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segunda-feira, 25 de março de 2024

Maria, Mãe da misericórdia

Maria, Mãe da misericórdia (Opus Dei)

Maria, Mãe da misericórdia

No Magnificat, Nossa Senhora canta a misericórdia, canta o amor alegre de Deus, que devolve a felicidade a um mundo entristecido. Ela é a primeira Filha da misericórdia de Deus; e, ao mesmo tempo em que é Filha, é Mãe do Deus de misericórdia: por isso a chamamos ‘Mater Misericordiae’.

08/05/2017

Quando Gabriel lhe comunica a alegre notícia - o evangelion que, de um humilde povoado da Galileia mudará a vida dos homens para sempre[1]- “a Senhora do doce nome, Maria, está recolhida em oração”[2].

O Senhor também escutou Isabel, disse o anjo à Virgem antes de retirar-se. Santa Maria medita uns instantes nas palavras de Gabriel: abre caminho em seu interior uma alegria que expande a sua alma e que, então a recolhe em adoração ao Deus escondido, latens Deitas[3], que agora abriga em seu seio. Logo, já está saindo para a montanha: sua prima talvez necessite de ajuda; e, também, ela necessita ir vê-la, porque não cabe em si de alegria, e não sabe de mais ninguém com quem possa compartilhar esse feliz segredo, além de José. Santa Maria já é neste momento «imagem da futura Igreja, que em seu seio leva a esperança do mundo pelos caminhos da história»[4].

DEUS TOMOU A INICIATIVA; ESCOLHEU A TERRA FÉRTIL DE SUA GENEROSIDADE E DE SEU ABANDONO, E INAUGUROU NELAS A VERDADEIRA PRIMAVERA DA HISTÓRIA.

Ninguém como uma mãe percebe a alegria de viver que palpita em um recém-nascido, mas a felicidade da Virgem Maria e de sua prima, à qual as vizinhas de Ain Karim contemplam, é muito mais intensa: Deus tomou a iniciativa; escolheu a terra fértil de sua generosidade e de seu abandono, e inaugurou nelas a verdadeira primavera da história. Enquanto o grande mundo tenta viver de suas alegrias incertas, neste cantinho da Judéia explode, silenciosamente, a alegria de Deus. São Lucas nos conta que, quando Maria saúda Isabel, São João Batista dá um pulo de alegria no seio de sua Mãe. Como o profeta Davi bailava e saltava ao redor da Arca da Aliança, assim agora aquele que «entre os nascidos de mulher», é «mais que um profeta» (Mt 11,9.11), saúda a chegada de Santa Maria, a nova Arca da Aliança. Também nisto o Batista é precursor do Filho de Davi; como dirá de si mesmo em alguns anos, ele é «o amigo do esposo, que (…) se alegra com a voz do esposo» (Jo 3,29). E já agora, ao ouvir a Mãe do Esposo, movido pelo Espírito Santo, é profeta sem palavras da alegria do Evangelho.

Alegra-se meu espírito em Deus

«O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso Salvador. Ele desfrutará de ti com alegria, renovará o seu amor, se regozijará em ti com canto alegre, como nos dias de festa» (Sf 3,17-18). São Lucas tinha bem presente o profeta Sofonias quando relatava esses momentos da vida da Virgem Maria. A alegria, íntima e transbordante ao mesmo tempo, que Santa Maria viveu em seus dias de viagem desde Nazaré, e que contagia instantaneamente Santa Isabel e São João, encontra agora seu transbordar no Magnificat, canto de alegria e de misericórdia[5]. «Nossa Mãe meditara longamente sobre as palavras das mulheres e dos homens santos do Antigo Testamento, que esperavam o Salvador, e sobre os acontecimentos de que tinham sido protagonistas. Admirara (...) o esbanjamento da misericórdia de Deus sobre o seu povo, tantas vezes ingrato. Agora, ao considerar essa ternura do Céu, incessantemente renovada, brota o afeto do seu Coração imaculado: A minha alma glorifica o Senhor»[6].

Maria, Mãe da misericórdia (Opus Dei)

«Meu espírito se alegra em Deus meu salvador». Santa Maria é filha de um povo mediterrâneo, de uma terra onde se canta e se dança: sua emoção íntima, que vem do fundo da alma, se exterioriza em gestos e exclamações. «Às vezes não vos bastará falar, tereis necessidade de cantar por amor (...) andareis pelo mundo, dando luz, como tochas acesas que soltam faíscas de fogo»[7]. A alegria de Maria não se explica só porque Deus entrou em sua vida, mas porque, através dEla, o Filho de Deus se fez um de nós, «lembrando-nos de sua misericórdia (... ) para sempre».

A Igreja se reconhece no Magnificat, «o cântico do Povo de Deus que caminha na história»[8], e por isso relembra-o diariamente no Ofício das Vésperas. Com Santa Maria, não canta uma alegria pequena ou individual: canta a alegria da humanidade inteira; uma alegria que provém da esperança em «Deus meu Salvador». A Igreja sabe que Deus é mais forte do que o mal. «A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens» (1 Cor 1,25): a força dos «poderosos» e dos «soberbos de coração», que fazem a guerra «àqueles que guardam os mandamentos de Deus e guardam o testemunho de Jesus» (Ap 12,17), e ameaçam esmagar o Amor de Deus, não é mais que força exterior, ruído, vaidade: «como pó que dispersa o vento» (Sl 1,4).

«Nossa tristeza infinita só se cura com um infinito amor»[9]: a misericórdia é o amor alegre de Deus que vem ao encontro de um mundo entristecido, um «vale de lágrimas»[10]. Deus «surge como o esposo do quarto nupcial; exulta como um herói que percorre o caminho» (Sl 19): vem com seu carinho, com seu perdão, com sua compreensão... Vem, sobretudo, com a alegria do Espírito Santo, caridade incriada, que é a fonte contínua de sua misericórdia, porque só da alegria é possível colher forças para perdoar sem reservas e sem limites. Esta alegria de Deus é também o horizonte de sua misericórdia, porque nos criou para Ele; quer salvar-nos da tristeza do pecado para dar-nos uma felicidade que ninguém nos poderá tirar[11].

Deus confiou esta alegria à sua Igreja, e ninguém pode tirar dela, «apesar dos pesares»[12]. Por isso canta com Maria: «me proclamarão bem-aventurada todas as gerações». Todas as gerações dos homens acabam encontrando na Igreja uma Mãe que, através das crises e tragédias da história, e ainda em seu sofrimento pelos filhos ou por estranhos que a maltratam ou a desprezam, transborda da alegre salvação de Deus, e oferece incansavelmente a todos a sua misericórdia. Como Maria em seu Magnificat, a Igreja suplanta de certo modo a história[13]; Ela guarda a alegria da Ressurreição e vislumbra, entre tanta dor e miséria, tanta santidade oculta e fecunda: a misericórdia de Deus que «se estende de geração em geração sobre os que o temem».

Os pobres de Deus

Magnificat está impregnado da « espiritualidade dos anawim bíblicos, isto é, daqueles fiéis que se reconhecem “pobres” não só no desapego de qualquer idolatria da riqueza e do poder, mas também na humildade profunda do coração, (...) aberto à irrupção da graça divina que salva»[14]. Santa Maria, e nós com ela, não canta a sua própria grandeza: canta a sua pequenez – «a humildade de sua escrava» – e as «coisas grandes» que Deus nEla fez. «Magnificat anima mea Dominum»: todas as gerações e todas as culturas colocaram e continuam colocando música nestas palavras, que poderiam ser assim traduzidas: «Quão grande é Deus, que faz bem todas as coisas». O entusiasmo de Maria em Ain Karim ressoará três décadas depois nos lábios de seu Filho, no momento em que talvez a alegria de Jesus se expanda mais claramente nos evangelhos. É bonito observar que as notas de sua alegria são as mesmas que no Magnificat de sua Mãe: «Naquela mesma hora, Jesus exultou de alegria no Espírito Santo e disse: Pai, Senhor do céu e da terra, eu te dou graças porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos» (Lc 10,21)[15]. Esta predileção de Deus pelo pequeno guarda um profundo mistério. Deus fica “desarmado” diante dos simples; sua linguagem, aparentemente ingênua e inofensiva, «derrubou do trono os poderosos». A misericórdia nos mostra o verdadeiro rosto de Deus e o «poder do Seu braço», que acaba sempre vencendo. «Da boca das crianças e dos pequeninos sai um louvor que confunde vossos adversários e reduz ao silêncio vossos inimigos» (Sl 8,3).

Virgem branca, da Catedral de Toledo (Espanha) | Opus Dei

Quando João envia seus discípulos para perguntar a Jesus se ele é «o que há de vir» (Mt 11,3), o Senhor demonstra, com palavras do profeta Isaías[16], os sinais da presença de Deus no meio do seu povo, entre os quais brilha este: «aos pobres é anunciado o Evangelho» (Lc 7,22). Os pobres, na Bíblia, são os que esperavam a visita de Deus. Zacarias era um pobre e por isso soube que «graças à ternura e misericórdia de nosso Deus, o Sol nascente» nos visitaria «do alto» (Lc 1,78); Simeão era pobre, e por isso seus olhos viram a salvação[17].

Esta pobreza não é uma pobreza de alma nem estreiteza de olhar; nem significa ignorância: os magos de Belém, que com certeza pertenciam à elite cultural de sua terra, eram «pobres em espírito» (Mt 5,3); sua atitude contrasta com a suficiência dos escribas, a ansiedade de Herodes e a curiosidade efêmera de Jerusalém onde, passada a agitação pela chegada dos Magos e sua pergunta acerca do Rei que estava para nascer, ninguém mais voltou a interessar-se pelo assunto. Estes sábios tinham a simplicidade dos pastores de Belém; tinham coração para entender, olhos para ver, ouvidos para escutar[18], e por isso puderam contar-se entre os primeiros a adorá-lo.

«Olhou para a humildade de sua serva (...). Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem». O olhar misericordioso de Deus pousa naqueles que o podem acolher, porque reconhecem com o salmista: «Eu sou pobre e desgraçado, porém o Senhor cuida de mim» (Sl 40 ,18). Deus “necessita” da nossa pobreza para entrar na alma: «Jesus não sabe o que fazer com a astúcia calculista, com a crueldade dos corações frios, com a formosura vistosa mas oca. Nosso Senhor ama a alegria de um coração jovem, o passo simples, a voz sem falsete, os olhos limpos, o ouvido atento à sua palavra de carinho. É assim que reina na alma»[19].

Filha e Mãe da misericórdia

SANTA MARIA É FILHA DE DEUS E MÃE DE DEUS: GENUISTI QUI TE FECIT; GEROU ÀQUELE QUE A HAVIA CRIADO, E QUE A HAVIA REDIMIDO

Santa Maria é Filha de Deus e Mãe de Deus: genuisti qui te fecit[20]; gerou Àquele que a havia criado, e que a havia redimido, certamente de um modo especial que a distingue de todo gênero humano: «Maria recebeu em sua concepção a benção do Senhor e a misericórdia de Deus, seu salvador»[21]. Ela é por isso a primeira Filha da misericórdia de Deus. E uma vez que é Filha, é Mãe do Deus de misericórdia: por isso a chamamos: Mater misericordiæ, Mãe da misericórdia. «Dirijamos a ela a antiga e sempre nova oração da Salve Rainha, para que nunca se canse de volver a nós seus olhos misericordiosos e nos faça dignos de contemplar o rosto da misericórdia, seu Filho Jesus»[22]. São Josemaria nos ensinou que «a Jesus sempre se vai e se “volta” por Maria»[23]. Nossa Mãe dissolve a soberba de nossos corações e nos ajuda a tornar-nos pequenos, para que Deus ponha os olhos em nossa humildade e faça nascer Jesus em nós. Recorramos a Ela com confiança de filhos, em tantos pequenos detalhes de carinho; um deles, que São Josemaria aconselhava aos fiéis do Opus Dei, é beijar o terço antes de rezar o Salmo 2, toda terça-feira.

Todas as gerações a chamaram e a «chamarão bem- aventurada», porque «o amor traz consigo a alegria, mas é uma alegria com as raízes em forma de cruz»[24]: com seu Filho, Santa Maria sofreu no Calvário «o dramático encontro entre o pecado do mundo e a misericórdia divina»[25]. A Pietà, como veio a chamar-se a cena da Virgem com seu Filho morto entre os braços, expressa intensamente esta participação íntima de nossa Mãe na misericórdia de Deus. «Pietà» traduz precisamente o hebraico hesed, um dos conceitos que a Bíblia utiliza para expressar a misericórdia de Deus. Na Cruz, desprezado pelos homens, Deus protege mais do que nunca «a Israel seu servo, recordando sua misericórdia». Quando os homens se esquecem das misericórdias do Senhor, Deus as leva até o extremo: «Mulher, aí tens o teu filho (...). Aqui tens a tua mãe» (Jo 19,26-27). Estas palavras que o Senhor dizia da Cruz à sua Mãe e a cada um de nós[26] manifestam «o mistério de uma missão especial salvífica”. Jesus nos deixava sua mãe como nossa mãe. Só depois de fazer isto Jesus pôde sentir que “tudo está concluído” (Jo 19,28)»[27]. Recorramos à sua proteção, para que nos faça misericordiosos como o Pai: «Ela ampliará nosso coração e nos fará ter entranhas de misericórdia»[28].

Carlos Ayxelá


[1] Cf. Lc 1,26-38.

[2] São Josemaria, Santo Rosário, 1º mistério gozoso.

[3] Cfr. Hino Adoro te devote.

[4] Bento XVI, Enc. Spe salvi (30-XI-2007), 50.

[5] Cfr. Lc 1,46-55.

[6] São Josemaria, Amigos de Deus, 241.

[7] São Josemaria, Carta 11-III-1940, 30.

[8] Francisco, Homilia, 15-VIII-2013.

[9] Francisco, Ex. Ap. Evangelii gaudium (24-XI-2013), 265.

[10] Antífona Salve Regina.

[11] Cfr. Jo 16, 22.

[12] São Josemaria, É Cristo que passa, 131.

[13] No original grego, o Magnificat «tem sete verbos no aoristo, que indicam igual número de ações que o Senhor realiza de modo permanente na história: "Manifestou o poder do seu braço... dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens... despediu os ricos... acolheu Israel".» (Bento XVI, Audiência, 15-II-2006).

[14] Bento XVI, Audiência, 15-II-2016.

[15] Cf. Mt 11,25-27.

[16] Cf. Is 42,7.18; 61,1; Lc 7,19-20; Mt 11,2-3.

[17] Cf. Lc 2,30.

[18] Cfr. Dt 29,3.

[19] São Josemaria, É Cristo que passa, 181.

[20] Missal Romano, Comum de Nossa Senhora, Antífona de entrada.

[21] Liturgia das horas, 8 de dezembro, Officium lectionis, Antífona.

[22] Francisco, Bula Misericordiæ Vultus (11-IV-2015), 24.

[23] São Josemaria,Caminho, 495.

[24] São Josemaria, É Cristo que passa, 43.

[25] Francisco, Evangelii gaudium, 285.

[26] Cfr. São João Paulo II, Enc. Ecclesia de Eucharistia (17-IV-2003), 57.

[27] Francisco, Evangelii gaudium, 285.

[28] São Josemaria, “El compromiso de la verdad” (9-V-1974), en Josemaría Escrivá y la Universidad, Pamplona: Eunsa, 1993, 109.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

Paschalis Sollemnitatis: A Preparação e Celebração das Festas Pascais (1)

O Poder de Maria e do Rosário (Presbíteros)

Paschalis Sollemnitatis: A Preparação e Celebração das Festas Pascais

CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO
CARTA CIRCULAR
« PASCHALIS SOLLEMNITATIS »
A PREPARAÇÃO E CELEBRAÇÃO
DAS FESTAS PASCAIS

16 de janeiro de 1988

PROÊMIO

1. O Ordo da solenidade pascal e de toda a Semana Santa, renovado pela primeira vez por Pio XII, em 1951 e 1955, em geral foi acolhido favoravelmente por todas as Igrejas de rito romano.[1]

O Concílio Vaticano II, principalmente na Constituição sobre a sagrada Liturgia, pôs em evidência muitas vezes, segundo a tradição, a centralidade do mistério pascal de Cristo, recordando como dele deriva a força de todos os sacramentos e dos sacramentais.[2]

2. Assim como a semana tem o seu início e o seu ponto culminante na celebração do domingo, marcado pela característica pascal, assim também o ápice de todo o ano litúrgico resplandece na celebração do sagrado tríduo pascal da paixão e ressurreição do Senhor[3], preparada na Quaresma e estendida com júbilo por todo o ciclo dos cinqüenta dias sucessivos.

3. Em muitas partes do mundo os fiéis, juntamente com os seus pastores, têm em grande consideração estes ritos, nos quais participam com verdadeiro fruto espiritual. Ao contrário, em algumas regiões, com o passar do tempo, começou a esmorecer aquele fervor de devoção, com que foi acolhida, no início, a renovada vigília pascal. Em alguns lugares foi ignorada a noção mesma da vigília, a ponto de ser considerada como uma simples missa vespertina, celebrada como as missas do domingo antecipadas para as vésperas do sábado.

Noutros lugares não são respeitados, de modo devido, os tempos do tríduo sagrado. Além disso, as devoções e os pios exercícios do povo cristão são colocados freqüentemente em horários mais cômodos, tanto que os fiéis neles participam em maior número do que nas celebrações litúrgicas.

Sem dúvida, tais dificuldades provêm sobretudo de uma formação não ainda suficiente, do clero e dos fiéis, acerca do mistério pascal, como centro do ano litúrgico e da vida cristã.[4]

4. Hoje, em várias regiões o tempo das férias coincide com o período da Semana Santa. Esta coincidência, unida às dificuldades próprias da sociedade contemporânea, constitui um obstáculo à participação dos fiéis nas celebrações pascais.

5. Tendo isto em consideração, pareceu oportuno a este dicastério, levando em conta a experiência adquirida, recordar alguns pontos doutrinais e pastorais e também diversas normas estabelecidas a respeito da Semana Santa. Por outro lado, tudo o que nos livros se refere ao tempo da Quaresma, da Semana Santa, do tríduo pascal e do tempo da Páscoa, conserva o seu valor, a não ser que neste documento seja interpretado de maneira diversa. As normas mencionadas são agora aqui de novo propostas com vigor, com a finalidade de fazer celebrar do melhor modo os grandes mistérios da nossa salvação e para facilitar a frutuosa participação de todos os fiéis.[5]

I. O TEMPO DA QUARESMA

6. “O anual caminho de penitência da Quaresma é o tempo de graça, durante o qual se sobe ao monte santo da Páscoa. Com efeito, a Quaresma, pela sua dúplice característica, reúne catecúmenos e fiéis na celebração do mistério pascal. Os catecúmenos, quer por meio da ‘eleição’ e dos ‘escrutínios’ quer mediante a catequese, são admitidos aos sacramentos da iniciação cristã; os fiéis, ao contrário, por meio da escuta mais freqüente da Palavra de Deus e de uma oração mais intensa são preparados, com a Penitência, para renovar as promessas do Batismo”.[6]

a) Quaresma e iniciação cristã

7. Toda a iniciação cristã tem uma índole pascal, sendo a primeira participação sacramental na morte e ressurreição de Cristo. Por esta razão, a Quaresma deve alcançar o seu pleno vigor como tempo de purificação e de iluminação, especialmente mediante os “escrutínios” e as “entregas” (o símbolo da fé e a oração do Senhor); a própria vigília pascal deve ser considerada como o tempo mais adaptado para celebrar os sacramentos da iniciação.[7]

8. Também as comunidades eclesiais, que não têm catecúmenos, não deixem de orar por aqueles que noutros lugares, na próxima vigília pascal, receberão os sacramentos da iniciação cristã. Os pastores, por sua vez, expliquem aos fiéis a importância da profissão de fé batismal, em ordem ao crescimento da sua vida espiritual. Estes serão convidados a renovar tal profissão de fé, “no final do caminho penitencial da Quaresma”.[8]

9. Na Quaresma, cuide-se de ministrar a catequese aos adultos que, batizados quando crianças, não a receberam e, portanto, não foram admitidos aos sacramentos da Confirmação e da Eucaristia. Neste mesmo período sejam realizai. das as celebrações penitenciais, a fim de os preparar para o sacramento da Reconciliação.[9]

10. O tempo da Quaresma é, além disso, o tempo próprio para celebrar os ritos penitenciais correspondentes aos escrutínios para as crianças ainda não batizadas, que atingiram a idade adequada à instrução catequética, e para as crianças há tempo batizadas, antes de serem admitidas pela primeira vez ao sacramento da Penitência.[10]

O bispo promova a formação dos catecúmenos tanto adultos como crianças e, segundo as circunstâncias, presida aos ritos prescritos, com a participação assídua por parte da comunidade local.[11]

b) As celebrações do tempo quaresmal

11. Os domingos da Quaresma têm sempre a precedência também nas festas do Senhor e em todas as solenidades. As solenidades, que coincidem com estes domingos, são antecipadas para o sábado.[12] Por sua vez, os dias feriais da Quaresma têm a precedência nas memórias obrigatórias.[13]

12. Sobretudo nas homilias do domingo seja ministrada a instrução catequética sobre o mistério pascal e sobre os sacramentos, com explicação mais cuidadosa dos textos do Lecionário, sobretudo as perícopes do Evangelho, que ilustram os vários aspectos do Batismo e dos outros sacramentos e também a misericórdia de Deus.

13. Os pastores expliquem a Palavra de Deus de modo mais freqüente e mais amplo nas homilias dos dias feriais, nas celebrações da Palavra, nas celebrações penitenciais[14], em particulares pregações, durante a visita às famílias ou a grupos de famílias para a bênção. Os fiéis participem com freqüência nas missas feriais e, quando não for possível, sejam convidados a ler pelo menos os textos das leituras correspondentes, em família ou em particular.

14. “O tempo da Quaresma conserva a sua índole penitencial”.[15] Na catequese aos fiéis seja inculcada, juntamente com as conseqüências sociais do pecado, a natureza genuína da penitência, com a qual se detesta o pecado enquanto ofensa a Deus.[16]

A virtude e a prática da penitência permanecem partes necessárias da preparação pascal: da conversão do coração deve brotar a prática externa da penitência, quer para os cristãos individualmente quer para a comunidade inteira; prática penitencial que, embora adaptada às circunstâncias e condições próprias do nosso tempo, deve porém estar sempre impregnada do espírito evangélico de penitência e orientada para o bem dos irmãos.

Não se esqueça a parte da Igreja na ação penitencial e seja solicitada a oração pelos pecadores, inserindo-a com mais freqüência na oração universal.[17]

15. Recomende-se aos fiéis mais intensa e frutuosa participação na liturgia quaresmal e nas celebrações penitenciais. Seja-lhes recomendada sobretudo a freqüência, neste tempo, ao sacramento da Penitência, segundo a lei e as tradições da Igreja, para poderem participar nos mistérios pascais com espírito purificado. É muito oportuno no tempo da Quaresma celebrar o sacramento da Penitência segundo o rito para a reconciliação de mais penitentes, com a confissão e absolvição individual, como vem descrito no Ritual Romano.[18]

Por sua vez, os pastores estejam mais disponíveis para o ministério da Reconciliação e, ampliando os horários para a confissão individual, facilitem o acesso a este sacramento.

16. O caminho de penitência quaresmal em todos os seus aspectos seja orientado para pôr em mais evidência a vida da Igreja local, e para lhe favorecer o progresso. Por isto se recomenda muito conservar e favorecer a forma tradicional de assembléia da Igreja local, segundo o modelo das “estações” romanas. Estas assembléias de fiéis poderão reunir-se, especialmente sob a presidência do pastor da diocese, junto dos túmulos dos santos ou nas principais igrejas e santuários da cidade, ou nos lugares de peregrinação mais freqüentados na diocese.[19]

17. “Na Quaresma não se colocam flores no altar e o som dos instrumentos é permitido só para sustentar o canto”[20], no respeito da índole penitencial deste tempo.

18. De igual modo, omite-se o Aleluia em todas as celebrações, desde o início da Quaresma até a Vigília pascal, também nas solenidades e nas festas.[21]

19. Sobretudo nas celebrações eucarísticas, mas também nos pios exercícios, sejam escolhidos cânticos adaptados a este tempo e correspondentes, o mais possível, aos textos litúrgicos.

