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sexta-feira, 12 de julho de 2024

O pecado pessoal

O pecado pessoal (Opus Dei)

O pecado pessoal

O pecado é uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna. É uma ofensa a Deus, que lesa a natureza do homem e atenta contra a solidariedade humana.

30/01/2015

1. O pecado pessoal: ofensa a Deus, desobediência à lei divina

O pecado pessoal é um “ato, palavra ou desejo contrário à lei eterna”[1]. Isto significa que o pecado é um ato humano, já que requer o exercício da liberdade[2], e se expressa em atos externos, palavras ou atos internos. Além do mais, este ato humano é mau, isto é, opõe-se à lei eterna de Deus, que é a primeira e suprema regra moral, fundamento das demais. De modo mais geral, pode-se dizer que o pecado é qualquer ato humano oposto à norma moral, isto é, à reta razão iluminada pela fé.

Trata-se, portanto, de uma postura negativa em relação a Deus e, em contraste, um amor desordenado a nós mesmos. Por isso, também se diz que o pecado é essencialmente aversio a Deo et conversio ad creaturas. Aaversio não representa necessariamente um ódio explícito ou aversão, mas o afastamento de Deus, como resultado de colocar um bem aparente ou finito acima do bem supremo do homem (conversio). Santo Agostinho descreve-o como “o amor de si próprio levado até ao desprezo de Deus”[3]. “Por essa exaltação orgulhosa de si, o pecado é diametralmente contrário à obediência de Jesus, que realiza a salvação (cfr. Flp 2, 6-9)” (Catecismo, 1850).

O pecado é o único mal em sentido pleno. Os outros males (a doença, por exemplo) em si mesmos não afastam de Deus, embora sejam certamente privação de algum bem.

2. Pecado mortal e pecado venial

Os pecados podem-se dividir em mortais ou graves eveniais ouleves (cfr. Jo 5, 16-17), dependendo de o homem perder totalmente a graça de Deus ou não [4]. O pecado mortal e o pecado venial podem ser comparados entre si como a morte e a doença da alma.

“É pecado mortal o que tem como objeto uma matéria grave e que, além do mais, é cometido com pleno conhecimento e deliberado consentimento[5]. “Com toda a tradição da Igreja, chamamos pecado mortal a este ato pelo qual um homem, com liberdade e advertência, rejeita Deus, a sua lei, a aliança de amor que Deus lhe propõe, preferindo voltar-se para si mesmo, para qualquer realidade criada e finita, para algo contrário ao querer divino (conversio ad creaturam). Isto pode acontecer de modo direto e formal, como nos pecados de idolatria, apostasia e ateísmo; ou de modo equivalente, como em todas as desobediências aos mandamentos de Deus em matéria grave”[6].

-Matéria grave: significa que o ato é por si mesmo incompatível com a caridade e, portanto, também com exigências inevitáveis das virtudes morais ou teologais.

-Pleno conhecimento (ou advertência) do entendimento: ou seja, conhece-se que a ação que se realiza é pecaminosa, isto é, contrária à lei de Deus.

-Deliberado (ou perfeitoconsentimento da vontade: indica que se quer abertamente essa ação, que se sabe contrária à lei de Deus. Isto não significa que para haver pecado mortal seja necessário querer ofender diretamente a Deus: basta que se queira realizar algo gravemente contrário à sua divina vontade[7].

As três condições têm de cumprir-se simultaneamente[8]. Se falta alguma das três o pecado pode ser venial. Isto ocorre, por exemplo, quando a matéria não é grave, embora se tenha plena advertência e perfeito consentimento; ou então, quando não há plena advertência ou perfeito consentimento, ainda que se trate de matéria grave. Logicamente, se não há advertência nem consentimento, faltam os requisitos para que se possa falar que uma ação é pecaminosa, pois não seria um ato propriamente humano.

2.1. Efeitos do pecado mortal

O pecado mortal “acarreta a perda da caridade e a privação da graça santificante, isto é, do estado de graça. Se este não for recuperado mediante o arrependimento e o perdão de Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no inferno” (Catecismo, 1861)[9]. Quando se cometeu um pecado mortal, e enquanto se permanece fora do “estado de graça” – sem recuperá-la na confissão sacramental – não deve receber a Comunhão, pois não se pode querer ao mesmo tempo estar unido e afastado de Cristo: se cometeria um sacrilégio[10].

Ao perder a união vital com Cristo pelo pecado mortal, perde-se também a união com o seu Corpo místico, a Igreja. Não se deixa de pertencer à Igreja, mas se está como membro doente, sem saúde, que produz um mal a todo o corpo. Também se ocasiona um dano à sociedade humana, porque se deixa de ser luz e fermento, mesmo que isso possa passar despercebido.

Pelo pecado mortal perdem-se os méritos adquiridos (embora estes possam ser recuperados ao receber o sacramento da Penitência), e a pessoa fica incapacitada para adquirir outros novos; o homem fica sujeito à escravidão do demônio; diminui o desejo natural de fazer o bem e provoca-se uma desordem nas potências e afetos.

2.2. Efeitos do pecado venial

“O pecado venial enfraquece a caridade; traduz uma afeição desordenada pelos bens criados; impede o progresso da alma no exercício das virtudes e a prática do bem moral; merece penas temporais. O pecado venial deliberado e que fica sem arrependimento, dispõe-nos pouco a pouco a cometer o pecado mortal. Mas o pecado venial não quebra a aliança com Deus. É humanamente reparável com a graça de Deus. “Não priva da graça santificante, da amizade com Deus, da caridade nem, por conseguinte, da bem-aventurança eterna” (João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia (2-12-1984), 17)” (Catecismo, 1863).

Deus perdoa os pecados veniais na Confissão e também, fora deste Sacramento, quando realizamos um ato de contrição e fazemos penitência, nos condoendo por não ter correspondido ao infinito amor que nos tem.

O pecado venial deliberado, ainda que não afaste totalmente de Deus, é uma falta muito triste que esfria a amizade com Ele. Devemos ter “horror ao pecado venial deliberado”. Para uma pessoa que quer amar de verdade a Deus não faz sentido consentir em pequenas traições porque não são pecado mortal[11]; isso leva à tibieza[12].

2.3. A opção fundamental

A doutrina da opção fundamental[13], que recusa a distinção tradicional entre os pecados mortais e os veniais, sustenta que a perda da graça santificante pelo pecado mortal – com tudo o que supõe – compromete de tal modo à pessoa que somente pode ser fruto de um ato de oposição radical e total a Deus, isto é, um ato de opção fundamental contra Ele[14].

Os defensores desta opinião errônea afirmam que resultaria quase impossível cair em pecado mortal no curso de nossas escolhas cotidianas; ou se isto acontecesse, recuperar o estado de graça mediante uma penitência sincera. Isto porque a liberdade não seria capaz de determinar, em sua capacidade ordinária de escolha, de forma tão clara e decisiva, o sinal da vida moral da pessoa. Assim, de acordo com os autores desta doutrina, como estas ações seriam “exceções momentâneas” em uma vida globalmente reta, poderiam ser justificadas faltas graves de unidade e coerência de vida cristã. Uma consequência infeliz desta teoria errônea é que ela tira o valor da capacidade de decisão e do compromisso da pessoa no uso do seu livre arbítrio.

Muito relacionado com a doutrina anterior está a proposta de uma tripartição do pecado, em veniais, graves e mortais. Os últimos suporiam uma resolução consciente e irrevogável de ofender a Deus, e seriam os únicos que afastariam de Deus e fechariam as portas à vida eterna. Desta forma, a maioria dos pecados que, por sua matéria, tradicionalmente foram considerados como mortais não seriam mais que graves, já que não se cometeriam com uma intenção positiva de rejeitar a Deus.

A Igreja apontou em numerosas ocasiões os erros que estão na base destas correntes de pensamento. Encontramo-nos diante de uma doutrina sobre a liberdade, que é muito debilitada, pois esquece que na realidade quem decide é a pessoa, que pode escolher modificar as suas intenções mais profundas e que de fato pode mudar os seus propósitos, suas aspirações, seus objetivos e todo o seu projeto de vida, através de determinados atos particulares e cotidianos[15]. Por outro lado, “fica sempre firme o princípio de que a distinção essencial e decisiva está entre o pecado que destrói a caridade e o pecado que não mata a vida sobrenatural; entre a vida e a morte não existe uma via intermediária”[16].

2.4. Outras divisões

a) Pode-se distinguir entre o pecado atual, que é o próprio ato de pecar, e o habitual, que é a mancha deixada na alma pelo pecado atual, com pena e culpa e, no caso de pecado mortal, a privação da graça.

b) O pecado pessoal distingue-se por sua vez do original, com o qual todos nascemos e que contraímos pela desobediência de Adão. O pecado original é inerente a cada um, ainda que não tenha sido cometido pessoalmente. Pode ser comparado a uma doença herdada, que se cura pelo Batismo (pelo menos, pelo desejo implícito de receber o batismo), embora permaneça uma fraqueza que inclina a cometer novos pecados pessoais. O pecado pessoal, portanto, comete-se, enquanto o pecado original contrai-se.

c) Os pecados externos são os que se cometem com uma ação que pode ser observada a partir do exterior (homicídio, roubo, difamação, etc.). Os pecados internos, por outro lado, permanecem no interior do homem, isto é, em sua vontade, sem se manifestar em atos externos (ira, inveja, avareza não exteriorizadas, etc.). Todo pecado, externo ou interno, tem origem em um ato interno da vontade: é este o ato propriamente moral. Os atos puramente interiores podem ser pecado e inclusive grave.

d) Fala-se de pecados carnais ou espirituais conforme tendem desordenadamente a um bem sensível (ou a uma realidade que se apresenta sob aparência de bem; por exemplo, a luxúria) ou espiritual (a soberba). Em si, os segundos são mais graves; não obstante, os pecados carnais são por regra geral mais veementes, precisamente porque o objeto que atrai (uma realidade sensível) é mais imediato.

e) Pecados de comissão e de omissão: todo pecado comporta a realização de um ato voluntário desordenado. Se este se traduz em uma ação, se denomina pecado de comissão; se pelo contrário, o ato voluntário traduz-se no omitir algo devido, se chama de omissão.

3. A proliferação do pecado

“O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e reforçar-se, mas não consegue destruir o senso moral até a raiz” (Catecismo, 1865).

Chamamos capitais aos pecados pessoais que induzem especialmente a outros pecados, pois são a cabeça dos demais pecados. São a soberba (princípio de todo pecado ex parte aversionis; cfr. Sir 10, 12-13), avareza (princípio ex parte conversionis), luxúria, ira, gula, inveja e preguiça (cfr. Catecismo, 1866).

perda do sentido do pecado é fruto do voluntário obscurecimento da consciência que leva ao homem – por soberba – a negar que os pecados pessoais sejam tais e inclusive a negar que exista o pecado[17].

Às vezes não cometemos diretamente o mal, mas de alguma maneira colaboramos, com maior ou menor responsabilidade e culpa moral, à ação iníqua de outras pessoas. “O pecado é um ato pessoal. Além disso, temos responsabilidade nos pecados cometidos por outros, quando neles cooperamos: participando neles direta e voluntariamente; mandando, aconselhando, louvando ou aprovando esses pecados; não os revelando ou não os impedindo, quando o somos obrigados; e protegendo os que fazem o mal” (Catecismo, 1868).

Os pecados pessoais dão lugar também a situações sociais contrárias à bondade divina que se conhecem como estruturas de pecado[18]. Estas são a expressão e efeito dos pecados da cada pessoa (cfr. Catecismo, 1869)[19].

4. As tentações

No contexto das causas do pecado, temos que falar da tentação, que é a incitação ao mal. “A raiz de todos os pecados está no coração do homem” (Catecismo, 1873), mas este pode estar atraído pela presença de bens aparentes. A atração da tentação nunca pode ser tão forte que obrigue a pecar: “Não vos sobreveio tentação alguma que ultrapasse as forças humanas. Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação, ele vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela” (1 Co 10, 13). Se não se buscam, e se aproveitam como ocasião de esforço moral, podem ter um significado positivo para a vida cristã.

As causas das tentações podem reduzir-se a três (cfr. 1 Jo 2, 16):

- O “mundo”: não como criação de Deus, porque neste sentido é bom, mas na medida em que, pela desordem do pecado, nos estimula à conversio ad creaturas, com um ambiente materialista e pagão[20].

- O demônio: que nos impele a pecar, mas não tem poder para nos fazer pecar. As tentações do diabo são repelidas com oração[21].

- A “carne” ou concupiscência: desordem das forças da alma como resultado dos pecados (também chamada fomes peccati). Esta tentação vence-se com a mortificação e a penitência, e com a decisão de não dialogar e de ser sinceros na direção espiritual, sem encobrir a tentação com “razões sem razão”[22].

Diante de uma tentação, devemos lutar por evitar o consentimento, que pressupõe a adesão da vontade à complacência, ainda não deliberada, que segue à representação involuntária do mal que se dá na sugestão.

Para combater as tentações é preciso ser muito sinceros com Deus, consigo mesmo e na direção espiritual. Caso contrário corre-se o risco de provocar a deformação da consciência. A sinceridade é um grande meio para evitar os pecados e atingir a verdadeira humildade: Deus Pai vem ao encontro de quem se confessa pecador, revelando aquilo que a soberba queria ocultar como pecado.

Além do mais, devemos fugir das ocasiões de pecado, isto é, daquelas circunstâncias que se apresentam mais ou menos voluntariamente e supõem uma tentação. Devemos evitar sempre as ocasiões livres, e quando se trata de ocasiões próximas (isto é, se há perigo sério de cair na tentação) e necessárias (que não se podem evitar), se deve fazer todo o possível para afastar o perigo, ou dito de outro modo, colocar os meios para que essas ocasiões passem de próximas a remotas. Também – no possível – se deve evitar as ocasiões remotas, contínuas e livres, que corroem a vida espiritual e predispõem ao pecado grave.

Pau Agulles Simó

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Bibliografia básica

Catecismo da Igreja Católica, 1846-1876.

João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 2-12-1984, 14-18.

João Paulo II, Enc. Veritatis splendor, 6-8-1993, 65-70.

Leituras recomendadas

São Josemaria, Homilia A luta interior, em É Cristo que passa, 73-82.

E. Colom, A. Rodríguez Luño, Escolhidos em Cristo para ser santos, Quadrante, São Paulo, 2016, cap. XI.

A. Fernández, Teologia Moral, vol. I, Aldecoa, Burgos 19952, pp. 747-834.

[1] Santo Agostinho, Contra Faustum manichoeum, 22, 27: PL 42, 418. Cfr. Catecismo, 1849.

[2] Classicamente definiu-se o pecado como uma desobediência voluntária à lei de Deus: se não fosse voluntária, não seria pecado, já que não se trataria nem sequer de um verdadeiro e próprio ato humano.

[3] Santo Agostinho, De civitate Dei, 14, 28.

[4] Cfr. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 2-12-1984, 17.

[5] Idem. Cfr. Catecismo, 1857-1860.

[6] João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 17.

[7] Comete-se um pecado mortal quando o homem “o sabendo e o querendo, escolhe, pelo motivo que seja, algo gravemente desordenado. Efetivamente, nesta escolha está já incluído um desprezo do preceito divino, uma rejeição do amor de Deus para a humanidade e para toda a criação: o homem afasta-se de Deus e perde a caridade” (Idem).

[8] Cfr. João Paulo II, Enc. Veritatis splendor, 6-8-1993, 70.

[9] Apesar da consideração do ato em si, cabe assinalar que o julgamento sobre as pessoas devemos o confiar só à justiça e à misericórdia de Deus (cfr. Catecismo, 1861).

[10] Só quem tiver um motivo verdadeiramente grave e não encontrar possibilidade de se confessar, pode celebrar os sacramentos e receber a sagrada comunhão, após fazer um ato de contrição perfeita, que inclui o propósito de se confessar o quanto antes (cfr. Catecismo, 1452 e 1457).

[11] Cfr. São Josemaria, Amigos de Deus, 243; Sulco, 139.

[12] Cfr. São Josemaria, Caminho, 325-331.

[13] Cfr. João Paulo II, Enc. Veritatis splendor, 65-70.

[14] Cfr. Idem, 69.

[15] Cfr. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 17; Veritatis splendor, 70.

[16] Idem, 17.

[17] Cfr. Idem, 18.

[18] Cfr. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 30-12-1987, 36 e ss.

[19] Cfr. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 16.

[20] Para combater estas tentações é preciso ir contracorrente, sempre que for necessário, com fortaleza, em lugar de deixar-se arrastar por costumes mundanos (cfr. São Josemaria, Caminho, 376).

[21] Por exemplo, a oração a São Miguel Arcanjo, vencedor de Satanás (cfr. Ap 12,7 e 20,2). A Igreja sempre recomendou também alguns sacramentais, como a água benta, para combater as tentações do demônio. “De nenhuma coisa fogem mais os demônios, para não voltar, que da água benta”, dizia Santa Teresa de Ávila (citado em São Josemaria, Caminho, 572).

[22] Cfr. São Josemaria, Caminho, 134 e 727.

 Fonte: https://opusdei.org/pt-br

O Papa: ouvir as mulheres, que comumente sofrem com a falta de reconhecimento

O Papa com algumas das participantes da assembleia sinodal de outubro de 2023 (ANSA)

Francisco assinou o prefácio de "Mulheres e ministérios na Igreja sinodal", um volume publicado recentemente, escrito pelos cardeais Hollerich e O'Malley e por três teólogas, incluindo a bispa anglicana Wells, que participaram da reunião de fevereiro do C9. "O drama dos abusos forçou a abrir os olhos para a chaga do clericalismo. Não se trata apenas de ministros ordenados, mas de uma forma distorcida de exercer o poder na Igreja, na qual todos podem cair: até mesmo leigos e mulheres".

Vatican News

As mulheres, seu papel e o sofrimento pelo reconhecimento "do que são e do que fazem". Em seguida, os ministérios ordenados, a sinodalidade, o drama dos abusos que abriu os olhos para a "chaga" do clericalismo e o exercício distorcido do poder dentro da Igreja, até mesmo pelos leigos, até mesmo pelas próprias mulheres.

Há todas as questões eclesialmente sensíveis no prefácio que o Papa Francisco assinou para o livro, publicado pelas Paulinas, “Mulheres e ministérios na Igreja sinodal”, um volume escrito por dois cardeais e três teólogas: a irmã salesiana Linda Pocher, professora de Cristologia e Mariologia no Auxilium de Roma (que também assinou a introdução); Jo B. Wells, bispa da Igreja da Inglaterra e subsecretária geral da Comunhão Anglicana; Giuliva Di Berardino, consagrada da Ordo Virginum da Diocese de Verona, liturgista, professora e responsável pelos cursos de espiritualidade e exercícios espirituais. Os dois cardeais são Jean-Claude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo e relator geral do Sínodo, e Seán Patrick O'Malley, presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores.

Diálogo entre os autores

Um diálogo, neste caso virtual, ou melhor, "literário", que é, no entanto, o fruto do diálogo real entre os próprios autores e com o Papa e o Conselho de cardeais durante a conhecida reunião do C9 em 5 de fevereiro. Aquela à qual - pela primeira vez desde a instituição do órgão - as três teólogas também foram convidadas pelo Pontífice a participar, a fim de oferecer contribuições e "provocações", como Francisco as define, sobre o tema do "papel feminino na Igreja".

A questão é agora aprofundada nessa nova publicação, datada de 9 de julho, que segue o livro anterior da irmã Linda Pocher e outros autores intitulado "Desmasculinizar a Igreja", tomado emprestado da expressão que Francisco proferiu pela primeira vez em sua audiência à Comissão Teológica Internacional.

Ministérios eclesiais, um tema importante e delicado

No prefácio, publicado na íntegra esta quinta-feira (11/07), pelo L'Osservatore Romano, o Papa desenvolve sua reflexão a partir de uma das principais máximas de seu pontificado: "A realidade é mais importante do que a ideia". É o mesmo princípio - e Francisco diz estar satisfeito com isso - que orienta "o programa proposto pela irmã Pocher para a formação do Conselho de cardeais sobre o tema das mulheres na Igreja, também com relação a um tema tão importante quanto delicado como o dos ministérios na comunidade eclesial".

O drama dos abusos

O tema por trás do qual se encontra "um certo sofrimento das comunidades eclesiais em relação ao modo como o ministério é entendido e vivido não é uma realidade nova", enfatiza o Papa, apontando como "o drama dos abusos nos forçou a abrir os olhos para a chaga do clericalismo, que não diz respeito apenas aos ministros ordenados, mas a um modo distorcido de exercer o poder dentro da Igreja, no qual todos podem cair: até mesmo os leigos, até mesmo as mulheres".

"Ouvir os sofrimentos e as alegrias das mulheres é certamente uma maneira de nos abrirmos para a realidade", diz Francisco. "Ouvindo-as sem julgamentos e sem preconceitos, percebemos que em muitos lugares e em muitas situações elas sofrem justamente pela falta de reconhecimento do que são e do que fazem e também do que poderiam fazer e ser se tivessem o espaço e a oportunidade. As mulheres que mais sofrem são geralmente as mais próximas, as mais disponíveis, preparadas e prontas para servir a Deus e ao seu Reino.

Não sacrificar a realidade no altar das ideias

Portanto, o Papa Francisco nos convida a olhar a realidade mais do que a ideia, para evitar cair na "armadilha" na qual a própria Igreja tropeçou com frequência durante a era moderna. A saber, a de "considerar a fidelidade às ideias mais importante do que a atenção à realidade". "A realidade, no entanto, é sempre maior do que a ideia, e quando nossa teologia cai na armadilha das ideias claras e distintas, ela inevitavelmente se transforma em um leito de Procrustes, que sacrifica a realidade, ou parte dela, no altar da ideia", ressalta o Pontífice. O mérito do volume "Mulheres e ministérios na Igreja sinodal" é, portanto, "não partir da ideia, mas da escuta da realidade, da interpretação sapiencial da experiência das mulheres na Igreja".

O tema das mulheres no Instrumentum Laboris

A questão do papel feminino na Igreja ressurgiu dias atrás com a publicação do Instrumentum laboris da segunda sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo, em outubro. De fato, nos fundamentos do texto-base para o trabalho dos padres e madres sinodais destaca-se "a necessidade de dar um reconhecimento mais pleno" a seus carismas e vocações. As mulheres, diz o texto, "em virtude do Batismo, estão em uma condição de plena igualdade, recebem a mesma efusão de dons do Espírito e são chamadas ao serviço da missão de Cristo". A primeira mudança a ser feita, portanto, "é a de mentalidade", com "uma conversão a uma visão de relacionalidade, interdependência e reciprocidade entre mulheres e homens, que são irmãs e irmãos em Cristo, em vista da missão comum".

Quanto ao tema do diaconato feminino, o cardeal secretário-geral do Sínodo, Mario Grech, na coletiva de imprensa de apresentação do Instrumentum, lembrou que ele não será abordado na próxima Assembleia, pois é objeto de um dos grupos de estudo criados pelo Papa para aprofundar a reflexão teológica e pastoral sobre questões específicas. O tema do diaconato das mulheres Francisco o confiou ao Dicastério para a Doutrina da Fé, no contexto mais amplo das formas ministeriais, em colaboração com a Secretaria Geral do Sínodo. O trabalho, anunciou o documento sobre os grupos de estudo publicado em março, terá como objetivo responder ao desejo da Assembleia sinodal de "um maior reconhecimento e valorização da contribuição das mulheres e um aumento das responsabilidades pastorais confiadas a elas em todas as áreas da vida e da missão da Igreja".

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São João Gualberto

São João Gualberto (A12)
12 de julho
São João Gualberto

João Gualberto Visdonini nasceu no ano de 995 em Florença, Itália, de pais nobres e cristãos. Seu pai o educou, junto com o irmão mais velho, para saber defender e administrar o patrimônio e a honra da família, como bons cavaleiros, hábeis nas armas e nas palavras. Sua mãe proveu o ensino religioso.

Aconteceu que o irmão foi assassinado, e João jurou vingança. Na Sexta-Feira Santa de 1028 ele encontrou o homicida sozinho e desarmado numa estrada deserta próxima da cidade, e imediatamente puxou da espada. O homem caiu de joelhos e abrindo os braços implorou: “Por amor de Jesus, que neste dia morreu por nós, tem piedade de mim, não me mates!”. Tocado pela misericórdia do Senhor, João largou a espada, desceu do cavalo e o abraçou fraternalmente, perdoando-o.

E saindo dali dirigiu-se diretamente para a igreja de São Miniato, ajoelhando-se diante do crucifixo do altar; consta que a imagem do Cristo inclinou-Se sobre ele, em aprovação, e Dele João ouviu: "Vem e segue-Me". Foi tomado então de grande paz de espírito, e resolveu tudo abandonar para se tornar religioso.

Ingressou no mosteiro beneditino de Florença, vivendo exemplarmente a humildade, a disciplina e o seguimento da santa Regra, na oração e no estudo, na penitência e na caridade. Aprendeu então a ler e escrever – os nobres na época davam mais importância ao conhecimento das armas – e adquiriu os dons da profecia e dos milagres.

Estimado por todos, foi eleito abade em 1305, mas logo renunciou, indignado, descobrindo que o tesoureiro do mosteiro havia subornado o bispo local para a sua escolha. João os denunciou e combateu, mas foi tão ameaçado que saiu do mosteiro.

Mudou-se para uma rústica casa encontrada numa floresta da montanha Vallombrosa, nos Montes Apeninos, seguido por alguns monges. Sua fama de santidade logo atraiu jovens para a vida religiosa, e João fundou novo mosteiro, com as regras beneditinas. O Papa acabou por aprovar a Ordem dos Monges Beneditinos de Vallombrosa, onde João implantou tão respeitado centro de estudos que bispos e sacerdotes vinham de fora para se aprofundar em espiritualidade.

De acordo com a Regra de São Bento, os monges oravam e trabalhavam a terra, plantando para alimentar o mosteiro e inclusive replantando os bosques do local. Por isso são considerados os precursores da agricultura autossustentável. Saíram dali também monges missionários, para evangelizar em Florença e depois em muitas outras cidades italianas, com a construção de novos mosteiros em por exemplo Passignano, na Úmbria.

Foi neste último que João Gualberto faleceu, em 12 de julho de 1073, sendo considerado o herói do perdão.

Os monges da sua fundação tornaram-se, nos séculos seguintes, especialistas em Botânica, e assim convidados para criar a Cátedra de Botânica da reconhecida Universidade de Pávia. Já outras universidades famosas como as de Roma, Pádua e Londres buscavam nos seus mosteiros os seus mestres para essa matéria. Desse modo, o Papa Pio XII declarou São João Gualberto o padroeiro da Engenharia Florestal.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

São João Gualberto é um típico monge e santo beneditino, vivendo exemplarmente a sua Regra, fundando mosteiros, levando espiritualidade, cultura, trabalho e paz – “tranquilidade na ordem” – a se fixarem em novos locais de evangelização. Em comum com São Bento, fundador da Ordem, foi perseguido pelos próprios monges e teve que se mudar de mosteiro. Mas destas provações a Providência divina espalhou mais longe a semente do apostolado. Por isso devemos entender que as dificuldades que Deus permite que passemos, mesmo as muito sérias, nada mais são do que os passos necessários pelos quais nos conduz a Ele. Agradeçamos sinceramente por elas, com serenidade e confiança no Seu desejo do nosso bem, o verdadeiro Bem que é a Salvação e que só teremos carregando – com Ele – a nossa cruz.

Oração:

Senhor, que nos perdoastes na Paixão e Ressurreição do Vosso Filho, concedei-nos por intercessão de São João Gualberto a graça de rejeitar energicamente os favorecimentos ilícitos e outras tentações egoístas, como a vingança covarde; e não recusemos o trabalho de cultivar a Verdade, de modo a que floresça em nossa alma a árvore que dá bons frutos, aquela que forneceu o Madeiro da Cruz, de onde, pregados ao Salvador, podemos pedir a Vós: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tenha ofendido”. Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.

 Fonte: https://www.a12.com/

quinta-feira, 11 de julho de 2024

A avareza: um vício capital que enfraquece a alma

A avareza (Aleteia)

A AVAREZA: UM VÍCIO CAPITAL QUE ENFRAQUECE A ALMA

Dom João Santos Cardoso 
Arcebispo de Natal (RN)

No Catecismo da Igreja Católica (n. 1866), a avareza se encontra entre os sete pecados capitais. Ela é um pecado que se opõe à liberalidade e é considerado um dos vícios capitais porque gera outros pecados e vícios. Hugo de São Victor, em sua obra “Os cinco setenários”, explica que os vícios capitais são doenças que enfraquecem a alma. Ele coloca a avareza em quinto lugar, descrevendo-a como o vício que “joga o homem no chão”. Despojado pela soberba, inveja, ira e tristeza, o homem busca consolo exteriormente por meio da acumulação de bens. 

Na Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino discute a avareza de maneira detalhada e conclui que a avareza é um pecado porque representa o desejo imoderado de possuir bens materiais, excedendo a medida necessária para a vida humana. Para Santo Tomás, a avareza se opõe à liberalidade, virtude que modera nossos desejos e afetos em relação às riquezas, ensinando-nos a usar nossos bens de maneira justa e generosa. Segundo ele, a avareza é um pecado especial porque representa um desejo excessivo e desordenado de possuir bens materiais, superando a medida necessária para a vida humana. A avareza pode ser tanto um pecado mortal quanto venial, dependendo da intensidade do desejo e das ações resultantes desse desejo. 

Em sua Catequese na Audiência Geral de 24/01/2024, o Papa Francisco destaca que a avareza não é apenas uma questão de dinheiro, mas uma doença do coração que afeta pessoas de todas as classes sociais. Ele observa que a avareza impede a generosidade e cria uma relação doentia com os bens materiais, comparando esse apego ao comportamento infantil de se agarrar a brinquedos. Para curar essa doença, o Papa recomenda a meditação sobre a morte, lembrando-nos de que não podemos levar nossos bens conosco após a morte e que devemos focar em acumular tesouros no céu. 

A avareza é um vício capital que leva à busca desenfreada por bens materiais, impedindo a prática da generosidade e do amor ao próximo. Aprender com Jesus que “a vida de alguém não consiste na abundância dos bens que possui” (Lc 12,15) é fundamental para superar a avareza. 

O Rico Avarento da parábola contada por Jesus (Lc 12,13-21) passou a vida acumulando riquezas e, ao alcançar sua meta, acreditava que poderia finalmente usufruir delas. No entanto, morreu naquela mesma noite, sem aproveitar o que acumulou, deixando tudo para outros que deles irão desfrutar. A avareza é o mais estúpido dos vícios capitais, pois impede o avarento de desfrutar do poder de suas posses, uma vez que ele tem medo de se utilizar do seu dinheiro, vendo o uso dele como gasto e perda. Ele transforma o dinheiro em um fim em si mesmo, vivendo em constante angústia de perder o que possui e, com isso, não desfruta do bem-estar e prazeres que o dinheiro pode proporcionar. O avarento acredita que o dinheiro lhe dá poder absoluto, mas esse poder nunca se concretiza. Ele evita usar seus bens como meios para uma vida feliz e generosa, vivendo uma vida vazia. A realização humana, conforme ensinado por Jesus, não reside na acumulação de bens materiais: “O homem não vive somente de pão, mas de toda Palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4, 4). A verdadeira realização humana está em seguir a palavra de Deus e viver uma vida de generosidade e desapego material. 

Combater a avareza requer uma mudança de coração e de atitude em relação aos bens materiais.  Hugo de São Victor destaca a importância de buscar consolo não na acumulação de bens, mas na prática das virtudes e na relação com Deus. Encorajar a liberalidade, meditar sobre a mortalidade e focar na acumulação de tesouros espirituais são passos essenciais para superar esse vício capital. Assim, podemos viver uma vida mais plena, focada no que realmente importa: nossa relação com Deus e com o próximo. A verdadeira riqueza não está na acumulação de bens materiais, mas na capacidade de viver uma vida de generosidade, amor e serviço. Seguir os ensinamentos de Jesus e a sabedoria dos santos nos ajuda a encontrar a realização verdadeira e a viver de acordo com a vontade de Deus. 

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

NAZARENO: Trinta denários (o coração de Judas) - (49)

Nazareno (Vatican News)

Cap. 49 - Trinta denários (o coração de Judas)

Trinta denários (o coração de Judas)

Naquelas horas um dos apóstolos ficava cada vez mais inquieto. Sonhara acordado em ver finalmente o Filho do Homem coroado rei, esperava que o messias usasse seu poder para se impor às multidões e acabar com o domínio romano. Judas Iscariotes percebeu que faltava um passo decisivo do Nazareno. Em vez de se converter ao Mestre, ele ainda esperava converter Jesus ao ideal político e messiânico do libertador que finalmente expulsaria os romanos. Algo se rompe no coração de Judas. Sente-se dominado por um estranho frenesi. Jesus despertara enormes esperanças, era necessário forçar os acontecimentos, forçá-lo a se manifestar em todo o esplendor de sua grandeza e poder. Ele tinha de ser pressionado. Para isso, decidiu traí-lo, facilitando a sua captura.

Na manhã da quarta-feira, 5 de abril daquele ano 30, ao amanhecer, Iscariotes entrou secretamente pela porta do palácio dos sumos sacerdotes. Pediu e foi recebido. E disse: “O que me dareis se eu o entregar?”. Fixaram-lhe, então, a quantia de trinta moedas de prata. E a partir disso, ele procurava uma oportunidade para entregá-lo.

Ele retorna com os outros discípulos e, durante todo o dia, não abre a bolsa para contar as moedas recebidas dos sacerdotes. O preço da traição.

A noite de quarta-feira passa aparentemente tranquila, mas há uma estranha atmosfera de expectativa que vai muito além da espera para a celebração da festa que se aproxima.

Quinta-feira, 6 de abril, veio o dia dos Ázimos, quando devia ser imolada a Páscoa. Para celebrar solenemente a festa, eles teriam que parar na Cidade Santa, sem poder voltar a Betânia, no Monte das Oliveiras. Jesus então enviou Pedro e João dizendo: “Ide preparar-nos a Páscoa para comermos”. Perguntaram-lhe: “Onde queres que a preparemos?”. Respondeu-lhes: “Logo que entrardes na cidade, encontrareis um homem levando uma bilha de água. Segui-o até a casa onde ele entrar. Direis ao dono da casa: ‘O Mestre te pergunta: onde está a sala em que comerei a Páscoa com os meus discípulos?’. E ele vos mostrará, no andar superior, uma grande sala, provida de almofadas; preparai ali”.

Os dois apóstolos entram em Jerusalém pela porta que se abre perto do tanque de Siloé e lá encontram um homem segurando uma grande bilha. Eles ficam novamente surpresos com a exatidão com que Jesus descreveu aquela cena.

https://media.vaticannews.va/media/audio/s1/2024/07/09/15/138119669_F138119669.mp3

 Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Bento de Nórcia

São Bento de Nórcia ( A12)
11 de julho
São Bento de Nórcia

A principal fonte sobre a vida de São Bento é o livro II dos “Diálogos” de São Gregório Magno, totalmente dedicado a ele. Bento nasceu por vota do ano 480 em Núrcia (Norcia, em Italiano), província de Perúgia, região da Úmbria na Itália central. Tinha uma irmã gêmea, Escolástica, também canonizada. Os pais provavelmente tinham boa condição social e financeira, e por isso Bento teve a oportunidade de ir estudar em Roma.

A época era difícil, de decadência, desagregação e confusão, pois todo o território do antigo Império Romano ainda sofria com as sucessivas invasões de variados povos bárbaros. Roma apresentava desorganização e mediocridade moral. Também na Igreja a situação era difícil, incluindo um cisma de três anos após a morte do Papa Anastácio II em 498, que foi seguida pela disputa entre Símaco, Papa legítimo, e Lourenço, antipapa. Neste ambiente, corrompido por barbárie e antiga cultura decante, ficou evidente para Bento que seus desejos de busca elevada e sobrenatural não poderiam ser alcançados.

De fato, mesmo moço, já tinha a personalidade sedimentada numa profunda maturidade: assim São Gregório se refere a ele, “Houve um varão de vida venerável, bento por graça e por nome, dotado desde sua mais tenra infância de uma cordura de ancião. Com efeito, antecipando-se por seus costumes à idade, jamais entregou seu espírito a qualquer prazer (…), desprezou o mundo com suas flores, como se estivessem murchas”.

Portanto abandonou os bens, a casa e os estudos, escolhendo viver na erma aldeia de Efide (atual Affile), a aproximadamente 50 km de Roma, nas montanhas de Sabina, em recolhimento e oração. Sua antiga governanta não se quis separar dele e o acompanhou, servindo-o nos afazeres domésticos.

Veio a ocorrer que esta mulher, por descuido, deixou cair e quebrar uma jarra de argila emprestada de uma vizinha. Bento a encontrou chorando pelo acontecido, e, compadecido, juntou os pedaços e rezou sobre eles, que se reconstituíram de forma perfeita. Este foi o primeiro milagre por sua intercessão, que logo lhe trouxe muita fama e popularidade; ele, que “desejava mais os desprezos que os louvores deste mundo” (São Gregório Magno), retirou-se, agora sozinho, para as montanhas de Subíaco.

Ali, por volta de 505, refugiou-se numa gruta, tendo antes encontrado com um monge chamado Romão (ou Romano) de um mosteiro próximo. Romão o ajudou baixando diariamente, por uma corda, o pão que durante certo tempo foi o único alimento do jovem eremita; também forneceu a Bento um hábito monástico.

Durante três anos, entregue à direção do Espírito Santo, viveu Bento, sofrendo muito as tentações do diabo. Em relação à pureza, em ocasião particularmente intensa, encontrou como recurso o expediente de, para não fraquejar, retirar as vestes e atirar-se nu nas moitas de espinhos e urtigas, nas quais arrastou-se, de modo que todo o corpo ficou ferido, e a dor substituiu o desejo. Depois do episódio, não mais foi tentado pela luxúria.

Estando com cerca de 30 anos, a comunidade de um mosteiro próximo, em Vicaro, insistiu para que ele se tornasse o abade. Estes monges, tíbios e insinceros, logo se arrependeram, pois Bento os queria conduzir para a perfeição, através da observância estrita da regra monástica e do dever, o que não desejavam; decidiram então matá-lo, colocando veneno no seu vinho.

Ao abençoar Bento a bebida, com o sinal da Cruz, o recipiente se quebrou, e o santo abade descobriu as suas intenções. Abandonando o mosteiro, Bento voltou para a sua gruta (conhecida depois como Sacro Speco, “gruta sagrada”, e que foi protegida para preservação com a construção do Mosteiro de São Bento na montanha de Subíaco).

Mesmo na solidão a sua fama de santidade se espalhou, e surgiram discípulos em número crescente. De Roma chegavam nobres varões, e filhos de muitos patrícios desejosos de que Bento os ensinasse e formasse. Entre eles estavam por exemplo os futuros São Mauro e São Plácido, importantíssimos na História da Ordem e da Igreja. Houve a necessidade de Bento fundar 12 mosteiros nas proximidades, no vale do rio Aniene, cada qual com 12 monges dirigidos por um abade sob sua supervisão.

Na prática, estava fundada assim a Ordem Beneditina. Em paz e harmonia, dedicando-se à oração e ao trabalho, a comunidade prosperava, e os milagres, a doutrina e santidade de Bento despertavam numerosas vocações.

Muitos foram os milagres de São Bento ali. Curou doentes, salvou pessoas de perigos, expulsou demônios, fez um monge andar sobre as águas, ressuscitou um menino morto. Um dos mais famosos foi ter feito brotar água de um ponto alto na montanha, para abastecer três dos mosteiros, cujos monges tinham grande dificuldade em subir e descer para consegui-la.

A fonte permanece abundante até hoje. Bento recebeu também o dom de saber o que se passava com os seus filhos espirituais, sem vê-los, à distância; assim pôde corrigir, por exemplo, dois monges que indevidamente tinham bebido e comido fora do mosteiro, e outro que, também indevidamente, aceitara um presente das monjas de um mosteiro próximo, ao qual Bento lhe mandara dar assistência espiritual.

Como é comum, tais maravilhas despertam inveja, e o pároco de uma igreja nas vizinhanças de Subíaco, de nome Florêncio, iniciou uma campanha de difamação dos beneditinos e seu abade, procurando afastar deles as pessoas. Não tendo sucesso, presenteou São Bento com um pão envenenado. Ora, todo dia o santo oferecia pão a um corvo que vinha na hora da refeição.

Bento ordenou-lhe que levasse o pão envenenado para longe, onde não pudesse fazer mal a ninguém, e assim aconteceu. Florêncio então tentou corromper os outros monges, fazendo entrar no quintal do mosteiro sete moças nuas para despertar a sua luxúria. Bento, sabendo que era ele próprio o motivo desta perseguição, resolveu ir embora com alguns poucos irmãos, depois de organizar a direção da comunidade. Florêncio contemplava satisfeito a partida do abade, sobre um terraço, quando só esta parte da construção ruiu, e o matou… São Bento, avisado, chorou pelo inimigo. A data aproximada era 529.

Bento chegou com seus companheiros a Cassinum, uma antiga vila fortificada romana, entre Roma e Nápoles. Reformando a fortaleza e o antigo templo pagão do lugar, transformou-os na célebre Abadia de Monte Cassino, de onde a Ordem Beneditina se espalhou por toda a Europa. Realmente foi a sua influência de comunidade verdadeiramente católica, de governo sábio e organizado, baseado nas diretrizes do Evangelho, que se tornou o exemplo iluminado para os costumes espirituais e materiais, tanto no âmbito público como no privado, de toda uma época, sendo igualmente referência para todos os tempos.

Um dos aspectos essenciais deste sucesso é a famosíssima Regra que São Bento aí escreveu (ao menos na sua redação atual) para os seus monges, um farol de sensatez, equilíbrio e sabedoria espiritual e prática, que permite “aos fortes progredirem a aos fracos não desanimarem”. É uma leitura obrigatória para todo católico, religioso ou leigo, que queira aprofundar e desenvolver a sua vida espiritual, sob o benefício da equidade.

Como esclarece o erudito bispo e teólogo Bossuet, do século XVII, a Regra de São Bento é “uma suma de cristianismo, um douto compêndio de toda a doutrina do Evangelho, de todas as instituições dos Santos Padres, de todos os conselhos de perfeição. Nela sobressaem eminentemente a prudência e a simplicidade, a humildade e o valor, a severidade e a mansidão, a liberdade e a dependência; nela a correção desdobra todo o seu vigor, a condescendência todo o seu atrativo, a autoridade a sua robustez, a sujeição a sua tranqüilidade, o silêncio a sua gravidade, a palavra as suas graças, a força o seu exercício, e a debilidade o seu sustentáculo”.

O seu objetivo é afastar do coração humano as trivialidades, facilitando a alma a elevar-se sem obstáculos a Deus, serena e permanentemente focando na vida infinita do Paraíso, e o seu modus operandi é o conhecido aforismo Ora et Labora, “reza e trabalha”, que harmoniza – na ordem certa – as atividades vitais do ser humano, a oração e a ação.

A obra civilizadora de São Bento e sua Regra foram a resposta de Deus ao caos do período, trazendo obediência e beleza, cultura e espiritualidade – os fundamentos da vida humana comunitária – para as sociedades medievais e posteriores.

Monte Cassino e São Bento passaram a ser procurados e visitados por bispos, abades, reis, príncipes, nobres, pessoas comuns, em busca de conselho, conforto, orientação e aprendizado. Da mesma forma, posteriormente, outros mosteiros beneditinos passaram a ser o centro de núcleos de civilização e progresso, em torno dos quais os países europeus fixaram as bases do seu desenvolvimento, que só é possível com paz e estabilidade.

Santa Escolástica, irmã gêmea de São Bento, promoveu o desenvolvimento do ramo feminino da Ordem. Encontravam-se anualmente numa casa pertencente ao mosteiro de Monte Cassino, relativamente próxima do mosteiro feminino. No ano de 547, sabendo que sua morte estava próxima, e tendo passado como sempre aquela data especial em elevada conversação com o irmão, Escolástica pediu que ele ali ficasse e tivessem ainda a noite para falar das coisas de Deus. Bento recusou energicamente, pois disciplinadamente queria passar a noite no mosteiro.

Ela então abaixou a cabeça, rezando por alguns momentos, e quando a ergueu de novo o tempo, límpido, transformou-se numa tempestade tão absurdamente violenta que água e raios impediam completamente que o abade e seus poucos monges acompanhantes saíssem da casa.

“— Que Deus Todo-Poderoso te perdoe, irmã! O que fizeste?

— Supliquei a ti e não quiseste atender-me. Roguei ao meu Senhor e Ele me ouviu. Agora sai, se podes, e regressa ao mosteiro…”

São Bento entendeu, e passaram a noite em vigília. Três dias depois, ele viu a alma da irmã, sob a forma de pomba, subir ao Paraíso. Mandou recolher o seu corpo e o sepultou no local que havia aprontado para si. Bento faleceu provavelmente no mesmo ano, 547, em 21 de março.

Tendo conhecimento do que ia acontecer, mandou preparar a sepultura ao lado da irmã com seis dias de antecedência. Logo foi tomado de febre, com a condição piorando rapidamente. No dia previsto, fez questão de ser levado ao oratório, onde, apoiado nos braços dos irmãos, recebeu a Santíssima Comunhão e morreu, de pé, com a alma erguida diante do Senhor.

Após sua morte, a Ordem Beneditina continuou a crescer, especialmente a partir da Abadia de Cluny, na França do século X: chegaram estar subordinados a ela 17 mil mosteiros. Nações inteiras foram convertidas ao Catolicismo sob a influência beneditina; muitas e famosas universidades, como Paris, Cambridge, Bolonha, Oviedo, Salamanca e Salzburgo tiveram origem a partir de colégios beneditinos; mais de 30 Papas adotaram sua Regra; incontáveis mártires, cardeais, bispos, santos, discípulos, partilharam e partilham desta espiritualidade.

São Bento é o Fundador e Patriarca do monaquismo do Ocidente, e primeiro Patrono da Europa, atualmente junto com santos Metódio e Cirilo e santas Brígida, Catarina de Sena e Tereza Benedita da Cruz.

 Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

Absolutamente notável é a vida e a figura de São Bento, bem como a sua obra. Claro, muitos são os santos que tiveram vidas e missões particularmente excepcionais, e também com obras imensas. O alcance do que fez e o legado que deixou é que o torna um destaque mesmo entre eles. O equilíbrio da Regra Beneditina, de profundíssima espiritualidade a par com um bom senso “divinamente humano”, e uma praticidade chã e elevada ao mesmo tempo a torna verdadeiramente acessível a potencialmente qualquer um, religioso ou leigo. É uma receita de santidade palpável e universal, uma solução direta às aspirações do “como viver”, e bem, do ser humano. Tem, neste sentido, a catolicidade da própria Igreja. Sua própria vida incluiu harmoniosamente milagres estrondosos e a mais normal rotina de oração, trabalho, estudo, lazer e descanso, dando exemplo da maior elevação espiritual em todos os aspectos que compõem a vida humana, de forma simples e realmente praticável, tanto individual quanto comunitariamente. Isto de fato é tão inusitado quanto grandioso: as vidas e obras de outros gigantes de santidade não apresentam todos estes aspectos juntos. São conhecidos muitos que passaram por exemplo por experiências, místicas ou humanas, de exigência extrema, grandes taumaturgos, grandes doutores, grandes missionários, grandes penitentes…uma lista incontável; mas o aspecto individualíssimo das suas vivências, situações e desdobramentos na vida dos povos e da Igreja, principalmente considerando todos os aspectos em conjunto, não abarca ou pode incluir na sua proposta de santidade um número tão grande de almas como é possível pela espiritualidade beneditina. Não quer dizer que todos tenham gosto, propensão, vocação específica para ela, mas sim que ela pode de alguma forma ser praticada por qualquer um, porque é maleável o suficiente para se adaptar a circunstâncias diferentes, sem perder o conteúdo. Traz sempre um equilíbrio acessível. E isto, em outras palavras, é possibilitar que se torne individual a salvação universal de Cristo, num mesmo âmbito de comunhão: a própria essência da unidade na diversidade desejada pela Igreja.

Oração:

“Escuta, filho, os preceitos do mestre, e inclina o ouvido do teu coração; recebe de boa vontade e executa eficazmente o conselho de um bom pai para que voltes, pelo labor da obediência, Àquele de Quem te afastaste pela desídia da desobediência. A ti, pois, se dirige agora a minha palavra, quem quer que sejas que, renunciando às próprias vontades, empunhas as gloriosas e poderosíssimas armas da obediência para militar sob o Cristo Senhor, verdadeiro Rei” (Início do Prólogo da Regra de São Bento). Ó Deus de amor e sabedoria, concedei-nos que, por intercessão de São Bento, como ele reformemos a dura fortaleza e antigo templo mundano da nossa própria alma, pela vivência humilde da regra de Salvação que nos destes na Palavra da Vossa Igreja, ouvindo e obedecendo ao Mestre a Quem queremos voltar. Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.

 Fonte: https://www.a12.com/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF