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quarta-feira, 20 de março de 2024

EXEGESE: «A fé exige o realismo dos acontecimentos» (III)

Portal da Virgem do Batistério de Parma, obra de Benedetto Antelami (século XIII) | 30Giorni

Revista 30Dias – 06/2003

O discurso do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé por ocasião do centenário da constituição da Pontifícia Comissão Bíblica

«A fé exige o realismo dos acontecimentos»

“A opinião de que a fé como tal não sabe absolutamente nada sobre os fatos históricos e deve deixar tudo isso para os historiadores é gnosticismo”. A intervenção do Cardeal Joseph Ratzinger. prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. por ocasião do centenário da criação da Pontifícia Comissão Bíblica.

por Joseph Ratzinger

Parece-me que podem ser distinguidos dois níveis do problema, então e ainda em questão. Num primeiro nível, devemos perguntar-nos até onde se estende a dimensão puramente histórica da Bíblia e onde começa a sua especificidade que escapa à mera racionalidade histórica. Também poderia ser formulado como um problema interno ao próprio método histórico: o que ele pode realmente fazer e quais são os seus limites intrínsecos? Que outros modos de compreensão são necessários para um texto deste tipo? A laboriosa investigação a realizar pode ser comparada, em certo sentido, ao esforço exigido pelo caso Galileu. Até aquele momento parecia que a visão geocêntrica do mundo estava indissociavelmente ligada ao que era revelado pela Bíblia; parecia que aqueles que eram a favor da visão heliocêntrica do mundo estavam desintegrando o núcleo da Revelação. A relação entre a aparência externa e a mensagem real do todo teve que ser completamente revista, e só lentamente puderam ser desenvolvidos os critérios que teriam permitido a racionalidade científica e a mensagem específica da Bíblia. É claro que a tensão nunca pode ser considerada completamente resolvida, pois a fé testemunhada pela Bíblia inclui também o mundo material, afirma algo também sobre ele, sobre a sua origem e a do homem em particular. Reduzir toda a realidade que nos chega a causas puramente materiais, confinar o Espírito criativo à esfera da mera subjetividade é inconciliável com a mensagem fundamental da Bíblia. Contudo, isto envolve um debate em torno da própria natureza da verdadeira racionalidade; visto que, se uma explicação puramente materialista da realidade é apresentada como a única expressão possível da racionalidade, então a própria racionalidade é falsamente compreendida. Algo semelhante deve ser afirmado em relação à história. A princípio parecia indispensável, para a fiabilidade das Escrituras e, portanto, para a fé nela fundada, que o Pentateuco fosse indiscutivelmente atribuído a Moisés ou que os autores dos Evangelhos individuais fossem verdadeiramente aqueles nomeados pela Tradição. Também aqui foi necessário, por assim dizer, redefinir lentamente as áreas; a relação fundamental entre fé e história precisava ser repensada. Tal esclarecimento não era uma tarefa que pudesse ser feita da noite para o dia. Também aqui haverá sempre espaço para discussão. A opinião de que a fé como tal não sabe absolutamente nada sobre os factos históricos e deve deixar tudo isto para os historiadores é gnosticismo: esta opinião desencarna a fé e reduz-a a uma ideia pura. Para a fé que se baseia na Bíblia, o realismo do acontecimento é uma exigência constitutiva. Um Deus que não pode intervir na história e nela se mostrar não é o Deus da Bíblia. Portanto, a realidade do nascimento de Jesus da Virgem Maria, a própria instituição da Eucaristia por Jesus na Última Ceia, a sua ressurreição corporal dentre os mortos - este é o significado do túmulo vazio - são elementos da fé como tal, que ela pode e deve defender contra um único conhecimento histórico supostamente melhor. Que Jesus - em tudo o que é essencial - foi realmente o que os Evangelhos nos mostram não é de forma alguma uma conjectura histórica, mas um facto de fé. Objeções que querem nos convencer do contrário não são a expressão do conhecimento científico real, mas são uma superestimação arbitrária do método. Além disso, muitas questões nos seus detalhes devem permanecer abertas e ser confiadas a uma interpretação consciente das suas responsabilidades, é o que entretanto aprendemos.

Com isto surge agora o segundo nível do problema: não se trata simplesmente de fazer uma lista de elementos históricos indispensáveis ​​à fé. Trata-se de ver o que a razão pode fazer e por que a fé pode ser razoável e a razão aberta à fé. Entretanto, não só foram corrigidas as decisões da Comissão Bíblica que haviam entrado demasiado na esfera das questões puramente históricas; também aprendemos algo novo sobre os caminhos e limites do conhecimento histórico. Werner Heisenberg, no campo das ciências naturais, estabeleceu com o seu “princípio da incerteza” que o nosso conhecimento nunca reflete apenas o que é objetivo, mas é sempre também determinado pela participação do sujeito, pela perspectiva em que ele faz as perguntas e pela sua capacidade de perceber. Tudo isto, naturalmente, é válido numa medida incomparavelmente maior onde o próprio homem entra em jogo ou onde o mistério de Deus se torna perceptível. Fé e ciência, Magistério e exegese, portanto, já não se opõem como mundos fechados sobre si mesmos. A fé é em si uma forma de conhecimento. Querer deixá-lo de lado não produz mera objetividade, mas constitui a escolha de um ângulo que exclui uma perspectiva específica e não quer mais levar em conta as condições casuais do ângulo escolhido. Contudo, se percebermos que as Sagradas Escrituras vêm de Deus através de um sujeito que ainda vive – o povo peregrino de Deus – então também fica racionalmente claro que este sujeito tem algo a dizer sobre a compreensão do livro.

A Terra Prometida da liberdade é mais fascinante e multifacetada do que poderia imaginar o exegeta de 1948. As condições intrínsecas da liberdade tornaram-se evidentes. Pressupõe escuta atenta, conhecimento dos limites dos vários caminhos, plena seriedade da relação , mas também disponibilidade para se limitar e para se superar no pensar e no conviver com o sujeito que nos garante as diferentes escritas do Antigo e do Novo Aliança como obra única, a Sagrada Escritura. Estamos profundamente gratos pelas aberturas que o Concílio Vaticano II nos deu, como resultado de um longo esforço de investigação. Mas não condenamos o passado nem levianamente, mas antes vemos-no como parte necessária de um processo de conhecimento que, considerando a grandeza da Palavra revelada e os limites das nossas capacidades, nos apresentará sempre novos desafios. Mas esta é precisamente a beleza disso. E assim, cem anos depois da criação da Comissão Bíblica, apesar de todos os problemas que surgiram neste período, ainda podemos olhar, gratos e cheios de esperança, para o caminho que se abre diante de nós.

O discurso do Cardeal Ratzinger
foi proferido no Augustinianum em 29 de abril de 2003.

Fonte: https://www.30giorni.it/

A experiência do deserto e jejum quaresmal

Fiel haitiana recebe as cinzas na Igreja São Pedro em Porto Príncipe, Haiti - 17/02/2021 (EPA/Orlando Barria) (ANSA)

O tempo quaresmal é por excelência um tempo penitencial, de obras de misericórdia, jejum e mortificação. Jesus, tal como o Povo de Israel, fez a experiência do deserto, no lugar onde é tentado pelo inimigo. No deserto há sempre um grande desafio. O jejum quaresmal nos coloca no nosso próprio deserto, à mercê das tentações que nos vem ao encontro, que devemos vencer e nos desviar, mergulhando nossa vida em Deus que é nossa força.

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

“Deus não Se cansou de nós. Acolhamos a Quaresma como o tempo forte em que a sua Palavra nos é novamente dirigida: «Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egipto, da casa da servidão». É tempo de conversão, tempo de liberdade. O próprio Jesus, como recordamos anualmente no primeiro domingo da Quaresma, foi impelido pelo Espírito para o deserto a fim de ser posto à prova na sua liberdade (...). Ao contrário do Faraó, Deus não quer súbditos, mas filhos. O deserto é o espaço onde a nossa liberdade pode amadurecer numa decisão pessoal de não voltar a cair na escravidão. Na Quaresma, encontramos novos critérios de juízo e uma comunidade com a qual avançar por um caminho nunca percorrido. Isto comporta uma luta: assim no-lo dizem claramente o livro do Êxodo e as tentações de Jesus no deserto. (Papa Francisco)”

A Quaresma é um sinal sacramental da nossa conversão, ou seja, a graça da conversão nos é dada em diferentes níveis e intensidades. Permite-nos crescer no conhecimento do mistério de Cristo, o que significa uma graça especial na escuta fecunda da Palavra de Deus e na compreensão espiritual dela. Ou seja, um tempo forte que significa testemunhar isto com uma conduta de vida digna, recebendo a graça de traduzir o Evangelho em obras e escolhas de pensamento e de vida, o que implica uma contínua conversão e restauração da nossa personalidade cristã. "É tempo de agir e, na Quaresma, agir é também parar: parar em oração, para acolher a Palavra de Deus, e parar como o Samaritano em presença do irmão ferido", diz o Papa Francisco em sua Mensagem para a Quaresma deste ano.

Neste contexto, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe a reflexão "A experiência do deserto e jejum quaresmal":

"Joseph Ratzinger, em suas obras completas, aponta que “antes da reforma pós-conciliar, o calendário litúrgico conhecia um singular entrelaçamento dos tempos que, porém, não era mais há muito tempo compreendido e era concebido de modo muito formal e superficial. De acordo com a data mais ou menos antecipada da Páscoa, o tempo depois da Epifania deve ser diminuído ou prolongado. Os domingos que ficam interrompidos vinham, pois, mudados para o fim do Ano Litúrgico”.¹

A Constituição Sacrosanctum Concilium aponta sobre as celebrações nos mais variados tempos litúrgicos e sobretudo que o Mistério Pascal seja acentuado na Liturgia cristã, valorizando o Domingo como dia consagrado ao Senhor, de escuta da Palavra e participação da Eucaristia. Está claro essa preocupação dos padres conciliares, escrita nos números 106 e 107.

No número 105, a Constituição sobre a Liturgia descreve sobre os exercícios de piedade, afirmando assim: “Em várias épocas do ano e seguindo o uso tradicional, a Igreja completa a formação dos fiéis servindo-se de piedosas práticas corporais e espirituais, da instrução, da oração e das obras de penitência e misericórdia”. No número 109 da SC, na letra “b”, aponta a natureza própria da penitência quaresmal que detesta o pecado como ofensa feita a Deus. Vamos ao texto literal: “o mesmo se diga dos elementos penitenciais. Quanto à catequese, inculque-se nos espíritos, de par com as consequências sociais do pecado, a natureza própria da penitência, que é detestação do pecado por ser ofensa a Deus; nem se deve esquecer a parte da Igreja na prática penitenciai, nem deixar de recomendar a oração pelos pecadores”.

Por isso, o Concílio delineou o período quaresmal para melhor evidenciar o itinerário que a Igreja oferece a cada cristão para que chegue renovado nas celebrações do Mistério Pascal. O Concílio deu acento à Páscoa, cuja Quaresma tem por finalidade de preparar. O caderno de número 13 – Cadernos do Concílio – em preparativa ao ano jubilar 2025, diz assim: “A reforma litúrgica especificou a finalidade, a estrutura e a duração desse período: em primeiro lugar, determinou-se que a quaresma tem por finalidade preparar a Páscoa, ou seja, conduzir à celebração do Mistério Pascal”, tanto aos catecúmenos e aqueles que renovam sua adesão ao Senhor, “mediante a lembrança do batismo e o compromisso de conversão pela penitência”(p. 14).

O tempo quaresmal é por excelência um tempo penitencial, de obras de misericórdia, jejum e mortificação. Jesus, tal como o Povo de Israel, fez a experiência do deserto, no lugar onde é tentado pelo inimigo. No deserto há sempre um grande desafio. O jejum quaresmal nos coloca no nosso próprio deserto, à mercê das tentações que nos vem ao encontro, que devemos vencer e nos desviar, mergulhando nossa vida em Deus que é nossa força. Os autores Anselm Grün e Michael Reepen, no pequeno subsídio sobre o Ano Litúrgico nos trazem uma profunda reflexão sobre o sentido do deserto em nossa caminhada preparatória à Páscoa. Dizem assim os autores: “O deserto é um lugar onde ficamos totalmente desprotegidos. Lá estamos sozinhos, frente a frente com nós mesmos, com nosso vazio interior, nosso desamparo, nossa solidão, com o imenso nada ao redor e dentro do coração. Lá topamos com nossos limites, descobrimos que não podemos nos autoajudar, que precisamos da ajuda de Deus. No deserto nos expomos sem proteção, temos sede de tanta coisa e fome do que possa preencher o que nos falta” ².

Esses dois monges escritores também falam do jejum, importante prática quaresmal: “O jejum retira o véu que encobre os nossos pensamentos e sentimentos, e assim constatamos diretamente todas as fúrias guardadas, todas as aspirações e necessidades não satisfeitas. O jejum nos mostra a verdadeira essência de nossa vida, do nosso bem-estar. Será que só ficamos bem com Deus, será que só ficamos de bom humor quando comemos e bebemos bastante?”³. A Igreja no Brasil nos propõe o jejum e a abstinência de carne na Quarta-Feira de Cinzas e na sexta-feira Santa. Mas não só. Toda a Quaresma é tempo de jejum e penitência. Mas nesses dias especiais de abstinência, banquetear-se de peixe faz perder o sentido espiritual e penitencial do jejum. É preciso ter bom senso que um peixe frito pode ser mais agradável do que uma outra carne.

A liturgia considera o jejum da Quaresma um tempo de graça. No jejum nós assumimos nossas próprias carência, renunciando às coisas que costumeiramente temos à mão, de comida e bebida, para entrar na dinâmica de conversão e entrega de nossa vida nas mãos do Senhor."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
______________

¹ RATZINGER, Joseph. Obras completas, Volume XI, Teologia da Liturgia – Fundamento Existencial da Vida Cristã, Edições CNBB, 2019, p. 94.
² GRÜN, Anselm e REEPEN, Michael. O Ano Litúrgico – como ritmo de uma Vida plena de sentido, Vozes, Petrópolis 2013, p. 49-50.
³ Ibidem, 51.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Sermão do depósito

Sermão do depósito (ArqRio)

SERMÃO DO DEPÓSITO

Dom Anuar Battisti
Arcebispo emérito de Maringá (PR)

A Semana Santa é um período de profundo significado para os cristãos em todo o mundo. É uma época em que recordamos e celebramos os eventos centrais da fé cristã, especialmente a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Cada dia da Semana Santa é marcado por eventos específicos que nos conduzem por meio dos últimos momentos da vida terrena de Jesus. 

No contexto da Semana Santa, o Sermão do Depósito ocupa um lugar de destaque. Este sermão, geralmente proferido na segunda-feira da Semana Santa, concentra-se na condenação e prisão de Jesus Cristo. É um momento de contemplação da escuridão que envolveu o mundo no momento em que Jesus foi preso, quando seus próprios discípulos o abandonaram por medo. 

A prisão de Jesus representa o início dos eventos que culminariam em sua crucificação. É um momento de profunda tristeza e angústia, tanto para Jesus quanto para seus seguidores. É também um lembrete do sofrimento e da injustiça que Jesus enfrentou em seu caminho para a Cruz. 

O Sermão do Depósito nos convida a refletir sobre a natureza da injustiça e da opressão, tanto nos tempos de Jesus quanto nos dias de hoje. Recordamos aqueles que são perseguidos por causa de sua fé, os injustiçados e marginalizados, e todos os que sofrem nas mãos da opressão e da violência. 

Além disso, o Sermão do Depósito nos desafia a examinar nossas próprias vidas e a considerar como podemos responder ao chamado de Jesus para defender os oprimidos e trabalhar pela justiça em nosso mundo. É um lembrete poderoso de que, assim como Jesus sofreu injustamente, também somos chamados a agir em solidariedade com os que sofrem e a trabalhar pela transformação de nossa sociedade. 

Ao participarmos do Sermão do Depósito, somos convidados a refletir não apenas sobre o sofrimento de Jesus, mas também sobre o significado mais amplo de sua vida e ensinamentos. É um momento para nos comprometermos novamente com os valores do Evangelho e para renovarmos nosso compromisso de seguir a Jesus em todas as áreas de nossas vidas. 

Portanto, durante a Semana Santa, ao participarmos do Sermão do Depósito, somos desafiados a enfrentar as trevas e a injustiça em nosso mundo com coragem e determinação, confiando na promessa da ressurreição e na vitória final do amor de Deus sobre o mal e a morte.

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

O Papa: prudência, capacidade de direcionar as ações para o bem

Audiência de 20/03/2024 com o Papa Francisco (Vatican News)

"Num mundo dominado pelas aparências, pelos pensamentos superficiais, pela banalidade tanto do bem quanto do mal, a antiga lição da prudência merece ser recuperada." Este é um trecho da catequese do Papa Francisco que na Audiência Geral refletiu sobre a prudência, dando continuidade ao ciclo de catequeses sobre "Vícios e virtudes".

https://youtu.be/K8fc7dB4efE

Mariangela Jaguraba – Vatican News

A catequese do Papa Francisco na Audiência Geral, desta quarta-feira (20/03), realizada na Praça São Pedro, foi dedicada à virtude da prudência. O Papa saudou os fiéis e peregrinos e disse que também desta vez, devido à sua dificuldade com a voz, o monsenhor rosminiano Pierluigi Giroli, da Secretaria de Estado, iria ler o texto preparado.

"Junto com a justiça, a fortaleza e a temperança", a prudência "forma as chamadas virtudes cardeais, que não são prerrogativa exclusiva dos cristãos, mas pertencem à herança da sabedoria antiga, em particular dos filósofos gregos. Portanto, um dos temas mais interessantes no esforço de encontro e inculturação foi precisamente o das virtudes".

Segundo Francisco, "nos escritos medievais, a apresentação das virtudes não é uma simples lista de qualidades positivas da alma. Voltando aos autores clássicos à luz da revelação cristã, os teólogos imaginaram o setenário das virtudes – as três teologais e as quatro cardeais – como uma espécie de organismo vivo, onde cada virtude tem um espaço harmonioso a ocupar. Existem virtudes essenciais e virtudes acessórias, como pilares, colunas e capitéis".

A pessoa prudente é criativa

Não é a virtude da pessoa temorosa, sempre hesitante quanto à ação a tomar. Não, esta é uma interpretação errada. Não é tampouco apenas cautela.

“Dar primazia à prudência significa que a ação do homem está nas mãos da sua inteligência e da sua liberdade. A pessoa prudente é criativa: raciocina, avalia, tenta compreender a complexidade do real e não se deixa dominar pelas emoções, pela preguiça, pelas pressões das ilusões.”

De acordo com Francisco, "num mundo dominado pelas aparências, pelos pensamentos superficiais, pela banalidade tanto do bem quanto do mal, a antiga lição da prudência merece ser recuperada".

Santo Tomás, seguindo Aristóteles, chamou-a de “recta ratio agibilium”. "É a capacidade de governar as ações para direcioná-las para o bem; por isso é apelidada de o “cocheiro das virtudes”. Prudente é aquele que é capaz de escolher. Quem é prudente não escolhe ao acaso: primeiro sabe o que quer, considera as situações, procura conselhos e, com visão ampla e liberdade interior, escolhe qual o caminho a seguir. Isso não quer dizer que não possa cometer erros, afinal continuamos sempre humanos; mas pelo menos evitará grandes derrapagens."

A pessoa prudente é clarividente

Infelizmente, em todos os ambientes há quem tende a descartar os problemas com piadas superficiais ou a sempre levantar polêmicas. A prudência, por outro lado, é a qualidade de quem é chamado a governar: sabe que administrar é difícil, que há muitos pontos de vista e que é preciso tentar harmonizá-los, que se deve fazer o bem não a alguns, mas a todos.

Segundo o Papa, "a prudência também ensina que, como se costuma dizer, “o ótimo é inimigo do bem”. O zelo em demasia, de fato, pode causar desastres em algumas situações: pode destruir uma construção que precisava de gradualidade; pode gerar conflitos e incompreensões; pode até mesmo desencadear a violência".

O prudente sabe preservar a memória do passado, não porque tenha medo do futuro, mas porque sabe que a tradição é um patrimônio de sabedoria. A vida é feita de uma sobreposição contínua de coisas velhas e coisas novas, e não é bom pensar sempre que o mundo começa a partir de nós, que temos de enfrentar os problemas começando do zero. A pessoa prudente também é clarividente. Depois de decidir o objetivo a atingir, é preciso buscar todos os meios para alcançá-lo.

Santos inteligentes

O Papa recordou algumas passagens do Evangelho que nos ajudam a educar a prudência, como por exemplo: "Quem constrói a sua casa sobre a rocha é prudente e quem a constrói sobre a areia é imprudente" ou "sábias são as damas de honra que trazem óleo para as suas lâmpadas e tolas são aquelas que não o fazem". "A vida cristã é uma combinação de simplicidade e astúcia. Preparando os seus discípulos para a missão, Jesus recomenda: “Eis que Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas”.

“Como se dissesse que Deus não quer apenas que sejamos santos, ele quer que sejamos santos inteligentes, porque sem a prudência é fácil seguir o caminho errado.”

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Martinho de Braga

São Martinho de Braga )A12)
20 de março
São Martinho de Braga

Martinho nasceu na Panônia, atual Hungria, no século VI, provavelmente no ano de 518. Jovem, foi para o Oriente, onde estudou Grego e ciências eclesiásticas, com tal distinção que Santo Isidoro o chamou de ilustre na Fé e na Ciência, e São Gregório de Tours o considerava como um dos homens insuperáveis do seu tempo. Voltando ao Ocidente, continuou os estudos, em Roma e na França, tendo a oportunidade de conviver com as pessoas de maior eminência em santidade e saber da época. Em especial, visitou o túmulo de São Martinho de Tours, de quem era especialissimamente devoto.

Foi então que conheceu o rei Charrico dos suevos. Este era um povo de origem germânica que invadiu a Península Ibérica (Hispânia do Império Romano) em 409, tendo ali permanecido até 585, quando foram derrotados pelos visigodos; inicialmente ocuparam a antiga província romana da Galécia (atual norte de Portugal e Galiza), estendendo-se ao Rio Tejo, na região da Lusitânia, e sua capital era Bracara Augusta (hoje Braga). Martinho acompanhou Charrico na volta ao seu reino, em 550, e apesar de que desde 448 a Galécia abraçava o Cristianismo, ali ainda havia restos do gentilismo (isto é, paganismo) e expansão do arianismo, por causa da grande ignorância religiosa.

Martinho foi um dos principais obreiros da cristianização e do monaquismo nesta região da Península. A partir de Dume, aldeia próxima de Bracara Augusta, onde fundou um mosteiro, iniciou sua evangelização. Caso único na história da Igreja, a Diocese de Dume por ele criada incluía apenas o mosteiro, e em 556 Martinho foi seu primeiro bispo, pois o bispo de Braga, que lhe concedeu o episcopado, reconheceu sua santidade, zelo e saber.

Em 559 o arianismo já estava praticamente extinto no reino suevo. Em 569 Martinho assumiu também a Sé de Braga, que, como capital do reino e sede episcopal, ganhou importância duradoura, sendo até hoje a Sé metropolita, ou primaz, das dioceses no noroeste português. Ele fundou também, pessoalmente, a igreja e o mosteiro de São Martinho de Tours, em Cedofeita, na atual cidade do Porto, na época um importante posto militar e administrativo (num burgo de nome Cale Castrum Novum – Castelo Novo de Cale –, havia um porto, Portus Cale ou Porto de Cale, atual Ribeira às margens do Rio Douro, cujo nome deu origem ao nome Portugal; Porto foi a capital, isto é, residência real, centro administrativo e sede diocesana do final do domínio suevo).

Em 561-563 Martinho convocou o 1° Concílio de Braga, quando proibiu que se cantassem muitos dos hinos e cantos de caráter popular nas missas e celebrações; com o tempo, a música litúrgica foi sendo fixada no Cantochão (do qual deriva o Canto Gregoriano, forma musical oficial da Igreja, próprio para as celebrações litúrgicas, pois eleva com serenidade a mente e a alma a Deus, sem distrações). Em 572, houve o 2° Concílio de Braga, e nesta ocasião ele registrou: Com a ajuda da graça de Deus, nenhuma dúvida há sobre a unidade e retidão da fé nesta província”. De fato, um escrito de 580, o “Paroquial Suévico” relaciona 13 dioceses e 134 paróquias na região, embora também alguns “pagus”, paróquias arianas ou não cristãs.

São Martinho foi um profícuo e profundo escritor, abordando temas morais, teológicos, canônicos e monásticos. Além de “Escritos canônicos e litúrgicos”, outras das suas principais obras são: Aegyptiorum Patrum Sententiae (“Sentenças dos Padres Egípcios”, que traduziu e comentou), De Correctione Rusticorum (“Da Correção dos Rústicos”, livro simples e claro para a evangelização dos pagãos – não confundir com “Como Catequizar os Rudes”, de Santo Agostinho), Formula Vitae Honestae (“Fórmula da Vida Honesta”, durante séculos atribuído a Sêneca e dirigido ao rei suevo, enfatizando a Justiça aos responsáveis pelo governo), De Moribus (“Tratado dos Costumes”), De ira (“Da Ira”, comentário ao livro homônimo de Sêneca, e no mesmo espírito do ditado latino ira furor brevis est, de Horácio – “a ira é uma loucura de curta duração”), Pro Repellenda Jactantia (“Para Repelir a Jactância”), Item de Superbia (“Acerca da Soberba”), Exhortatio Humilitatis (“Exortação da Humildade”).

Importantíssima contribuição de Martinho na história da cultura e língua portuguesas foi a adoção dos atuais nomes dos dias da semana: segunda-feira, terça-feira, etc.. Até então, todas as línguas utilizavam nomes de deuses pagãos para este fim, relacionados aos astros, o que se mantém até hoje exceto no Português; na origem, Latim Lunae dies para o “dia da lua”, depois Espanhol Martes para o “dia de Marte”, Inglês Saturday para o “dia de Saturno”, etc.. Martinho utilizou uma nomenclatura escolástica, Feria ou Festa (de onde “feriado”), no caso, litúrgica: Feria secunda, Feria tertia, Feria quarta, Feria quinta, Feria sexta, Sabbatum, Dominica Dies, o sábado em referência ao Shabat sagrado dos judeus, que no Catolicismo foi substituído pelo “dia do Senhor (Dominus)”, o domingo. Assim a perspectiva pagã foi substituída no povo católico pela referência ao Deus Uno e Trino, o Qual nos concede o tempo. Como o 1° Concílio de Braga, quando foi feita esta substituição, era um concílio local e não de toda a Igreja, as demais línguas neolatinas permaneceram com as origens pagãs. Os mais antigos documentos em Português já trazem a mudança, uma mostra de que a partir dos suevos latinizados já houve a compreensão da maior dignidade desta nomenclatura para os fiéis católicos.

De fato, dentre os povos germânicos invasores, os suevos são reconhecidos como os de maior influência e importância para a formação de Portugal, tanto geograficamente quanto dos nomes e diversos aspectos da cultura local, bem como da sua base genética. Também São Martinho de Braga, pela sua obra de evangelização, pelos seus escritos, pelo impulso cultural do mosteiro de Dume, que cresceu por toda a Idade Média, marcou profundamente a cristianização, história e cultura da Península Ibérica, notadamente Portugal.

 São Martinho faleceu em 20 de março de 579. Escreveu seu próprio epitáfio, honrando seu patrono particular São Martinho de Tours, que termina assim: “Tendo-te seguido, ó Patrono, eu, o teu servo Martinho, igual em nome que não em mérito, repouso agora aqui na paz de Cristo”. É também conhecido como Martinho de Braga ou Martinho de Dume, Martinho Dumiense, Martinho Bracarense ou Martinho da Panônia. É considerado Apóstolo dos Suevos e principal padroeiro da arquidiocese de Braga. A sua festa litúrgica oficial, no Calendário Romano, é a 5 de dezembro, mas a 22 de outubro na diocese de Braga e 20 de março em Portugal e na igreja Ortodoxa, que também o reconhece como santo.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

A imensa obra de São Martinho de Braga é centrada na sabedoria, santidade e apostolado a partir dos mosteiros, um método extremamente eficaz de fixar a vida católica numa região, pois como centros de paz, virtudes, conhecimento, espiritualidade, atraem e enraízam a Palavra de Deus entre os povos. Durante toda a Idade Média ocidental, este foi o meio mais importante para difundir e estabelecer a Igreja nas ruínas do antigo Império Romano e no caos dos invasores bárbaros. Mas o seu zelo também deu atenção à Liturgia, já naquela época sofrendo alguns abusos; a música na Missa tem um propósito específico relacionado à oração, e não à simples manifestação de alegria, por exemplo. Um zelo semelhante certamente faria muito bem à espiritualidade do povo de Deus, nos dias atuais. Não menos importante é a sua contribuição para a nomeação, mais adequada do ponto de vista da cultura católica, dos dias da semana em Português. Algo muito interessante para ser adotado no orbe da Igreja. Pelos próprios títulos dos seus livros, que indicam suas exortações para a necessidade da humildade para vencer a soberba, a jactância e a ira, e reformular os costumes, pode-se seguir um itinerário de busca da perfeição espiritual, que é o cerne da vida humana: um exemplo a ser imitado por todos os fiéis, assim como ele se espelhou em São Martinho de Tours.

Oração:

Senhor Deus, que na Vossa infinita bondade nos concedestes o tempo, de modo a que todo dia possa ser vivido para Vós e para o bem que devemos fazer nesta vida, concedei-nos por intercessão de São Martinho de Braga conhecer e praticar com amor a Vossa Doutrina, Vossos Mandamentos e Sacramentos, que são a verdadeira fórmula pra a vida honesta que precisamos ter para corrigir os nossos rústicos pecados e então, iguais no nome de irmãos, com o Cristo, embora não iguais nos Seus méritos, repousemos infinitamente na Vossa paz. Pelo mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.


Fonte: https://www.a12.com/

terça-feira, 19 de março de 2024

EXEGESE: «A fé exige o realismo dos acontecimentos» (II)

José Ratzinger (30Giorni)

Revista 30Dias – 06/2003

O discurso do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé por ocasião do centenário da constituição da Pontifícia Comissão Bíblica

«A fé exige o realismo dos acontecimentos»

“A opinião de que a fé como tal não sabe absolutamente nada sobre os fatos históricos e deve deixar tudo isso para os historiadores é gnosticismo”. A intervenção do Cardeal Joseph Ratzinger. prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. por ocasião do centenário da criação da Pontifícia Comissão Bíblica.

por Joseph Ratzinger

A constituição conciliar Dei Verbum de 1965 sobre a Revelação divina abriu efetivamente um novo capítulo na relação entre o Magistério e a exegese científica. Não há necessidade de sublinhar aqui a importância deste texto fundamental. Em primeiro lugar, define o conceito de Revelação, que em nada se identifica com o seu testemunho escrito que é a Bíblia, e abre assim o vasto horizonte, tanto histórico como teológico, no qual se move a interpretação da Bíblia, uma interpretação que vê nas Escrituras não apenas livros humanos, mas o testemunho do falar divino.

O que poderia perceber um olhar histórico lançado por Nebo sobre a terra da exegese dos últimos cinquenta anos? Em primeiro lugar, muitas coisas que teriam servido de consolo para Maier, a realização do seu sonho, por assim dizer. Já a encíclica Divino afflante Spiritu de 1943 introduziu uma nova forma de compreender a relação entre o Magistério e as necessidades científicas da leitura histórica da Bíblia. Posteriormente, a década de 1960 representou a entrada na Terra Prometida da liberdade de exegese, para preservar esta imagem metafórica. Encontramos primeiro a instrução da Comissão Bíblica de 21 de Abril de 1964 sobre a verdade histórica dos Evangelhos, mas depois, sobretudo, a constituição conciliar Dei Verbum de 1965 sobre a Revelação divina, com a qual abriu efetivamente um novo capítulo na relação entre os Magistério e exegese científica. Não há necessidade de sublinhar aqui a importância deste texto fundamental. Em primeiro lugar, define o conceito de Revelação, que em nada se identifica com o seu testemunho escrito que é a Bíblia, e abre assim o vasto horizonte, tanto histórico como teológico, no qual se move a interpretação da Bíblia, uma interpretação que vê nas Escrituras não apenas livros humanos, mas o testemunho do falar divino. Torna-se assim possível determinar o conceito de Tradição, que também vai além da Escritura, apesar de nela ter o seu centro, uma vez que a Escritura é antes de tudo por natureza “tradição”. Isto leva ao terceiro capítulo da Constituição, dedicado à interpretação das Escrituras; nele surge convincentemente a necessidade absoluta do método histórico como parte indispensável do esforço exegético, mas depois aparece também a dimensão propriamente teológica da interpretação, que - como já foi dito - é essencial se aquele livro é mais do que palavras humanas.

Continuamos a nossa investigação desde o Monte Nebo: Maier, do seu posto de observação, poderia ter-se alegrado especialmente com o que aconteceu em junho de 1971. Com o motu proprio Sedula cura, Paulo VI reestruturou completamente a Comissão Bíblica para que ela não fosse mais um órgão do Magistério, mas um lugar de encontro entre o Magistério e os exegetas, um lugar de diálogo no qual os representantes do Magistério e os exegetas qualificados pudessem se encontrar para encontrarem juntos, para por assim dizer, os critérios intrínsecos da liberdade que a impedem de se autodestruir, elevando-a assim ao nível da verdadeira liberdade. Maier também poderia ter se regozijado com o fato de um de seus melhores alunos, Rudolf Schnackenburg, ter se juntado não apenas à Comissão Bíblica, mas à não menos importante Comissão Teológica Internacional, de modo que agora, ele próprio, por assim dizer, se encontrava quase em aquela Comissão que lhe tinha causado tantas preocupações. Lembremos outra data importante que, do nosso Nebo imaginário, poderia ter surgido ao longe: o documento da Comissão Bíblica A Interpretação da Bíblia na Igreja de 1993, em que não é mais o Magistério quem impõe normas ao exegetas de cima, mas são eles próprios que tentam determinar os critérios que devem indicar o caminho para uma interpretação adequada deste livro especial, que, visto apenas de fora, constitui, em última análise, nada mais do que uma coleção literária de escritos cuja composição se estende durante um milênio inteiro. Só o sujeito do qual nasceu esta literatura – o povo peregrino de Deus – faz desta coleção literária, com toda a sua variedade e os seus aparentes contrastes, um único livro. Este povo, porém, sabe que não fala nem age por si mesmo, mas está em dívida com Aquele que faz dele um povo: o mesmo Deus vivo que lhes fala através dos autores de cada livro.

Então o sonho se tornou realidade? Será que os segundos cinquenta anos da Comissão Bíblica apagaram e deixaram de lado como ilegítimo o que os primeiros cinquenta anos produziram? À primeira pergunta eu responderia que o sonho foi traduzido em realidade e que simultaneamente também foi corrigido. A mera objetividade do método histórico não existe. É simplesmente impossível excluir completamente a filosofia, ou seja, a pré-compreensão hermenêutica. Isto já era evidente, enquanto Maier ainda estava vivo, por exemplo, no Comentário sobre João de Bultmann, onde a filosofia heideggeriana serviu não apenas para tornar presente o que estava historicamente distante, agindo, por assim dizer, como um meio de transporte que transfere o passado para o nosso hoje, mas também como um cais que traz o leitor para dentro do texto. Ora, esta tentativa falhou, mas tornou-se claro que o método histórico puro – como no caso da literatura profana – não existe. É certamente compreensível que os teólogos católicos, numa época em que as decisões da Comissão Bíblica da época impediam uma aplicação pura do método histórico-crítico, olhassem com inveja para os teólogos evangélicos, que, entretanto, com o seriedade de suas pesquisas, puderam apresentar novos resultados e aquisições sobre como essa literatura, que chamamos de Bíblia, nasceu e cresceu ao longo do caminho do povo de Deus. No entanto, isso levou muito pouco em consideração o fato de que na língua protestante teologia existe, era o problema oposto. Isto é claramente visto, por exemplo, na conferência realizada em 1936 pelo grande aluno de Bultmann, que mais tarde se converteu ao catolicismo, Heinrich Schlier, sobre a responsabilidade eclesial do estudante de teologia. Naqueles tempos, o cristianismo evangélico na Alemanha travava uma batalha pela sobrevivência: o confronto entre os chamados cristãos alemães ("deutsche Christen"), que, ao submeterem o cristianismo à ideologia do nacional-socialismo, falsificaram as suas raízes, e a Igreja Confessante (“bekennende Kirche”). Neste contexto, Schlier dirigiu estas palavras aos estudantes de teologia: «... Reflitam por um momento sobre o que é melhor: que a Igreja, legitimamente e após cuidadosa reflexão, remova o ensino de um teólogo por uma doutrina heterodoxa, ou que o indivíduo silencia gratuitamente um ou outro professor de heterodoxia e alerta contra ele? Não se deve pensar que o julgamento termina quando todos podem julgar ad libitum . Aqui a visão liberal é consistente ao afirmar que não pode haver decisão sobre a verdade de um ensinamento, que, portanto, todo ensinamento tem alguma verdade e que, portanto, todos os ensinamentos devem ser admitidos na Igreja. Mas não partilhamos desta visão. Na verdade, nega que Deus tenha verdadeiramente tomado uma decisão entre nós...". Quem se lembra que na época grande parte das faculdades protestantes de teologia estava quase exclusivamente nas mãos de cristãos alemães e que Schlier teve que abandonar o ensino académico devido a declarações como a que acabamos de citar, pode também perceber o outro lado desta problema.

Chegamos assim à segunda e última questão: como devemos avaliar, hoje, os primeiros cinquenta anos da Comissão Bíblica? Seria tudo apenas, por assim dizer, um trágico condicionamento da liberdade da teologia, um conjunto de erros dos quais tivemos que nos libertar nos segundos cinquenta anos da Comissão, ou deveríamos considerar este difícil processo de uma forma mais articulada ? Que as coisas não são tão simples como pareciam no primeiro entusiasmo no início do Conselho talvez já fique claro pelo que acabámos de dizer. É verdade que o Magistério, com as decisões citadas, alargou demasiado o âmbito das certezas que a fé pode garantir; por isso continua a ser verdade que a credibilidade do Magistério foi assim diminuída e o espaço necessário para a investigação e as questões exegéticas foi excessivamente restringido. Mas também é verdade que, no que diz respeito à interpretação das Escrituras, a fé tem uma palavra a dizer e que, portanto, até os pastores são chamados a corrigir quando se perde de vista a natureza particular deste livro e a sua objetividade, que só é puro na aparência, é faz desaparecer o que há de específico e específico da Sagrada Escritura. Foram, portanto, indispensáveis ​​pesquisas laboriosas, para que a Bíblia tivesse a sua hermenêutica correta e a exegese histórico-crítica o seu devido lugar.

O discurso do Cardeal Ratzinger
foi proferido no Augustinianum em 29 de abril de 2003.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Na família está o futuro da agricultura, afirma o Papa ao Fórum Rural Mundial

Papa em evento paralelo na JMJ de Lisboa (Vatican Media)

Francisco enviou uma mensagem aos participantes do Fórum, inaugurado neste 19 de março na Espanha. Não obstante a valiosa contribuição das famílias na agricultura, elas seguem sendo atingidas pela pobreza e pela escassez de oportunidades.

Vatican News

Erradicação da fome, redução das desigualdades e proteção do planeta: estes são os pedidos do Papa Francisco aos participantes da VIII Conferência Global do Fórum Rural Mundial, que se realiza de 19 a 21 de março em Vitoria-Gasteiz, na Espanha. O evento tem por tema “Agricultura Familiar: sustentabilidade do nosso planeta” e reúne mais de 150 personalidades de 60 países, entre eles o Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil, Luiz Paulo Teixeira Ferreira

Francisco define como “louváveis” as famílias que se dedicam à agricultura pela forma solidária do seu trabalho, assim como pelo estilo respeitoso e delicado com o qual cultivam a terra, favorecendo sistemas agroalimentares mais inclusivos, resilientes e eficientes. Não obstante esta valiosa contribuição, seguem sendo atingidas pela pobreza e pela escassez de oportunidades.

Por isso, consciente dos complexos desafios que enfrentam, o Papa dirige  às famílias dos pequenos agricultores uma palavra de alento, manifestando a proximidade da Igreja.

Igualmente, o Pontífice ressalta o papel “insubstituível” do gênio feminino neste contexto. “As mulheres rurais representam uma bússola segura para suas famílias, um ponto de apoio firme para o progresso da economia, especialmente nos países em desenvolvimento.”

O Papa também não deixa de mencionar o papel dos jovens na agricultura. “A verdadeira revolução para un futuro alimentar começa com a formação e potencialização das novas gerações”, escreve, acrescentando que a contribuição da juventude consiste em proporcionar soluções inovadoras na abordagem de problemas antigos e na coragem para mudar.

Francisco conclui com os votos de que Deus abençoe as deliberações do encontro, para que, reconhecido o papel da família rural, se avance na erradicação da fome, na redução das desigualdades, assim como no cuidado e proteção do nosso planeta.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

NOMEAÇÃO: Bispo Auxiliar de Brasília-DF

Mons. Vicente de Paula Tavares (CNBB)

PAPA FRANCISCO NOMEIA NOVO BISPO AUXILIAR PARA A ARQUIDIOCESE DE BRASÍLIA-DF

O Papa Francisco nomeou nesta terça-feira, 19 de março, o padre Vicente de Paula Tavares, pertencente ao clero da arquidiocese de Brasília, como bispo titular de “Gergi” e auxiliar na arquidiocese da Brasília (DF). A nomeação atende à solicitação do cardeal Paulo Cezar Costa, de poder contar com a colaboração de mais um auxiliar.

Padre Vicente é, atualmente, pároco na paróquia Imaculado Coração de Maria, no Park Way, em Brasília, e integra o Colégio de Consultores da Arquidiocese. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) enviou saudação desejando boas-vindas ao novo membro eleito para o ministério episcopal. Segue a íntegra do documento abaixo:

Saudação da CNBB ao Monsenhor Vicente de Paula Tavares

Estimado Monsenhor Vicente de Paula Tavares,

Recebemos com alegria a notícia de sua nomeação como novo Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília (DF) neste dia da solenidade de São José, esposo da Bem-Aventurada virgem  Maria, padroeiro da Igreja Universal. Unimo-nos em comunhão ao nosso irmão, o cardeal Paulo Cezar Costa, que poderá contar com seu apoio na tarefa de oportunizar, sempre mais e melhor, a experiência de encontro pessoal com o Filho de Deus e sua Palavra.

Possa a reflexão do Santo Padre, o Papa Francisco, na Carta Apostólica Patris Cordis, sobre aquele que foi o guardião das primícias da Igreja, iluminar seu ministério:

“Todos podem encontrar em São José – o homem que passa despercebido, o homem da presença quotidiana discreta e escondida – um intercessor, um amparo e uma guia nos momentos de dificuldade. São José lembra-nos que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação”. (…) O que Deus disse ao nosso Santo – «José, Filho de David, não temas…» (Mt 1, 20) –, parece repeti-lo a nós também: «Não tenhais medo!»”

Nos despedimos, com um trecho da oração dedicada ao Padroeiro da Igreja: “Ó Bem-aventurado José, mostrai-vos pai também para nós e guiai-nos no caminho da vida. Alcançai-nos graça, misericórdia e coragem, e defendei-nos de todo o mal”. 

Sob a intercessão de São José, enviamos nossos votos de um profícuo episcopado.

Em Cristo,

Dom Jaime Spengler 
Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre – RS
Presidente da CNBB

Dom João Justino de Medeiros Silva 
Arcebispo da Arquidiocese de Goiânia – GO
1º Vice- Presidente da CNBB

Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa 
Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife – PE
2º Vice-Presidente da CNBB

Dom Ricardo Hoepers 
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília – DF
Secretário-Geral da CNBB

Biografia e trajetória eclesial

Padre Vicente nasceu na cidade de João Pinheiro (MG), no dia 21 de janeiro de 1972, filho de Nicácio Tavares da Silva e Júnia Alves da Silva. Quando criança se mudou para a fazenda Bom Sucesso, no município de Vazante (MG). Sua família consta de 6 irmãs e um irmão mais novo, ao todo, oito filhos. Durante a juventude começou a interessar-se pelas coisas Sagradas; foi coordenador do grupo de Jovem “MUSAC” na comunidade São José Operário, pertencente à paróquia Matriz, hoje, paróquia Santuário Nossa Senhora da Lapa, na mesma cidade de Vazante (MG). Também participou de curso sobre as Sagradas Escrituras, na Boa Semente; fez encontros para músicos e frequentou retiros para jovens da Renovação Carismática Católica (RCC).

No ano de 1992, padre Vicente fez seu primeiro encontro vocacional no seminário menor de Paracatu (MG), de homônima diocese; sentiu que tinha inclinações vocacionais; todavia, na ocasião, tendo sido aprovado em concurso para Polícia Florestal em Patos de Minas (MG), declinou ingressar no seminário. Não prosseguindo na carreira policial, ávido pelo sonho de cultivar a terra, mudou-se para Brasília (DF) com intuito de estudar Agronomia.

Em Brasília, ao fazer o curso da Nova Evangelização 2000, reaproximou-se da Igreja e sentiu o ardor vocacional reavivar-se em coração. Após três anos, sob a orientação do seu pároco, padre Ulysses Reis (falecido em agosto de 2020), fez encontros vocacionais no seminário maior arquidiocesano de Brasília,  Nossa Senhora de Fátima, ingressando em fevereiro do ano 2000.

Iniciou seus estudos de Filosofia no mesmo ano de ingresso do processo formativo, concluindo o ciclo filosófico em 2002; cursou Teologia no mesmo seminário, encerrando o ciclo teológico em 2006; sua primeira responsabilidade no apostolado foi o encargo de acompanhar os trabalhos da Pastoral Vocacional arquidiocesana; após apostolado pastoral em diversas paróquias, foi ordenado sacerdote no dia 9 de dezembro de 2006, por imposição das mãos e oração da Igreja, do hoje cardeal bispo emérito de Brasília, João Braz de Aviz, à época arcebispo metropolitano.

Após ordenação sacerdotal, foi nomeado vigário da paróquia Nossa Senhora Aparecida, em São Sebastião (DF), de 2007-2008; sucedeu o padre Godwin (falecido em 2021) no ofício de pároco na mesma paróquia, de 2009-2010. Foi nomeado ecônomo e formador no seminário maior interdiocesano São João Maria Vianney, de 2011-2014, na cidade de Goiânia (GO). Durante sua estada na capital goiana, também realizou os ofícios de administrador da paróquia Santo Hilário (2011-2012); colaborador paroquial na Santo Antônio, em Senador Canedo (GO), em 2013, colaborador na paróquia Santa Cruz, e em Aparecida de Goiânia (GO), em 2014.

No ano de 2015, regressou a Brasília e foi nomeado vigário da paróquia Nossa Senhora do Rosário, no Lago Sul; nesta mesma data, também foi nomeado responsável pela Obra das Vocações sacerdotais, também na Capital do país. Em 2016, padre Vicente foi transferido pelo cardeal Sergio da Rocha para assumir nova missão na erigida na paróquia dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, no Jardim Botânico, com ofício de 1º pároco, tendo lá permanecido até janeiro de 2022.

Durante este tempo, foi professor de Ecumenismo no seminário maior arquidiocesano de Brasília e formador/diretor espiritual das Pias Operárias de São José, até 2023. Foi diretor espiritual do Movimento Eureka (2016 – 2021) e assumiu, a pedido do cardeal Paulo Cezar Costa, de 2022 até a presente data, o ofício de pároco na paróquia Imaculado Coração de Maria, no Park Way (DF); nesta mesma ocasião, passou a fazer parte do Colégio de Consultores da Arquidiocese até a presente data.

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF