Na alegre esperança de Cristo (Opus Dei)
Na alegre esperança de Cristo
Deixar que o amor de Deus nos toque, deixar que Cristo olhe
para nós. A esperança abre um mundo diante de nós, porque se fundamenta no que
Deus quer fazer em nós.
04/12/2017
O que torna a vida valiosa? O que faz com que a minha vida
seja valiosa? No mundo atual, a resposta a essa pergunta com frequência gira ao
redor de dois polos: o sucesso que somos capazes de alcançar e a opinião que os
outros têm de nós. É claro que não são questões banais: a opinião alheia tem
consequências na vida familiar, social e profissional. O sucesso é a
expectativa lógica daquilo que empreendemos. Ninguém faz alguma coisa com o
objetivo de fracassar. No entanto, às vezes, aparecem pequenas ou não tão
pequenas derrotas em nossa vida, ou outros podem formar uma opinião sobre nós
em que não nos sentimos refletidos.
A experiência do fracasso, do desprestígio, ou a consciência
da própria incapacidade – já não somente no mundo profissional, mas inclusive
no esforço de viver uma vida cristã – podem levar-nos ao desânimo, ao
desalento, e, em último termo, à desesperança.
Na atualidade, a pressão por ter sucesso em diferentes
níveis, por ser alguém, ou, pelo menos, por podermos dizer
que somos alguém é mais forte que em outras épocas. E, na realidade,
em vez do que nós somos – filho, mãe, irmão, avó –, os
holofotes estão colocados sobre o que somos capazes de fazer. Por
isso, hoje estamos mais vulneráveis aos vários tipos de derrotas que a vida
costuma trazer consigo: contratempos que antes se resolviam ou se suportavam
com integridade, hoje causam com frequência uma tristeza ou frustração de
fundo, desde idades muito precoces. Nesse mundo com tantas expectativas e
desilusões, é possível então viver, como propunha São Paulo, “alegres na
esperança” (Rom 12,12)?
NA
ATUALIDADE, A PRESSÃO POR TER SUCESSO EM DIFERENTES NÍVEIS, POR
SER ALGUÉM, OU, PELO MENOS, POR PODERMOS DIZER QUE SOMOS
ALGUÉM É MAIS FORTE QUE EM OUTRAS ÉPOCAS
Na sua carta de fevereiro, o Prelado do Opus Dei dirige
o olhar à única resposta verdadeiramente lúcida a essa pergunta. Uma resposta
que se levanta com um sim decidido: “fazei, Senhor, que a partir da fé no vosso
Amor vivamos cada dia com um amor sempre novo, numa alegre esperança”[1].
Ainda que, às vezes, a falta de esperança possa parecer “menos ingênua”, só
será se fecharmos os olhos ao Amor de Deus e à sua permanente proximidade. O
Papa Francisco nos recordava isso em uma das suas catequeses sobre a esperança:
“A esperança cristã é sólida, eis porque não desilude. (...) Não
está fundada sobre o que nós podemos fazer ou ser, e nem sequer naquilo em que
podemos acreditar. O seu fundamento, ou seja, o fundamento da esperança cristã
é o que de mais fiel e seguro pode existir, isto é, o amor que o próprio Deus
alimenta por cada um de nós. É fácil dizer: Deus nos ama. Todos nós dizemos
isso. Mas pensem um pouco: cada um de nós é capaz de dizer: estou convencido de
que Deus me ama? Não é tão fácil dizê-lo. Mas é verdade”[2].
A grande
esperança
Em sua pregação e em suas conversas, São Josemaria
contemplava, muitas vezes, a vida dos primeiros cristãos. A fé era para eles,
mais do que uma doutrina a aceitar ou um modelo de vida a realizar, o dom de
uma vida nova: o dom do Espírito Santo, que havia sido derramado em suas almas
depois da ressurreição de Cristo. Para os primeiros cristãos, a fé em Deus era
objeto de experiência e não só de adesão intelectual: Deus era uma Pessoa
realmente presente em seu coração. São Paulo escrevia aos fieis de Éfeso, referindo-se
à sua vida antes de conhecer o Evangelho: “lembrai-vos de que naquele tempo
estáveis sem Cristo, sem direito da cidadania em Israel, alheios às alianças,
sem esperança da promessa e sem Deus, neste mundo” (Ef 2, 11–12).
Com a fé, por outro lado, tinham recebido a esperança, uma esperança que “não
engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito
Santo que nos foi dado” (Rom 5, 5).
Ao longo de vinte séculos, Deus não deixa de chamar-nos a
esta “grande esperança”, que relativiza todas as outras esperanças e decepções.
“Precisamos de esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos
mantenham a caminho. Mas, sem a grande esperança que deve superar tudo o resto,
aquelas não bastam. Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o
universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir”[3].
AINDA
QUE, ÀS VEZES, A FALTA DE ESPERANÇA POSSA PARECER “MENOS INGÊNUA”, SÓ SERÁ
SE FECHARMOS OS OLHOS AO AMOR DE DEUS E À SUA PERMANENTE PROXIMIDADE
É bom considerar se estamos acostumados à
realidade de um Deus que salva – um Deus que vem encher-nos de esperança –, até
o ponto de, às vezes, ver isso apenas como uma ideia, que não tem força real na
nossa vida. A Cruz, que parecia um grande fracasso aos olhos dos que tinham
esperança em Jesus, se converteu, com a Ressurreição, no triunfo mais decisivo
da história. Decisivo, porque não se trata de um êxito só de Jesus: com Ele
todos vencemos. “E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” no Ressuscitado.
Os discípulos de Emaús olhavam o passado com saudades. “Nós esperávamos”,
diziam (Lc 24, 21): não sabiam que Jesus caminhava com eles, que
abria para eles um futuro apaixonante, à prova de qualquer outro desengano.
“Aviva a tua fé. – Cristo não é uma figura que passou. Não é uma recordação que
se perde na história. Vive! ‘Jesus Christus heri et hodie: ipse et in
saecula!’, diz São Paulo. Jesus Cristo ontem e hoje e sempre!”[4]
Deixar-nos
tocar pelo amor de Deus
São Paulo descrevia assim a raiz da vida cristã: “... Pela
fé, eu morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Estou pregado à cruz de
Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu. É Cristo que vive em mim. A minha vida
presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou
por mim” (Gal 2,19-20). Para o Apóstolo, o cristianismo consiste,
em primeiro lugar, na realidade de que Cristo morreu por nós, ressuscitou e, do
Céu, enviou a nossos corações o seu Espírito Santo, que nos transforma e abre
os nossos olhos para uma vida nova. “Quem é atingido pelo amor começa a intuir
em que consistiria propriamente ‘vida’. Começa a intuir o significado da
palavra esperança”[5].
Como para a samaritana, Maria Madalena, Nicodemos, Dimas, os discípulos de
Emaús, Jesus nos dá um novo modo de olhar: de olhar-nos a nós mesmos, os outros
e Deus. E somente a partir deste novo olhar que Deus nos dá, o esforço por
melhorar e a luta por imitá-lo têm sentido: vistos por si mesmos, estas duas
coisas seriam “vaidade e vento que passa” (Ecl. 2,11), um empenho
inútil.
Ao morrer na Cruz “por nós homens e pela nossa salvação”[6],
Cristo nos livrou de uma vida de relação com Deus concentrada em preceitos e
limites negativos. Libertou-nos para uma vida feita de Amor: “vos revestistes
do homem novo, que vai se renovando constantemente à imagem daquele que o
criou, até atingir o perfeito conhecimento”. (Cl 3,10). Trata-se,
então, de conhecer o Amor de Deus e de deixar-se
tocar por Ele, para retomar – a partir dessa experiência – o caminho para a
santidade. Encontrar Deus e deixar-nos transformar por Ele é o essencial. Pouco
depois de sua eleição, o Prelado do Opus Dei nos recordava: “quais são as
prioridades que Nosso Senhor nos apresenta neste momento histórico do mundo, da
Igreja e da Obra? A resposta é clara: em primeiro lugar, cuidar da nossa união
com Deus com delicadeza de apaixonados, partindo da contemplação de Jesus
Cristo, rosto da Misericórdia do Pai. O programa de São Josemaria será sempre
válido: ‘Que procures Cristo. Que encontres Cristo. Que ames a Cristo’“[7].
A união com Deus nos permite viver a Vida que Ele nos oferece. Procurar o rosto
de Cristo, e deixar-nos olhar por Ele é um caminho esplêndido para aprofundar
nessa vida de Amor.
Lucas Buch
Tradução: Mônica Diez
[1] F.
Ocáriz, Carta pastoral, 14-II-2017, n. 33.
[2] Francisco,
Audiência, 15-II-2017.
[3] Bento
XVI, Enc. Spe Salvi (30-XI-2007), n. 31.
[4] São
Josemaria, Caminho, n. 584
[5] Bento
XVI, Enc. Spe Salvi (30-XI-2007), n. 27.
[6] Missal
Romano, Símbolo niceno-constantinopolitano.
[7] F.
Ocáriz, Carta pastoral, 14-II-2017, n. 30 (cfr. Caminho, n. 382).
Fonte: https://opusdei.org/pt-br