20. Sejam favorecidos e impregnados de espírito litúrgico os pios exercícios de acordo com o tempo quaresmal, como a Via-sacra, para com mais facilidade conduzir os ânimos dos fiéis à celebração do mistério pascal de Cristo.

c) Particularidades de alguns dias da Quaresma

21. Na quarta-feira antes do primeiro domingo da Quaresma os fiéis, recebendo as cinzas, entram no tempo destinado à purificação da alma. Com este rito penitencial, surgido da tradição bíblica e conservado na práxis eclesial até os nossos dias, é indicada a condição do homem pecador, que exteriormente confessa a sua culpa diante de Deus e exprime assim a vontade de conversão interior, na esperança que o Senhor seja misericordioso para com ele. Por meio deste mesmo sinal inicia o caminho de conversão, que alcançará a sua meta na celebração do sacramento da Penitência nos dias antes da Páscoa.[22] A bênção e imposição das cinzas são realizadas durante a missa ou também fora da missa. Nesse caso, permite-se a liturgia da Palavra, concluída com a oração dos fiéis.[23]

22. A Quarta-feira de Cinzas é dia obrigatório de penitência na Igreja toda, com a observância da abstinência e do jejum.[24]

23. O I domingo da Quaresma assinala o início do sinal sacramental da nossa conversão, tempo favorável para a nossa salvação.[25] Na missa deste domingo não faltem os elementos que sublinham tal importância; por exemplo, a procissão de entrada, com a ladainha dos santos.[26] Durante a missa do I domingo da Quaresma, o bispo celebre oportunamente na igreja catedral, ou noutra igreja, o rito da eleição ou da inscrição do nome, segundo as necessidades pastorais.[27]

24. Os Evangelhos da Samaritana, do cego de nascença e da ressurreição de Lázaro, assinalados respectivamente para os domingos III, IV e V da Quaresma no ano A, pela sua grande importância em ordem à iniciação cristã, podem ser lidos também nos anos B e C, sobretudo onde há catecúmenos.[28]

25. No IV domingo da Quaresma (“Laetare”) e nas solenidades e festas permite-se o som dos instrumentos, e o altar pode ser ornado com flores. E neste domingo podem ser usados os paramentos de cor rósea.[29]

26. O uso de cobrir as cruzes e as imagens na igreja, desde o V domingo da Quaresma, pode ser conservado segundo a disposição da Conferência Episcopal. As cruzes permanecem cobertas até ao término da celebração da Paixão do Senhor na Sexta-feira Santa; as imagens até ao início da Vigília. pascal.[30]

Da sede da Congregação para o Culto Divino, a 16 de janeiro de 1988.

Paul Augustin Card. MAYER

Prefeito

† Virgílio NOÉ

Secretário

Notas:

[1] Cf. s. Congr. dos Ritos, Decr. Dominicae Resurrectionis, 621951, AAS 43 (1951) 128. 137; S. Congr. dos Ritos, Decr. Maxima redemptionis nostrae mysteria, 16.11.1955, AAS 47 (1955) 838-847.

[2] Cf. Conc. VAT. II, Const. Sacrosanctum Concilium, n. 5, 8. 61.

[3] Cf. “Normas gerais para o ordenamento do ano litúrgico e do calendário”, n. 18.

[4] Cf. Conc. Vat. II, Decr. Christus Dominus, n. 15.

[5] Cf. S. Congr. dos Ritos, Decr. Maxima redemptionis nostrae mysteria. 16. 111955, AAS 47 (1955) 838. 847.

[6] , Caeremoniale Episcoporum, n. 249.

[7] Cf. Rito da iniciação cristã dos adultos, n. 8; Código de Direito Canônico. cân. 85/1.

[8] Missal Romano. Vigília Pascal. n. 46.

[9] Cf. Rito da iniciação dos adultos, cap. IV. sobretudo o n. 30.

[10] Cf. ibid. n. 330-333

[11] Cf. Caeremonia!c Episcoporum. n. 250, 406. 407; Rito da iniciação dos adultos, n. 41.

[12] “Normas gerais para o ordenamento do ano litúrgico e do calendário”, n. 5. 56f e “Notitae” 23 (1987) 397.

[13] Ibid., n. 16, b.

[14] Cf. Missal Romano, “Principios e normas para o uso do Missal Romano”, n. 42; cf. Rito da Penitência, n. 36. 37.

[15] Paulo VI, Const. Apost. Paentemini, II, I, AAS 58 (1966) 183

[16] Caeremoniale Episcoporum, n. 251.

[17] Cf. ibid., n. 251; Const. Sacrosanctum Concilium, n. 10

[18] Cf. Caeremoniale Episcoporum, n. 251.

[19] Ibid., n. 260.

[20] Ibid., n. 252.

[21] Cf. “Normas gerais para o ordenamento do ano litúrgico e do calendário”, n. 28.

[22] Cf. Caeremoniale Episcoporum, n. 253.

[23] Missal Romano, Quarta-feira de Cinzas.

[24] Cf. PAULO VI, Const. Apost. Paenitemini. II, 2, AAS 58 (1966) 183; Código de Direito Canônico, cân. 1251.

[25] Cf. Missal Romano, I Domingo da Quaresma, coleta e oração do ofertório.

[26] Cf. Caeremoniale Episcoporum, n. 261.

[27] Cf. ibid. n. 408. 410.

[28] Cf. Missale Romanum, Ordo lectionum Missae, ed. altera 1981, Praenotanda, n. 97.

[29] Cf. Caeremoniale Episcoporum. n. 252.

[30] Missal Romano, rubrica do sábado da IV semana da Quaresma.

Fonte: https://presbiteros.org.br/

Quinta Pregação da Quaresma do cardeal Cantalamessa (II)

5ª Pregação da Quaresma 2024 (Vatican News)

Quinta Pregação da Quaresma do cardeal Cantalamessa

Que, nesta Páscoa, o Senhor ressuscitado faça, ele mesmo, ressoar em nosso coração algum daqueles seus divinos “Eu Sou”, sobre os quais meditamos nesta Quaresma! Principalmente aquele que proclama a sua vitória pascal: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá".

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap
“EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA”
Quinta Pregação da Quaresma de 2024

O problema mais delicado, acerca das inspirações, foi sempre o de discernir aquelas que vêm do Espírito de Deus daquelas que provêm do espírito do mundo, das próprias paixões, ou do espírito maligno. O tema do discernimento dos espíritos tem passado nos séculos por uma notável evolução. À origem, era concebido como o carisma que servia para distinguir – entre as palavras, orações e profecias pronunciadas na assembleia – quais provinham do Espírito de Deus e quais não. Em seu exercício comunitário, o carisma da profecia deve ser acompanhado, para o Apóstolo, por aquele do discernimento dos espíritos: “A outro, (é dada) a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos” (1Cor 12,10).

O sentido originário do carisma, entendido por Paulo, parece ser muito preciso e limitado. Refere-se à recepção da própria profecia, a sua avaliação, da parte de um ou mais membros da assembleia, também eles dotados de espírito profético. Também isto, porém, não em base a uma análise racional, mas a uma inspiração do mesmo Espírito. O sentido de discernir (diakrisis) oscila, portanto, entre distinguir e interpretar: distinguir se quem falou foi o Espírito de Deus ou um espírito diverso, interpretar o que o Espírito quis dizer em uma situação concreta. A este mesmo dom do discernimento, refere-se a conhecida recomendação do Apóstolo: “Não apagueis o Espírito, não desprezeis as profecias, mas examinai tudo e guardai o que for bom. Afastai-vos de toda espécie de mal” (1Ts 5,19-22).

Se devemos levar em conta a experiência atual dos movimentos pentecostais e carismáticos, devemos pensar que este carisma consistisse na capacidade da assembleia, ou de alguns nela, de reagir ativamente a uma palavra profética, a uma citação bíblica, ou a uma oração, expressando – com a exclamação “confirmo!”, ou com outros pequenos sinais de cabeça e voz – aprovação pela palavra escutada, ou mostrando, ao contrário – com o silêncio e passando a outro – um juízo negativo. Desta forma, a verdadeira e a falsa profecia passam a ser julgadas “pelos frutos” que produzem ou não, como justamente recomendava Jesus (cf. Mt 7,16). Este significado originário do discernimento dos espíritos – aliás – poderia de grande atualidade ainda hoje em debates e reuniões, como aqueles que começamos a experimentar no diálogo sinodal.

Em época sucessiva, na espiritualidade tanto oriental quanto ocidental, o carisma do discernimento dos espíritos tem servido sobretudo para discernir as inspirações do discípulo da parte de um ancião (como no monaquismo) e, mais geralmente, para discernir as próprias inspirações. A evolução não é arbitrária; trata-se, de fato, do mesmo dom, mesmo se aplicado a sujeitos e em contextos diversos: o contexto comunitário no primeiro caso, o pessoal no segundo.

Há critérios de discernimento que poderíamos chamar objetivos. No campo doutrinal, eles se resumem para Paulo no reconhecimento de Cristo como Senhor: “Ninguém, falando pelo Espírito de Deus, vai dizer: ‘Jesus seja maldito’, como também ninguém será capaz de dizer: ‘Jesus é Senhor’, a não ser pelo Espírito Santo” (1Cor 12,3); para João, resumem-se na fé em Cristo e na sua encarnação:

Caríssimos, não creiais em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para verdes se são de Deus, pois muitos falsos profetas vieram ao mundo. Nisto conheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa Jesus Cristo vindo na carne, é de Deus. E todo espírito que não confessa Jesus, não é de Deus (1Jo 4,1-3).

No campo moral, um critério fundamental é dado pela coerência do Espírito de Deus consigo mesmo. Ele não pode pedir algo que seja contrário à vontade divina, tal como é expressa na Escritura, no ensinamento da Igreja e nos deveres do próprio estado. Uma inspiração divina jamais pedirá para cumprir atos que a Igreja considera imorais, por mais que a carne seja capaz de sugerir argumentos ilusórios contrários nestes casos; por exemplo, que Deus é amor e, por isso, tudo o que se faz por amor vem de Deus.

Contudo, às vezes estes critérios objetivos não bastam, porque a escolha não é entre o bem e o mal, mas é entre um bem e um outro bem, e se trata de ver qual é a coisa que Deus quer, em uma circunstância precisa. Foi sobretudo para responder a esta exigência que Santo Inácio de Loyola desenvolveu a sua doutrina sobre o discernimento.

Sinto quase vergonha de falar sobre este tema nesta sede..., mas vamos falar pelo menos alguma coisa. O santo nos convida a observar as intenções – ele as chama de “espíritos” – que estão por trás de uma escolha e as reações que ela provoca. Sabe-se que o que vem do Espírito de Deus traz consigo alegria, paz, tranquilidade, doçura, simplicidade, luz. O que provém do espírito do mal, ao contrário, traz consigo perturbação, agitação, inquietação, confusão, trevas. O Apóstolo o põe em evidência contrapondo os frutos da carne (inimizades, contenda, ciúmes, iras, intrigas, discórdias, invejas) e os frutos do Espírito, que são, ao contrário, amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, domínio próprio (Gl 5,22).

Na prática, as coisas, é verdade, são mais complexas. Uma inspiração pode vir de Deus e, apesar disso, causar uma grande perturbação. Mas isto não é devido à inspiração doce e pacífica, como tudo o que provém de Deus; antes, nasce da resistência à inspiração ou do fato de ela nos pedir algo que não estamos prontos a lhe dar. Se a inspiração for acolhida, o coração logo se encontrará em uma profunda paz. Deus recompensa cada pequena vitória neste campo, fazendo com que a alma sinta a sua aprovação, que é a alegria mais pura que existe no mundo.

Um campo no qual é importante praticar o discernimento – além daquele das intenções e das decisões – é o âmbito dos sentimentos. Nada é mais traiçoeiro do que o amor. A natureza é habilíssima em deixar passar, como proveniente do espírito, o que ao invés provém da carne. Neste campo, é mais do que nunca necessário levar em conta o conselho que o poeta latino Ovídio dava justamente a propósito dos males do amor: “Principiis obsta. Sero medicina paratur cum mala per longas convaluere moras: “Opõe-te aos começos. Tarde toma-se o remédio quando os males, pelos muitos adiamentos, ganharam força”[6].

*    *    *

O fruto concreto desta meditação deve ser uma decisão renovada de nos confiarmos em tudo e por tudo à guia interior do Espírito Santo, como uma espécie de “direção espiritual”. Devemos todos nos abandonar ao Mestre interior que nos fala sem tumulto de palavras. Como bons atores, devemos ter o ouvido voltado, nas grandes e pequenas ocasiões, à voz deste “sugeridor” escondido, para interpretar fielmente a nossa parte na cena da vida. É o que se entende com a expressão “docilidade ao Espírito”.

É mais fácil do que pensamos, porque ele fala dentro de nós, ensina-nos tudo, instrui-nos sobretudo. Às vezes, basta um simples olhar interior, um movimento do coração, um momento de recolhimento e oração. João escreve em sua Primeira Carta:

Quanto a vós, a unção que dele recebestes permanece convosco, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine. A sua unção vos ensina tudo, e ela é verdadeira e não mentirosa (1Jo 2,27).

Sobre estas palavras, Santo Agostinho instaura um debate inusitado e vivaz com o Apóstolo. Em seu comentário à Primeira Carta de João, escreve:

Pergunto a João: “Aqueles aos quais dirigias estas palavras já tinham a unção... Por que então escreveste a eles esta carta? Por que instruí-los?”... Aqui há um grande mistério sobre o qual é preciso refletir, irmãos. O som das nossas palavras atinge os ouvidos, mas o verdadeiro mestre está dentro... Nós podemos exortar com o som da voz, mas, se dentro não está quem ensina, trata-se de um barulho inútil[7].

Se acolher as inspirações é importante para todo o cristão, é vital para quem tem funções de governo na Igreja. Só assim se permite ao Espírito de Cristo guiar a sua Igreja mediante seus representantes humanos. Em um navio, não é necessário que todos os passageiros estejam com os ouvidos grudados no rádio de bordo, para receber sinais sobre a rota, sobre eventuais icebergs e sobre as condições do tempo, mas é indispensável que os responsáveis de bordo estejam. De uma “inspiração divina”, acolhida corajosamente pelo Papa São João XXIII, nasceu o Concílio Vaticano II. Da mesma forma, depois dele, nasceram outros gestos proféticos, que aqueles que vierem depois de nós perceberão.

Que, nesta Páscoa, o Senhor ressuscitado faça, ele mesmo, ressoar em nosso coração algum daqueles seus divinos “Eu Sou”, sobre os quais meditamos nesta Quaresma! Principalmente aquele que proclama a sua vitória pascal: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá (11,23-26).

Santo Padre, irmãos e irmãs, Feliz Páscoa!

__________________________
Tradução Fr. Ricardo Farias, OFMCap
[6] Cf. Ovídio, Remedia amoris, V,91.
[7] Cf. Agostinho, Tratado sobre a Primeia Epístola de João, 3,13.

https://www.vaticannews.va/pt

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt.html

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF