O arcebispo de Porto Alegre e
presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, faz um balanço da delicada situação
vivida pelo Rio Grande do Sul há 2 meses da maior catástrofe natural da
história do Estado, que também gerou "um movimento de solidariedade como
nunca se viu na história do Brasil". Um momento também de grande missão
para a Igreja: "o nosso povo precisa ser alimentado na fé, mas também na
esperança", ao encontro da proposta do Jubileu, acrescenta o prelado,
"esperançar o nosso povo".
Andressa
Collet - Vatican News
"Agora
se está num processo de limpeza. Andando pelas ruas das cidades e dos bairros a
gente vê montanhas de lixo. As famílias tiveram que tirar praticamente tudo de
dentro de casa. Ficaram as paredes. Em algumas residências, até mesmo as
paredes desabaram. E com isso podemos imaginar o que significa a quantidade de
lixo que temos na rua. O Poder Público está tendo muita dificuldade para tirar
essa sujeira toda. Temos o problema das doenças que estão surgindo. E são
várias!"
O
testemunho é de dom Jaime Spengler, presidente do CELAM e da CNBB, que esteve
em Roma na semana passada para a Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina.
Em entrevista a Silvonei Protz, o arcebispo de Porto Alegre procurou descrever
a triste realidade vivida na capital gaúcha há 2 meses da maior catástrofe
natural da história do Rio Grande do Sul. As enchentes afetaram mais de 2
milhões de pessoas e causaram 179 mortes, segundo o último boletim da Defesa Civil publicado nesta segunda-feira
(01/07), como recorda o prelado:
"A
situação é muito delicada. Nós temos cidades completamente destruídas. Na
região metropolitana de Porto Alegre o desastre foi enorme. Tivemos cidades e
bairros totalmente destruídos. Na arquidiocese, tivemos 16 paróquias e igrejas-matriz com suas
comunidades que ficaram submersas. Não temos noção exata das perdas, mas mais
do que nós perdemos, a população perdeu. Temos uma multidão de famílias de
pessoas que perderam realmente tudo. Muita gente saiu de casa de madrugada
quando as águas subiram de uma forma muito rápida, de pijama. Não tiveram tempo
de retirar nada."
Alimentar
na fé e esperançar o povo
Em meio à
tragédia climática vivida pelos gaúchos, a esperança e a fé encontram espaço em
manifestações de solidariedade e proximidade, como aquela que veio do Papa
Francisco. Em 5 de maio, ao final do Regina Caeli, o Pontífice assegurou
orações pelos afetados com as inundações, pedindo ao Senhor de "acolher os
mortos e confortar os familiares e quem teve que abandonar suas casas".
Quatro dias depois, a ajuda concreta do Papa através da Esmolaria Apostólica:
cerca de 100 mil euros (o equivalente a mais de 500 mil reais) foram enviados à
Nunciatura do Brasil para destinar aos atingidos pelas enchentes. E, em 11 de
maio, veio o telefonema do Papa ao próprio dom Jaime Spengler, em mais uma
manifestação de solidariedade "em favor de todos que estão sofrendo a
catástrofe", disse Francisco, ao acrescentar: "estou próximo e rezo
por vocês". Segundo definição do arcebispo de Porto Alegre, essa é uma
forma de "esperançar o povo":
"Eu
creio que neste momento histórico que vivemos, social, político, econômico e
também eclesial, uma das grandes missões da Igreja neste momento na América
Latina - e que vem ao encontro da proposta do Ano Jubilar - é esperançar o
nosso povo. O nosso povo necessita ser alimentado, sim, na fé, mas também na
esperança. E porque sinto essas duas virtudes? Porque a caridade é uma
característica do cotidiano do nosso povo. O nosso povo sabe ser solidário,
nosso povo é bom e generoso. Experimentamos isso agora no Brasil, depois das
enchentes que sofremos no sul: um movimento de solidariedade como nunca se viu
na história do Brasil! Mas isso é característica do povo
latino-americano."
O
"tapete solidário" de Barão de Cotegipe
Um dos
exemplos vem de uma pequena comunidade ao norte do Rio Grande do Sul, que não
foi afetada drasticamente com as enchentes. No final de maio, há um mês das
enchentes, durante a celebração de Corpus Christi, a paróquia de Nossa Senhora
do Rosário, do município de Barão de Cotegipe, foi motivada a fazer doações às
vítimas das enchentes. O Padre Paulo Bernardi conta que o tradicional tapete
feito de serragem e areia desta vez foi produzido com roupas de cama, toalhas,
travesseiros e alimentos não-perecíveis. Os fiéis, ao longo da caminhada,
rezavam o terço e a cada Ave Maria lembravam de 5 cidades afetadas pelas
chuvas. Já as doações que formaram o "tapete solidário", por
indicação da Caritas Diocesana, foram destinadas à população da cidade de
Pelotas.
"Se
você aquecer o teu coração e fizer uma doação, com certeza nós vamos aquecer o
povo do estado e vamos criar ânimo para esse povo para que eles possam
reconstruir tudo que perderam. A nossa gratidão a Deus por tantas empresas e
tantas pessoas que estão fazendo inúmeras doações. Não podemos parar de doar,
porque os problemas em algumas regiões estão iniciando apenas agora",
reforça o Pe. Paulo Bernardi, já que o inverno chegou com força na região sul
do Brasil e o frio tomou conta do Rio Grande do Sul, com mínimas que nesta
segunda-feira (1º) chegaram a -2,7ºC em Vacaria, por exemplo.
Com o frio,
mutirão da solidariedade se intensifica
Com essa
onda gelada, as doações ajudam tanto as famílias que perderam tudo com as
enchentes, como os moradores em situação de rua que procuram os abrigos
públicos. Um movimento de solidariedade local mas que vem se estendendo pelo
país inteiro e sem olhar fronteiras: além do Papa, mobilizações em diversos
países são registradas em prol das vítimas do RS. Dois contêiners com roupas de
inverno arrecadadas na Itália partem do Porto de Livorno ao Brasil no próximo
sábado (06/01), num mutirão de ações concretas, como confirma dom Jaime:
“Solidariedade se faz com o
coração e com as mãos. E realmente nós podemos ver isso de uma forma muito
concreta. Eu nunca tinha presenciado, testemunhado, visto, tido notícia de um
movimento de solidariedade tão grande como assisti nesse último mês de junho no
Brasil. Praticamente todas as dioceses se envolveram, mas não só. Também outras
entidades da sociedade civil, pessoas anônimas, enfim, foi realmente um mutirão
de solidariedade. E é isso que nos dá dignidade e mostra a honradez do nosso
povo.”
E o futuro
dessa catástrofe toda?
Dois meses
após a catástrofe, entre movimentos de limpeza e de solidariedade, de alimentar
a fé e esperançar o povo, o arcebispo de Porto Alegre compartilha a grande
preocupação do futuro do Rio Grande do Sul:
"Até
agora tivemos essa grande onda de solidariedade, mas a grande questão é daqui a
um mês, dois meses. Temos um número grande de microempresas, pequenos
empresários e pequenas indústrias que perderam tudo e nós sabemos que quem mais
proporciona postos de trabalho são eles. E esse trabalho de reconstrução não
será fácil. Aliás, não se trata de reconstrução, eu não gosto desse termo,
porque o Rio Grande do Sul precisará ser construído de forma diferente. Não
reconstruir simplesmente, não podemos voltar àquilo que tínhamos antes. Então,
essa é uma situação que preocupa. É verdade que o Poder Federal está prometendo
uma ajuda financeira para o estado muito grande, mas não sabemos se chega,
quando chega e como chega. Também o Governo do Estado faz promessas e inclusive
os municípios, mas nós conhecemos a realidade dos nossos municípios brasileiros
que não têm grandes condições. Realmente é uma questão que fica no ar:
e o amanhã?"
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt