Na sua Mensagem para a Quaresma,
Francisco lembra “a forma sinodal da Igreja, que estamos a redescobrir e
cultivar nestes anos” e a necessidade de “grandes opções contracorrente”. A
jornalista Sónia Neves, coautora do livro “Não temos medo” e colaboradora da
Rede Sinodal em Portugal propõe uma reflexão sobre o texto do Papa.
Rui Saraiva
– Portugal
“Deus
guia-nos para a liberdade”, mas antes acompanha-nos “através do deserto”. É
neste sentido que aponta a Mensagem do Papa para a Quaresma que agora se
iniciou.
Citando o
texto bíblico do Êxodo, o Santo Padre sublinha “como Israel no deserto tinha
ainda dentro de si o Egito”, ou seja, como o povo tinha ainda “dentro de si
vínculos opressivos”. Algo que acontece “também hoje”, salienta o Papa.
“Damo-nos
conta disto, quando nos falta a esperança e vagueamos na vida como em terra
desolada, sem uma terra prometida para a qual tendermos juntos”, diz Francisco.
“A Quaresma é o tempo de graça em que o deserto volta a ser – como anuncia o
profeta Oseias – o lugar do primeiro amor”.
Na
escuridão das desigualdades e dos conflitos
“Através do
deserto, Deus guia-nos para a liberdade” é o título da Mensagem do Papa
Francisco para esta Quaresma de 2024. E neste caminho para a liberdade “o
primeiro passo” deve ser “querer ver a realidade”, afirma o Santo Padre
recordando “o grito de tantos irmãos e irmãs oprimidos”.
“Na minha
viagem a Lampedusa, à globalização da indiferença contrapus duas perguntas, que
se tornam cada vez mais atuais: «Onde estás?» (Gn 3, 9) e «Onde
está o teu irmão?» (Gn 4, 9)”, lembra o Papa.
No seu
texto, Francisco declara existir hoje um “défice de esperança”. Como se
existisse um impedimento de sonhar numa humanidade que persiste na “escuridão
das desigualdades e dos conflitos”. Uma realidade que o Papa apresenta citando
o testemunho de bispos e de agentes de paz e justiça.
“O
testemunho de muitos irmãos bispos e dum grande número de agentes de paz e
justiça convence-me cada vez mais de que aquilo que é preciso denunciar é um
défice de esperança. Trata-se de um impedimento a sonhar, um grito mudo que
chega ao céu e comove o coração de Deus. Assemelha-se àquela nostalgia da
escravidão que paralisa Israel no deserto, impedindo-o de avançar. O êxodo pode
ser interrompido: não se explicaria doutro modo porque é que tendo uma
humanidade chegado ao limiar da fraternidade universal e a níveis de progresso
científico, técnico, cultural e jurídico capazes de garantir a todos a
dignidade, tateie ainda na escuridão das desigualdades e dos conflitos”,
escreve o Papa.
Amadurecer
a liberdade de uma nova esperança
Segundo
Francisco, a Quaresma é tempo de conversão, de fazer deserto em nós, um “espaço
onde a nossa liberdade pode amadurecer”, diz o Santo Padre. Um amadurecimento
cimentado nas atitudes da oração, da esmola e do jejum.
“Oração,
esmola e jejum não são três exercícios independentes, mas um único movimento de
abertura, de esvaziamento: lancemos fora os ídolos que nos tornam pesados, fora
os apegos que nos aprisionam. Então o coração atrofiado e isolado despertará.
Para isso há que diminuir a velocidade e parar. Assim a dimensão contemplativa
da vida, que a Quaresma nos fará reencontrar, mobilizará novas energias. Na
presença de Deus, tornamo-nos irmãs e irmãos, sentimos os outros com nova
intensidade: em vez de ameaças e de inimigos encontramos companheiras e
companheiros de viagem. Tal é o sonho de Deus, a terra prometida para a qual
tendemos, quando saímos da escravidão”, escreve o Santo Padre.
O Papa cita
um excerto do seu discurso aos estudantes universitários durante a Jornada
Mundial da Juventude Lisboa 2023, apontando ao “lampejar duma nova esperança”
se a “Quaresma for de conversão”. “Quero dizer-vos, como aos jovens que
encontrei em Lisboa no verão passado: «Procurai e arriscai; sim, procurai e
arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos
dolorosos: estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas
abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no
fim, mas no início dum grande espetáculo. E é preciso coragem para pensar
assim» (Discurso aos estudantes universitários, 03/VIII/2023).
Na sua
Mensagem para a Quaresma, Francisco lembra “a forma sinodal da Igreja, que
estamos a redescobrir e cultivar nestes anos” e a necessidade de “grandes
opções contracorrente”.
A este
propósito, a jornalista Sónia Neves, coautora do livro “Não temos medo” e
colaboradora da Rede Sinodal em Portugal propõe uma reflexão sobre a Mensagem
do Papa Francisco para a Quaresma.
Vale a
pena!
“A cada ano
vale sempre a pena ler a Mensagem de Quaresma do Papa. A mim faz-me parar, nem
que por breves minutos, e apontar estes 40 dias que chegam como oportunidade de
reflexão, melhoria, mudança ou até o despertar de outras vontades naquele
momento ou circunstância de vida.
Desta vez a
vontade de ler a Mensagem do Papa Francisco foi reforçada pela parte gráfica
que acompanha o documento, inicialmente até pensei ser brincadeira. Mas
não! Os desenhos da autoria de Mupal, artista italiano conhecido pelas
suas intervenções nas ruas de Roma, vão sendo apresentados ao longo deste tempo
e, aqui, o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral teve
essa ousadia de “trazer da rua” para a Igreja, o mesmo propósito de fazer
caminho com a ajuda da arte.
Vale a pena
também frisar o olhar ao mais pobre, presente na Mensagem, denunciando a
pobreza que atinge milhões de pessoas e a destruição da natureza. “Através do
deserto, Deus guia-nos para a liberdade” é o título da Mensagem que nos provoca
e aponta que a humanidade vive ainda na “escuridão das desigualdades e dos
conflitos”.
No
documento apresentado o Papa propõe uma reflexão sobre os estilos de vida e
como cada cristão se define, se compromete, espera ou sonha a sua comunidade, a
Igreja, fazendo alusão ao processo sinodal que decorre.
“A forma
sinodal da Igreja, que estamos a redescobrir e cultivar nestes anos, sugere que
a Quaresma seja também tempo de decisões comunitárias, de pequenas e grandes
opções contracorrente, capazes de modificar a vida quotidiana das pessoas e a
vida de toda uma coletividade: os hábitos nas compras, o cuidado com a criação,
a inclusão de quem não é visto ou é desprezado”, refere a Mensagem.
A Quaresma
é também sinónimo de surpresa e, a mim, esta forma de a viver, neste ano em que
nos envolvemos na oportunidade do caminho sinodal, é o tempo para o entusiasmo,
para o diálogo, para a união e entreajuda nas comunidades, em Igreja. Como em
família, na simplicidade, escutar todos, dar alento aos necessitados e apontar
mudanças.
Que a Quaresma de 2024 valha a pena, que possa ser uma “pegada” diferente, uma marca de mudança de caminho, se o tiver de ser, de nos sentirmos mais Igreja na fé que nos une e no Evangelho que queremos dar a conhecer. Vale a pena!”
Laudetur Iesus Christus
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt