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Província de Nusa Tenggara Oriental (que inclui Flores e outras ilhas do Leste
do arquipélago) tem cerca de 3 milhões de católicos, de um total de 10,5
milhões na Indonésia. (AFP or licensors)
A população
de Flores não sente o seu ser católico como um elemento estranho à vida da
Indonésia e à sua história, à sua atual conformação política, social e
cultural, que também contou com a contribuição dos cristãos. Os cidadãos
católicos sentem-se “totalmente indonésios” e “totalmente católicos”, parte de
uma nação em que “a diferença religiosa é percebida como uma vantagem, uma
componente ligada a acontecimentos históricos que não constituem uma barreira
entre cristãos e muçulmanos.
por Paolo Affatato
Os portugueses no século XVI a haviam batizado de “Ilha das
Flores”. Flores – como ainda hoje é chamada na Indonésia – é uma das pérolas
das ilhas da Sonda, na parte oriental do arquipélago, incluída na província
civil de Nusa Tenggara Oriental.
As florestas incontaminadas, os vales verdejantes onde os
arrozais se estendem até ao horizonte, as paisagens deslumbrantes, das colinas
ao mar de corais, explicam o porquê de os colonizadores europeus (primeiro os
portugueses, depois os holandeses) se encantarem com o território, dando à ilha
esse nome floral devido às vivas cores vermelho-alaranjadas da vegetação
presente especialmente na parte oriental da ilha. E a população local (na ilha
falam-se pelo menos seis línguas, com diferentes tribos, culturas e tradições
afins), sobretudo dedicada à agricultura ou à pesca, mostra disponibilidade,
acolhida e simplicidade que fazem o visitante sentir-se - hoje como há séculos
atrás - imediatamente à vontade.
Nos vilarejos rurais que pontilham o exuberante território
da parte oriental das Flores - na área entre a cidade costeira de Labuan Bajo e
o centro montanhoso de Ruteng - um elemento chama a atenção: há uma cruz em
cada povoado, uma capelinha, uma igreja pequena ou grande, feita de madeira de
bambu ou alvenaria não pode faltar. Sinal de uma fé enraizada que caracteriza e
torna Flores única em toda a Indonésia.
Diferentemente das outras ilhas indonésias - no país de
maioria islâmica mais populoso do mundo - em Flores vive uma população
esmagadoramente católica, introduzida desde o início pelos missionários
cristãos. A província de Nusa Tenggara Oriental (que inclui Flores e outras
ilhas do Leste do arquipélago) conta, segundo dados da Conferência Episcopal
Indonésia, com cerca de 3 milhões de católicos (de um total de 10,5 milhões na
Indonésia).
Flores é considerada o “coração católico da nação” e só na
parte ocidental da ilha (hoje dividida entre o território da Diocese de Ruteng
e o da recém-criada Diocese de Labuan Bajo) os fiéis são 800 mil, em uma
população total de um milhão.
Como prova das necessidades pastorais de acompanhamento do
povo de Deus, o território da ilha está hoje dividido em cinco dioceses
católicas (Labuan Bajo, Ruteng, Ende, Maumere, Larantuka). Em nível religioso,
em algumas cidades portuárias como Labuan Bajo, encontram-se segmentos maiores
da população muçulmana (até metade da população residente), enquanto no
interior a população é quase inteiramente católica, em um contexto rural onde
permanecem presentes rituais animistas e crenças tradicionais, como o culto aos
ancestrais.
A população na parte ocidental de Flores é identificada como
"Manggarai", um segmento social que possui tradições culturais
próprias e que acolhe uma série de tribos e subgrupos. A casa tradicional, a
"Mbaru niang", caracterizada por uma base circular e por uma
cobertura em forma de cone, com até 5 pisos de altura, pode acolher até 8
famílias, incluindo estoques de alimentos e colheita de frutos. Estas casas,
que surgem em meio à vegetação e que enriquecem o panorama das cidades, são
também pequenas igrejas domésticas.
O elemento da cultura local integrou-se perfeitamente - em
um longo e harmonioso processo de interpenetração e inculturação - com a fé
católica que hoje representa “o ápice de todos os ritos e práticas
tradicionais”, explica à Ag. Fides Pe Lian Angkur, 38 anos, sacerdote diocesano
natural de Ruteng. E assim, em cada festa religiosa, as danças, os gestos, os
ritos de acolhimento e de solidariedade entre as famílias, as celebrações da
vida quotidiana, como o nascimento de um filho, os matrimônios ou os funerais,
são impregnadas pelo Evangelho e encontram a síntese perfeita no palavras da
Escritura ou em uma devoção especial a Jesus, à Virgem, aos santos.
Em cada povoado ou nos bairros populosos da cidade não falta
uma “pequena comunidade de base” (KBG), uma comunidade de 15 a 20 famílias que
se reúnem regularmente para a oração, ler o Evangelho e partilhar. São os
sinais de uma fé que vive nos pequenos gestos quotidianos e que alimenta a vida
quotidiana das pessoas, no tecido social em que se encontram.
“Não há conflito entre a nossa cultura tradicional e a fé:
os valores cristãos integraram-se na vida das pessoas, a ‘velha vida’, feita de
práticas culturais, foi substituída, com o anúncio de Cristo, por uma vida
nova’ onde se encontra o sentido mais profundo de uma história, imbuída de uma
espiritualidade cristã que dá sentido profundo a uma peregrinação nesta vida
terrena e que a comunidade acolheu com alegria há séculos, transmitindo o
tesouro da fé de geração em geração", observa o sacerdote.
Para exemplificar esta dinâmica, basta viajar às áreas
rurais, onde a autenticidade de uma fé simples e sem superestruturas emerge com
clareza e força: aqui a comunidade católica de Flores encontra um fecundo ponto
de referência na Encíclica do Papa Francisco "Laudato si'",
encontra acentos e temas caros à vida normalmente imersos em uma natureza
próspera e florescente, às vezes verdadeiramente exuberante. E assim, em plena
sintonia, na comunidade diocesana de Ruteng, o tema pastoral do ano em curso é
o da “ecologia integral”, que reitera a importância da contribuição pessoal e
do estilo de vida individual para o “cuidado da casa comum”, dispensador de
dons como suculentas mangas e mamões, águas cristalinas, árvores frutíferas,
sempre uma preciosa fonte de sustento para os moradores dos vilarejos.
E a Paróquia rural do Sagrado Coração de Jesus, no
território de Ruteng, tem uma conformação particular que a torna uma igreja de
estilo Laudato si': nas suas paredes perimetrais, as pequenas
aberturas ao longo de todas as naves, que funcionam como entradas de ar para o
edifício, tornaram-se um espaço natural e privilegiado para a nidificação de
pardais. Os pássaros coloridos e cantantes fizeram da igreja a sua morada
permanente e as celebrações litúrgicas, ao lado dos coros infantis, são
verdadeiramente animadas pelo seu canto melodioso.
“A ecologia integral não é um tema puramente ambientalista”,
faz questão de sublinhar padre Martin Chen, sacerdote responsável pelo Centro
Pastoral de Ruteng, lugar de reflexão e elaboração, onde se pensa, escolhe e
submete à assembleia diocesana temas para vida pastoral. “É um tema com raízes
bíblicas, que nasce da Sagrada Escritura e que chega até a Laudato si’.
A espiritualidade ecológica toca a mente e o coração de cada crente e leva à
ação, à proteção da Criação. A ecologia de que falamos está plena e fortemente
ligada à fé: na cultura Manggarai este aspecto, já presente, é enriquecido na
consciência de que Deus, a humanidade e a natureza estão intimamente ligados”,
observa.
Mas Flores não é apenas natureza: a ilha desempenhou um
papel importante na história da Indonésia porque, cerca de uma década antes da
declaração de independência (17 de Agosto de 1945), o pai fundador da atual
República, Sukarno, foi exilado pelos colonizadores holandeses e passou uma
estadia forçada de quatro anos em Flores, em particular em Ende. No parque da
reflexão Bung Karno, o futuro primeiro presidente da Indonésia meditava sobre o
futuro da nação e, segundo os historiadores, foi precisamente em Flores que
Sukarno começou a redigir a "Pancasila", a Carta dos cinco princípios
que serão a base da Constituição indonésia, que tinham a função de fundir em
uma única filosofia partilhada as diferentes almas dos movimentos
independentistas: a nacionalista, a islâmica, a comunista. Em Ende um monumento
no parque retrata o pai da pátria sentado em meditação e ainda é possível
visitar a residência de Sukarno, que se tornou um museu com fotos e objetos do
primeiro presidente que se inspirou na tranquilidade e beleza da ilha.
Hoje, também, mas não só, por causa daquela passagem
histórica - que descreve Flores como o "berço de Pancasila" - a
população de Flores não sente o seu ser católico como um elemento estranho à
vida da Indonésia e à sua história, à sua atual conformação política, social e
cultural, que também contou com a contribuição dos cristãos. Os cidadãos
católicos sentem-se “totalmente indonésios” e “totalmente católicos”, parte de
uma nação em que “a diferença religiosa é percebida como uma vantagem, uma
componente ligada a acontecimentos históricos que hoje não constituem uma
barreira de forma alguma, com os cidadãos muçulmanos ou de outras religiões”,
observa padre Lian Angkur. Isto é claramente visível nas famílias que muitas
vezes incluem, sempre com extrema naturalidade, pessoas de fé cristã e
muçulmana sem qualquer problema, na aceitação profunda e fisiológica da
espiritualidade e da fé pessoal".
Portanto, Flores, 80% católica, não é de forma alguma um
corpo estranho no vasto e plural arquipélago indonésio. Percebe-se isso na vida
cotidiana, nos hábitos e nas práticas diárias, e também se percebe isso na
forma em que toda a população - a partir dos Fóruns inter-religiosos até as
relações entre as pessoas comuns - está empenhada em proteger o diálogo de uma
vida que perdura há séculos e que cria uma harmonia social religiosa -
percebida como algo básico, inerente à vida cotidiana - e que não quer ser
perturbada por elementos ou forças externas.
O encontro, o diálogo, a visão partilhada entre as
autoridades civis e religiosas, os laços familiares muito importantes, a oração
comum, todos fatores que criam um estilo de vida e de relacionamento humano no
tecido social, mantem Flores firmemente enraizada no Evangelho e também
enraizada na história da cultura específica da Indonésia.
*Agência Fides
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt