam aqueles que a
imploram. Menos ainda é uma absolvição, enquanto estes gestos estão longe de
ser um sacramento ou um rito. São simples expressão de proximidade pastoral que
não propõem as mesmas exigências de um sacramento nem de um rito formal.
Deveremos habituar-nos todos a aceitar o fato que, se um sacerdote dá este tipo
de bênçãos simples, não é um herético, não ratifica nada, não está negando a
doutrina católica.
Podemos
ajudar o Povo de Deus a descobrir que este tipo de bênção é um simples canal
pastoral que ajuda as pessoas a manifestar a própria fé, ainda que sejam
grandes pecadores. Por isso, ao dar esta bênção a duas pessoas que juntas se
aproximam para implorá-la espontaneamente, não as estamos consagrando, nem nos
estamos congratulando com elas, nem estamos aprovando o seu modo de união. Na
verdade, o mesmo acontece quando abençoamos as pessoas individualmente, no
sentido de que o indivíduo que pede uma bênção – não a absolvição – poderia ser
um grande pecador, mas não por isso negamos este gesto paterno em meio à sua
luta para sobreviver.
Se isto é
esclarecido graças a uma boa catequese, podemos livrar-nos do medo de que
nossas bênçãos exprimam algo de inadequado. Podemos ser ministros mais livres e
talvez mais próximos e fecundos, com um ministério pleno de gestos de
paternidade e de proximidade, sem medo de ser mal-interpretados.
Peçamos ao Senhor recém-nascido que derrame sobre todos uma generosa e graciosa bênção, para podermos viver um santo e feliz 2024.
Víctor
Manuel Card. FERNÁNDEZ
Prefeito
Mons.
Armando MATTEO