Segundo dados da Conferência Episcopal Indonésia, existem
cerca de 10,5 milhões de católicos nas 34 províncias indonésias, em um total de
mais de 275 milhões de habitantes, de maioria muçulmana. Em entrevista à
Agência Fides, o arcebispo de Jacarta fala da presença católica no Arquipélago
desde os primórdios e como esta teve participação até mesmo na independência do
país em 1947.
por Paolo Affatato
Ao entrar no complexo da Catedral de Jacarta, dedicada a
Nossa Senhora da Assunção, um display com a imagem do Papa Francisco faz a
contagem regressiva e informa aos fiéis quantos dias faltam para sua chegada à
capital indonésia. O mesmo cronômetro é encontrado na igreja, onde os fiéis
param para rezar diante da estátua da Pietà ou diante da Virgem com rosto
indonésio. Do outro lado da rua avista-se a grande mesquita Istiq'lal, e também
ali, onde se realizará um encontro inter-religioso com o Papa, os preparativos
são intensos.
No clima de expectativa pela visita do Papa Francisco, o
cardeal Ignatius Suharyo Hardjoatmodjo, arcebispo de Jacarta desde 2010, fala
em uma entrevista à Agência Fides (publicada em duas partes) sobre os motivos
da peregrinação papal e as esperanças que suscitam no país de maioria islâmica
mais populoso do mundo.
Cardeal Suharyo, o senhor poderia traçar-nos um perfil da
Igreja Católica na Indonésia?
A Indonésia é um país muito grande e a situação varia muito,
de ilha para ilha, em todos os níveis: geografia física, contexto social,
cultural e religioso, nível de desenvolvimento e educação. Esta grande
diversidade é certamente uma riqueza, mas objetivamente representa também um
problema, ou seja, um desafio a ser enfrentado para a unidade da nação. Em
linha de máxima, os católicos na Indonésia vivem em harmonia com o resto da
nação, com os diferentes componentes da sociedade, cuja grande maioria professa
o Islã. Também na extensão e na presença da Igreja Católica no arquipélago
podemos notar grandes diferenças: se formos a Flores, na província de Nusa
Tenngara oriental, encontraremos uma ilha onde a maior parte da população é
católica; se formos para Sumatra Ocidental, a porcentagem se aproxima de zero.
Em uma situação muito diversificada, então, o critério comum é viver e
testemunhar a nossa fé com simplicidade e mansidão, e desfrutar de boas
relações com todo o resto do povo. Segundo dados da Conferência Episcopal
Indonésia, existem cerca de 10,5 milhões de católicos nas 34 províncias
indonésias, num total de mais de 275 milhões de habitantes.
Alguma breve informação histórica sobre a presença da fé
católica na Indonésia?
Depois dos primeiros contatos com alguns missionários
franciscanos no século XIV, os primeiros missionários portugueses chegaram à
região das ilhas Molucas no início de 1500 e levaram para lá o Evangelho.
Também o grande apóstolo São Francisco Xavier, padroeiro das missões,
desembarcou na metade de 1500 e atuou no que hoje é território indonésio.
Depois, com a presença dos colonizadores holandeses (que aqui permaneceram por
350 anos), favoráveis ao
calvinismo, a difusão da fé católica foi prejudicada e sofreu um revés. Somente no século XIX o
governo das Índias Orientais Holandesas concedeu aos católicos liberdade de
missão. Aqui em Java recordamos a presença do missionário holandês Frans Van
Lith, que no início do século XX evangelizou o centro da ilha e fundou o
primeiro Seminário.
É uma história muito longa, e o sua última passagem, aquela
mais próximo de nós, começa com a Proclamação da Independência da Indonésia em
1947. É preciso recordar que então a Santa Sé foi uma das primeiras a
reconhecer a nova nação que obteve o independência. Desde 1947 um representante
do Vaticano já estava oficialmente presente em Jacarta. Este é um ponto
importante na história da Igreja Católica no Arquipélago. E, voltando, antes da
independência, os missionários católicos presentes estavam ao lado da população
local e partilhavam com ela o desejo de se tornar uma nação, manifestando-se já
no início do século XX.
De que forma essa proximidade se manifestou?
No período colonial, primeiro holandês e depois japonês –
durante a Segunda Guerra Mundial – os missionários expressaram muito claramente
a visão de serem favoráveis à independência da Indonésia. Ainda mais depois da
Carta Apostólica Maxixmum Illud de Bento XV. Quero recordar,
por exemplo, a figura de um jesuíta que se tornará, em 1940, o primeiro bispo
indonésio: Alberto Soejapranata, aluno do Seminário Van Lith, hoje um dos
heróis nacionais reconhecidos pelo Estado. Soejapranata promoveu explicitamente
a independência da nação, em um vasto movimento que tinha muitas almas, como a
comunista, a islâmica e a nacionalista.
Portanto, desde o início, os católicos indonésios
sentem-se plenamente integrados na nação...
Pode-se afirmar que eles são parte integrante da nação desde
o início. Ainda hoje compartilhamos e recordamos o lema do bispo Alberto
Soejapranata: ser cem por cento católicos e cem por cento indonésios. Podemos
dizer que em toda a parte, em toda a Indonésia, os católicos vivem este
espírito de pertença. Ele queria dizer que, como católicos, temos consciência
de ser chamados a ser santos, a seguir os passos de Cristo, a ser suas
testemunhas nesta parte do mundo. E como indonésios, amamos o nosso país, olhando
para ele e vivendo nele com a inspiração da nossa fé. Na nossa história de
hoje, este espírito significa ser generoso, caridoso e compassivo para com o
nosso país, para com toda a vasta população indonésia.
Como se expressa hoje esta abordagem no contexto
específico da Indonésia, tão vasto e plural?
Esta atitude de amor à pátria hoje exprime-se e clarifica-se
no praticar na vida quotidiana dos valores da “Pancasila”, a “Carta dos cinco
princípios” que está na base da Constituição.
Gostaria de dar um exemplo prático: na nossa Arquidiocese de
Jacarta, no quinquênio de 2016 a 2020, refletimos, como comunidade, sobre um
dos princípios da Pancasila a cada ano, traduzindo-o na vida quotidiana,
considerando-o da específica perspectiva da nossa fé, fortalecendo assim quer a
nossa fé como a nossa pertença à Indonésia.
Estudamos o primeiro princípio – a fé no único Deus – à luz
do documento Deus Caritas Est e celebramos naquele ano o
Jubileu da Misericórdia: Deus é amoroso e misericordioso conosco. O segundo
princípio é a humanidade. A pergunta que nos fizemos foi a do Evangelho: quem é
o meu próximo? Se pensarmos que a Indonésia é composta por mais de sete mil
grupos étnicos, com culturas, histórias e tradições diferentes. O meu próximo é
cada uma destas pessoas, do vasto mosaico indonésio.
Ao atualizar o terceiro princípio, a unidade da Indonésia,
vimos que hexiste uma consequência direta: somos diferentes mas todos ligados
pela mesma humanidade, e isto constrói a unidade do país. O lema da Indonésia é
precisamente “unidade na diversidade”. Quisemos expressar isso de especial
maneira no culto mariano, representando a Virgem Maria, nossa mãe - da qual
existem várias figuras e rostos diferentes, dependendo dos estilos e culturas
da Indonésia - com um rosto comum a todos: nasceu assim “Maria mãe de todas as
etnias”, representada com as cores da nação e com a garuda, a águia
nacional, e essa estátua está na Catedral de Jacarta. Também rezamos e
distribuímos milhares de Rosários nas cores branca e vermelha, as cores
nacionais.
Como vocês atualizaram os dois últimos princípios da
Pancasila?
Para o quarto princípio, a democracia guiada pela sabedoria,
aprofundamos a nossa compreensão da sabedoria cristã, graças a um discernimento
comunitário, uma experiência de profunda sinodalidade que nos reconduziu às
origens da nação indonésia e nos levou a pensar sobre o nosso futuro não
individualmente, mas juntos e como comunidade inserida em uma nação mais ampla.
Tivemos também a ocasião de refletir sobre a hierarquia na Igreja, que só faz
sentido se concebida como serviço, e vivida com o método da escuta, porque o
Espírito Santo fala na comunidade: assim o princípio da democracia, de uma
forma ou outra, entra também na vida da comunidade eclesial, com uma prática de
sinodalidade.
Ao abordar o quinto princípio, a justiça social, chegou a
pandemia e pudemos ainda mais vivenciar a atenção aos pobres e aos doentes, aos
que se encontram em estado de necessidade e são os mais necessitados e
vulneráveis, sem distinção de crença, etnia, cultura. Para sancionar esta opção
preferencial, recolocamos no complexo da catedral uma estátua que representa
“Jesus sem teto”, para recordat a cada um de nós que Cristo se faz presente nos
pobres, nos marginalizados, nos deserdados.
*Agência Fides