Translate

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Os mistérios de Cristo unidos um ao outro

Celebração da Paixão de Jesus na Basílica de São Pedro (Photo by AFP/Tiziana Fabi)

"Cada mistério da vida de Cristo é interligado um ao outro, tendo o Mistério Pascal como vínculo e eixo de todos os outros, dando-lhes um sentido novo e rico de significado. O Domingo, Dia do Senhor, é o eco perpetuado da Páscoa, o canto prolongado, durante o ano litúrgico, do Aleluia Pascal".

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

Os mistérios da vida de Jesus Cristo indicam todos os acontecimentos de sua vida, incluindo os da sua Infância e a sua glorificação - Ressurreição e Ascensão -, testemunhados no Novo Testamento. Uma teologia dos mistérios da vida de Jesus Cristo é, portanto, uma cristologia concreta que reflete sobre os acontecimentos da vida de Jesus testemunhados na Bíblia, procurando destacar deles, de forma argumentativa e narrativa, o significado permanente para a salvação e a vida do cristão e para a salvação de todos os homens.

"Os mistérios de Cristo unidos um ao outro" é o tema da reflexão de hoje do Pe. Gerson Schmidt*:

"Santo Tomás de Aquino diz que o mistério “atinge presencialmente todos os lugares e todos os tempos” - presencialiter attingit omnia et tempora. Isso permite de todos nós sermos contemporâneos do evento que se celebra, ou seja, vivenciarmos o mistério como atual, integrando-o no hoje de nosso tempo e de nossa vida. É o Mistério presente em todo o tempo, em cada momento pontual da história. Por isso diz a SC, 102:

“(A Igreja) Distribui todo o mistério de Cristo pelo correr do ano, da Encarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor. Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes a todo o tempo, para que os fiéis, em contato com eles, se encham de graça.”

Jesus não veio para fazer turismo na terra e fazer simplesmente uma visitinha ao ser humano. Encarnou-se para morrer; morre para ressuscitar. Ressuscita para ascender ao céu e para, de lá, enviar o Espírito de Amor. Cada mistério da vida de Cristo é interligado um ao outro, tendo o Mistério Pascal como vínculo e eixo de todos os outros, dando-lhes um sentido novo e rico de significado. O Domingo, Dia do Senhor, é o eco perpetuado da Páscoa, o canto prolongado, durante o ano litúrgico, do Aleluia Pascal.

Nos cadernos do Concílio ainda se aponta que “o mistério Pascal, centro e fundamento do ano litúrgico, sintetiza toda a história da salvação: a que precede a Encarnação e a que vem depois da Ascensão até a vinda definitiva de Cristo. Os mistérios da vida de Jesus não são independentes uns dos outros, mas estão unidos pelo Mistério Pascal que os vincula: assim, por exemplo, o nascimento do Senhor recebe dele e o seu significado salvífico; a Encarnação do Filho de Deus refere-se à Paixão e à Redenção. Todos os mistérios e todos os acontecimentos da vida de Jesus, evocados ao longo do ano litúrgico, recebem pleno significado a partir da Páscoa”[1].

Alberto Beckäuser, da Ordem dos Frades Menores, teólogo especialista em liturgia pela faculdade de Santo Anselmo de Roma, comentando o sentido do ano litúrgico da

Sacrosanctum Concilium número 102, escreve assim: “na experiência Pascal do tempo, a Igreja celebra com piedosa recordação a Obra Salvífica de seu divino Esposo. Primeiramente, da experiência do tempo lunar, que forma as semanas nesta experiência semanal do tempo semanal da Páscoa, o Dia do Senhor, o domingo. A primeira expressão do ano litúrgico é o domingo, a soma de todos os domingos do ano. E celebra a Obra da Salvação também solenemente na solenidade máxima da Páscoa, juntamente com sua sagrada Paixão. Temos então a celebração semanal da Páscoa, o Domingo, e a celebração manual da Páscoa, o tríduo Pascal. Mas, no decorrer do ano a Igreja revela e vive comemorando-o, todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação e Natividade até a Ascensão, o dia de Pentecostes e a expectação da feliz esperança e vinda do Senhor. O último parágrafo deste número (referindo-se ao número 102 da SC) reconhece a sacramentalidade do ano litúrgico. A celebração dos mistérios de Cristo durante o ano apresenta uma eficácia da Graça: “Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos de seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes a todo tempo, para que os fiéis sejam postos em contato com eles, e sejam repletos da Graça da salvação”. Temos aqui caracterizada a espiritualidade do ano litúrgico”[2]. O teólogo liturgista destaca aqui a importância da solenidade máxima da Páscoa e do Tríduo Pascal que a prepara, do Domingo, e de todo o mistério de Cristo, desde sua encarnação até sua Vinda Gloriosa, interligados entre si.

Interessante que na edição anterior brasileira do Missal Romano, após a oração do Pai-Nosso na Liturgia, a oração do sacerdote rezava “enquanto, vivendo a esperança, aguardamos a vinda do Cristo Salvador”. Beckäuser no comentário acima fala da “expectação da feliz esperança e vinda do Senhor”, termo tirado e citado na Sacrosanctum Concilium. Pois, a nova fórmula da Terceira Edição do Missal Romano no Brasil reza com esse adjetivo “feliz esperança”, quando formula assim a nova oração sacerdotal: “Livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz. Ajudados pela vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos, enquanto aguardamos a feliz esperança e a vinda do Nosso Salvador, Jesus Cristo”. A nova fórmula é significativa porque nossa esperança da segunda Vinda e vinda definitiva do Salvador não é triste, angustiante e desesperadora. Mas é alegre, tal como celebramos todas as liturgias dominicais, atualizando a alegria pelo vencedor da morte e que pela sua presença atual contagia nossas liturgias. Os liturgistas do Brasil propuseram que a oração do sacerdote após a oração do Pai-Nosso repita as mesmas palavras da Sacrosanctum Concilium – feliz esperança e Vinda do Nosso Salvador."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
_______________

[1] BECKÄUSER, Alberto. Sacrosanctum Concilium – Texto e Comentário, Paulinas, 2012, p. 125-126.
[2] Cadernos do Concílio, Jubileu 2025, n.13. Os tempos fortes do Ano Litúrgico, Edições CNBB, p. 52.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

A teoria de gênero

A Declaração Dignitas Infinita (Arquidiocese de Maringá)

A TEORIA DE GÊNERO

Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS) 

A Declaração Dignitas Infinita, publicada em 25 de março passado, tratou de temas complexos e muito atuais, sempre em vista de assegurar que a dignidade humana seja preservada. Entre as temáticas emerge a teoria de Gênero, que tem gerado reflexões e comportamentos bastante polêmicos.  

Em primeiro lugar, reafirma-se que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, cuidando de evitar toda discriminação e sobretudo as diversas formas de agressão e violência. A Igreja repudia o fato de que, em alguns lugares, não poucas pessoas são encarceradas, torturadas e até mesmo privadas da vida unicamente pela sua orientação sexual. 

Essa postura de profundo respeito a cada pessoa humana, contudo, implica em ensinar o que Jesus revelou como a Verdade que Deus quer para todos os seus filhos e filhas. Por isso, a Igreja evidencia os intensos pontos críticos da teoria de gênero, recordando o que afirmou o Papa Francisco ao dizer que a teoria de gênero é perigosíssima, porque cancela as diferenças na pretensão de tornar todos iguais. Causa grande dissenso entre os cientistas e especialistas a  tentativa de negar a maior das diferenças possíveis entre os seres viventes: a diferença sexual.  

A Igreja sustenta que o respeito ao próprio corpo e àquele dos outros é essencial diante da proliferação dos pretensos novos direitos, propostos pela teoria de gênero. Tal ideologia «propõe uma sociedade sem diferenças de sexo e esvazia a base familiar>>. 

É importante, nesse sentido, reler o que escreveu o Papa Francisco na Amoris Laetitia sobre a ideologia de gênero que “leva a projetos educativos e diretrizes legislativas que promovem uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva radicalmente desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher. (…)  Preocupa o fato de algumas ideologias desse tipo, que pretendem dar resposta a certas aspirações por vezes compreensíveis, procurarem impor-se como pensamento único que determina até mesmo a educação das crianças. É preciso não esquecer que sexo biológico e função sociocultural do sexo podem-se distinguir, mas não separar. Por outro lado, a revolução biotecnológica no campo da procriação humana introduziu a possibilidade de manipular o ato generativo, tornando-o independente da relação sexual entre homem e mulher. Assim, a vida humana, bem como a paternidade e a maternidade, tornaram-se realidades componíveis e decomponíveis, sujeitas de modo prevalecente aos desejos dos indivíduos ou dos casais” (AL 56). E o Papa alerta: “Uma coisa é compreender a fragilidade humana ou a complexidade da vida, e outra é aceitar ideologias que pretendem dividir em dois os aspectos inseparáveis da realidade. Não caiamos no pecado de pretender substituirmos o Criador. Somos criaturas, não somos onipotentes. A criação precede-nos e deve ser recebida como um dom. Ao mesmo tempo somos chamados a guardar a nossa humanidade, e isso significa, antes de tudo, aceitá-la e respeitá-la como ela foi criada”. 

Num tempo tão complexo como o nosso, precisamos respeitar as pessoas, mas continuar distinguindo os princípios das práticas e necessidades. A moral e a ética não podem negociar princípios que pretensamente sejam considerados culturais, pois há uma lei natural, que por mais rejeitada que seja, existe e ainda determina a vida.

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Santa Sé: há um vínculo entre a crise climática e deslocamento

Sudão do Sul, um homem ao lado da casa inundada por uma enchente (AFP or licensors)

Discurso do observador permanente da Santa Sé junto à ONU em Genebra, Arcebispo Ettore Balestrero: nunca devemos esquecer que, por trás das estatísticas, há pessoas reais cujas vidas estão em perigo.

L’Osservatore Romano

A mudança climática não é uma "noção abstrata": prova disso são os cerca de 33 milhões de pessoas desalojadas por desastres em 2022 e os mais de 26 milhões em 2023, pessoas forçadas a deixar suas casas devido a inundações, tempestades, incêndios, bem como terremotos e outras devastações. Elas são o "rosto humano" da crise climática e dos desastres naturais, recordou dom Ettore Balestrero, Observador Permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas e outras organizações internacionais em Genebra, por ocasião do 34º Comitê Permanente de Programas e Finanças das Organizações Internacionais para as Migrações, na quinta-feira, 13 de junho.

Recordando as palavras do Papa Francisco e o compromisso da Santa Sé, o núncio apostólico disse que "nunca devemos nos esquecer que, por trás das estatísticas, há pessoas reais cujas vidas estão em perigo". Daí um apelo pela necessidade de uma ação urgente. O caminho a seguir, em nível global e na esteira do compromisso com uma "ecologia integral", é "reconhecer o vínculo entre a crise climática e o deslocamento", "aumentar" a prevenção, a educação e a resiliência, e "engajar-se proativamente", inclusive nas comunidades que acolhem, para "promover" a inclusão e a integração.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

domingo, 16 de junho de 2024

Permitamos viver a mulher e o bebê

Bebê dentro do útero (CNBB)

“PERMITAMOS VIVER A MULHER E O BEBÊ”: CNBB CONSIDERA IMPORTANTE A APROVAÇÃO DO PL 1904/2024

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reafirmou, nesta sexta-feira, 14 de junho, seu posicionamento de defesa e proteção da vida em todas as suas etapas, da concepção à morte natural. Diante do debate sobre o aborto relacionado à tramitação do Projeto de Lei (PL) 1904/2024 no Congresso Nacional, a CNBB recorda seu empenho na defesa das duas vidas, a da mãe e a do bebê.

“[…] a Igreja Católica neste momento considera importante a aprovação do PL 1904/2024, mas continua no aguardo da tramitação de outros projetos de lei que garantam todos os direitos do nascituro e da gestante”, afirmou a Conferência, em nota assinada pela Presidência.

O PL 1904/2024 altera o código penal brasileiro, ao equiparar a pena para o aborto após as 22 semanas de gestação com a de homicídio, uma vez que nesta idade gestacional o bebê já tem condições de vida fora do útero. Na nota, a CNBB recorda que o projeto de lei surge para coibir a morte provocada de bebês por meio da “cruel prática de assistolia fetal”, proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e no momento liberada por liminar no Supremo Tribunal Federal (STF). 

“Cabe ressaltar que as 22 semanas não correspondem a um marco arbitrário. A partir dessa idade gestacional, realizado o parto, muitos bebês sobrevivem. Então, por que matá-los? Por que este desejo de morte? Por que não evitar o trauma do aborto e no desaguar do nascimento, se a mãe assim o desejar, entregar legalmente a criança ao amor e cuidados de uma família adotiva? Permitamos viver a mulher e o bebê”, afirma a CNBB.

Sobre o “crime hediondo do estupro”, a Conferência Episcopal pede que os agressores sejam identificados e a legislação seja rigorosa e eficaz na punição. “É ilusão pensar que matar o bebê seja uma solução. O aborto também traz para a gestante grande sofrimento físico, mental e espiritual. Algumas vezes até a morte”, ponderam.

Leia a nota na íntegra e compartilhe:

Nota da CNBB sobre o PL1904/2024

“Diante de vós, a vida e a morte. Escolhe a vida!” (cf. Dt 30,19)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), diante do debate no Congresso Nacional e na sociedade brasileira sobre o PL 1904/2024, vem a público reafirmar o seu posicionamento de defesa e proteção da vida em todas as suas etapas, da concepção à morte natural. No contexto do debate sobre o aborto, empenha-se na defesa das duas vidas, a da mãe e a do bebê.

A CNBB não se insere na politização e ideologização desse debate. Contudo, adentra-o por ser profundamente ético e humano. São a dignidade intrínseca e o direito mais fundamental que é o direito à vida que estão sob ameaça.

A discussão sobre o PL 1904/2024 traz à tona a cruel prática de assistolia fetal em bebês a partir de 22 semanas de gestação, proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e no momento liberada por liminar no STF. Este PL cumpre o papel de coibir a morte provocada do bebê, previamente ao término da gravidez.

Cabe ressaltar que as 22 semanas não correspondem a um marco arbitrário. A partir dessa idade gestacional, realizado o parto, muitos bebês sobrevivem. Então, por que matá-los? Por que este desejo de morte? Por que não evitar o trauma do aborto e no desaguar do nascimento, se a mãe assim o desejar, entregar legalmente a criança ao amor e cuidados de uma família adotiva? Permitamos viver a mulher e o bebê.

Diante do crime hediondo do estupro, que os agressores sejam identificados e que a legislação seja rigorosa e eficaz na punição. É ilusão pensar que matar o bebê seja uma solução. O aborto também traz para a gestante grande sofrimento físico, mental e espiritual. Algumas vezes até a morte.

Por isso, a Igreja Católica neste momento considera importante a aprovação do PL 1904/2024, mas continua no aguardo da tramitação de outros projetos de lei que garantam todos os direitos do nascituro e da gestante. Mais uma vez, reitera a sua posição em defesa da integralidade, inviolabilidade e dignidade da vida humana, desde a sua concepção até a morte natural.

Que Nossa Senhora Aparecida interceda por todas as nossas famílias, proteja a vida de nossas gestantes e de todas as crianças que estão no ventre materno, para que todos tenham vida e vida em abundância. (cf. Jo 10,10)

Diante da escolha entre a vida e a morte, escolhamos a vida, a da mulher e a do bebê!

Brasília, 14 de junho de 2024

Dom Jaime Spengler
Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre – RS
Presidente da CNBB

Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo da Arquidiocese de Goiânia – GO
1º Vice- Presidente da CNBB

Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa
Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife – PE
2º Vice-Presidente da CNBB

Dom Ricardo Hoepers
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília – DF
Secretário-Geral da CNBB

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Inteligência artificial: 3 pontos inegociáveis ​​do Papa Francisco

Fundo de fotografia R | Obturador
Camille Dalmas – publicado em 14/06/24

No dia 14 de junho, o Papa Francisco participou numa sessão do G7 dedicada à Inteligência Artificial, tema sobre o qual o Pontífice tem falado muito nos últimos meses. Aqui estão as principais recomendações do Papa.

1DESMISTIFICAR A IA

Para o Papa, “o próprio uso da palavra ‘inteligência’ é enganoso”, como afirma na sua última mensagem para o Dia das Comunicações Sociais.

“É verdade que as máquinas têm uma capacidade incomensuravelmente maior do que os humanos para memorizar dados e relacioná-los entre si, mas só cabe aos humanos decifrar o seu significado”, insiste.

Por isso, exorta a “despertar o homem da hipnose em que cai em consequência do seu delírio de omnipotência, acreditando ser um sujeito totalmente autónomo e autorreferencial, separado de todos os laços sociais e alheio à sua condição de uma criatura."

Na sua mensagem pela paz de 2024, o Pontífice também sublinhou os limites destas novas tecnologias: “nem tudo pode ser previsto, nem tudo pode ser calculado”. E acrescentou que “a representação da realidade em megadados, por mais funcional que seja para a gestão das máquinas, implica uma perda substancial da verdade das coisas”.

2PROTEJA A INTELIGÊNCIA HUMANA

Embora o Papa rejeite qualquer postura tecnofóbica, considerando que as novas tecnologias, incluindo a Inteligência Artificial, têm a capacidade de melhorar muito a vida das pessoas, lamenta que “os dados recolhidos até agora pareçam indicar que as tecnologias digitais contribuíram para aumentar as desigualdades no mundo”.

Por exemplo, mostrou-se muito preocupado com a utilização da Inteligência Artificial no domínio militar – por exemplo com a utilização de robôs assassinos – ou no domínio da informação, alertando para erros graves e possíveis manipulações. Ele também apontou o dedo para as formas de discriminação e até mesmo de “controle social” derivadas do uso massivo de IA em “processos automáticos que categorizam indivíduos”. Ele manifestou preocupação, por exemplo, com o facto de esta tecnologia poder determinar se uma pessoa tem ou não direito a um empréstimo bancário.

Noutra área, o Pontífice alertou para a rápida destruição de empregos devido às aplicações industriais da Inteligência Artificial, sinal de uma sociedade em que as desigualdades estão a agravar-se. Fundamentalmente oposto a estes excessos, fruto de uma visão anónima da tecnologia, defende uma IA capaz de atribuir a “cada ser humano o papel de sujeito”. E quando foi convidado para falar sobre IA na cimeira do G7, disse aos padres que queria fazer esta pergunta aos chefes de Estado: “Como está a sua inteligência natural?”

3LEGISLAR

O Papa Francisco saudou os recentes esforços de algumas organizações internacionais para regular estas tecnologias “para que promovam o verdadeiro progresso, isto é, para que contribuam para um mundo melhor e para uma qualidade de vida totalmente superior”.

Ele enfatizou a necessidade de chegar a um acordo universalmente vinculativo. Reconhecendo que “não será fácil chegar a um acordo nestas áreas”, pediu à Santa Sé que preparasse uma carta ética que servisse para estabelecer princípios essenciais, que deu origem em 2020 ao Apelo de Roma à Ética da Inteligência Artificial. , assinado pelos gigantes digitais IBM, Microsoft (acionista da OpenAI, nota do editor) e Cisco. Este texto apela à criação de sistemas transparentes, imparciais, inclusivos e fiáveis, à proteção da privacidade dos utilizadores e à necessidade de os criadores de IA assumirem as suas responsabilidades.

Fonte: https://es.aleteia.org/

O Papa: Deus cuida de nós com a confiança de um Pai, e espera de nós boas obras

Audiência Geral de 16 de junho de 2024 com o Papa Francisco (Vatican News)

O Senhor coloca em nós as sementes de sua Palavra e de sua graça, sementes boas e abundantes, e depois, sem nunca deixar de nos acompanhar, espera pacientemente. Ele continua a cuidar de nós, com a confiança de um Pai, mas nos dá tempo, para que as sementes se abram, cresçam e se desenvolvam para dar frutos de boas obras: disse Francisco na oração mariana do Angelus deste XI Domingo do Tempo Comum.

Raimundo de Lima – Vatican News

Saber esperar com confiança! Foi a exortação do Santo Padre na alocução que precedeu a oração do Angelus ao meio-dia deste domingo (16/06), com milhares de fiéis e peregrinos reunidos na Praça São Pedro.

Francisco deteve-se sobre o Evangelho deste XI Domingo do Tempo Comum, que nos fala do Reino de Deus por meio da imagem da semente, usada várias vezes por Jesus e nos convida a refletir particularmente sobre uma atitude importante – destacou o Pontífice: a espera confiante.

Saber esperar com confiança

De fato, na semeadura, por mais que o agricultor espalhe ótima e abundante semente, e por melhor que prepare o solo, as plantas não brotam imediatamente: leva tempo! Por isso, é necessário que, após a semeadura, ele saiba esperar com confiança, para permitir que as sementes se abram no momento certo e os brotos brotem do solo e cresçam, fortes o suficiente para garantir, no final, uma colheita abundante.

Sob a terra, o milagre já está acontecendo, há um grande desenvolvimento, mas é invisível, é preciso paciência e, enquanto isso, é necessário continuar cuidando dos torrões, regando-os e mantendo-os limpos, apesar do fato de que, na superfície, nada parece estar acontecendo, ressaltou o Papa, explicando que o Reino de Deus também é assim.

O Senhor quer que todos nós possamos crescer

O Senhor coloca em nós as sementes de sua Palavra e de sua graça, sementes boas e abundantes, e depois, sem nunca deixar de nos acompanhar, espera pacientemente. Ele continua a cuidar de nós, com a confiança de um Pai, mas nos dá tempo, para que as sementes se abram, cresçam e se desenvolvam para dar frutos de boas obras. E isso porque não quer que nada se perca em seu campo, que tudo atinja a plena maturidade; quer que todos nós possamos crescer como espigas cheias de grãos.

Francisco observou que ao fazer isso, o Senhor nos dá um exemplo: também nos ensina a semear com confiança o Evangelho onde quer que estejamos e depois esperar que a semente lançada cresça e dê frutos em nós e nos outros, sem desanimar e sem deixar de apoiar e ajudar uns aos outros, mesmo quando, apesar de nossos esforços, nos parece não ver resultados imediatos. “Na verdade - prosseguiu o Pontífice -, muitas vezes, mesmo entre nós, além das aparências, o milagre já está em andamento e, no devido tempo, produzirá frutos abundantes”!

Sejamos semeadores generosos e confiantes do Evangelho

Concluindo, o Santo Padre propôs algumas interpelações para nossa reflexão pessoal:

Deixo semear em mim a Palavra? Semeio com confiança a Palavra de Deus nos ambientes em que vivo? Sou paciente na espera ou fico desanimado porque não vejo os resultados imediatamente? E sou capaz de confiar tudo serenamente ao Senhor, enquanto faço o melhor que posso para proclamar o Evangelho?”

Por fim, confiou à Virgem Maria, que acolheu e fez crescer dentro de si a semente da Palavra, que nos ajude a sermos semeadores generosos e confiantes do Evangelho.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

A devoção da Igreja Ambrosiana

Santo Ambrósio (Canção Nova)

Arquivo 30Dias 06/07 - 2010

História do Prego Sagrado

A devoção da Igreja Ambrosiana

por Lorenzo Bianchi

O documento histórico mais antigo que se refere com absoluta certeza à relíquia do Santo Prego hoje conservada na Catedral de Milão data de 18 de janeiro de 1389. Nesse ano, o Registro do Tribunal Provisório, órgão administrativo máximo da cidade, anotou um pedido feito pelo tenente do vigário provisório Paolo de Arzonibus a Giangaleazzo Visconti para promulgar as festividades da Madonna della Neve e de San Gallo, estabelece que nestas festividades o Município fará generosas ofertas, destinadas sobretudo à igreja de Santa Tecla, por ser a Catedral subterrânea, e porque um dos pregos com que o Salvador foi crucificado ali está colocado ab antiquo . Por quanto tempo, o Register não diz. Mas se recuarmos quase mil anos, até 25 de Fevereiro de 395, é novamente em Milão que encontramos o primeiro testemunho sobre a descoberta dos pregos da Cruz do Senhor. É Santo Ambrósio quem fala disso longamente, detalhadamente, diante da corte e dos soldados reunidos para o funeral do imperador Teodósio em Milão que, durante cerca de trinta anos, se tornou a capital ocidental do Império. Segundo a história de Ambrósio ( De obitu Theodosii 41-48), Helena, mãe de Constantino, nos últimos anos do império de seu filho, entre 333 e 337, também havia encontrado os pregos da crucificação junto com a Verdadeira Cruz. Com um deles, ainda segundo a história de Ambrósio, mandou forjar o freio do cavalo do imperador, para dar um presente ao filho e garantir sua proteção inter proelia , enquanto inseriu outro no diadema imperial. Na opinião de Marta Sordi (ver M. Sordi, A tradição da inventio Crucis em Ambrogio e em Rufino , em Rivista di Storia della Chiesa in Italia , 46, 1990, pp. 1-8), a insistência de Ambrósio nos pregos não é acidental, estando ligado a uma ocasião muito específica e ao local onde foram pronunciadas as suas palavras: «O seu é um discurso oficial», escreve o estudioso, «proferido perante a corte de Milão e os soldados, e ele está a falar de uma coroa real , aquele que Teodósio usara e do qual pode dar uma descrição precisa, um diadema adornado de pedras preciosas, com um círculo de ferro mais precioso que qualquer pedra preciosa, porque provém da cruz da redenção divina: uma coroa-diadema, ancestral de a famosa coroa de "ferro", que na verdade é uma coroa de ouro, composta por seis peças unidas por dobradiças e decoradas com pedras preciosas, tendo no seu interior um círculo de ferro, tradicionalmente considerado um dos pregos da cruz." Portanto, Ambrose está descrevendo objetos reais, que ele vê e conhece.

É plausível que a presença dos pregos da Cruz em Milão remonte à segunda metade do século IV e ao desejo de Valentiniano I de "consagrar" a nova capital que escolheu em 364 para o Ocidente como um Cidade cristã, como já havia acontecido com Constantinopla. «A tradição Constantinopolitana», escreve novamente Sordi, «colocou entre os ritos de fundação da cidade por Constantino a inserção de fragmentos da cruz na estátua colocada na coluna de pórfiro do fórum da cidade, de modo a garantir a sua proteção, como narra o historiador Sócrates do século IV." Valentiniano pode ter feito o mesmo, mandando trazer os pregos da Cruz para Milão, para reafirmar o caráter cristão renovado e definitivo do Império, ainda mais depois do breve reinado de Juliano, o Apóstata (361-363).

Se o outro prego, usado, segundo a história de Ambrósio, para forjar o freio do cavalo de Constantino, deve ser identificado com o Prego Sagrado hoje guardado em Milão, não é possível dizer com certeza, precisamente porque não existem fontes que datam do final do século IV ao final do século XIV. Mas a partir de então a veneração da preciosa relíquia não conheceu interrupção.

Foi em 1461 que o Prego Santo foi solenemente transferido de Santa Tecla, destinado à demolição, para a Sé Catedral, e colocado no alto, a poucos metros do topo da abside, segundo a tradição ambrosiana de colocar o crucifixo no frontão do arco triunfal da igreja.

Durante a peste de 1576, São Carlos Borromeu transportou pessoalmente o Prego Sagrado em procissão desde a Catedral até São Celso, deixando-o exposto no altar para a celebração do Quarantore, com o objetivo de implorar o fim do flagelo que atingiu Milão. San Carlo mandou construir uma cruz de madeira especialmente para transportar o Santo Prego em procissão, cruz que hoje se encontra na igreja paroquial dos Santos Gervásio e Protásio em Trezzo d'Adda.

San Carlo atribuiu a atenuação da epidemia ao Prego Santo, que ocorreu imediatamente após a procissão. Desde então estabeleceu que a cerimónia solene se repetisse todos os anos no dia 3 de maio, festa da Invenção da Santa Cruz.

Nem mesmo a Revolução Francesa impediu a prática, que ainda hoje envolve a evocativa subida da máquina chamada Nivola , que, puxada por cordas, permite chegar ao Santo Chiodo a quarenta metros acima do nível do mar. O rito de tomada e exibição do Prego Santo foi suspenso apenas entre 1969 e 1982, na sequência do surgimento de instabilidade na situação estática dos pilares da lanterna e das consequentes obras de restauro.

Depois de terem sido tomadas medidas para recuperar o Prego Santo com meios improvisados ​​em 1982, no ano seguinte recomeçou a sua exposição na Sé Catedral por ocasião da festa da Exaltação da Santa Cruz que se celebra a 14 de Setembro (tendo entretanto sido abolida a celebração de 3 de maio).

 O Cardeal Martini, por ocasião do Ano Santo da Redenção, quis que o Prego Santo e a cruz construída por São Carlos fossem novamente reunidos para serem transportados em procissão. Procissão que o próprio cardeal conduziu pelas ruas de Milão na Sexta-feira Santa de 1984, segurando pessoalmente a cruz com o Prego Santo. Desde 1986, concluídas as obras de restauro, o Santo Chiodo foi novamente colocado na sua posição original.

 Fonte: https://www.30giorni.it/

Reflexão para o XI Domingo do Tempo Comum (B)

Evangelho do domingo (BAV, Vat.lat39, f 67v) | Vatican News

O Evangelho de Marcos nos recorda a verdade de que a semente cresce sozinha, no silêncio e no escondimento e vira uma grande árvore. Também a Palavra de Deus semeada em nossa vida cresce silenciosamente.

Padre Cesar Augusto, SJ - Vatican News

Existe uma imagem muito bonita que compara a Igreja a uma grande árvore, alta e copada. Em seus galhos se aninham todo tipo de pássaro, pois nela se sentem seguros.

A liturgia deste domingo explora essa imagem, começando por Ezequiel profetizando sobre um cedro que terá seu broto mais alto transplantado para uma alta montanha e se tornará uma árvore majestosa. No Evangelho, Marcos nos fala da mostarda como a maior das hortaliças e originada pela menor das sementes.

A profecia de Ezequiel quer amenizar a dor do povo, após uma gravíssima derrota em que o rei foi deportado, dizendo que o Senhor suscitará um herdeiro no estrangeiro que irá restaurar a monarquia em Israel com grandiosidade jamais vista. Acontece que os anos passam e essa restauração não acontece logo. Na verdade, nem Ezequiel tinha noção total do que profetizava. Ele falava de Jesus Cristo, a restauração do homem total através de sua ressurreição. Evidentemente, falava também de seu Corpo Místico, falava da Igreja!

O Evangelho de Marcos nos recorda a verdade de que a semente cresce sozinha, no silêncio e no escondimento e vira uma grande árvore. Também a Palavra de Deus semeada em nossa vida cresce silenciosamente e só perceberemos isso com a transformação de uma vida estéril ou mesmo mediana, em uma vida fecunda, plena de frutos que atraem e saciam todos.

Na Parábola, Jesus dá um recado: a semente do Reino cresce por si só. Não importa o tamanho da semente, do que foi semeado, importa a qualidade da semente, se ela aceita morrer e brotar como uma planta nova, proporcionando mais vida.

A Carta de São Paulo aos Coríntios nos ajuda a concluir a reflexão deste domingo. Ele nos fala de quando seremos transplantados para o céu, para morarmos juntos com o Senhor. “Caminhamos na fé e não na visão clara”, lemos em 2Cor 5,7. Enquanto não somos transplantados, deveremos trabalhar para que nossa vida seja bela e propensa a se tornar maravilhosa quando formos morar na glória do Pai.  Naquele momento, poderemos dizer ao Senhor: “Você me deu a vida e, com a Redenção de Seu Filho, com a Sua Graça, pude vivê-la bem, mesmo nos sofrimentos e perseguições, e trazê-la alegremente como sinal de Sua Presença em meu caminhar”.

Assim, uma vida vivida na terra em união a Cristo só poderá ter um desfecho feliz ao ser transplantada para a Vida plena no seio da Trindade.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santos Julita e Ciro, mártires

Santos Julita e Ciro (Templário de Maria)
16 de junho
Santos Julita e Ciro

Mártires (+304)

Julita vivia na cidade de Icônio, na Licaônia, atualmente Turquia. Ela era uma senhora riquíssima, da alta aristocracia e cristã, que se tornara viúva logo após ter dado à luz um menino. Ele foi batizado com o nome de Ciro, mas também atendia pelo diminutivo Ciríaco ou Quiríaco. Tinha três anos de idade quando o sanguinário imperador Diocleciano começou a perseguir, prender e matar cristãos.

Julita, levando o filhinho Ciro e algumas servidoras, fugiu para a Selêucia e, em seguida, para Tarso, mas ali acabou presa. O governador local, um cruel romano chamado Alexandre, tirou-lhe o filho dos braços e passou a usá-lo como um elemento a mais para sua tortura. Colocou-o sentado sobre seus joelhos, enquanto submetia Julita ao flagelo na frente do menino, com o intuito de que renegasse a fé em Cristo.

Como ela não obedeceu, os castigos aumentaram. Foi então que o pequenino Ciro saltou dos joelhos do governador, começou a chorar e a gritar junto com a mãe: ‘Também sou cristão! Também sou cristão!’ Foi tamanha a ira do governador que ele, com um pontapé, empurrou Ciro violentamente, fazendo-o rolar pelos degraus do tribunal, esmigalhando-lhe, assim, o crânio.

Conta-se que Julita ficou imóvel, não reclamou, nem chorou, apenas rezou para que pudesse seguir seu pequenino Ciro no martírio e encontrá-lo, o mais rápido possível, ao lado de Deus. E foi o que aconteceu. Julita continuou sendo brutalmente espancada e depois foi decapitada. Era o ano 304.

Os corpos foram recolhidos por uma de suas fiéis servidoras e sepultados num túmulo que foi mantido oculto até que as perseguições cessassem. Quando isso aconteceu, poucos anos depois, o bispo de Icônio, Teodoro, resolveu, com a ajuda de testemunhas da época e documentos legítimos, reconstruir fielmente a dramática história de Julita e Ciro. E foi assim, pleno de autenticidade, que este culto chegou aos nossos dias.

Ciro tornou-se o mais jovem mártir do cristianismo, precedido apenas dos santos mártires inocentes, exterminados pelo rei Herodes em Belém. Por isso é considerado o santo padroeiro das crianças que sofrem de maus-tratos. A festa de santa Julita e de são Ciro é celebrada pela Igreja no dia 16 de junho, em todo o mundo católico.

Fonte: https://templariodemaria.com/

sábado, 15 de junho de 2024

O medo nas cidades modernas

Confiança e Medo na Cidade (Zygmunt Bauman)

O MEDO NAS CIDADES MODERNAS

Dom João Santos Cardoso 
Arcebispo de Natal (RS)

Recentemente, em uma reunião com o clero e os fiéis leigos da Arquidiocese de Natal, discutimos sobre a pastoral urbana e a evangelização na cidade. O tema do medo urbano foi recorrente, manifestado em falas que expressavam receio de ir a determinados bairros e realizar atos litúrgicos em certos horários. Esse medo impacta a evangelização, retraindo a audácia pastoral para difundir o evangelho em todas as periferias, comprometendo o mandato de Jesus: “Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). 

A cidade fascina e amedronta. Muitos que vivem no interior aspiram morar na cidade grande, e a migração para as regiões metropolitanas é comum, inclusive entre padres que desejam exercer seu ministério na grande cidade. No entanto, o medo afeta a evangelização, levando as pessoas a preferirem o isolamento dos condomínios fechados. Muitos padres também trocam a casa paroquial próxima da matriz pela residência em condomínios fechados, comprometendo a proximidade com suas comunidades, como pede o Papa Francisco: “sede pastores com o cheiro das ovelhas” (Homilia Missa Crismal de 2013). 

Essa situação me faz lembrar do artigo “A cidade como exigência de sociabilidade” na coletânea “Dilemas da Sociabilidade, Pensar a Cidade Hoje”, onde discuto o medo como um desafio para a convivência urbana, com base nas contribuições de Zygmunt Bauman em “Confiança e medo na cidade” (2009). Bauman afirma que a insegurança e o medo comprometem a vida urbana, mesmo sendo as cidades mais seguras do que nas sociedades do passado. Subjetivamente, as pessoas sentem-se ameaçadas e obcecadas por segurança, esvaziando o espaço público e as interações humanas. 

É urgente repensar a noção de espaço público para recuperar a sociabilidade urbana, pois a urbanização é irreversível e a vida nas cidades será o modo predominante de habitar o planeta. Portanto, é necessário que o espaço urbano promova interação humana, encontro com o desconhecido e convivência com a diferença, sem que a insegurança e o medo impeçam essa função. 

Cidades antigas e medievais eram protegidas por muros contra inimigos externos, oferecendo segurança interna. Hoje, o medo e a insegurança deslocaram-se para dentro das cidades. “Hoje, nossas cidades, em vez de constituírem defesas contra o perigo, estão se transformando em perigo” (BAUMAN, 2009, p. 35). O perigo agora está dentro da cidade e a guerra à insegurança foi transferida para o seu interior. 

Urbanistas projetam construções para manter os estranhos distantes, minando a ideia de espaço público em favor do espaço privado e suas ilhas de segurança. A arquitetura do medo, exemplificada por condomínios fechados e sistemas de vigilância, atende ao desejo de segurança dos moradores, mas compromete a essência do espaço público. “A arquitetura do medo e da intimidação espalha-se pelos espaços públicos das cidades, transformando-os em áreas extremamente vigiadas” (BAUMAN, 2009, p. 36). 

A guerra à insegurança e ao medo tem esvaziado o espaço público, essencial à vida urbana. É nos locais públicos que a vida urbana atinge sua mais completa expressão, com suas alegrias, dores, esperanças e pressentimentos. O espaço público carrega a ideia de liberdade e interação com o estranho. Contudo, o medo que alimenta a obsessão pela segurança remove a possibilidade de livre movimento e encontro com o estranho. “Com a insegurança, estão destinadas a desaparecer das ruas da cidade a espontaneidade, a flexibilidade, a capacidade de surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos os atrativos da vida urbana” (BAUMAN, 2009, p. 39). 

O espaço público é vulnerável e exposto a ataques, mas também é onde a atração pode superar a rejeição, onde se descobrem e se praticam os costumes de uma vida urbana satisfatória e onde o futuro da vida urbana é decidido (BAUMAN, 2009, p. 40). Para evangelizar, é necessário não temer a cidade e superar a obsessão por segurança que gera segregação e privatização dos espaços. É preciso recuperar a ideia do espaço público, tornando-o um lugar onde as diferenças são valorizadas e onde é possível o encontro e mover-se livremente. Revitalizar o espaço público é uma estratégia para combater o isolamento e gerar encontros e comunhão entre estranhos, superando a tendência de buscar refúgio em ilhas privadas de segurança. 

A tendência de retirar-se dos espaços públicos para refugiar-se em ilhas de “uniformidade” transforma-se no maior obstáculo para conviver com a diferença, enfraquecendo diálogos e pactos. A exposição à diferença torna-se um fator decisivo para uma convivência feliz, secando as raízes urbanas do medo (BAUMAN, 2009, p. 41). 

A humanização da cidade através da recuperação do espaço público é a resposta mais razoável contra o perigo de um espaço urbano residual onde as interações humanas se reduzem a conflitos entre automóveis e pedestres, possuidores e despossuídos, tornando-se locais de tensão e violência. Para que a sociabilidade encontre expressão na cidade, Bauman defende um planejamento urbano que se desloque dos espaços privados para os públicos, tornando-os amplos, atraentes e estimulantes. Isso deve acentuar a “conexão, comunicação e celebração”, respondendo à tarefa de construir cidades que alimentem comunidades e o ambiente que as sustentam (BAUMAN, 2009, p. 41). 

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF