Os Padres da Igreja (II)
Por Susana Costa Coutinho
ENTRE GREGOS E LATINOS
Vários
foram os “pais” da Igreja que realizaram sua missão não só de pensar a fé, mas
também de anuncia-la como missionários e de cuidar das comunidades cristãs,
como pastores. São de lugares e épocas diferentes. Didaticamente, costumamos
organizá-los em dois grupos: os gregos e os latinos. Antes, porém, é bom
lembrar que a cultura grega predominou sobre a Europa, parte da África e Ásia
por muito tempo. É o que se chama de helenismo. Assim, na Antiguidade clássica,
a língua “oficial” era o grego, usado para o comércio, para os estudos, para a
vida social e para a escrita. Quase todo o mundo falava grego nessas regiões,
além dos idiomas locais.
PATRÍSTICA GREGA
A
patrística grega se aos “pais” da Igreja que atuaram no Oriente. Aqui também
vale compreender a região oriental na Antiguidade como o norte da África e o
Oriente Médio. Nesse grupo, temos João Crisóstomo, Gregório
de Nissa, Gregório de Nazianzo, Basílio Magno e João
Damasceno (sua morte marca o final da Patrística grega, em 750). Grande
parte de seus escritos são comentários aos textos bíblicos, explicações
pastorais e teológicas sobre os sacramentos, principalmente os da iniciação
cristã, e orientações para a vida social ou moral cristã. Como estavam
mergulhados na cultura grega, é possível verificar como buscam aproximar a
teologia cristã da filosofia dos antigos, como Platão e Aristóteles. Produzem,
assim, uma inculturação: veem na cultura grega as sementes do Verbo, a Presença
das “iluminações” do pensamento humano pelo Espírito e dão-lhes novo sentido, a
partir do Evangelho. O mais importante na relação entre fé e filosofia era a
primeira, e a segunda precisava sempre ser vista com discernimento. Outra
característica era a de considerar a realidade do povo para comentar um texto
bíblico. A exposição da fé era vista como a transmissão de um tesouro aos
cristãos, direito de todos de usufruir de sua beleza e profundidade.
PATRÍSTICA LATINA
Do
grupo dos latinos (os que viveram e exerceram seu ministério no Ocidente),
destacam-se Agostinho de Hipona, Ambrósio de Milão, Gregório
Magno e Isidro de Sevilha. É a morte deste último que marca o
final da Patrística do Ocidente, em 636. Agostinho realizou um grande trabalho
de buscar conciliar a razão e a fé. Seus escritos buscam orientar os cristãos
sobre a teologia dogmática (os dogmas e as verdades fundamentais da fé), a
eclesiologia (sobre a Igreja) e o ensinamento social (como a fé ilumina as
relações sociais). Jerônimo ficou mais conhecido pela tradição das Sagradas
Escrituras do hebraico para o latim.
Ambrósio
de Milão se tornou notório pela atuação pastoral em sua diocese, pelo método de
leitura da Bíblia e pelas denúncias contra a exploração dos pobres e dos
pequenos agricultores. É o grande influenciador na conversão de Santo
Agostinho. Seus escritos mistagógicos, sobre os símbolos e ritos dos
sacramentos de iniciação cristã, são grande fonte para a catequese de
inspiração catecumenal até hoje. Gregório Magno se destacou na ação de governo
da Igreja, como papa, e o grande volume de escritos que abordam comentários
bíblicos, a partir de uma exegese (interpretação) histórica, alegórica e moral.
Hilário, um homem casado, foi ordenado presbítero e bispo (isso era possível na
época) e ficou conhecido por combater o arianismo, uma corrente dentro da
Igreja que levantou várias heresias, e por ser um dos conhecedores da Bíblia.
Leão Magno tem seus escritos mais voltados à prática da vida cristã do que
propriamente à teologia. Isidro é conhecido por sua característica de mestre da
teologia, mas também um grande influenciador cultural, por meio de obras
literárias. Por essas qualidades, foi declarado patrono da Internet, por São
João Paulo II.
A CATEQUESE DOS “PAIS” DA IGREJA
Nesse
período, foi organizado o catecumenato, tempo de preparação para receber os
sacramentos da iniciação cristã (batismo, crisma e Eucaristia). A catequese dos
“pais” da Igreja era uma das manifestações da ação pastoral desses líderes, e
era centrada na busca de salvação, no afastamento definitivo das práticas
pagãs, na edificação espiritual, no grande valor da liturgia, na importância da
penitência e do jejum. No entanto, o ponto fundamental era a união a Cristo, o
Filho de Deus, o Salvador, a Palavra definitiva de Deus.
Como
muitos dos “pais” da Igreja foram bispos, tinham como uma de suas tarefas, a
instrução dos catecúmenos (os convertidos que ainda não receberam o batismo e
estão em processo de preparação). Em cada momento de entrega, por exemplo, do
Credo (símbolo) ou do Pai-nosso, o bispo fazia uma homilia, voltada ao
catecúmeno, para prepara-lo para receber esse “conteúdo” da fé. Assim, nasceram
diversos textos, que não só eram escritos, mas também proferidos pelos “pais”
da Igreja à sua comunidade, em especial aos que se preparavam para receber os
sacramentos da iniciação cristã.
A
Bíblia é o centro da pregação dos “pais” da Igreja. Ainda que o livro sagrado
não estivesse formado como conhecemos hoje, são seus escritos que guiam a
catequese patrística. Esses textos, tanto Antigo como no Novo Testamento, eram
lidos e refletidos, e fundamentavam as homilias e a catequese.
Um
dos pontos fundamentais do catecumenato é a unidade entre liturgia e catequese.
As próprias homilias aos catecúmenos comprovam a preocupação dos “pais” da
Igreja com esse elo. A preparação para a recepção dos sacramentos da iniciação
cristã se dava de forma mistagógica e
incorporava os dois momentos: o de conhecer e o de celebrar a fé, sem esquecer,
é claro, os ensinamentos para a vida social (no campo da economia, da política,
da cultura etc.) É a mistagogia um ponto alto dessa catequese.
Santo
Agostinho busca explicar, por exemplo, o sentido dos gestos do batismo ao
catecúmeno , num dos mais bonitos textos (tanto do ponto de vista teológico
como literário) que conhecemos. Para explicar o mistério que é revelado pelos
sinais, um de seus textos ensina: “Entraste, viste a água, viste o sacerdote,
viste o levita. Por acaso, alguém não diria: Isso é tudo? Certamente isso é
tudo, verdadeiramente há tudo, onde há total inocência, onde há total piedade,
total graça, total santificação”.
Santo
Agostinho ensina aos catequistas como proceder para realizar uma catequese
mistagógica: “A respeito do sinal que recebe, seja-lhe [o catequizando] bem
esclarecido que os sinais das realidades divinas são visíveis, mas nele
honramos as próprias realidades
invisíveis”.
Assim,
os santos padres ou “pais” da Igreja nos apontaram preciosos caminhos para a
catequese, muitos deles vamos retomando com a catequese de inspiração
catecumenal.
Revista Ecoanda – Ano 18 –
nº 70 – Julho/Agosto – 2020 – Págs. 18/19