Quarta pregação da Quaresma do cardeal Cantalamessa
"A esperança necessita da
tribulação como a chama necessita do vento para se reforçar. As razões de
esperança terrenas devem morrer, uma após a outra, para que venha à tona a
verdadeira razão inabalável, que é Deus."
Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap
“EU SOU A RESSURREIÇÃO E A VIDA”
Quarta pregação da Quaresma de 2024
Em nosso
comentário aos solenes “Eu Sou” de Cristo no Evangelho de João, chegamos ao
capítulo 11. Ele está todo ocupado pelo episódio da ressurreição de Lázaro. O
ensinamento que João quis transmitir à Igreja com a sábia composição do
capítulo pode ser resumido em três pontos:
Primeiro
ponto: Jesus ressuscita o amigo Lázaro (Jo 11,1-44).
Segundo
ponto: A ressurreição de Lázaro provoca a condenação de Jesus à morte
(11,47-50):
Os chefes
dos sacerdotes e os fariseus reuniram então o sinédrio e discutiam: “Que vamos
fazer, visto que este homem faz muitos sinais? Se o deixarmos continuar assim,
todos crerão nele, e os romanos virão destruir nosso Lugar Santo e nossa
nação”. Um deles, chamado Caifás, sumo sacerdote naquele ano, disse-lhes: “Vós
não entendeis nada! Não considerais ser melhor para vós, que um só morra pelo
povo e não pereça a não inteira?”.
Terceiro
ponto: A morte de Jesus obterá a ressurreição de todos os que creem nele
(11,51-53). O Evangelista assim comenta:
Caifás não
falou isso por si mesmo, mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que
Jesus haveria de morrer pela nação, e não só pela nação, mas também para
reconduzir à unidade os filhos de Deus dispersos. A partir desse dia
decidiram matar Jesus.
Resumindo,
a ressurreição de Lázaro provoca a morte de Jesus; a morte de Jesus provoca a
ressurreição de quem crer nele!
*
* *
Agora
podemos nos concentrar na palavra de autorrevelação contida no contexto:
Jesus
respondeu: “Teu irmão vau ressuscitar”. Marta disse: “Eu sei que ele vai
ressuscitar, na ressurreição do último dia”. Então Jesus declarou: “Eu sou
a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, ainda que
tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá (11,23-26).
“Eu sou a
ressurreição!”. Perguntamo-nos: de qual ressurreição Jesus fala aqui? Marta
pensa na ressurreição final. Jesus não nega esta ressurreição “do último dia”,
que ele mesmo promete em outra parte (Jo 6,54), mas aqui anuncia una coisa
nova: que a ressurreição começa já, desde agora, para quem crê nele. Santo
Agostinho comenta: “O Senhor nos indicou uma ressurreição dos mortos que
precede a ressurreição final. E não se trata de uma ressurreição como aquela de
Lázaro ou do filho da viúva de Naim... que ressuscitaram para morrer uma outra
vez, mas no sentido que afirma aqui: “...tem a vida eterna”[1].
Como se vê,
a ideia de uma ressurreição “espiritual” e existencial, que acontece já nesta
vida graças à fé, não era desconhecida na tradição cristã. A novidade interveio
quando se quis fazer dela o único significado da palavra de Jesus. É conhecida
a posição de Bultmann, já em grande parte superada, mas que se impunha quando
eu estudava teologia. Segundo ele, a ressurreição de que fala Jesus é uma
ressurreição existencial, um despertar de consciência, baseado na fé. Estamos
na linha do vago “apelo à decisão” e do “decidir-se por Deus”, aos quais ele
reduz quase toda a mensagem do Evangelho.
Mas João
dedica dois capítulos inteiros do seu Evangelho à ressurreição real e corporal
de Jesus, fornecendo algumas das informações mais detalhadas sobre ela. Para
ele, portanto, não é apenas “a causa de Jesus”, isto é, a sua mensagem, que
ressuscitou da morte – como alguém escreveu[2] –
mas a sua pessoa!
A
ressurreição atual não substitui aquela final do corpo, mas é a sua garantia.
Ela não anula e não torna inútil a ressurreição de Cristo do túmulo, mas antes
se funda justamente sobre ela. Jesus pode dizer “Eu sou a ressurreição”, porque
ele é o Ressuscitado! A dimensão existencial depende daquela real, não a
substitui.
Antes de
João, foi o Apóstolo Paulo a afirmar o vínculo indissolúvel entre a fé cristã e
a ressurreição real de Cristo. É sempre útil e salutar recordar as suas
veementes palavras aos Coríntios:
E se Cristo
não ressuscitou, é vã é a nossa pregação, e vã nossa fé. Assim também
seríamos considerados falsas testemunhas de Deus, porque testemunhamos contra
ele que ressuscitou Cristo, a quem, de fato, não ressuscitou, se é verdade que
os mortos não ressuscitam... E se Cristo não ressuscitou, a vossa fé é
ilusória e ainda estais nos vossos pecados (1Cor 15,14-17).
Jesus mesmo
indicara a sua ressurreição como o sinal por excelência da autenticidade da sua
missão. Aos adversários que lhe pediam um sinal, ele dá uma resposta que
dificilmente pode ser atribuída a outrem senão ao próprio Jesus:
Uma geração
má e adúltera busca um sinal, mas nenhum sinal lhes será dado, a não ser o
sinal do profeta Jonas. De fato, como Jonas esteve três dias e três noites
no ventre da baleia, assim também o Filho do Homem estará três dias e três
noites no seio da terra (Mt 12,39-40).
Os seus
opositores sabiam bem que Jonas não permanecera para sempre no ventre da
baleia, mas que tinha saído dela após três dias.
Em uma
meditação anterior, falei do pré-julgamento presente nos não crentes em relação
à fé, que não é menor do que aquele que reprovam nos fiéis. Reprovam nos fiéis,
de fato, em não poderem ser objetivos, a partir do momento em que a fé lhes
impõe, em princípio, a conclusão a que devem chegar, sem se darem conta de que
igualmente acontece com ele. Se se parte do pressuposto de que Deus não existe,
que o sobrenatural não existe e que os milagres não são possíveis, também a
conclusão a que se chegará é dada em princípio, por isso, literalmente, um
pré-juízo.
A
ressurreição de Cristo constitui o caso mais exemplar disso. Nenhum evento da
antiguidade é sufragado por tantos testemunhos de primeira mão como este.
Alguns deles remetem-se a personalidades do calibre intelectual de Saulo de
Tarso, que anteriormente combatera ferozmente tal crença. Ele fornece um elenco
detalhado de testemunhas, algumas das quais ainda em vida, que poderiam, por
isso, facilmente desmenti-lo (1Cor 15,6-9).
Tira-se
proveito das discordâncias acerca dos lugares e tempos das aparições, sem se
dar conta de que esta coincidência não programada sobre o fato central é uma
comprovação da verdade histórica deste, mais do que um desengano. Nenhuma
“harmonia preestabelecida” neste caso! Antes de serem postos por escrito, os
eventos da vida de Jesus foram por décadas transmitidos por via oral – e
variações e adaptações marginais são típicos de toda narrativa que uma
comunidade viva e em expansão faz das próprias origens, segundo os lugares e as
circunstâncias. É a conclusão a que chegou a mais recente e abalizada pesquisa
crítica sobre os Evangelhos[3].
De resto,
não há apenas as aparições. São João Crisóstomo tem, a respeito, uma famosa
página, à qual toda a investigação crítica moderna não tirou nada da sua força
de convicção. Dizia, assim, em uma homilia ao povo:
Donde vem
que doze homens, e ignorantes, que viviam às margens dos lagos, dos rios e no
deserto, enfrentassem tal empreendimento e aqueles que talvez jamais haviam ido
a uma cidade e a uma praça, se entregassem à luta contra toda a terra? Que na
prisão de Cristo, depois de tantos milagres, uns fugiram, e outro, o chefe de
todos eles, o negou. De onde vem que eles, enquanto Cristo vivia, não
enfrentaram o ataque dos judeus, e depois de morto e sepultado, (...)
armaram-se contra a terra inteira? Acaso não diriam a si mesmos: O que é isto?
Não pôde salvar-se a si mesmo e nos protegerá? Enquanto vivo não socorreu a si
próprio, e estender-nos-á a mão depois de morto? Enquanto viveu, não submeteu
nem um só povo, e nós, proferindo seu nome, converteremos o orbe todo? Não
seria desarrazoado não só agir assim, mas até mesmo pensar? É evidente que, se
não o tivessem visto ressuscitado, com uma grande prova de seu poder, não se
teriam aventurado a obra tão perigosa[4].
A todas
estas provas, o não crente não pode opor senão a convicção de que a
ressurreição dos mortos é algo de sobrenatural e o sobrenatural não existe. E o
que é isto se não, justamente, um pré-juízo e um “a priori”?
Fides
christianorum resurrectio Christi est, escreveu Santo Agostinho: “A
fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo. Todos acreditam que Jesus esteja morto,
também os malvados o creem, mas nem todos creem que tenha ressuscitado e não
somos cristãos se não cremos nisso”[5].
Este é o verdadeiro artigo com o qual “a Igreja ou está ou cai”. Nos Atos, os
Apóstolos são definidos simplesmente como “testemunhas da sua ressurreição” (At
1,22;2,32). Portanto, valeria a pena refrescar a nossa fé nela, antes de
celebrá-la liturgicamente em algumas semanas.
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Tradução de
Fr. Ricardo Farias
[1] Cf. Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de
João, 19,9.
[2] Cf. W. Marxsen, La risurrezione di Gesú di
Nazareth, Bologna 1970 (ed. ingl. The Resurrection of Jesus of
Nazareth, London 1970).
[3] Cf. J.D.G. Dunn, Gli albori del Cristianesimo,
3 voll., Paideia, Brescia 2006, sintetizado em seu livro Cambiare
prospettiva su Gesù, Paideia, Brescia 2011.
[4] Cf. João Crisóstomo, Homilias sobre a
Primeira Carta aos Coríntios, 4,4 (PG 61,35ss).
[5] Cf. Agostinho, Enarr. in Psaslmos, 120,6.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt