Translate

domingo, 28 de julho de 2024

Dar mais sem ser heróis (2)

Foto/Crédito: Opus Dei

Dar mais sem ser heróis

Ser santos é “dar o melhor de si” e, ao mesmo tempo, perceber “que no final é sempre Deus quem faz tudo”. Texto sobre a santidade que Deus nos pede.

23/01/2019

Os santos foram como nós

Na exortação Gaudete et Exsultate, o Papa Francisco recorda que “para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso” (Gaudete et exsultate, nº 14). A santidade não é para pessoas especiais. “Muitas vezes somos tentados – diz o Papa – a pensar que a santidade está reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração”.

É claro que não há santidade sem oração, mas corremos o risco de pensar (talvez depois de ler a biografia de um santo ou o resumo de duas linhas de informação sobre ele na Wikipédia) que os santos são pessoas que tiveram frequentes “arrebatamentos místicos”...

Os santos, pelo contrário, foram como cada um de nós. Não deixaram de ter ocupações diárias, não conseguiram ser santos fugindo da pressão das mil e uma preocupações e ocupações que afetam a todos nós. É graças a elas que eles acudiram à misericórdia do Senhor. Portanto, a santidade é procurar estar na realidade amando os outros, considerando as pessoas e as situações como um presente, vendo a presença de Deus na nossa própria existência diária. A santidade não é alcançada apesar da realidade em que nos encontramos, mas, precisamente, através da realidade, que consiste principalmente na família e no trabalho. É claro que podem ocorrer situações extraordinárias, mas em primeiro lugar, o que importa é a situação em que nos encontramos.

Cada um lave as próprias redes

A santidade também significa lavar as redes quando parece que perdemos o tempo, porque a pesca não serviu para nada. As redes são as ferramentas de trabalho para os apóstolos. Para cada um de nós são as coisas que usamos habitualmente. Lavá-las significa mantê-las em ordem, ou seja, tentar fazer as coisas com pontualidade e bom senso, movidos por uma atitude sorridente enquanto vivemos uma vida normal. E se me parece que tudo deu errado, tento manter o bom humor. Santidade não significa que tudo correu bem e que consegui sorrir. Significa que eu tentei e que, depois de uma noite inteira em que não pesquei nada, no dia seguinte vou tentar de novo, com paciência.

Lutar pela santidade significa também ajudar-nos uns aos outros, de um barco a outro. Talvez na hora da pescaria tenhamos percebido como foi importante lavar as redes, para elas não rasgarem: esse detalhe de cuidado das pequenas coisas fez com que resistissem. E então foi necessário ajudar o outro barco. Lutar pela santidade é procurar ajudar nas necessidades do outro sem pensar que “agora ele tem que se virar. Ele tem o barco dele e eu tenho o meu”.

Lavar as redes e dirigir-se ao outro barco significa cultivar as virtudes e qualidades relacionais que ajudam a pessoa a dar-se bem com os outros, porque não há santidade trancada em uma torre de marfim, em um prédio onde tudo é perfeito e não há contratempos. Na convivência cotidiana, ajuda muito falar com sentido positivo, ainda mais quando se fala de pessoas, para reconhecer as coisas boas que fizeram. Em geral, falar bem dos outros mostra estima, ajuda a criar esse bom ambiente que são Paulo recomenda: “rivalizando-vos em atenções recíprocas” (Rm 12, 10). Isso significa que as pessoas devem perceber esse amor. Não podemos amar uma pessoa sem expressar esse carinho com palavras ou gestos.

É NECESSÁRIO SENTIR-SE ENVIADO, COM A MISSÃO DE LEVAR LUZ E AFETO ONDE CADA UM VIVE A SUA PRÓPRIA VIDA

Na mensagem que o Senhor confiou a são Josemaria, há também outro aspecto essencial. Santidade na vida cotidiana não é apenas um chamado de uma pessoa a uma vida individual: há algo mais. A chamada específica é uma vocação pessoal, uma espécie de “ignição do batismo”, que nos faz descobrir que a normalidade da própria vida é uma chamada e, ao mesmo tempo, uma missão. É necessário sentir-se enviado, com a missão de levar luz e afeto onde cada um vive a sua própria vida. Não porque eu seja melhor, mas porque fui chamado. Não é uma escolha feita em virtude de uma suposta superioridade, mas uma missão para a qual o Senhor, em sua imaginação e bondade surpreendentes, escolhe-nos e envia-nos por meio do batismo.

Atrever-se a fazer mais sem ser heróis

Quando Simão Pedro percebeu o que aconteceu, isto é, que Jesus subiu a seu barco depois de um fracasso e que, então, paradoxal e milagrosamente, a pesca foi um sucesso, ele se jogou aos pés de Jesus dizendo: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou m pecador!” (Lc 5, 8). Pedro tem medo. É um sentimento normal ao perceber que Deus chama. Se esse encontro fosse uma questão acadêmica, histórica, se fosse um objeto de um estudo sobre outra época ou outras pessoas, ele não teria medo. Pedro, por outro lado, tem medo de como a sua vida pode se transformar. Tem medo porque ele se sente chamado pessoalmente a envolver-se, a procurar dar o melhor de si mesmo, aqui e agora.

Lembro-me de que, em uma reunião com jovens, o Papa João Paulo II ouviu um grupo cantando ‘Si può dare di più’ (Pode-se dar mais), uma música que ganhou o festival de San Remo. Imediatamente depois, ele improvisou um comentário sobre a música e disse que havia um verso muito profundo: “‘Pode-se dar mais sem ser heróis’. Há aqueles que pensam que para atrever-se a algo você tem que mostrar já uma virtude heroica. Mas nem tudo é heroico, o que conta é a coragem e sempre podemos atrever-nos a dar mais sem ser heróis” (São João Paulo II, Encontro com os jovens do UNIV, 19 de abril de 1987).

Pode-se dar mais sem que isso nos converta em pessoas diferentes, distintas do que o Senhor quer que sejamos. Poderíamos dizer a Ele: “Você, Senhor, pede para eu ser o que eu sou, mas sendo a melhor versão de mim mesmo”. É como quando sorrimos ao tirar uma foto. Não é que o sorriso seja falso, mas é que ao sorrir damos o melhor que temos dentro. Uma careta é que não seria autêntica. O sorriso é sempre autêntico, mesmo que envolva um esforço, e o Senhor nos pede uma santidade sorridente. Se pensarmos bem, todas as pessoas que nos amam nos imaginam sorrindo, porque esse é o nosso verdadeiro rosto.

TODAS AS PESSOAS QUE NOS AMAM NOS IMAGINAM SORRINDO, PORQUE ESSE É O NOSSO VERDADEIRO ROSTO

Semanas antes de se tornar João Paulo I, o Cardeal Luciani, escreveu que Josemaria Escrivá (que na época nem sequer tinha sido beatificado) havia ensinado a transformar o trabalho em um “sorriso diário”. Muitas vezes a santidade consiste em sorrir para os próprios limites, do cônjuge, do colega, dos amigos... Enfim, sorrir para a realidade, porque sabemos que Deus, nosso Pai, também nos olha com carinho. Não temos que ser heróis, mas, ao mesmo tempo – diria são João Paulo II – podemos fazer mais.

Jesus entende muito bem o nosso medo e o de Simão Pedro e diz: “Não tenha medo”. Pouco antes, podemos ler um detalhe muito bonito no Evangelho de Lucas sobre o estado de espírito do apóstolo: “Ele e todos os que estavam com ele ficaram espantados com a quantidade de peixes que tinham pescado” (Lc 5, 9). Inclusive Tiago e João, os filhos de Zebedeu e companheiros de Simão. É consolador saber que os três apóstolos mais próximos de Cristo sentiram medo quando foram chamados, “ficaram espantados”, talvez pensando: “Não pode ser, eu não sou um profeta, não sou um santo”. Jesus diz a Simão: “Não tenhas medo! De agora em diante serás pescador de homens!” (Lc 5, 10). Isto é, a partir de agora você não terá apenas um emprego, mas ajudará os outros através da sua vida, do seu trabalho, da sua presença. Mas devemos entender bem este “de agora em diante”, que não significa “de uma vez por todas”. Significa que a cada vez que tivermos medo, o Senhor nos dirá: “Não tenha medo, de agora em diante... comece de novo”.

A festa litúrgica de São Josemaria é no dia 26 de junho. No final de março de 1975, algumas semanas antes da sua morte ele celebrou o 50º aniversário de sua ordenação sacerdotal e fez uma reflexão espontânea e improvisada sobre a sua vida: “Eu quis – dizia – fazer a soma destes cinquenta anos e saiu-me uma gargalhada. Eu ri de mim mesmo e me enchi de agradecimento a Nosso Senhor, por que foi Ele quem fez tudo”.

Esta é a santidade a que somos chamados. Não é a daqueles que dizem “a partir de agora meu trabalho, meus relacionamentos, meus filhos serão como eu digo”, mas é a santidade daqueles que percebem que no final é sempre Deus quem faz tudo.

Ao contemplarmos o chamado dos apóstolos no Evangelho, é bom lembrar que Pedro, Tiago e João mais tarde cometerão muitos erros, mas que Jesus vai continuar a chamá-los. O chamado à santidade é diário, não é de uma vez por todas, mas se renova todos os dias.

Com exceção de Nossa Senhora, não há santo que na terra não tenha experiência do pecado, e o Senhor não se afasta de seus filhos por este motivo, não se afasta da nossa casa porque estamos errados, mas entra no nosso barco todos os dias. Cabe a nós acolhê-lo, confiando na promessa de uma vida cheia de frutos, de uma bela vida. E vale a pena tentar responder todos os dias, como Maria: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

Por: Carlo de Marchi

Tradução: Mônica Diez

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

Escândalo das armas contradiz espírito de fraternidade das Olimpíadas, diz Francisco

Gastar recursos que alimentaram guerras grandes e pequenas, "um escândalo que a comunidade internacional não deveria tolerar", diz Papa  (AFP or licensors)

Nas suas saudações após o Angelus, o Papa recorda a população do sul da Etiópia atingida por um deslizamento de terra devastador e condena a fabricação e venda de armas que alimentam “grandes e pequenas guerras”, o que a comunidade internacional “não deveria tolerar”.

Francesca Sabatinelli – Cidade do Vaticano

A população do sul da Etiópia está nas orações do Papa, que nas suas saudações, depois de rezar o Angelus, se dirige àquela parte do mundo que sofre em função de um deslizamento de terras no passado dia 23 de julho, e que deixou ao menos 260 mortos. Francisco dirige seu olhar para o país do Chifre da África para depois estender o seu abraço a todas as pessoas que são afetadas pelos desastres naturais, enquanto há aqueles que lucram com os conflitos:

Asseguro a minha oração pelas vítimas do grande deslizamento de terras que devastou um vilarejo no sul da Etiópia. Estou próximo daquela população tão provada e daqueles que estão levando socorro. E enquanto no mundo há tanta gente que sofre com calamidades e a fome, continua-se a produzir e vender armas e a queimar recursos, alimentando guerras grandes e pequenas. Este é um escândalo que a comunidade internacional não deveria tolerar e que contradiz o espírito de fraternidade dos Jogos Olímpicos que apenas começaram. Não esqueçamos, irmãos e irmãs: a guerra é uma derrota!

Três dias de luto

Na Etiópia, a partir deste domingo, haverá três dias de luto, enquanto as equipes de resgate continuam a escavar em Kencho Shacha Gozdi. Os sobreviventes, sob estado de choque, começaram a sepultar as vítimas daquele que é descrito como o deslizamento de terra mais mortífero já registado na nação do Chifre da África.

As mortes confirmadas até agora são ao menos 260, mas o número pode ser muito maior. O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, visitou ontem, sábado, o local da tragédia, que fica a 480 quilômetros da capital Adis Abeba, e plantou uma árvore em um cemitério. As operações de busca continuarão, garantiu o porta-voz do governo, enquanto cerca de 500 pessoas deslocadas recebem ajuda de emergência.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Uma humanidade que não é uma fachada (2)

João Paulo I e Paulo VI (ACI Digital)

Uma humanidade que não é uma fachada

O cardeal Aloisio Lorscheider, arcebispo de Aparecida, Brasil, fala: «Luciani certamente teria tido em mente a predileção da Igreja pelos pobres. Durante muitos anos guardou a carta com a qual o seu pai socialista lhe deu consentimento para entrar no seminário: “Espero que quando te tornares sacerdote estejas ao lado dos pobres e dos trabalhadores porque Cristo esteve ao lado deles”»

Entrevista com o Cardeal Aloisio Lorscheider por Stefania Falasca

Dos 111 cardeais reunidos na Capela Sistina naquele conclave de agosto de 1978 que levou à eleição do Papa Luciani, o cardeal brasileiro Aloisio Lorscheider era o mais jovem. Conhecia de perto o patriarca de Veneza e estava ligado a ele por uma amizade sincera. Assim que foi eleito papa, João Paulo I revelou que havia reservado o voto no conclave justamente para ele, tamanha a estima que tinha pelo então presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano.

Dom Aloísio Lorscheider (ACI Digital)
Dom Aloísio, representante de uma Igreja que está na linha da frente na defesa dos pobres, é uma testemunha excepcional das expectativas e esperanças que levaram o patriarca de Veneza ao trono de Pedro.
Pela primeira vez o cardeal brasileiro concorda em falar extensivamente sobre suas memórias pessoais daqueles momentos importantes e sobre sua amizade com Albino Luciani.
Nós o encontramos em sua casa em Aparecida, cidade onde fica o maior e mais venerado santuário mariano do Brasil, do qual hoje é arcebispo.

E foi um conclave muito rápido, um dos mais curtos da história. O consenso para o Cardeal Luciani foi quase plebiscito. Como ocorreu essa convergência entre pessoas com sensibilidades tão diferentes?
LORSCHEIDER: Depois das primeiras votações, parecia que o conclave não seria curto. Então, subitamente, o consenso sobre o patriarca de Veneza tornou-se massivo. Para mim esse resultado foi verdadeiramente obra de uma intervenção providencial do Espírito Santo. Mas esta mesma unanimidade revelou que ele não era um Papa programado para um projeto político específico. Com a eleição de Luciani, as linhas entre conservadores e progressistas ruíram, justamente pelas características acima mencionadas e pela fisionomia particular de Luciani, focada no essencial.

Você se lembra da reação de Luciani à sua eleição?
LORSCHEIDER: Da posição em que me encontrava na sala, pude olhá-lo de frente... Luciani empalideceu e à pergunta ritual que lhe foi dirigida pelo Cardeal Villot, respondeu com voz fraca: «Aceito». Quando fomos prestar-lhe a nossa homenagem, ele repetiu a todos: «O que vocês fizeram? Que Deus te perdoe pelo que você fez...". “Santo Padre, tenha coragem, Deus não o abandonará”, alguns lhe responderam, e ele: “Sou um pobre papa”. Também no dia 30 de agosto, na primeira audiência com os cardeais, disse: «Espero que vocês, cardeais, ajudem este pobre Cristo, o Vigário de Cristo, a carregar a cruz». A maneira como ele pronunciou essas palavras causou-me uma grande impressão. Foi o Papa quem falou assim. Sua humilde humanidade não era uma fachada. Foi uma humildade sincera, que nasce apenas da consciência de sermos pobres pecadores e da experiência do perdão.

Depois houve a primeira audiência geral na sala Nervi. Ela estava presente? LORSCHEIDER: Lembro-me que João Paulo I chamou uma criança para perto dele e com tanta simplicidade começou a conversar com ele sobre o catecismo. Naquele momento tive a certeza absoluta de que ele era o homem certo: um Papa que se comporta como pároco, que pensa como pároco... Que maior dom poderia ter a Igreja? 

Na sua opinião, que caminhos teria seguido o pontificado de João Paulo I? LORSCHEIDER: É difícil dizer. Mas podemos desenvolver o que ele já havia mostrado. O traço que teria caracterizado o seu ensino teria sido, sem dúvida, simplicitas
evangélico. No seu discurso programático, Luciani declarou explicitamente que queria ser fiel apenas à grande disciplina da Igreja que remonta às fontes da fé. Fala tão simples, poucos discursos, curtos e ao alcance de todos. Ele disse que seus sermões tinham que ser compreendidos até pelas pessoas menos instruídas. Ele teria então uma atenção privilegiada à diocese de Roma e, ao mesmo tempo, teria promovido a colegialidade, envolvendo concretamente os bispos e os cardeais no governo pastoral. Certamente teria tido presente a predileção da Igreja pelos pobres. Durante muitos anos Luciani guardou a carta com a qual seu pai socialista lhe deu consentimento para entrar no seminário: “Espero que quando você se tornar padre esteja ao lado dos pobres e dos trabalhadores porque Cristo esteve ao lado deles”. E várias vezes Luciani lembrou-se de ter ficado impressionado com aquele ponto do catecismo onde se diz que a fraude contra os trabalhadores é um pecado que clama por vingança diante de Deus. Para Luciani este era o critério para julgar as questões económicas e políticas, daí o seu também muito duro. julgamentos sobre o capitalismo e a exploração do Terceiro Mundo.

Sabemos que Luciani, nos anos anteriores à encíclica Humanae vitae, foi um defensor da contracepção. Na sua opinião, que posição ele teria assumido em questões de ética sexual? LORSCHEIDER: Nenhuma previsão certa pode ser feita. Pode-se certamente dizer que não teria se oposto à Humanae vitae aderindo plenamente ao pronunciamento de Paulo VI, cujo ponto de vista ilustrou aos seus fiéis: «A doutrina habitual garante melhor o verdadeiro bem do homem e da família » . Mas para ele a questão tinha um interesse mais prático do que teórico: estava interessado na relação humana com os fiéis. Por isso, creio, provavelmente não teria insistido no assunto, privilegiando a misericórdia de Deus para com o pecador em vez da coerência do homem. Este aspecto é frequentemente expresso por Luciani em muitas das suas intervenções: “Nenhum pecado é grande demais, nenhum mais do que a misericórdia de Deus”. 

No entanto, alguns, embora apreciando a simplicidade de Luciani, o descreveram como um "ingênuo", incapaz de governar a Igreja...
LORSCHEIDER: Pelo contrário, eu diria que precisamente a simplicidade pastoral e o permanecer ele mesmo foram a sua força. Certamente não é sinal de fraqueza querer permanecer você mesmo e não acrescentar nada aos elementos e funções essenciais do primado de Pedro. Na verdade, isto também teria levado a mudanças na estrutura da Igreja, na Cúria e na relação do Papa com os bispos.

No entanto, o próprio Luciani tinha consciência das suas limitações, tanto que disse de si mesmo: “Eu, como Albino Luciani, sou um chinelo quebrado, mas como João Paulo I, é Deus quem trabalha em mim”.
LORSCHEIDER: João Paulo I estava bem ciente de que não é o papa quem faz a Igreja. «Nós, sacerdotes», dizia muitas vezes, «também podemos instruir, esclarecer e convencer, mas nada mais. Somente a graça de Deus pode tocar o coração e converter”.

Quando foi a última vez que você o viu?
LORSCHEIDER: Foi o dia da coroação. Então não tive mais contato com ele. Dom Ivo Lorscheiter teve a sorte de ser recebido para almoçar por João Paulo I durante os trinta e três dias de seu pontificado. Falou-me daquele encontro extremamente amigável e cordial e disse-me que o Papa tinha apreciado a entrevista que eu, como presidente do Celam, dei a Avvenire na conferência da Igreja Latino-Americana realizada em Puebla.

Precisamente a respeito daquela assembleia geral do episcopado latino-americano estava escrito que alguns cardeais pressionavam para que o Papa assistisse. O Papa Luciani, ao contrário do que fez o seu sucessor, não considerou necessária a sua presença, tanto que recusou o convite. Por que você acha que ele tomou essa decisão em relação a Puebla?
LORSCHEIDER: Eu sabia que o Papa não viria. Acredito que a sua prioridade naquele momento era permanecer em Roma, cidade da qual recentemente se tornou bispo. Ele nem pediu para devolver? LORSCHEIDER: Não. Ele teria deixado os bispos latino-americanos liderarem a assembleia em comunhão com ele. 

João Paulo I morreu no seu quarto, na noite de 28 para 29 de setembro. Falou-se de um infarto do miocárdio. Como você aprendeu sobre a morte? Você teve alguma notícia sobre o estado geral de saúde do Papa?
LORSCHEIDER: Naquela época eu estava em Brasília para uma reunião da Conferência Episcopal Brasileira. Durante aquela reunião adoeci e fui levado ao hospital militar. Lembro-me que na manhã seguinte o General Figueredo, então candidato à presidência do país, veio ter comigo e disse: “Vossa Eminência, o Papa está morto”. Eu respondi: “Sim, sim, eu sei, houve o funeral...”. E ele: «Não, Eminência, não estou falando de Paulo VI, mas deste Papa, João Paulo I...». Eu suspirei. Custou-me muito aceitar a triste notícia. Eu nunca esperei isso. Nenhuma pista, nenhum sinal negativo chegou até mim em relação à saúde do Papa Luciani. Digo isso com toda sinceridade, nunca duvidei da condição física dele. Na verdade, pelo que vi pessoalmente durante sua viagem ao Brasil, Luciani demonstrou forte resistência física.

Entrevista com o Cardeal Aloisio Lorscheider por Stefania Falasca
Como sabem, a morte súbita e algumas notícias falsas contidas na versão oficial fornecida pelo Vaticano alimentaram suspeitas perturbadoras. Muitas coisas foram escritas então sobre sua morte, falava-se até de um “homicídio moral”. Na sua opinião, havia espaço para legitimar tais suspeitas?
LORSCHEIDER: Não estou interessado nas coisas que foram escritas, nem em toda a literatura que floresceu em torno de sua morte. Porém, digo isso com dor, a suspeita permanece em nossos corações, é como uma sombra amarga, uma pergunta que não foi totalmente respondida.

Como é que o mesmo conclave, no mês de Outubro seguinte, elegeu um Papa tão diferente de Luciani?
LORSCHEIDER: Hoje não podemos negar a grande diferença que existe entre o pontificado atual e aquele que o precedeu. Mas o conclave que se reuniu após a morte de João Paulo I moveu-se na mesma direção que levou à eleição do patriarca de Veneza. As intenções eram as mesmas. Eles ainda queriam um papa que tivesse esses requisitos, que fosse principalmente um pastor. Se as circunstâncias e as pessoas evoluem, isso é outra questão. 

Em 1990, doze anos após a morte do Papa Luciani, o episcopado brasileiro encaminhou ao atual Pontífice o pedido de introdução da causa de beatificação de João Paulo I. Como começou esta iniciativa? LORSCHEIDER: O pedido surgiu dentro da nossa Conferência Episcopal, também a pedido de outros episcopados próximos, motivado pela grande admiração e veneração pela figura de Albino Luciani. 

O que aconteceu com esse pedido? Você recebeu alguma resposta sobre isso? LORSCHEIDER: Não, nenhum. Mas normalmente, seguindo a prática, este tipo de solicitação não é respondida oficialmente.

E extraoficialmente? Talvez você tenha recebido alguns comentários ou a impressão de que há reservas quanto à adequação da iniciativa?

LORSCHEIDER: Eu não descarto isso. No entanto, nada me foi relatado pessoalmente. 

Você não tem a impressão de que a figura do Papa Luciani foi esquecida na Igreja hoje? LORSCHEIDER: Talvez em alguns círculos sua memória não esteja muito viva hoje. Mas este não é o caso dos fiéis. As pessoas simples sabem reconhecer e dificilmente esquecem quem se mostra a elas com amor, com o carinho de um bom pai. Lembro que depois da eleição dele, quando estive em Fortaleza, alguns universitários vieram me visitar. “Vossa Eminência”, disseram-me, “viemos para lhe agradecer”. "Sobre o quê?", respondi. “Viemos agradecer a você e a todos os cardeais por nos terem dado um papa como João Paulo I”. "Você gosta muito?", perguntei. Eles responderam: “Sim, ele sabe falar ao coração das pessoas”. Acredito que o seu curto pontificado foi como um grande alento na vida da Igreja. Como a abertura de um dia claro... Temos saudade , saudade desse sorriso. Estou convencido de que um dia, voluntária ou involuntariamente, o Papa Luciani subirá às honras dos altares. 

E se lhe pedissem agora para reenviar o pedido de beatificação? LORSCHEIDER: Eu me inscreveria imediatamente, certamente. Mas nós, como bispos brasileiros, já encaminhamos oficialmente esse pedido. Não é mais aqui que a iniciativa deve recomeçar. Seria importante agora que um pedido neste sentido fosse promovido, por exemplo, pelos bispos da região do Trivêneto. Quero falar sobre isso, farei isso assim que retornar à Itália. Falarei sobre isso com o patriarca de Veneza, cardeal Cé.

Arquivo 30Dias, retirado da edição nº. 07/08 - 1998

Fonte: http://www.30giorni.it/

Papa: saber reconhecer e usufruir todos os dias os milagres da graça de Deus

Angelus 28 de julho de 2024 - Papa Francisco (Vatican News)

Reconhecer e usufruir todos os dias os «milagres» da graça de Deus.

https://youtu.be/DMCMZZEc1pg

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

"Oferecer, dar graças e partilhar", três gestos realizados pelos protagonistas da multiplicação dos pães e dos peixes - narrada no Evangelho de João (cf. Jo 6, 1-15), e que Jesus voltará a repetir na Última Ceia.

O maior milagre

Dirigindo-se as milhares de fiéis reunidos na Praça São Pedro, sob uma temperatura de 36°C, Francisco explicou o significado de cada um dos três gestos, a começar por "oferecer", que "é o gesto com o qual reconhecemos ter algo de bom para dar e dizemos o nosso “sim”, mesmo que o que temos seja pouco em relação às necessidades":

Isto é sublinhado, na Missa, quando o sacerdote oferece sobre o altar o pão e o vinho, e cada um oferece a si mesmo, a própria vida. É um gesto que pode parecer pouca coisa, se pensarmos nas imensas necessidades da humanidade, precisamente como os cinco pães e os dois peixes diante de uma multidão de milhares de pessoas; mas Deus faz disso a matéria para o milagre, o maior milagre que existe: aquele em que Ele mesmo, Ele mesmo, se torna presente entre nós, para a salvação do mundo.

Oferecer nosso pequeno amor ao Senhor, que o recebe

E o primeiro gesto, leva à compreensão do segundo, dar graças, que significa dizer ao Senhor com humildade, mas também com alegria:

Tudo o que tenho é dom teu Senhor, e para te agradecer só posso devolver-te o que por primeiro me deste, junto com teu Filho Jesus Cristo, acrescentando a isso o que posso, cada um de nós pode acrescentar alguma coisa. O que posso dar ao Senhor? O que o pequeno pode dar ao Senhor? Dar...dizer ao Senhor: "Te amo". Mas nós, pobrezinhos, o nosso amor é tão pequeno, mas dá-lo ao Senhor, o Senhor o recebe.

Viver cada gesto de amor como dom de graça

Por fim, o terceiro gesto, partilhar. "Na Missa - explicou o Santo Padre - é a Comunhão, quando juntos nos aproximamos do altar para receber o Corpo e o Sangue de Cristo: fruto do dom de todos, transformado pelo Senhor em alimento para todos":

É um momento belíssimo, o da Comunhão, que nos ensina a viver cada gesto de amor como um dom de graça, tanto para quem a dá como para quem a recebe.

Então, o convite do Papa para nos perguntarmos:

Acredito realmente, pela graça de Deus, de ter algo único para dar aos meus irmãos, ou sinto-me anonimamente “um entre tantos”? Sou protagonista de um bem a ser doado? Sou agradecido ao Senhor pelos dons com os quais Ele continuamente manifesta a mim o seu amor? Vivo a partilha com os outros como um momento de encontro e de enriquecimento recíproco?

Reconhecer os milagres de cada dia

Que Virgem Maria - disse ao concluir - nos ajude a viver com fé cada Celebração Eucarística e a reconhecer e usufruir todos os dias os «milagres» da graça de Deus.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santo Inocêncio I

Santo Inocêncio I (A12)
28 de julho
País: Itália
Santo Inocêncio I

Inocêncio nasceu na Itália e é o 40º Papa da Igreja Católica. Governou a Igreja por dezesseis anos, de 401 a 417.

Ele é lembrado como um homem muito enérgico e ativo, grande defensor da doutrina dos apóstolos, da disciplina eclesiástica, da unidade da Igreja e da paz do mundo.

Segundo o Liber Pontificalis, ele nasceu em Albano numa data desconhecida e cresceu entre o clero romano e no serviço à Igreja Católica.

Na época de seu pontificado, Roma estava cercada pelos bárbaros godos que eram liderados por Alarico, e só não tinha sido invadida graças às intervenções do papa junto a Alarico.

O papa tentou mediar a negociação entre o imperador Honório e o invasor bárbaro, mas não conseguiu e a cidade foi saqueada. Foram três dias de roubo, devastação e destruição. Os bárbaros respeitaram apenas as igrejas, por causa dos anos de contato e mediação com o Papa Inocêncio I. Mesmo assim, a invasão foi tão terrível que seria comentada e lamentada depois, por Santo Agostinho e São Jerônimo.

Inocêncio enfrentou muitas dificuldades, mas conseguiu manter a disciplina e tomou decisões litúrgicas vigentes até hoje. Elas se encontram nas correspondências deixadas pelo papa Inocêncio I. Com essas cartas se formou o primeiro núcleo das coleções canônicas, que faz parte do magistério ordinário dos pontífices, alvo de estudos ainda nos nossos dias.

Também foi ele que estabeleceu a uniformidade que as várias Igrejas devem ter com a doutrina apostólica romana. Sua influência política obteve do imperador Honório a proibição das lutas de gladiadores. Durante o seu pontificado difundia-se a heresia pelagiana, condenada no ano 416 pelos concílios regionais de Melevi e de Cartago, convocados por iniciativa de Santo Agostinho e com aprovação do Papa Inocêncio I, que formalmente sentenciou Pelágio e seu discípulo Celestio.

Ele também é conhecido por defender São João Crisóstomo, Bispo de Constantinopla, da perseguição do Patriarca de Alexandria, Teófilo.

O Papa Inocêncio I morreu em 28 de julho de 417, foi enterrado numa basílica sobre as catacumbas de Ponciano e venerado como um santo.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

A vida de Santo Inocêncio foi uma constante luta pela paz e pela pregação da Palavra de Deus. Suas ações na Igreja e no mundo político sempre tiveram como objetivo a luta pela dignidade humana. Que a vida de Santo Inocêncio inspire-nos ações de respeito e solidariedade com as pessoas.

Oração:

Deus eterno e todo poderoso quiseste que Santo Inocêncio I governasse todo o vosso povo, servindo-o pela palavra e pelo exemplo. Guardai, por suas preces, os pastores de vossa Igreja e as ovelhas a eles confiadas, guiando-os no caminho da salvação. Por Cristo nosso Senhor. Amém!

Fonte: https://www.a12.com/

sábado, 27 de julho de 2024

Dar mais sem ser heróis (1)

Foto/Crédito: Opus Dei

Dar mais sem ser heróis

Ser santos é “dar o melhor de si” e, ao mesmo tempo, perceber “que no final é sempre Deus quem faz tudo”. Texto sobre a santidade que Deus nos pede.

23/01/2019

O episódio da pesca milagrosa narrado por são Lucas pode nos ajudar a descobrir o que o Senhor pede a cada um de nós. Uma petição que se resume em uma palavra exigente e muitas vezes incompreensível: santidade.

Reparemos na vida de Jesus, que, no momento em que esta passagem do Evangelho é narrada, é considerado um mestre famoso, procurado, ouvido e seguido por muitas pessoas. Jesus vê dois barcos às margens do lago de Genesaré. “Ele viu dois barcos à beira do lago; os pescadores tinham descido e lavavam as redes. Subiu num dos barcos, o de Simão, e pediu que se afastasse um pouco da terra. Então se sentou e, do barco, ensinava as multidões. Quando acabou de falar, disse a Simão: ‘Avança mais para o fundo, e ali lançai vossas redes para a pesca’. Simão respondeu: ‘Mestre, trabalhamos a noite inteira e não pegamos nada. Mas, pela tua palavra, lançarei as redes’ ” (Lc 5,2-5).

O SENHOR CHAMA OS PESCADORES JUSTAMENTE NO MOMENTO EM QUE FRACASSARAM.

Como sabemos, a história continua com uma pesca abundante, mas é importante observar que Jesus sobe no barco dos pescadores e os chama, pergunta-lhes, encoraja-os a fazer algo maior do que já estavam fazendo. Ao considerar esta história, poderíamos pensar: “Sim, eu deveria fazer mais, mas já é suficiente tentar sobreviver...”. Uma reação normal, mas errada. O Senhor não diz: “Você não fez nem a metade do que tinha que fazer, agora tem que fazer mais...”. Jesus sobe no barco porque Ele quer saber como estamos dentro do nosso barco: isso é a vocação. É um chamado para darmos o melhor de nós mesmos. Curiosamente, nessa cena, a chamada é feita quando os pescadores lavam suas redes depois de terem trabalhado a noite toda sem sucesso. Isto é, o Senhor chama os pescadores justamente no momento em que fracassaram.

O Cardeal Ratzinger, em um artigo publicado no Observatório Romano no dia da canonização de São Josemaria, em 6 de outubro de 2002, ressaltou que existe uma ideia errada sobre o que é a santidade: “Conhecendo um pouco da história dos santos, sabendo que nos processos de canonização se procura a virtude 'heroica', podemos ter, quase inevitavelmente, um conceito equivocado da santidade porque tendemos a pensar: ‘isto não é para mim’; ‘eu não me sinto capaz de praticar virtudes heroicas’; ‘é um ideal alto demais para mim’. Neste caso, a santidade estaria reservada para alguns grandes cujas imagens vemos nos altares e que são muito diferentes de nós, comuns pecadores. Esta seria uma ideia totalmente equivocada da santidade, uma concepção errônea que foi corrigida – e isto me parece um ponto central – precisamente por Josemaria Escrivá”.

O esforço atlético pela perfeição

No entanto, sabemos que a santidade normal e cotidiana não é exclusiva de São Josemaria: há muitos outros testemunhos de santidade alcançável – “a santidade da porta ao lado”, como o Papa Francisco a chamou na Gaudete et exsultate. Com efeito, há uma concepção muito perigosa do que é santidade: a santidade concebida como um esforço atlético para fazer tudo com a máxima perfeição. Esta não é a experiência dos santos, nem é a experiência dos apóstolos. A chamada deles não se explica porque eles eram bons ou porque eles estavam dando o melhor de si. O santo não é aquele que faz tudo bem, mas aquele que deixa a vontade de Deus agir em sua vida. Por quê? Porque confia nEle.

O SANTO NÃO É AQUELE QUE FAZ TUDO BEM, MAS AQUELE QUE DEIXA A VONTADE DE DEUS AGIR EM SUA VIDA

Portanto, o erro deve ser corrigido primeiro no nível terminológico, porque se fala de santidade na vida cotidiana, de santificação do trabalho, de uma chamada à santidade dirigida a todos... Mas “as palavras são importantes”, e se as palavras não são compreendidas, temos um problema. Nós não podemos presumir que atribuímos o verdadeiro significado a termos como bem-aventurado, manso, santidade, pecado, reconciliação, eucaristia... Em concreto, a “santificação” pode ser erroneamente entendida como uma espécie de perfeição ética ou mesmo estética, característica de uma pessoa infalível (“porque eu aprendi e não erro mais”).

O Senhor não sobe ao nosso barco por termos passado a noite triunfando e pescando com sucesso. Na verdade, às vezes ele chega nos momentos de fracasso: “trabalhamos a noite inteira e não pegamos nada. Mas, pela tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5, 5). E Pedro lança as redes novamente, algo que vai totalmente contra a sua experiência, porque o pescador sabe que a pesca deve ser feita de noite. Mas mesmo sabendo isso, confia mais em Deus do que em sua própria experiência. Este é o grande ato de confiança de Pedro, graças ao qual “... pegaram tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Fizeram sinal aos companheiros do outro barco, para que viessem ajudá-los. Eles vieram e encheram os dois barcos a ponto de quase afundarem” (Mt 5,6-7).

Se confiarmos em Deus, acontecem coisas inesperadas. Santificar o trabalho, santificar-se na vida diária, não significa que Deus nos recompensa porque fazemos tudo certo e nunca cometemos erros. Embora não pensemos assim, no fundo, quando cometemos um ato mau, por orgulho, inveja ou ciúmes, muitas vezes vem à nossa cabeça: “Agora Deus vai me castigar porque fiz algo de errado”.

SE CONFIARMOS EM DEUS, ACONTECEM COISAS INESPERADAS

Esta concepção da santidade não está apoiada no evangelho e não é cristã. Da mesma forma, a santificação da vida familiar não significa que a ordem sempre reinará em casa. Uma mãe ou pai com filhos pequenos ou adolescentes podem ter a tentação de pensar: “Se eu santificasse minha vida cotidiana, meus filhos sempre estariam bem arrumados, com as mãos limpas, dentes brancos como nas propagandas de pasta de dentes...”. Não! Santificação não é uma perfeição externa da vida cotidiana, nem da vida social ou familiar.

Significa, isso sim, tentar receber as dificuldades com bom humor, mesmo quando a bagunça parece prevalecer. Significa sorrir, mesmo que tudo no dia corra mal ou o vivamos num ambiente caótico e claramente imperfeito.

Por: Carlo de Marchi

Tradução: Mônica Diez

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

Uma humanidade que não é uma fachada (1)

João Paulo I e Paulo VI (ACI Digital)

Uma humanidade que não é uma fachada

O cardeal Aloisio Lorscheider, arcebispo de Aparecida, Brasil, fala: «Luciani certamente teria tido em mente a predileção da Igreja pelos pobres. Durante muitos anos guardou a carta com a qual o seu pai socialista lhe deu consentimento para entrar no seminário: “Espero que quando te tornares sacerdote estejas ao lado dos pobres e dos trabalhadores porque Cristo esteve ao lado deles”»

Entrevista com o Cardeal Aloisio Lorscheider por Stefania Falasca

Dos 111 cardeais reunidos na Capela Sistina naquele conclave de agosto de 1978 que levou à eleição do Papa Luciani, o cardeal brasileiro Aloisio Lorscheider era o mais jovem. Conhecia de perto o patriarca de Veneza e estava ligado a ele por uma amizade sincera. Assim que foi eleito papa, João Paulo I revelou que havia reservado o voto no conclave justamente para ele, tamanha a estima que tinha pelo então presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano.

Dom Aloísio Lorscheider (ACI Digital)

Dom Aloísio, representante de uma Igreja que está na linha da frente na defesa dos pobres, é uma testemunha excepcional das expectativas e esperanças que levaram o patriarca de Veneza ao trono de Pedro.

Pela primeira vez o cardeal brasileiro concorda em falar extensivamente sobre suas memórias pessoais daqueles momentos importantes e sobre sua amizade com Albino Luciani.

Nós o encontramos em sua casa em Aparecida, cidade onde fica o maior e mais venerado santuário mariano do Brasil, do qual hoje é arcebispo. 

Eminência, no dia 6 de agosto, há vinte anos, no palácio papal de Castel Gandolfo, faleceu o Papa Paulo VI. O que você lembra do último período do Pontífice? Quando foi a última vez que você se encontrou com ele? ALOISIO LORSCHEIDER: A última vez que vi Paulo VI foi no final do seu pontificado, durante uma visita ao Vaticano dos presidentes de algumas conferências episcopais. Naquela ocasião lembro que Paulo VI se aproximou e me abraçou, depois disse: “Vocês, bispos brasileiros, são aqueles que hoje lavam os pés dos pobres”. Disse-o com aquele tom particular que tinha a sua voz, uma voz rouca, quase trêmula, e depois acrescentou lentamente: “Como eu gostaria de lavar os pés dos pobres...”. Jamais esquecerei aquele momento e a voz de Paulo VI ao pronunciar estas palavras. Também fiquei impressionado com a atenção e o extremo realismo de Paulo VI. Um realismo no seu julgamento do mundo e da Igreja, que sofreu até ao fim e que marcou o seu pontificado a partir dos anos imediatamente seguintes ao Concílio Vaticano II.

Na opinião de muitos, o patriarca de Veneza Albino Luciani era o sucessor desejado por Paulo VI. Isso é o mesmo para você também?
LORSCHEIDER: Paulo VI tinha um profundo respeito por Albino Luciani: nomeou-o patriarca de Veneza, uma sede muito importante, e em nome de Paulo VI Luciani escreveu intervenções sobre a Concordata e sobre a defesa da vida. Depois houve aquele episódio “profético” em Veneza em 1972, poucos meses antes de Luciani ser nomeado cardeal. Diante de uma imensa multidão que enchia a Praça de São Marcos, Paulo VI tirou a estola pontifícia dos ombros e colocou-a sobre o patriarca, dizendo-lhe: “Você merece esta estola” e o pobre Luciani ficou todo vermelho. Acredito que o patriarca de Veneza não só foi o sucessor esperado por Paulo VI, mas foi aquele que, entre outros, melhor seguiu e segue as orientações fundamentais do seu magistério.

Num livro que reúne as confidências do Papa Luciani ao Cardeal Villot, está escrito que um dos desejos urgentes do novo Papa era encontrar em breve «o presidente do Celam, o Cardeal Aloisio Lorscheider, que conheço há anos e a quem Eu dei meu voto no conclave." Então vocês se conheciam bem? Quando você o conheceu?
LORSCHEIDER: Não me lembro exatamente das primeiras vezes que tive a oportunidade de encontrar Luciani, talvez durante algum sínodo em Roma, mas conhecia alguns de seus escritos e o respeitava por eles. Meu primo Ivo Lorscheiter, bispo de Santa Maria, no sul do Brasil, o conhecia pessoalmente há algum tempo e estava ligado a ele por uma profunda amizade. Luciani o amava muito e tinha muito respeito por ele. Acredito que o Cardeal Luciani, se é verdade que votou em mim no conclave, também o fez pensando nele. Em novembro de 1975, por ocasião do centenário da imigração italiana na região de Santa Maria, Dom Ivo convidou o patriarca de Veneza a visitar as comunidades venezianas de sua diocese. Foi nessa ocasião que tive a oportunidade de conhecê-lo de perto.

O que você lembra da viagem do cardeal Luciani ao Brasil? LORSCHEIDER: Na diocese de Santa Maria, Luciani ficou quatro dias parado. Nesse período descansou pouco: visitou institutos, igrejas, religiosos, subúrbios pobres, parando entre comunidades de origem italiana. Onde quer que chegasse, fazia um breve discurso sem nunca se repetir e muitos choravam ao ouvir o patriarca de sua terra falar, principalmente quando ele lhes falava no dialeto veneziano. Celebrou a festa de Nossa Senhora de Todas as Graças, particularmente venerada naquela zona, proferindo uma bela homilia em português. Ele então recebeu um título honorário da Universidade Federal por seu famoso Ilustríssimo e nessa ocasião fez um discurso sobre a virtude da prudência. Ao final dessa visita fizemos juntos a viagem de volta ao Rio de Janeiro. Luciani era naquela época também vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana. Durante a viagem tivemos uma troca cordial e franca de ideias sobre as funções que deve ter uma conferência episcopal.

Que impressão você teve da pessoa dele então?
LORSCHEIDER: De um homem afável e de uma bonomia também temperada com um toque de humor. Homem de grande zelo apostólico, com um amor discreto pelos pobres, espirituoso no pensamento e firme na doutrina.

Todas as reconstruções sublinham o papel decisivo dos cardeais brasileiros na escolha de Luciani no conclave de agosto de 78. Na verdade, o historiador Gabriele De Rosa escreveu que a candidatura de Luciani já vinha sendo cultivada e preparada há algum tempo pelos latino-americanos. Isto é verdade?
LORSCHEIDER: Até onde eu sei, não houve preparação. Pessoalmente tinha uma certa sintonia com o cardeal Arns, mas dos outros três cardeais brasileiros, por exemplo, não saberia dizer se conheciam Luciani de perto. Albino Luciani não era muito conhecido pela Conferência Episcopal Brasileira. Seu nome nem sequer aparecia nas listas de possíveis candidatos que circulavam na imprensa, tanto que, lembro-me, pouco antes da abertura do conclave, um jornalista veio até mim apresentando-me uma lista de nomes. Ao lê-lo, observei que faltava o nome do patriarca de Veneza. Naquele momento eu disse assim... de uma forma completamente inocente. E ele me agradeceu porque realmente não tinha pensado nesse nome.

No entanto, poucos dias antes do conclave, ela deu uma entrevista na qual traçou o perfil de quem deveria ter sido o novo papa. Naquela entrevista ele disse textualmente: «O novo papa deve ser antes de tudo um bom pai espiritual, um bom pastor, como foi Jesus, que exerce o seu ministério com paciência e disponibilidade para o diálogo... deve ser sensível aos problemas sociais ...deve respeitar e encorajar a colegialidade dos bispos... não deve tentar impor soluções cristãs aos não-cristãos...". Todos leram isso como um kit de identidade de Luciani... LORSCHEIDER: Essas características nada mais expressavam do que as orientações daquele colégio de cardeais. O ponto fundamental era que queriam um papa que fosse antes de tudo um bom pastor. Pensamos então num italiano, não da Cúria. O nome de Albino Luciani surgiu durante o conclave.

Arquivo 30Dias, retirado da edição nº. 07/08 - 1998

Fonte: http://www.30giorni.it/

Bispos franceses deploram “cenas de zombaria do cristianismo” na abertura dos JO

Torre Eiffel durante abertura dos Jogos Olímpicos  (AFP or licensors)

Em um comunicado de imprensa publicado no dia seguinte à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, que teve lugar no Sena, na sexta-feira, 26 de julho, a Conferência dos Bispos de França saudou os “momentos maravilhosos de beleza, de alegria, ricos de emoções”, ao mesmo tempo em que dirigiram o seu pensamento “aos cristãos de todos os continentes que foram feridos pelo excesso e pela provocação de certas cenas”.

Jean-Benoît Harel – Cidade do Vaticano

Foi uma cerimônia de todos os superlativos. Uma inédita primeira cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos no rio Sena, com desfile de delegações desportivas em 85 barcos, inúmeras quadros artísticos e performances de artistas de todo o mundo como a estadunidense Lady Gaga ou a canadense Céline Dion.

“A cerimônia de abertura (…) de ontem à noite ofereceu ao mundo inteiro momentos maravilhosos de beleza, de alegria, ricos de emoções e universalmente elogiados”, reconheceu a Conferência dos Bispos de França. No entanto, a cerimônia “incluiu cenas de escárnio e zombaria do cristianismo, que deploramos profundamente”, dizem os bispos.

No centro das críticas nas redes sociais, uma reprodução do quadro “A Última Ceia” de Leonardo da Vinci por cerca de dez travestis.

Solidariedade de outras religiões

Após a cerimônia, transmitida em mundovisão, muitos líderes de outras confissões religiosas expressaram a sua solidariedade para com a Igreja Católica francesa, informa o comunicado de imprensa.

“Pensamos em todos os cristãos de todos os continentes que foram feridos pelo excesso e pela provocação de certas cenas”, asseguraram os bispos franceses. “Desejamos que eles compreendam que a celebração olímpica vai muito além dos preconceitos ideológicos de alguns artistas”, continuou a conferência episcopal francesa no comunicado.

A exclusão de certos crentes

O secretário-geral da CEF, padre Hugues de Woillemont, destacou na rede social X a contradição entre "a inclusão demonstrada e a exclusão efetiva de certos fiéis, não é necessário ferir as consciências para promover a fraternidade e a sororidade”.

Dom François Touvet, presidente do Conselho de Comunicação da CEF, bispo coadjutor da Diocese de Fréjus-Toulon, “associou-se fortemente” a este comunicado de imprensa da Igreja na França. Em uma postagem nas redes sociais, declarou “protestar, como muitos, contra este insulto escandaloso e grave feito aos cristãos de todo o mundo, sem esquecer os outros excessos do espetáculo”.

Diante de pedidos de explicações, Michael Aloísio, porta-voz do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Paris 2024, reagiu neste sábado, 27 de julho, na Franceinfo: “Assumimos que ultrapassamos a linha”.

Unidade humana e fraternidade

A CEF concluiu o seu comunicado recordando que o desporto “é uma atividade maravilhosa que encanta profundamente os corações dos atletas e dos espectadores”, e que as Olimpíadas são um “movimento ao serviço desta realidade de unidade e fraternidade humana”.

Foi com um tom de esperança, unanimemente apreciado pelos espectadores, que a cerimônia de abertura terminou, com um dos pontos altos da noite: quando Céline Dion concluiu o Hino ao Amor de Edith Piaf no primeiro andar da Torre Eiffel, deixando as últimas palavras da canção ressoarem na noite parisiense: “Deus reúne aqueles que se amam”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Pantaleão

São Pantaleão (A12)
27 de julho
São Pantaleão
País: Turquia

Pantaleão nasceu em Nicomédia (atual Izmit), Turquia, no século III. Seu pai era gentio, sua mãe cristã, que o educou na Fé católica. Porém deixou-se levar pelo paganismo. Após a morte da mãe, seu pai o encaminhou para o estudo da Retórica, Filosofia e Medicina, tornando-se um médico de prestígio.

Pantaleão conheceu o virtuoso sacerdote Hermolau, que explicou a ele que Cristo é o verdadeiro Senhor da vida e da saúde, incentivando-o a conhecer “a cura que vem do alto”. Aconteceu então a Pantaleão encontrar-se diante de um menino morto pela picada de uma víbora.

Resolveu testar se era verdade o que Hermolau dizia, e disse: “Em nome de Jesus Cristo, levanta-te; e tu, animal peçonhento, sofre o mal que fizeste”. Imediatamente a criança se pôs de pé, e a serpente morreu. Pantaleão converteu-se e foi batizado, passando a atender os doentes em nome de Deus, e a curar gratuitamente aos pobres.

A época era de dura perseguição aos cristãos, promovida pelo imperador romano Diocleciano, e chegou à Nicomédia. A inveja dos médicos pagãos pelas suas curas milagrosas os levou a denunciá-lo às autoridades. Acabou por ser condenado à morte e decapitado em 303, a 27 de julho, entre os 20 e 30 anos de idade.

Parte das relíquias do seu corpo foram guardadas na Sé da cidade do Porto, em Portugal, e porções do seu sangue são conservadas em Istambul (Turquia), Ravello (Itália) e no Real Mosteiro da Encarnação em Madri (Espanha). Neste último, o sangue, em estado sólido durante a maior parte do ano, liquefaz-se próximo à data da sua festa, fato observado pelo público.

 São Pantaleão é padroeiro dos médicos e da cidade do Porto. Na Argentina está o primeiro Santuário a ele dedicado.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

Pode um incrédulo intencionalmente realizar milagres? Claro, é só Deus que os realiza, mas sem dúvida Ele tem o poder de usar como instrumento de Sua ação também um incrédulo, pois as más escolhas da legítima liberdade humana não superam a capacidade divina de tirar o Bem de um mal. Mas nestes casos não há intenção participativa da pessoa, somente a graça de Deus que supera o pecado. Portanto, a expectativa de Pantaleão já era de Fé, no sentido de que de fato aceitou como possibilidade real a ressurreição do menino, e deixou livre o caminho para que fluísse a ação de Deus. É esta a atitude que devemos ter ao pedir qualquer coisa ao Senhor. O ouvir da Boa Nova através de Hermolau já criara em Pantaleão a boa disposição de alma; o apostolado nunca é vão. A cura mais milagrosa é a conversão da alma, pois significa ressuscitar da mordida da “antiga serpente”, o diabo (cf. Ap 12,9). A cada Confissão a dureza do pecado se liquefaz, seu veneno transformado em sangue novo de vida na alma. A cada Sacramento, ocorre a mudança da solidez de um barro sem vida na participação humana no vivo Sangue do Cristo Ressuscitado, de onde escorrem as boas obras da Salvação. Mas os Sacramentos só estão disponíveis, encarnados, na casa própria da realeza de Deus, a Igreja, Seu Corpo Místico, estabelecida por exemplo no Real Mosteiro da Encarnação. Na Igreja e com os Sacramentos devemos nos levantar da morte do pecado, e com autoridade denunciar a inveja do Mal que mata a si mesmo, condenando-se ao inferno: “Retira-te satanás, nunca me aconselhes coisas vãs, é mal o que tu ofereces, bebe tu mesmo o teu veneno” (parte final da oração da Medalha de São Bento).

Oração:

Senhor Deus da Vida, por intercessão de São Pantaleão, dignai-Vos solidificar o Sangue de Cristo no nosso coração, para que Ele flua em boas obras no corpo da nossa alma e todos possam por eles ver o milagre da nossa ressurreição ao Céu. Pelo mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

PAIS DA IGREJA: «Santidade e Sabedoria nos Pais da Igreja

Pais da Igreja (Eclessia)

«Santidade e Sabedoria nos Pais da Igreja

Pe. José Artulino Besen*

Com a liberdade, a Igreja recebeu a oportunidade de se organizar, mas também passou a enfrentar um grande perigo, maior do que a perseguição: o controle por parte do imperador e do estado romano. Essa interferência política será sempre um perigo para a fé, ameaçada por imperadores adulados por bispos cortesãos.

Deste modo, as próprias decisões dos concílios sofrem rupturas de acordo com a vontade imperial. Mas, esta é a grande glória da Igreja nos séculos IV e V: grandes pastores, doutores na fé, santos, defenderão a doutrina sem nenhum medo, garantindo a unidade e a ortodoxia. São conhecidos como Pais (Padres) da Igreja, os Santos Pais.

A autoridade deles é tamanha no seio da Igreja que seus escritos quase são colocados ao lado dos textos da Escritura: conservaram a verdadeira doutrina, foram santos, foram sábios. Dividem-se em Pais latinos e Pais gregos, dependendo da língua utilizada.

Defensores da fé e dos pobres

Formados nas escolas de cultura pagã, colocaram essa sabedoria a serviço do Evangelho. Normalmente eram de famílias cristãs; a maioria, porém, pediu o batismo em idade adulta. Após o exercício de uma profissão profana, formaram-se espiritualmente com os Pais do Deserto, aliando a sabedoria à santidade de vida e à contemplação. Retornando a suas cidades, foram ordenados sacerdotes, sendo depois candidatos naturais ao episcopado, oferecendo à Igreja uma plêiade nunca repetida de grandes bispos.

Como pastores zelosos, seus ensinamentos foram ministrados através da catequese e da pregação. O povo que os escutava também os compreendia. Não eram teólogos profissionais: eram santos teólogos. Vale para eles a máxima da sabedoria cristã oriental: Se sabes rezar, és teólogo; se és teólogo, sabes rezar.

Os teólogos da Corte se apressavam em justificar o imperador de plantão. Já os Santos Pais não aceitavam que nada e ninguém se opusesse à doutrina verdadeira e à unidade da Igreja. Em tempos favoráveis, chamavam o imperador de “santo”: mas bastava que ele se desviasse da reta doutrina para chamá-lo de satanás ou anticristo.

Mesmo possuidores de vasta cultura, jamais se afastaram do povo, vivendo junto à multidão dos pobres e humildes. Na mais pura imitação de Cristo, são pais dos pobres. Seus sermões contra os ricos e as riquezas são tão fortes e claros que ainda hoje causam espanto.

Homens normais em sua santidade e sabedoria

«Os três Capadócios: Basílio de Cesaréia, Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa» | Ecclesia

Sobre o combativo Atanásio, patriarca de Alexandria, Gregório de Nazianzo afirmou “que estudou apenas o necessário para não parecer ignorante”. Era um homem de Igreja, amado pelo seu povo e odiado pelos adversários heréticos ou pelos poderosos. Constantino disse que ele era insolente, orgulhoso, provocador de confusão. Para salvar a unidade da Igreja, não recuava diante de nada.

Atanásio foi vítima de chantagens, calúnias, mas soube sempre responder, conduzindo o povo a seu favor. Sua defesa da fé o fez sofrer 20 anos de exílio em 46 anos de episcopado.

Toda a Igreja tem em grande conta três Pais conhecidos como os Grandes Capadócios, por serem da Capadócia: os dois irmãos, Basílio de Cesaréia e Gregório de Nissa, e Gregório de Nazianzo.

Basílio de Cesaréia, o maior dos Pais do Oriente, esperou muito tempo para pedir o batismo. Em busca do saber, peregrinou de escola em escola, frequentando os mestres de Constantinopla e de Atenas. Fundador da vida monástica oriental, teve imensa preocupação com os pobres. Percebeu a exploração dos humildes: em anos difíceis, os impostos e os dízimos eram cobrados com antecipação, criando verdadeiros escravos.

Suas palavras: “As exigências chegam ao cúmulo da desumanidade. Exploras o desespero, fazes dinheiro com lágrimas, estrangulas quem está nu, esmagas o faminto, foram ditas ao ver um pai vender um filho como escravo para escapar da miséria!”. Um prefeito, que não conseguia convencê-lo, lhe disse: “Até hoje ninguém ousou falar-me com tal liberdade”. Respondeu secamente: “Sem dúvida nunca encontraste um bispo!”

«São Gregório Nazianzeno» | Ecclesia

O pai de Gregório de Nazianzo era um herege. Com a oração da esposa converteu-se e até tornou-se bispo de Nazianzo, gerando Gregório, filho único depois batizado por ele. Gregório era muito sensível, mais propenso à poesia e à contemplação do que à administração. Foi eleito bispo de Sásima, mas se recusava a assumir um posto povoado de estrangeiros e de vagabundos. Diz, porém, que não se recusava a defender as galinhas e os porquinhos.

Gregório diversas vezes fugiu, pois não queria administração. Quando o velho bispo pai morreu, fugiu mais uma vez. Mas, sua fama persistia e acabou levando-o à escolha como patriarca de Constantinopla, onde adquiriu fama como o bispo da Trindade. Nas vezes em que novamente quis fugir, o povo dizia: “Então nos deixarás sem a Trindade?”

Gregório, durante o concílio de Constantinopla (451), não aguentou mais as discussões em que os mais jovens tagarelavam como um bando de papagaios. Preferindo pregar a Trindade a ficar discutindo, fugiu, fixando-se na diocese de seu pai, que administrou por algum tempo, dedicando-se mais à vida literária e contemplativa.

João Crisóstomo

«São João Crisóstomo» | Ecclesia

Nascido em Antioquia, João Crisóstomo (Crisóstomo = boca de ouro) nasceu para ser monge e pregador, e nunca para ser administrador ou político.

Orador nato, conhece todos os recursos para convencer e atrair os ouvintes, especialmente atraindo os humildes, objeto de sua atenção. Denuncia o luxo, a riqueza, a preguiça. A fama de orador fez chegar seu nome à capital do Império e em 397, contra sua vontade, foi praticamente sequestrado e feito patriarca de Constantinopla. Seu primeiro ato foi limpar do luxo o palácio episcopal. Passou a comer sozinho e não aceitava recepções.

João continua sendo monge e, denunciando os abusos da corte e dos bispos, se indispõe com todos, especialmente com a imperatriz Eudóxia que, para provocá-lo, fez erguer uma imagem própria diante da catedral...

Mas continuou a denunciar a imperatriz e na celebração pascal foi detido e exilado em uma pequena aldeia da Armênia, onde morreu em 407, proferindo suas últimas palavras: “Glória a Deus por tudo”. É o mais amado dos Pais orientais, sendo a liturgia ortodoxa denominada “Divina Liturgia de São João Crisóstomo”.

Qual o assunto dos Pais Orientais

A Santíssima Trindade, a Bíblia, Maria e a justiça social. Os Pais do Oriente eram movidos pelo desejo de contemplar a Deus e esclarecer seu grande mistério.

Saídos do deserto, eram monges em meio ao tumulto da cidade dos homens. O amor a Deus fê-los possuir uma imensa compaixão pelos pobres, criando obras para socorrer os famintos e abandonados.

FONTE:

Seleção "HISTÓRIA DA IGREJA"
Publicação no ECCLESIA autorizada pelo autor

* O Autor, Pe. José Artulino Besen é historiador eclesiástico, professor de História da Igreja no Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC desde 1975 e pároco.

 https://www.ecclesia.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF