CNBB
1986 – Primeira Semana Brasileira de Catequese (1ª SBC)
1.O evento. A Primeira Semana Brasileira de
Catequese, realizada na Vila Kostka, bairro Itaici, em Indaiatuba-SP, de 12 a
18 de outubro de 1986, foi um acontecimento significativo na história da
Catequese no Brasil. O antigo salão da Vila Kostka estava apinhado com 450
participantes, comprometidas com a dinamização da renovação da catequese em
todas dioceses do Brasil. A preparação do evento envolveu os catequistas de
base, a partir do estudo de oito teses com seus vários instrumentos de
trabalho, o que favoreceu o interesse de toda a Igreja e foi fundamental para o
êxito do grande evento em Itaici.
A 1ª SBC 1986, situa-se como um momento forte, até mesmo
culminativo, de um intenso processo de divulgação, estudo e operacionalização
do Documento da CNBB, n. 26: “Catequese Renovada, Orientações e Conteúdo”
(1983), no Brasil, sob liderança dos três membros do Setor Linha 3 da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): Dom Albano Cavallin, Frei
Bernardo Cansi, OFMCap. Irmão Israel José Nery fsc.
2.O Documento Catequese Renovada. Por sua vez o
Documento 26 da CNBB, havia sido fruto de todo um esforço de síntese da
caminhada da Catequese desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), principalmente
sob o impulso de seus documentos eixos, tais como, Lumen Gentium (a
renovação da Igreja), Gaudium et Spes (a Renovação da Igreja
em sua missão no mundo), Dei Verbum (a importância prioritária
da Palavra de Deus), Sacrossanctum Sacramentum (a renovação da
Liturgia) e também do Decreto Ad Gentes (sobre a ação missionária
da Igreja).
Do pós-concilio são fundamentais para a renovação da
Catequese: o Diretório Catequético Geral (DCG), de 1971,
o Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (1972), o Sínodo sobre
a Evangelização (1974), com a Exortação Apostólica de Paulo VI Evangelii
Nuntiandi (1875); o Sínodo A Catequese no Mundo Atual (1977), com sua
Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, (1979) do papa João Paulo
II, o Sínodo sobre a Família (1980) e a Exortação
Apostólica, Familiaris Consortio (1981), também do Papa João Paulo
II. É importante ainda relembrar a insistência da renovação da Catequese nos
discursos do Papa, em sua primeira visita apostólica ao Brasil, em 1980.[1]
Mas o Documento Catequese Renovada, é devedor, e
de modo muito forte, do Documento “A Igreja na atual transformação da América
Latina”, emanado da Segunda Assembleia do Episcopado Latino-americano, em
Medellín, em agosto de 1968, especialmente do seu capitulo 8. Não se deve,
porém, esquecer a importância da força do espírito renovador da Igreja em nosso
Continente, que foi reforçada pela Teologia da Libertação, pelas Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), pela inovadora leitura da Bíblia pelo povo a partir da
realidade sofrida em que vive; mas, também, pela liderança de bispos, teólogos
e pastoralistas, grupos da Vida Consagrada Religiosa que, profeticamente,
vivendo a experiência do êxodo e do intento de enculturação, faziam acontecer
na prática a renovação solicitada pelo Concilio, por Medellín (1968) e por
Puebla (1979), cujo Documento “A evangelização no presente e no futuro da
América Latina”, recém chegara às dioceses.
3.Ingredientes do Paradigma Catequese Renovada. O
Documento “Catequese Renovada” (CR) constituiu um divisor de águas na história
da Catequese no Brasil. Suas propostas em termos metodológicos e de compreensão
do conteúdo da catequese, trouxeram frescor e abriram novos horizontes.
Primeiramente a centralidade em Cristo e não apenas na tradicional preparação
aos Sacramentos da Eucaristia e da Crisma. “Cristo deve aparecer como a chave,
o centro e o fim do homem, bem como de toda a história humana” (CR 96). Jesus e
seu projeto de vida são o centro da proposta catequética. Mantida a fidelidade
essencial a Jesus e a seu projeto, tudo se encaixa na coerência do conjunto dos
conteúdos da fé e da prática cristã.
Mas há novidades, por exemplo, como expressões referentes a
“encontro” (em vez de aula), “interação entre fé e vida”, “Bíblia — livro da
catequese por excelência”, que criaram impacto e suscitaram cursos e encontros
formativos. O fato de CR ter assumido um princípio de Medellín 1968 na
compreensão dos conteúdos da catequese, isto é, que “as situações históricas e
as aspirações autenticamente humanas são parte indispensável do conteúdo da
catequese”, trouxe reações adversas, mas ao mesmo tempo, suscitou interesse e
mudanças significativas.
Outro ingrediente fundamental do paradigma da CR é a
importância da Comunidade eclesial, considerada em si mesma como catequizadora,
desde que inspirada na Comunidade primitiva segundo Atos dos Apóstolos e nas
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). E como a catequese acontece numa cultura
maior, mediatizada por uma comunidade, ao viver os valores do evangelho, ela se
torna conteúdo da catequese. Algo que cativou o interesse dos catequistas pelo
Documento CR foi a valorização da pessoa do catequista, seu carisma, suas
aspirações, seu toque pessoal indispensável, sua espiritualidade, sua formação
inicial e permanente. E, também, a valorização da pessoa do catequizando como
sujeito participativo, responsável por sua fé, seu seguimento de Jesus, seu
compromisso com a Igreja e com o Reino de Deus.
4.Desdobramentos da 1ª Semana Brasileira de Catequese.
O tema central da 1ª SBC foi: "Fé e Vida em Comunidade: Renovação da
Igreja, Transformação da Sociedade". Além de uma Carta aos
Catequistas sobre a importância da 1ª SBC no contexto da Igreja no Brasil,
levou-se em conta o começo da redemocratização do Brasil com o fim da Ditadura
Militar (1964-1985), chamando a atenção para uma Carta ao Presidente da
República sobre a Constituinte Brasileira que, naquele momento, se
discutia. Os conteúdos da 1ª SBC foi publicado, com seu Documento Final, na
coleção Estudos da CNBB, com o nº 55.
Terminado o grande evento em Itaici, Indaiatuba-SP, a nova
equipe do Setor 3 da CNBB, formada por Dom Albano Cavallin, Bernardo Cansi, e
Therezinha Motta Lima Cruz (que me substituiu devido à minha eleição para
Provincial Lassalista em São Paulo-SP), cuidou da impulsionar alguns
desdobramentos da 1ª SBC, plasmados em dois livros: Textos e Manuais de
Catequese (1987, Estudos da CNBB, nº 53) e Formação de
Catequistas (1990, Estudos da CNBB, 59). Sobre este Estudo, o
Padre Lima assim escreveu:
Os e as Catequistas de todo o Brasil foram premiados
no Dia do Catequista de 1990 com este texto produzido também
pelo GRECAT e que faz parte da coleção Estudos da CNBB (nº 59)
como o anterior. O livro teve uma grande receptividade por parte dos
catequistas. Juntamente com Catequese Renovada e Textos
e Manuais de Catequese forma a trilogia da catequese
no Brasil da década de 80. De fato, nestes três textos estão codificados o
pensamento e as orientações da Igreja no Brasil sobre a catequese em permanente
renovação.
O GRECAT, em 1988, encarregou-me das apostilas para fazer o esboço
de documento, e após dois anos de trabalho, com muitas consultas às bases
(principalmente aos coordenadores regionais e diocesanos de catequese) e após
cinco redações, ele foi definitivamente aprovado em 1990. Lamentavelmente na
última hora escapou um erro no título da obra, erro minúsculo, mas que revela
uma mentalidade: em vez de Formação de Catequistas, foi
publicado como Formação dos Catequistas.
O texto aborda praticamente todos os problemas da formação
de catequistas: o estudo do ministério da catequese e a pluralidade da
vocação do catequista, a necessidade e os pressupostos
teológicos da formação, o lugar próprio desta
formação (sobretudo o grupo de catequistas, a comunidade, e
a escola formal de catequista em seus vários níveis).
Aprofunda as metas da formação, colocando em primeiro lugar o crescimento
humano e cristão do catequista, e depois o conhecimento da mensagem e as
questões metodológicas. Um capítulo inteiro é dedicado aos fundamentos
teológico-pastorais da formação: a questão eclesiológica (catequistas
para uma Igreja servidora) e a tríplice fidelidade: à pessoa humana, a Cristo e
à Igreja; uma quarta é acrescentada: a atenção à realidade sociocultural.
Finalmente o texto termina com um longo capítulo dedicado
às dimensões e conteúdos da formação do catequista. É o capítulo
central, bastante sintético mas vigoroso pelos temas que aborda: formação
pessoal e comunitária, espiritual, bíblica, teológico-doutrinal, litúrgica,
psicossocial, ético-moral, metodológica; os dois últimos assuntos são
dedicados ao processo de avaliação e ao papel da
coordenação e à formação do coordenador
Em seguida os novos assessores, Inês Broshuis e Pe.
Juventino Kestering (1991-1995), prosseguiram nos desdobramentos da 1º SBC,
promovendo um levantamento da realidade do Sacramento da Confirmação no Brasil,
resultando no texto: Orientações para a Catequese de Crisma (1991,
Estudos CNBB 61). O Sacramento da Crisma ou Confirmação, do ponto
de vista teológico-histórico, é bastante complicado, por causa da confusão e
identificação, nas origens, deste sacramento com o Batismo. Este assunto é
tratado no segundo capítulo. A parte mais especificamente catequética, é o
terceiro capítulo: orientações para uma ação pedagógico-pastoral,
onde os principais problemas relacionados com esta catequese crismal são
abordados: papel da comunidade, a questão do método, conteúdo, espiritualidade,
aspectos celebrativos, padrinhos, agentes da catequese, a continuidade do
processo crismal e crisma de adultos. O documento termina com a Constituição
apostólica sobre o sacramento da confirmação de Paulo VI (1971).
Em 1994 a Coleção Estudos da CNBB lançou o livro Catequese
para um mundo em mudança (1994, Estudos CNBB, 73). Na história da
Catequese renovada no Brasil este Estudo, mesmo que incompleto, é de grande
importância e o expressa bem o Padre Luiz Alves de Lima, em uma apresentação do
texto:
Como fruto de dois encontros nacionais de catequese (1992 e
1994) e da reflexão do GRECAT (Grupo de Reflexão sobre Catequese) foi publicado
este documento, também na coleção Estudos da CNBB, com o nº
73. Já desde o fim da década de 80 vinha emergindo com muita força em toda
Igreja, e particularmente na América Latina e Brasil, o tema da inculturação.
Dentro da inculturação da fé a catequese possui um papel
muito importante; ora, os documentos anteriores não tinham tratado
suficientemente tal problema. D. Albano Cavallin vinha insistindo sobre a
necessidade de escrever um 5º capítulo do documento “Catequese
Renovada...”. De fato, este nosso Diretório Catequético possui
quatro partes (e não capítulos!) e faltaria algo mais que seria a inculturação
da fé pela catequese. Tanto assim é que durante muito tempo só se falou no tal
do 5º capítulo. Nos V e VI encontros nacionais de 1992 e 1994,
ambos em Brasília, este foi o assunto principal, enfocando de um modo especial
o tema da inculturação da catequese na cidade, ou seja, a catequese
urbana.
Assim, este Estudo, que recebeu o sugestivo nome de Catequese
para um mundo em mudança (Paulus, 1995) trata de um modo especial: a
questão urbana, a questão ética, e mais genericamente,
a questão da modernidade ou pós-modernidade.
O texto se compõe de duas partes. A primeira, e menor, é a
principal: aí estão algumas conclusões, não muito sistematizadas sobre estes
temas do "novo" na catequese, na sociedade e na
Igreja, com algumas poucas e genéricas pistas para uma catequese que
precisa se inculturar. A segunda parte, mais comprida, e que recebe o nome
de Anexos, recolhe a contribuição das pessoas que assessoraram
o encontro de 1994; na maior parte das vezes são resumos das palestras. Também
aqui são uma série de temas justapostos e não sistematizados (O conceito de
cultura, as releituras do novo dentro da própria Bíblia, desafios
diante da mudança, a diáspora, o exílio, comunicação e testemunho,
ecumenismo e pluralismo religioso na nossa cultura, alteridade). Enfim, a
impressão é que estamos diante de uma colcha de retalhos a respeito de um tema
que em si mesmo é difícil e complexo, e por isso mesmo, ainda um tanto imaturo
e desafiador para a reflexão catequética: a questão permanece em aberto!
No pós 1986 (1ª Semana Brasileira de Catequese), a CNBB, em
1998, publicou um texto que podemos considerar como último Estudo antes da 2²
SBC o de número 78: O hoje de Deus em nosso chão (1998). Eis
uma apresentação elaborada pelo Padre Luiz Alves de Lima:
São reflexões ainda em torno do tema da inculturação da
catequese nos nossos dias. O Estudo tem quatro partes. As I, II e III
recolhem os conteúdos apresentados pelos assessores no VII Encontro Nacional de
Catequese (Belo Horizonte de 18 a 21 de setembro de 1997). Na IV parte são
apontadas algumas pistas de ação.
Como diz o título do texto, que também foi o lema do
Encontro Nacional, o tema central é a busca do mistério de Deus e seu anúncio
no mundo de hoje. “Interpretar o hoje do nosso chão, o chão da nossa história,
o contexto atual tão complexo, onde o Espírito sopra como quer, não é tarefa
fácil, e isto fez do VII Encontro Nacional um lugar privilegiado de
participação, de busca e de esperança.
Recolher toda essa riqueza exigiria uma publicação bem mais
volumosa do que o presente Estudo: cada texto do documento apresenta um enfoque
particular sobre catequese inculturada” (Introdução, pp. 5-6). Os
temas são os seguintes:
“Análise da realidade catequética” (Pe. Luiz Alves de
Lima, sdb), “Referenciais antropológicos da catequese hoje”(Pe. Joaquim Mol);
“Aspectos culturais do hoje de Deus em nosso chão” (Therezinha M. Lima da
Cruz); “Referenciais teológicos para a catequese hoje”(Ir. Israel José Nery,
fsc); “Elementos de metodologia catequética (Pe. Juventino Kestering);
“Espiritualidade do catequista” (Ir. Mary Donzellini); “Busca do Sagrado” (Ir.
I. J. Nery); “Catequese afetiva” (Pe. J. Kestering); “Leitura bíblica na catequese
– profeta Jonas” (Pe. Wolfgang Gruen, sdb); “Comunicação na catequese” (Ir.
Maria Inês Carniato, fsp); “Bases para uma atitude de diálogo” (T. M. Lima
Cruz).
As pistas de ação são: 1. Elementos comuns que devem ser
considerados em toda catequese; 2. Propostas que devem ser encaminhadas; 3.
Atividades a serem incentivadas pela Dimensão Bíblico-Catequética
Nacional.
A partir de 1999, os responsáveis nacionais da Catequese, a
partir do que havia sido detectado nos últimos anos decidiram, após diversas
consultas, pela celebração da Segunda Semana Brasileira de Catequese (2ª SBC),
em outubro de 2001. A temática “Com adultos, catequese adulta”, se impunha,
face a fragilidade dos católicos adultos em uma sociedade cada vez mais plural,
também em termos de religião e de novas “igrejas pentecostais”, de forte
organização comercial e midiática, agressivas à Igreja Católica e apelativas em
termos de conversão, expulsão do demônio, curas e progresso material de seus
adeptos. O nosso próximo texto será sobre esta 2ª Semana de Catequese.
_________________
Irmão Israel José Nery fsc (Irmão Nery fsc) é de
Machado-MG. Formado em Ciências Religiosas pela Universidade Lateranense, em
Roma, com especialização em Catequética e Teologia da Vida Religiosas
Consagrada. Membro do Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs, fundado em 1680,
por São João Batista de La Salle, padroeiro celeste dos educadores e das
educadoras. Foi Assessor Nacional, na CNBB, para Catequese (1983-1987) e
Educação (1996-2000). Integrou a Diretoria da Confederação de Religiosos da
América Latina (CLAR), nos anos 1988 a 1991 e, neste período, Provincial
Lassalistas no Brasil e, mais tarde no Chile (2012-2014). É conferencista e
escritor. Reside em São Paulo-SP.
[1] JOÃO PAULO II – Discurso do
Papa João Paulo II aos Bispos do Brasil, Fortaleza, 10/07/1980, item 5:
a catequese é uma urgência. Só posso admirar os pastores zelosos que em
suas Igrejas procuram responder concretamente a essa urgência fazendo da
catequese uma verdadeira prioridade.
Fonte: https://www.catequesedobrasil.org.br/