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quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

A Terra Santa entre medos e esperanças (1/3)

Um palestino observa o muro construído pelos israelenses dentro da Cisjordânia (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 01/02 – 2006

A POLÍTICA DO ORIENTE MÉDIO DA SANTA SÉ

A Terra Santa entre medos e esperanças

O Médio Oriente, na encruzilhada de três continentes, é o berço das três religiões monoteístas. É a fonte mais importante de abastecimento de hidrocarbonetos, mas é também vítima da situação criada pelo conflito não resolvido israelo-palestiniano. É a zona do mundo onde mais se gasta em armas, apesar dos gigantescos bolsões de pobreza. As reflexões do cardeal francês que trabalhou na diplomacia vaticana durante trinta anos.

do Cardeal Jean-Louis Tauran

Ao preparar-me para o encontro desta tarde, pensei que ficaria feliz se, uma vez terminado, os meus ouvintes pudessem perceber a liberdade com que os papas e os seus colaboradores enfrentam, numa perspectiva primorosamente ética, situações tão complexas como a do Médio Oriente. Leste. Afinal, as palavras dos papas ou a ação discreta dos diplomatas pontifícios são a voz da consciência, que, diante de uma região onde toda situação pode mudar da noite para o dia, diz: não podemos aceitar a banalização das pequenas e grandes guerras que perpetuam injustiça e afligem populações inteiras, que não sabem se terão futuro. A Santa Sé nunca deixa de encorajar o regresso à legalidade internacional: isto é, a recusa de reconhecer a aquisição de territórios pela força, o direito dos povos à autodeterminação, o respeito pela Carta e pelas Resoluções da ONU, para ser muito breve. Liberdade, verdade e diálogo: assim se poderia resumir a diplomacia pontifícia!

Mas antes de entrar no mérito do tema que me foi atribuído, gostaria de fazer alguns breves esclarecimentos: o que se entende por “Oriente Médio”, o que indica a expressão “Santa Sé”? 

O Médio Oriente 

A noção moderna de Médio Oriente é atestada pela primeira vez em 1902, num artigo de Alfred Mahan, publicado na National Review de Londres . É uma área que se estende desde o Mediterrâneo oriental até ao Paquistão e inclui povos árabes e não árabes. Desde 1948 inclui também o Estado de Israel. As crises políticas que o abalam e as guerras que o destroem, bem como os seus próprios recursos energéticos conferem-lhe uma centralidade económica e estratégica sempre renovada, como terei oportunidade de ilustrar em breve.

Cada povo tem direito à sua própria terra com soberania e liberdade. Os papas sempre disseram isso e o disseram a todos e para todos. Você não pode defender os seus direitos legítimos pisoteando os dos outros. É por isso que os papas se pronunciaram a favor da existência de dois Estados – Israelita e Palestiniano – que gozem da mesma liberdade, soberania, dignidade e segurança.

A Santa Sé não é equivalente à Igreja Católica. Não é o mesmo que o Estado da Cidade do Vaticano. É este centro único de comunhão universal representado pelo Papa e pela sua Cúria ao serviço da Igreja Católica, que é por natureza uma realidade universal. Pelo menos desde o início da Idade Média, os Estados reconheceram neste centro uma subjetividade e independência que lhe permitem ser um verdadeiro “parceiro” dos atores da comunidade internacional, como pessoa jurídica de direito internacional público que prossegue fins religiosos e morais. , do qual todos os povos podem beneficiar. Numa palavra, a Santa Sé nada mais é do que o papado. Um poder moral. O tema escolhido para o nosso encontro é particularmente adequado para evidenciar como a Santa Sé, uma potência moral, preocupada em permanecer imparcial , contribui para uma certa "moralização" da vida internacional, fazendo ouvir a sua voz em defesa dos direitos da pessoa humana e nações, pelo respeito do direito internacional e pela promoção da cooperação e da paz. Como é o Médio Oriente hoje? Obviamente partilharei convosco as minhas opiniões pessoais, fruto da minha certa familiaridade com aquela parte do mundo. E deixe-me explicar. Fui secretário da Nunciatura Apostólica em Beirute de 1979 a 1983, em plena guerra civil. Depois, desde 1990, quando o Papa João Paulo II me nomeou secretário para as relações com os Estados, tenho estado envolvido na normalização das relações entre a Santa Sé e o Estado de Israel (as relações diplomáticas foram estabelecidas em 1994). Além disso, desde a primeira Guerra do Golfo até à crise do Iraque, o tema do Médio Oriente foi um dos que mais mobilizou as minhas energias, até Outubro de 2003, quando fui adicionado ao Colégio Cardinalício. Numerosas missões no Médio Oriente também me deram algum conhecimento dos homens e dos problemas da região. Tudo isto para dizer que o meu relatório será também, num certo sentido, um testemunho. O Oriente Médio é assustador hoje. E com razão. Está localizado na encruzilhada de três continentes. É o berço das três religiões monoteístas. Tornou-se a fonte mais importante de abastecimento de hidrocarbonetos. Mas ele também é vítima da situação criada pelo conflito não resolvido israelo-palestiniano. As consequências da operação americana no Iraque ainda não estão totalmente identificadas. A isto devemos acrescentar a ameaça nuclear e o terrorismo que encontram todos os ingredientes para o seu desenvolvimento num tal contexto.

O Médio Oriente é a região do mundo que mais investe dinheiro em armamentos. As correntes islâmicas extremistas estão presentes em todo o lado. A ausência de alternância política, a pobreza das classes sociais mais humildes, a urbanização descontrolada, o desemprego e a pressão demográfica favorecem uma minoria de privilegiados e a prática da corrupção.

A cúpula da Mesquita Omar em Jerusalém (30Giorni)

É verdade que há alguns lampejos de esperança: foi possível organizar eleições nos territórios palestinianos; a retirada (pelo menos visível) das tropas sírias do Líbano; eleições municipais foram organizadas na Arábia Saudita; O Iraque tem uma Constituição; em muitos países existe uma exigência de participação real na vida política.

Mas também se poderia perguntar: a democracia não poderia mergulhar a região na anarquia? Não poderia levar os movimentos ou partidos islâmicos ao poder? A prolongada presença americana no Iraque não exacerba a xenofobia ou o ódio das populações locais contra o Ocidente? Podemos compreender a complexidade da situação naquela parte do mundo presa entre medos e esperanças. Surge um sentimento de insegurança, que o sucesso do Hamas nos Territórios Palestinianos, bem como as condições de saúde de Ariel Sharon contribuem para agravar. É portanto provável que, durante muitos anos, o Médio Oriente seja uma zona de turbulência: a influência dos movimentos islâmicos persistirá, o sentimento antiamericano e antiocidental permanecerá elevado; o risco terrorista dentro e fora da região pesará na segurança; a evolução do mercado petrolífero dependerá muito dessa instabilidade. «A experiência vivida pela Moyen Orient é que o inesperado é previsível e os incêndios nunca são sûr!».

 Fonte: https://www.30giorni.it/

O Papa: a ira é um pecado desenfreado, destrói as relações humanas

O Papa: a ira é um pecado desenfreado (Vatican Media)

Francisco falou sobre a ira na catequese da Audiência Geral desta quarta-feira. Segundo ele, a "é um pecado terrível que está na origem das guerras e da violência". "Há homens que reprimem a ira no local de trabalho, parecendo calmos e controlados, mas, uma vez em casa, tornam-se insuportáveis para a esposa e os filhos", sublinhou.

https://youtu.be/1zXY9zZb4Fw

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco deu continuidade ao ciclo de catequeses sobre "Vícios e Virtudes" na Audiência Geral desta quarta-feira (31/01).

"A ira" foi o tema deste encontro semanal do Pontífice com os fiéis. Segundo o Papa, a ira "é um vício particularmente obscuro e talvez o mais simples de identificar do ponto de vista físico". Segundo ele, "a pessoa dominada pela ira tem dificuldade em esconder esse ímpeto: reconhece-se pelos movimentos do seu corpo, pela agressão, pela respiração difícil, pelo olhar sombrio e carrancudo".

A ira é um pecado que destrói as relações humanas

De acordo com o Papa, "na sua manifestação mais aguda, a ira é um pecado que não deixa trégua. Se surge de uma injustiça sofrida ou que se acredita ser tal, muitas vezes não é desencadeada contra o culpado, mas contra o primeiro infeliz que se encontra".

“Há homens que reprimem a ira no local de trabalho, parecendo calmos e controlados, porém, uma vez em casa, tornam-se insuportáveis para a esposa e os filhos.”

A ira é um pecado desenfreado: é capaz de tirar-nos o sono e nos fazer tramar continuamente na nossa mente, sem conseguir encontrar uma barreira aos raciocínios e aos pensamentos.

A seguir, Francisco disse que a ira "é um pecado que destrói as relações humanas. Expressa a incapacidade de aceitar a diversidade dos outros, especialmente quando as suas escolhas de vida divergem das nossas. Não se detém nos comportamentos errados de uma pessoa, mas joga tudo no caldeirão: é o outro, o outro como ele é, o outro como tal que causa a raiva e o ressentimento. Começa-se a odiar o tom da sua voz, os gestos banais do dia a dia, os seus modos de raciocinar e de sentir".

Perda da clareza

Segundo o Papa, "quando a relação atinge esse nível de degeneração, já se perdeu a clareza. Porque uma das características da ira, às vezes, é que ela não pode ser mitigada com o tempo. É importante que tudo se dissolva imediatamente, antes do pôr do sol. Se durante o dia surgir algum mal-entendido e duas pessoas não conseguem mais se entender, sentindo-se subitamente distantes, a noite não deve ser entregue ao diabo. O pecado nos mantém acordados no escuro a remoer nossas razões e os erros indizíveis, que nunca são nossos e sempre do outro". "É assim: quando uma pessoa está sob a ira, ela sempre, sempre diz que o problema está no outro. Ela nunca é capaz de reconhecer suas próprias falhas, seus próprios defeitos", acrescentou o Papa.

"No “Pai Nosso”, Jesus faz-nos rezar pelas nossas relações humanas que são um campo minado: um plano que nunca está em perfeito equilíbrio. Todos precisamos aprender a perdoar. Os homens não estão juntos se não praticarem também a arte do perdão, tanto quanto isso for humanamente possível", disse ainda Francisco.

“O que neutraliza a ira é a benevolência, a generosidade, a mansidão, a paciência.”

Ira, origem das guerras e da violência

O Pontífice disse outra coisa a propósito da ira: que ela "é um pecado terrível que está na origem das guerras e da violência. Porém, nem tudo que surge da ira está errado. Os antigos sabiam muito bem que existe uma parte irascível dentro de nós que não pode e não deve ser negada".

As paixões são, até certo ponto, inconscientes: acontecem, são experiências da vida. Não somos responsáveis pelo surgimento da ira, mas sempre pelo seu desenvolvimento. E às vezes é bom que a ira seja desabafada da maneira certa.

“Se uma pessoa nunca se irritasse, se não se indignasse diante de uma injustiça, se diante da opressão de uma pessoa fraca não sentisse algo tremendo nas suas entranhas, então isso significaria que não é humana, e muito menos, cristã.”

Santa indignação

"Existe uma santa indignação, que não é ira, mas é um movimento interior, uma santa indignação. Jesus a encontrou várias vezes na sua vida: nunca respondeu ao mal com o mal, mas na sua alma sentiu este sentimento e, no caso dos cambistas do Templo, realizou uma ação forte e profética, ditada não pela ira, mas pelo zelo pela casa do Senhor. É preciso distinguir bem, o zelo, a santa indignação, é uma coisa, a ira, que é ruim, é outra coisa. Cabe a nós, com a ajuda do Espírito Santo, encontrar a medida certa das paixões. Educá-las para que se tornem boas", concluiu o Papa.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São João Bosco

São João Bosco (A12)
31 de janeiro
São João Bosco

João Melchior Bosco, mais conhecido como Dom Bosco, nasceu em agosto de 1815, numa família católica de humildes camponeses em Castelnuovo d'Asti, hoje Castelnuovo Don Bosco, perto de Turim, Itália. Órfão de pai aos dois anos de idade, sua mãe, a serva de Deus Margarida Occhiena, criou João e os irmãos Antônio e José.

Aos nove anos, teve seu primeiro sonho profético, que deixou uma impressão profunda na sua mente por toda a vida e lhe revelou a sua missão. Nele, via-se em meio a jovens desordeiros, que o destratavam e blasfemavam e se transformavam em feras, e ele tentava modificar a situação por meio da violência. Nossa Senhora e Jesus apareceram para indicar verdadeiro caminho: “Não com pancadas, João, mas com mansidão e doçura…Torna-te forte, humilde e robusto, aquilo que vês acontecer a estes lobos que se transformam em cordeiros, tu o farás aos Meus filhos. Serei a tua mestra. A seu tempo tudo compreenderás”.

Em 1835, com ajudas, entrou no seminário de Chieri. Ordenou-se sacerdorte em 1841, escolhendo como lema “Dai-me almas e levai o resto”. Segue para Turim, onde dedicou-se ao apostolado da educação de crianças e jovens carentes. Dom Bosco funda em 1841 o Oratório de São Francisco de Sales. Seu método de apostolado era partilhar em tudo a vida dos jovens, uma inovação tão radical para a época que chegou a ser contrariado mesmo pela autoridade eclesiástica.

Com o crescimento do Oratório, Dom Bosco desenvolve o seu famoso método educativo, o Sistema Preventivo (mais vale prevenir que remediar), que se baseia no tripé razão, religião e amorevolezza, palavra italiana que pode ser traduzida como “amor educativo”. Queria assim evitar a todo custo que os jovens se tornassem rebeldes e depois tivessem que ser punidos; era esta a explicação do seu primeiro sonho profético.

Seguidor da espiritualidade e filosofia de São Francisco de Sales, Bosco era um fervoroso devoto de Nossa Senhora Auxiliadora, e com a Sua ajuda todas as dificuldades eram vencidas. A admiração por São Francisco de Sales também o levou a nomear as novas associações religiosas que criou em sua honra, formando a Família Salesiana, com os ramos masculino, feminino e leigo.

O ramo masculino, a Pia Sociedade de São Francisco de Sales, surgiu em 1859, para atender à educação e catequese de meninos e rapazes: "Formar cidadãos honestos e bons cristãos". Em 1862, os primeiros salesianos fizeram os votos religiosos de castidade, pobreza e obediência. Em 1872, junto com Santa Maria Domenica Mazzarello, Dom Bosco fundou o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora para a educação da juventude feminina. E em 1876 fundou a Associação de Cooperadores Salesianos, para homens e mulheres leigos, com a mesma missão educativa para os pobres.

Outra grande obra foi a promoção da boa imprensa, com a publicação das Leituras Católicas em fascículos mensais, e a fundação da Biblioteca da Juventude Católica Italiana. O Boletim Salesiano, iniciado em 1875, com tradução dos seus textos de hagiografia e pedagogia já em várias línguas enquanto o santo ainda vivia, é atualmente divulgado em 30 idiomas e em 135 países. Escreveu uma biografia de São Domingos Sávio, que fora seu aluno, livro que ajudou na canonização deste menino que viveu uma fé adulta.

Dom Bosco faleceu em 31 de janeiro de 1888. Foi proclamado "modelo por excelência" dos sacerdotes e educadores, "Pai e Mestre da Juventude", padroeiro dos Editores Católicos, e patrono dos mágicos.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

É imensa e atualíssima a obra de São João Bosco, particularmente no que diz respeito ao cuidado com as crianças e jovens e no incentivo à boa leitura. Educar e formar na Fé a juventude é uma missão candente para o catolicismo atual, quando as ideias confusas e mal intencionadas fazem de tudo – e muito, muitíssimo, através da mídia, que inclui todo tipo de textos – para afastar as novas gerações de Deus e da Igreja Católica. Um combate totalmente feroz nas intenções, mas que só pode ter sucesso com a doçura e mansidão com que ele mesmo agiu, viveu e ensinou: "Reprovemos os erros, mas respeitemos as pessoas". Mas que não se confunda o objetivo: o que Dom Bosco queria era a salvação eterna daqueles que ajudava, mesmo quando cuidava das suas misérias concretas: a solução para os problemas temporais está no espiritual, não no organizacional. Seu zelo pelas crianças de rua, pobres ou sem educação, exigia, paulatinamente, uma vida mais espiritual do que social.

Oração:

Deus Pai, que desejais educar e socorrer na caridade e com amor a nós, Vossos filhos sempre em extrema penúria na alma, concedei-nos por intercessão de Vosso herói São João Bosco a imprescindível graça de tudo fazer, nesta vida material, com um fim espiritual, para divulgar o bem escrevendo, por qualquer ação, a Vossa Palavra, que é Cristo. Pelo mesmo Cristo Senhor nosso, o Verbo Encarnado, e Nossa Senhora Auxiliadora. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

O Reino de Deus em Lucas

O Reino de Deus em Lucas (revistaavemaria)

Pe. Antônio Ferreira, cmf

A fé em Israel é que Deus é soberano. Ele reina sobre o seu povo (cf. 1Sm 12,12) e também sobre todos os povos. Ele é Rei e Senhor (cf. 1Sm 12,12; SI 5,2; 10,16; 29,10). E é em Jerusalém que se encontra o trono de Adonai (cf. 1Cr 28,5).

O povo de Israel retinha a expectativa da vinda do Reino para redimir seu povo mediante a destruição dos inimigos. A manifestação se daria por meio de grandiosa irrupção cósmica e sobrenatural com a vitória do Senhor dos Exércitos, como fizera na libertação do Egito: “E o Senhor nos fez sair do Egito com mão forte e braço estendido, em meio a grande terror, com sinais e prodígios” (Dt 26,8). Tal expectativa e conceito atingiram seu ápice na literatura apocalíptica judaica posterior.

Nos evangelhos, a expressão “Reino de Deus” aparece 51 vezes: quatro em Mateus, catorze em Marcos, duas em João e 31 em Lucas.

O Reino de Deus constitui o centro do ensino de Jesus. Com Ele chega a Boa-Nova (Evangelho), com o anúncio de βασιλεία τοῦ θεοῦ (Reino de Deus). Ele iniciou seu ministério falando do Reino.

Mateus escreve: “Jesus percorria toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, curando todas as doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4,23).

Marcos relata: “Depois que João foi preso, Jesus dirigiu-se para a Galileia. Pregava o Evangelho de Deus, e dizia: ‘Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho’” (Mc 1,14-15).

Lucas apresenta Jesus anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus e enviando os discípulos a pregarem: “Mas Ele disse-lhes: ‘É necessário que eu anuncie a Boa-Nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois essa é a minha missão’” (Lc 4,43). Ele ensinou seus discípulos a orarem pela vinda do Reino (cf. Lc 11,1-4); confortou os seus seguidores com a promessa do Reino (cf. Lc 12,32); convidou a entrar pela porta estreita do reino (cf. Lc 13,22-30).

Em Jesus, esse Reino é presente. Ele afirma: “Mas se expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente é chegado a vós o Reino de Deus” (Lc 11,20). A autoridade e o poder de Jesus em atuação demonstrava que o poder de Deus era uma realidade. A confirmação da presença do Reino de Deus.

O Reino de Deus já é uma realidade presente. Jesus dirige esta palavra aos discípulos: “O Reino de Deus está entre vós” (cf. Lc 17,21).

Falou sobre o como é exigente para alguns entrarem no Reino: “Um homem de posição perguntou então a Jesus: ‘Bom Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?’. Jesus respondeu-lhe: ‘Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus. Conheces os mandamentos: não cometerás adultério; não matarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; honrarás pai e mãe’. Disse ele: ‘Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade’. A estas palavras, Jesus lhe falou: ‘Ainda te falta uma coisa: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me’. Ouvindo isto, ele se entristeceu, pois era muito rico. Vendo-o entristecer-se, disse Jesus: ‘Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus!’” (Lc 18,18-25).

O Reino de Deus é dom e graça, tarefa e missão. Inicia no coração de cada pessoa e se concretiza em seu agir: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Lc 9,13). Requer decisão: “Em seguida, dirigiu-se a todos: ‘Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me’” (Lc 9,23). Inicia aqui e agora (a dimensão sociológica) e transcende esta realidade: a plenitude escatológica: “Venha o teu Reino” (Lc 11,2-4).

O Reino de Deus – Malkut/basileia: Reinado – Soberania – Senhorio, não é um lugar. Está em ação no aqui e agora – as parábolas do Reino: o Reino de Deus é como…

Esse Reino traz uma dimensão de ser no aqui e agora e uma ainda não, está em processo na medida em que a vontade de Deus se realiza nos corações, uma vez que nem todos creem ou se determinam pelo que bom e bem na vida.

Em verdade, o Reino não é algo a vir no fim e sim deve ser o fim. Colocar fim a tudo que é antirreino, a injustiça, violência, desigualdade, maldade etc. para que a vontade Deus se realize, a vida em abundância para todos, pois o Reino assume encarnações concretas. Nesse sentido, o Reino de Deus carrega em si uma força profética que divisa o presente e o futuro.

A missão da Igreja é ser neste mundo o sinal/Sacramento do Reino. A comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus é a construtora do Reino de Deus.

Fonte: https://revistaavemaria.com.br/

A oração é a pedra angular da vida cristã

Padre Próspero Grech (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 01/02 - 2012

A oração é a pedra angular da vida cristã

“É preciso muita humildade, para recitar o Rosário e as orações mais simples, como as de devoção popular: aí entendemos quantas vezes são as pessoas que transmitem a fé aos sábios”.

Entrevista com o agostiniano Prosper Grech, criado cardeal por Bento XVI no último consistório.

Entrevista com o Cardeal Prosper Grech por Paolo Mattei

Fotos em preto e branco estão penduradas nas paredes do segundo andar do Institutum Patristicum Augustinianum. Nas molduras discretas há vislumbres de praças e igrejas ao pôr do sol, perspectivas de paisagens marinhas prateadas, perfis de homens e mulheres ao sol. No meio da manhã, os alunos os observam enquanto tomam café no intervalo entre uma aula e outra. Talvez recuperem um pouco o fôlego, deixando o olhar, até poucos minutos antes concentrado numa página de teologia ou patrologia, repousar um pouco no brilho e no claro-escuro daquelas belas cenas da vida cotidiana.
O autor desta particular exposição fotográfica permanente é um dos mais conhecidos professores do Patristicum e atualmente um dos mais ilustres especialistas da Sagrada Escritura: o agostiniano monsenhor Prosper Grech, criado cardeal por Bento XVI no último consistório. Nascido em Malta em 1925, Grech foi, juntamente com o Padre Agostino Trapè, o fundador do Patristicum - centro altamente especializado com faculdade de conceder o bacharelado em Teologia, a licença e o doutoramento em Teologia e Ciências Patrísticas -, localizado próximo para a Basílica de São Pedro. Em sua longa atividade docente, Grech também lecionou Teologia Bíblica na Universidade Lateranense por vinte anos e Hermenêutica Bíblica por trinta anos no Pontifício Instituto Bíblico. Autor de diversos livros e artigos em revistas científicas, consultor da Congregação para a Doutrina da Fé há mais de vinte anos, é atualmente membro da Pontifícia Comissão Bíblica.
Nós o conhecemos no Santa Monica International College, no mesmo complexo que abriga o Patristicum.

Você recebeu sua educação cristã em Malta…
PROSPER GRECH: Malta tem uma longa tradição católica, e Birgu, a antiga cidade onde nasci, estava e está repleta de igrejas. Frequentei o de San Lorenzo – onde fui batizado e onde depois participei da Ação Católica – e o de San Domenico. Quando criança fui educada pelas Irmãs de São José, numa pequena aldeia perto de Birgu, e com elas fiz a primeira comunhão. As memórias da minha infância e da minha juventude estão repletas de imagens de devoção popular, como as procissões que serpenteavam, faça chuva ou faça sol, pelas ruas da pequena cidade, ou o som dos sinos que enchiam o ar quando o padre levava o viático pelas ruas...
Como surgiu a sua vocação ao sacerdócio?
Quando eu era menino, senti algo em meu coração, algo que não era claramente definível, que me fez pensar no sacerdócio como o caminho para minha salvação. Então, naturalmente, como sempre acontece, à medida que você cresce você muda de ideia, e isso aconteceu comigo também. Mas esse tipo de sugestão secreta ressurgiu durante a guerra, no seu último ano. Foi nesse período que a semente da vocação deu os seus frutos. Olhei para trás, para toda a minha vida até então e disse sim a esse chamado.
Os da guerra foram anos difíceis...
Malta sofreu bombardeamentos devastadores, Birgu foi bombardeada dia e noite e por isso fui obrigado a refugiar-me com a minha família em Attard, uma cidade no meio da ilha, longe do arsenal, mas perto de um aeródromo continuamente metralhado. Eu tinha dezessete anos e comecei a frequentar a faculdade de medicina. Chamaram-me para servir na antiaérea e consequentemente fui às aulas uniformizado para estar sempre pronto para correr para a bateria quando os aviões inimigos chegassem. Depois do ataque, se a universidade ainda estava de pé e eu ainda estava vivo, voltei para a aula junto com meus colegas...
Por que você escolheu ingressar na Ordem Agostiniana?
Bem, simplesmente porque eu tinha um primo agostiniano a quem pedi conselhos. Em Malta já existia uma província da Ordem, à qual entrei em 1943.
E como surgiu o seu amor por Santo Agostinho?
Eu o conhecia muito pouco, mas no nosso noviciado havia um professor idoso, padre Antonino Tonna-Barthet, de origem francesa, especialista em Santo Agostinho, que nos fez amá-lo muito. Ele havia editado uma bela antologia de seus escritos espirituais, intitulada De vita christiana, que também foi traduzido para o italiano e que merece ser republicado. Esse foi meu primeiro contato com Agostino. Depois aprofundei um pouco estudando filosofia em Malta, e também, naturalmente, no Santa Monica International College, aqui em Roma, onde cheguei em 1946 para estudar teologia e onde conheci o padre Agostino Trapè, que foi meu professor: ele era fã de Agostinho, do qual, porém, não sou especialista. Aprofundei-me no pensamento dos Padres dos séculos II e III.
Em Roma continuou os estudos...
Sim, na Universidade Gregoriana para o doutorado, e no Pontifício Instituto Bíblico para a licença em Sagrada Escritura. E em Roma fui ordenado sacerdote, em 1950, em San Giovanni in Laterano. Depois, em 1954, fui embora por um tempo, para estudar e lecionar...
Onde?
Primeiro na Terra Santa, depois novamente em Malta, onde ensinei a Sagrada Escritura durante alguns anos na nossa casa de estudantes agostinianos. Em 1957 recebi uma bolsa e fui para Oxford para aprender bem hebraico, e no ano seguinte estava em Cambridge, como assistente de pesquisa do professor Arberry... Voltei para Roma em 1961.
Ainda para estudar e lecionar?
Sim, até para escrever sua tese em Ciências Bíblicas. Mas assim que voltei fui nomeado secretário de Monsenhor Pietro Canisio Van Lierde, que era sacristão do Palácio Apostólico e vigário geral de Sua Santidade para a Cidade do Vaticano. Com ele “preparamos” o conclave de 1963, aquele em que Paulo VI foi eleito.
O que você quer dizer?
Como sacrista, Van Lierde supervisionou as funções litúrgicas do Pontífice, preparando os móveis, paramentos e altares para a celebração das missas. O conclave também precisava ser organizado nos seus aspectos “logísticos”. Por exemplo, como naquela época ainda não existia o costume de concelebrar, tivemos que preparar todos os altares para que cada um dos cardeais pudesse celebrar a missa em particular.
Você conheceu Montini nessa ocasião?
Certo. Ouvi sua última confissão como cardeal...

E como isso aconteceu?
Encontrei-me com ele no Palácio Apostólico e ele me perguntou se eu era o confessor do conclave. “Não, Eminência, não sou eu”, respondi; «Vou procurar…». «Não, não, está tudo bem... Você não pode me confessar?». Então fomos à capela Matilda, hoje chamada Redemptoris Mater, e eu me confessei. Depois de algumas horas ele era Papa. Espero não ter lhe feito uma penitência muito séria...
Ele não ficou muito tempo nos Palácios do Vaticano...
Não, porque em 1965, Padre Trapè, acaba de ser eleito Prior Geral da Ordem, disse-me: «Em vez de perder tempo no Vaticano» - o que também era verdade - «venha ser presidente do Instituto», que era então o Studium Theologicum Augustinianum.
Alguns anos depois, junto com Trapè, fundou o Institutum Patristicum Augustinianum...
Sim, o Patristicum era um pouco do nosso sonho, o de ter um lugar onde cultivar e aprofundar as ciências sagradas, o pensamento dos Padres da Igreja , de santos Agostinho e seus herdeiros. Como havia muitas dúvidas sobre a sua viabilidade e ao mesmo tempo uma certa pressa para o estabelecer, o Padre Trapè pediu uma audiência a Paulo VI, que o abençoou com ambas as mãos e o exortou a seguir em frente. Foi inaugurado em maio de 1970. No início houve dificuldades, mas com o tempo foi se consolidando.
Em Roma conheceu também Albino Luciani...
Quando veio para Roma ficou no nosso colégio. Ele era muito bom e simpático, um homem humilde, que se escondia... Mas também afável, ríamos muito juntos. Quando ele esteve aqui, celebrávamos missa juntos todos os dias às sete da manhã.
Ele ficou com você antes mesmo do conclave que o elegeu Papa?
Sim, com outros dois cardeais. Nesse período atuei como “prior substituto” do Colégio, porque o proprietário estava ausente, e na noite anterior à entrada no conclave não sabia que palavras usar para a despedida: «Bem, agora não sei como cumprimentá-lo, porque um “adeus” é de mau gosto, os desejos são ainda piores...”. Imediatamente após a sua eleição, na noite anterior à hora de dormir, o Papa Luciani escreveu-nos uma carta, dirigida a mim como superior pro tempore do Colégio, agradecendo-nos a nossa hospitalidade e recordando particularmente o irmão Franceschino.
Quem foi Franceschino?
O irmão leigo idoso que arrumou seu quarto. Lembro-me que numa das ocasiões em que Luciani esteve conosco, Franceschino me disse: “Teremos que cuidar deste cardeal, porque um dia ele se tornará papa”. Até arrisquei ser secretário substituto de João Paulo I...
Por quê?
O seu secretário, que teve de ir a Veneza recolher as suas coisas para levar ao Vaticano, pediu-me que o substituísse por um tempo. No entanto, estava hesitante, porque naquele momento estava sob ataque público de certos círculos ultraconservadores que se incomodavam com o facto de eu lecionar Teologia Bíblica na Universidade Lateranense: “A teologia bíblica é uma coisa protestante, não existe, temos teologia dogmática", disseram. Resumindo, não queria causar constrangimento. Então Monsenhor Magee foi até o Papa.
Falando de Teologia Bíblica: você a ensinou durante vinte anos na Universidade Lateranense e durante trinta anos ocupou a cátedra de Hermenêutica Bíblica no Pontifício Instituto Bíblico. Como surgiu esta paixão pela Sagrada Escritura?
Eu tenho isso desde que era menino. Entre outras coisas, a Escritura era ensinada com seriedade nas escolas maltesas e lembro-me que, como prova para os exames nas escolas secundárias, nos apresentavam um trecho do Evangelho que nos pedia para explicar a sua origem e interpretá-lo no seu próprio contexto. Mas também adorava ler sozinho o Novo Testamento e preferia São Mateus e São João. Já na altura do seminário tinha manifestado ao mestre de noviços o meu desejo de me dedicar ao estudo das Escrituras, mas ele certamente não me encorajou: «É difícil, é preciso saber muitas línguas... Esta exegese, então , com a atenção exasperada a cada vírgula... ». Na verdade, ele não havia exagerado muito. No entanto, minha intenção foi bem-sucedida.
Ao ensinar hermenêutica bíblica, você também explorou questões da filosofia contemporânea...
Teólogos como Bultmann e seus discípulos - Käsemann e Bornkamm - abordando a questão da separação do Jesus histórico do Jesus da fé e da desmitologização do Novo Testamento, também me apoiei no pensamento de Heidegger, que estudei, assim como estudei também o que Gadamer afirmava sobre o subjetivismo da interpretação, sobre a interpretação como “processo contínuo”. Tive de entrar na cabeça destes filósofos, aprofundar a influência de Kant no seu pensamento e, embora não tenha aceitado todas as ideias que apoiavam, devo dizer que aprendi muito com eles.

Fotografia tirada pelo Padre Grech (30Giorni)

Sua paixão pela palavra escrita provavelmente também a levou a amar a literatura...
Sim, claro, gosto muito de Shakespeare, Eliot, Wordsworth e Pound. Além da literatura anglo-americana, lembro que na escola também lemos poetas e escritores italianos, como Dante, Manzoni e outros clássicos, e adoro particularmente Quasimodo e Montale, enquanto entre os de língua alemã prefiro Rilke e Hölderlin . Quando eu estava em Cambridge, também estudei literatura maltesa, pela qual o professor Arberry estava interessado. Com ele editei uma coleção de letras em maltês acompanhadas de tradução para o inglês e uma antologia de versos do poeta nacional de Malta, o padre Dun Karm Psaila. Mas não sou um homem de letras, digamos que me considero um simples amador. Sinto-me mais conhecedor de arte, era amigo de Lello Scorzelli, pintor e escultor que Paulo VI chamou para trabalhar em Roma, com quem também fui levar um busto do Papa Montini à Catedral de São Patrício, em Nova Iorque.
E também tem a fotografia...
Bom, para mim a arte também é importante porque certas obras servem de modelo para as minhas fotos. Há algum tempo também comecei a usar câmeras digitais.
Você escreveu um número notável de ensaios e livros acadêmicos sobre hermenêutica e teologia bíblica. O último texto que editou, porém, é um pequeno livro sobre oração: Senhor, ensina-nos a orar .
Esta é a coleção, editada pelas monjas agostinianas de Lecceto e publicada por Lev, das meditações que ditei aos meus irmãos do Colégio de Santa Mônica durante os exercícios espirituais realizados em Cássia em 1995. Acho que é oração, e certamente não a hermenêutica, a pedra angular da vida cristã. Precisamos descer dos pódios, esvaziar-nos do nosso intelectualismo e do nosso orgulho. É preciso muita humildade, para recitar o Rosário e as orações mais simples, como as de devoção popular: aí compreendemos quantas vezes são as pessoas que transmitem a fé aos sábios.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Os Dinossauros e a Bíblia

Os Dinossauros e a Bíblia (Cléofas)

Os Dinossauros e a Bíblia

 POR PROF. FELIPE AQUINO

A existência dos dinossauros, de que fala a paleontologia, não faz conflito com a mensagem do texto bíblico do Gênesis. Este não tenciona descrever a ordem ou o modo como apareceram as criaturas; não entra em questões de ordem científica ou paleontológica, mas quer afirmar que o mundo, como quer que tenha tido origem, deve sua existência a Deus Criador.

Deus é bom e fez boas todas as criaturas; confiou-as ao casal humano, para que, como imagem e semelhança de Deus, leve a termo a obra divina, fazendo que todas as criaturas contribuam para a glória do Criador mediante o sacerdócio do homem.

A Redação de PR recebeu a seguinte mensagem:

“Um dos poucos programas a que tenho coragem de assistir na Rede Globo de televisão é o Fantástico, até por que acho que um cristão não pode ficar por fora das coisas que estão acontecendo no mundo. Uma coisa tem-me deixado intrigado no quadro “Os dinossauros”, exibido no Fantástico. É lógico que nada sei, nada saberei e nada talvez saiba sobre muitas coisas, pois existem coisas que jamais entenderemos.

Mas a pergunta é a seguinte: “O que a Igreja fala sobre a existência dos dinossauros? O senhor não acha que acreditar nos dinossauros é ter que desacreditar na Sagrada Escritura?” Acho muito estranho o livro do Gênesis dizer que Deus fez tudo em sete dias, e que no sétimo descansou, e colocou o homem acima de todas as criaturas.

Como pode ter existido uma era jurássica em que os animais dominaram a terra? Isso não seria contrário às narrativas do hagiógrafo?”

Para mais aguçar o problema, seja transcrita uma notícia de O GLOBO de 23/2/01, p. 30:

“Desde que se formou, há cerca de 4,6 bilhões de anos, a Terra sofreu periódicas extinções em massa. Há 250 milhões de anos (quando a parte emersa da Terra formava apenas um continente, a Pangeia), um acontecimento imprevisto como a queda de um asteroide poderia ter extinguido várias formas de vida primitivas (como répteis, insetos e moluscos). E, mais tarde, favorecido o aparecimento e a adaptação de novas espécies como plantas e dinossauros, que ocupam o planeta durante os períodos triássico, jurássico e cretáceo (entre 250 milhões e 66 milhões de anos atrás)”.

Passemos à elucidação da questão.

Em Resposta

Preliminares

Convém, antes do mais, esclarecer os termos em pauta.

Dinossauros eram animais da classe dos répteis, superordem dos Arcossauros. Viveram do período triássico ao cretáceo. O seu tamanho variava entre um pouco mais do que uma galinha até os tipos gigantescos, como foi, por exemplo, diplodoco, com 27m de comprimento e cerca de 30 toneladas de peso.

A era mesozoica é uma das divisões do tempo geológico, situada entre o paleozoico e o cenozoico. Abrange três grandes períodos: o o triássico, o jurássico e o cretáceo. Durou cerca de 160 milhões de anos, estendendo-se de 225 a 65 milhões de anos atrás. Conhecida como a era dos répteis, foi a época em que dominaram os grande sáurios e surgiram os mamíferos e as aves.

Todo este aparato científico não entra em conflito com o texto bíblico, pois este não pretende oferecer uma descrição científica da origem das criaturas, mas tem em vista propor o sentido religioso das mesmas ou o valor que elas têm perante Deus e o homem. Com outras palavras: a Escritura não quer ensinar como vai o céu, mas como se vai para o céu.

Faz-se necessário, portanto, examinar de perto o texto bíblico que propõe a criação do mundo e do homem em seis dias (Gn 1, 1-2, 4a), colocando-o, antes do mais, em seu contexto, que é chamado “a pré-história bíblica”. A pré-história bíblica (Gn 1-11) não se identifica com a pré-história universal, que vai até 8000 a.C. aproximadamente; ela compreende episódios de importância capital que antecederam a vocação do Patriarca Abraão, em 1850 a.C. aproximadamente. É somente com Abraão, em Gn 12, que começa a história bíblica propriamente dita.

Consideremos pois A pré-história bíblica

A secção de Gn 1-11 chama-se “pré-história bíblica” porque se refere a acontecimentos anteriores à história bíblica, que começou com o Patriarca Abraão (séc. XIX ou 1850 a.C.). Por conseguinte, a pré-história bíblica não coincide com a pré-história universal, que vai desde tempos imemoriais até o aparecimento da escrita (8000 a.C.).

O gênero literário dessa secção é o da história religiosa da humanidade primitiva. O autor sagrado não intencionou propor teses de ciências naturais, mas quis apresentar, em linguagem simbolista, alguns fatos importantes que constituem o fundo de cena e a justificativa da vocação de Abraão. Tais seriam:

1) a criação do mundo bom por parte de Deus, a elevação do homem à filiação divina e a violação dessa ordem inicial pelo pecado (Gn 1, 1-3, 24);

2) o fraticídio de Caim, conseqüência do fato de que o homem abandonou a Deus; perdeu também o amor ao seu semelhante (Gn 4, 1-16);

3) a linhagem dos calnitas, que mostra o alastramento do pecado (Gn 4, 17-24);

4) a linhagem dos setitas ou dos homens retos (Gn 5, 1-32);

5) o dilúvio, provocado pela propagação do pecado (Gn 6, 1-9, 28);

6) a tabela dos setenta povos (Gn 10, 1-32);

7) a torre de Babel, nova expressão do pecado (Gn 11, 1-9);

8) as linhagens dos semitas (Gn 11, 10-26) e dos teraquitas ou descendentes de Terá (11, 27-32), que fazem a ponte até o Patriarca Abraão.

Em síntese:

O mundo, criado bom (Gn 1-3)

Fratricidio (4, 1-16)

Genealogias (4, 17-5. 32)

Dilúvio (6-9)

Tabela (10)

Babel 11, 1-9)

Genealogias (11, 10-32)

Desta maneira, o autor mostra que Deus fez o mundo bom e convidou o homem para o consórcio da sua vida (ordem sobrenatural). Todavia o homem disse Não. Deus houve por bem reafirmar seu desígnio de bondade, prometendo restaurar, mediante o Messias, a amizade violada pelo pecado (Gn 3, 15). Este foi-se alastrando cada vez mais, como atestam os episódios de Caim e Abel, do dilúvio e da torre de Babel. Então, para realizar seu intento de reconciliação do homem com Deus, o Criador quis chamar Abraão para constituir a linhagem portadora da fé e da esperança messiânicas. Assim chegamos a Gn 12 (a vocação de Abraão).

Passemos agora à consideração do bloco inicial dito hexaémeron ou “obra dos seis dias”.

O hexaémeron (Gn 1, 1-2, 4a)¹

O conjunto Gn 1-3 não é unitário, mas consta de duas narrações: Gn 1, 1-2, 4a, a obra dos seis dias (hexaémeron, em grego), da fonte P (século V a.C.), e Gn 2, 4b-3, 24, da fonte J (séc. X a.C.)². Isto se deduz do estilo e do vocabulário próprios de cada uma dessas secções como também do fato seguinte: em Gn 2, 1-4a o mundo está terminado, o homem e a mulher foram criados; todavia, em Gn 2, 4b.5, o autor sagrado afirma que não havia arbusto, nem erva, nem chuva, nem homem, e narra a criação do homem a partir do barro como se ignorasse a criação já narrada em Gn 1, 27).

Se, pois, há duas peças literárias justapostas em Gn 1, 1-3, 24, é preciso estudar cada uma de per si, pois cada qual tem sua mentalidade e sua mensagem próprias. Comecemos pelo hexaémeron (Gn 1, 1-2, 4a).

Para poder depreender a mensagem deste trecho bíblico, precisamos, antes do mais, de observar a sua forma literária.

Ora verifica-se que tal peça apresenta um cunho fortemente artificioso: após a introdução (1, 1s), o autor descreve uma semana de seis dias de trabalho e um de repouso; os dias de trabalho poderiam dispor-se em duas séries paralelas, das quais a primeira trata da criação das regiões do mundo e a segunda aborda a povoação dessas regiões.

D. Estevão Bettencourt, osb

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

Nº 469 – Ano 2001 – p. 249

Fonte: https://cleofas.com.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF