Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, antiga cidade da
Numídia. atual Argélia no norte da África, no ano de 354. Filho
primogênito de Santa Mônica e de Patrício, rude pagão que depois viria a se
converter ao Catolicismo. Teve um irmão, Navígio, e uma irmã,
Perpétua, que viria a ser religiosa.
Com inteligência superior, aos 11 anos estudou inicialmente
em Madauro, perto de Tagaste. Aprendeu ali sobre literatura latina mas
também sobre o paganismo local e romano.
Sua mãe o educara na Fé católica, mas a inconstância, o
espírito de insubordinação e a impetuosidade de caráter de Agostinho a levara a
adiar o seu batismo, com medo que ele viesse a profanar o Sacramento.
E realmente, aos 16 anos, tendo ido estudar Retórica, Filosofia e Literatura em
Cartago, adotou uma vida desregrada.
Seu pai tinha preocupação apenas em que tivesse boas notas,
brilhasse nas festas sociais e se destacasse nas atividades físicas; com
17 anos, quando seu pai morreu, Agostinho estava corrompido pelo jogo e pela
luxúria, e passara a seguir uma seita maniqueísta, onde há um deus bom e outro
mau. O hedonismo, a ideia de que o prazer é o fim único da vida, o levou a
juntar-se dois anos depois com uma mulher cartaginesa, da qual teve um filho,
Adeodato.
Aos 20 anos, Agostinho era professor conceituado de Retórica
em Cartago. Mas sua mente inquieta não estava satisfeita. Ao ler “Hortensius”,
de Cícero, começou a buscar a sabedoria: “A felicidade – escreveu
o grande romano – consiste nos bens que não perecem: sabedoria,
verdade, virtudes”. Esta busca o levou a estudar e conhecer diferentes
propostas filosóficas, ao longo do tempo. Em 382, procurando algo que o
satisfizesse interiormente, e ao mesmo tempo querendo evitar as admoestações de
sua mãe, usou de um estratagema para deixá-la no porto de Cartago, enquanto
embarcava com a amante e Adeodato para Roma.
Lá teve apoio dos maniqueístas e abriu uma escola, mas já
não estava satisfeito com esta seita. Em 384 obtém a cátedra de
Retórica na corte imperial em Milão, onde passa a seguir o ceticismo. Nesta
cidade estava o bispo Santo Ambrósio, cujos brilhantes sermões começaram a
interessá-lo pela refinada técnica oratória e dialética. Ao aspecto
intelectual foi acrescentado o espiritual, o conteúdo das pregações, e
Agostinho começou a se questionar quanto ao Catolicismo.
Mônica já se mudara também para Milão, para estar mais perto
do filho, e suas orações e lágrimas, partilhadas e orientadas por Ambrósio, de
quem se aproximou, começaram a dar frutos. Atormentado, Agostinho leu tanto
variadas obras filosóficas quanto a Bíblia, interessando-se pelos
pensadores gregos e pelos ascetas cristãos. Mas ele buscava a Verdade,
e seguindo um impulso interno – como uma voz interior, certamente uma moção do
Espírito Santo – que lhe dizia “Pega e lê!”, abriu uma
das cartas de São Paulo, em Rm 13,13-14: “Vivamos honestamente, como quem
vive à luz do dia. Nada de comilanças ou bebedeiras, nem volúpias, nem
luxúrias, nem brigas, nem rivalidades. Pelo contrário, revesti-vos de Jesus
Cristo e não tenhais preocupações com a carne, para satisfazer as suas concupiscências”. Estas
palavras, e o que ouvira de Santo Ambrósio, o decidiram finalmente. Encerrou o
relacionamento indecoroso de 13 anos com a amante, que voltou para a África,
abandonou os vícios e maus costumes, e preparou-se para o Batismo. Tanto
ele, aos 33 anos, como Adeodato, com 15, foram batizados por Santo Ambrósio na
catedral de Milão, na Páscoa de 387.
Não muito tempo depois, Adeodato morreu, e Santa Mônica,
junto com Agostinho e seu irmão Navígio, decidiram voltar para Tagaste. No
porto de Óstia, próximo de Roma, Mônica, depois de constatar que a sua missão
nesta vida fôra completada com a conversão do filho, é acometida por uma
misteriosa e fulminante febre, falecendo em poucos dias. Agostinho depois
escreveria dela: “Pela carne, me concebeu para a vida temporal, e
pelo coração me fez nascer para a eterna” (“Confissões”, IX-8).
Sepultada Santa Mônica, Agostinho seguiu para Tagaste, onde chegando em 388,
junto com alguns amigos iniciou uma vida monástica com uma regra escrita por
ele mesmo. Dedicavam-se à oração, à meditação, ao estudo da Bíblia e a obras
de caridade.
Em 390 ou 391, o Bispo Valério de Hipona o ordenou
sacerdote, e com o seu falecimento em 396, Agostinho foi aclamado pelo povo
como seu sucessor. Por 34 anos fica à frente da diocese e desenvolve um
trabalho portentoso, de alcance verdadeiramente católico, isto é, universal, e
de verdade perene.
Agostinho foi um bispo sempre atento às necessidades
espirituais e materiais dos fiéis, ensinando a Doutrina com toda a ortodoxia e
combatendo heresias, e cuidando caridosamente dos pobres. Como mestre
incontestável de espiritualidade, a demonstrou por palavras faladas e escritas,
e por ações. A sua primeira comunidade deu origem a muitas ordens e
congregações, masculinas e femininas, que seguiram as inspirações da Regra que
escreveu para ela.
Segundo seu primeiro biógrafo, ele “deixou à
Igreja um clero muito numeroso, assim como mosteiros de homens e de mulheres
cheios de pessoas dedicadas à continência sob a obediência dos seus
superiores, juntamente com as bibliotecas que contêm livros e
discursos seus e de outros santos […]”. É considerado o mais profundo
pensador do mundo antigo, bem como um dos mais importantes teólogos e filósofos
da Patrística na Igreja, influenciando e iluminando até hoje o pensamento
universal, divulgado na imensa obra escrita – mais de mil publicações –
que deixou e que abarca os mais diversos temas filosóficos, doutrinais,
apologéticos, morais, monásticos, teológicos e exegéticos. Além disso,
muitas de suas homilias transcritas serviram de modelo e inspiração para os
religiosos ao longo do tempo.
Santo Agostinho faleceu em Hipona, então sob invasão bárbara
e perseguição aos católicos, em 28 de agosto do ano 430, com 76 anos. É
Doutor da Igreja e um dos luminares da Patrística.
A sua incessante busca pela Verdade enriqueceu a Igreja, e
sobretudo pelas suas obras a Idade Média teve acesso à antiguidade cristã. Seus
escritos são fundamentais na formação de toda a cultura do Ocidente; segundo
Paulo VI, “Pode-se dizer que todo o pensamento da Antiguidade
conflui na sua obra e dela derivam correntes de pensamento que permeiam toda a
tradição doutrinal dos séculos sucessivos”. Acima de tudo, Santo
Agostinho é o Doutor da Graça não somente por ter ensinado como ela opera, mas
porque é a prova mesma de como podemos – se o permitimos – ser totalmente
transformados por ela: seu exemplo pessoal mostra como alguém que não tinha
forças para deixar o pecado foi tomado e imerso na Graça de Deus: “porque
é Ele próprio que começa, fazendo com que queiramos, e é Ele que acaba,
cooperando com aqueles que assim querem”.
Das suas principais obras, que incluem “A
Trindade” (em 15 livros), “O Livre Arbítrio” (em três volumes), “A Graça” (em
dois livros, com sete partes no total) e “Comentários Bíblicos” (do Antigo e
Novo Testamentos), talvez as amais conhecidas sejam “Confissões” e “Cidade de
Deus”. A primeira (em 13 livros) é como que uma sua autobiografia
espiritual e um hino de louvor ao Senhor, onde confessa tanto a sua miséria
espiritual, dos seus pecados, quanto a grandeza de Deus, que o redimiu. A
segunda (em 22 livros) trata da relação entre a Fé a política, retratada nas
aspirações da alma e os desejos mundanos, e influenciou diretamente a
Teologia cristã e o pensamento político ocidental. Foi escrita no contexto do
saque de Roma pelos visigodos em 410, e das críticas pagãs de que Roma estava
mais segura na época das divindades pagãs do que com o Cristo. Em resumo,
mostra a Humanidade dividida (desde Adão e Eva, diríamos…) entre dois amores: o
amor a si mesmo, “até à indiferença por Deus”, e o amor a Deus, “até
à indiferença por si mesmo”.
Colaboração: José Duarte de Barros Filho
Reflexão:
É da natureza humana buscar a Deus, porque somos Sua imagem
e semelhança. Com maior ou menor sensibilidade, todos nós ansiamos por Ele, que
é eterno, inesgotável e perfeito. Nesta procura, por causa das consequências do
Pecado Original, a confusão do que é “perfeito” com o que traz sensações
agradáveis em diferentes níveis da dimensão humana, como o físico, o racional,
o emotivo, é uma tendência constante, e que exige um esforço, a partir do
espiritual, o aspecto humano mais afim de Deus, para que saibamos distinguir
estes apelos inferiores da Verdade, que é o próprio Deus (“Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai sensação por Mim. Se conhecêsseis a Mim,
conheceríeis também a Meu Pai. Desde já O conheceis e O tendes visto” (Jo
14,6-7), esclareceu Jesus aos Apóstolos, indicando também que é Um com o Pai,
na Santíssima Trindade). “conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará”
(cf. Jo 8,32): Perfeição – Verdade – Deus, Quem é nossa origem e fim, e o único
no Qual encontraremos a felicidade e alegria, perene e completa, que percebemos
e naturalmente buscamos naquilo que, nesta vida, percebemos como perfeito. Toda
a vida de Santo Agostinho nos coloca diante deste drama essencialmente humano
que é a busca ansiosa por Deus, pela plenitude da felicidade-perfeição, que é a
Verdade da nossa existência; para o que fomos criados e foi perdido no Pecado
Original, mas resgatado na Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão de Jesus,
Deus Encarnado exatamente para que pudéssemos ser resgatados: o preso e miserável
não pode ser resgatar-se a si mesmo, precisa de alguém que ofereça por ele, e o
Pecado Original prendeu o Homem na miséria, logo, é necessário outro ser
humano, livre e rico, que o tire da prisão – mas quem, se a Humanidade inteira,
na sua essência, está cativa? Jesus, Deus, Se encarna e Se oferece por nós
(“porque é Ele próprio que começa, fazendo com que queiramos, e é Ele que
acaba, cooperando com aqueles que assim querem”), e só por isso o desejo
natural da perfeição pode ser de novo alcançado, se, libertado, o Homem não se
entregar de novo à prisão, ao pecado, voluntariamente... O próprio Agostinho,
depois de convertido, dá testemunho deste processo, que demorara a entender, na
talvez mais famosa (com justiça) das suas citações: “Tarde Vos amei, ó Beleza
tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Estáveis dentro de mim e eu estava fora,
e aí Vos procurava; e disforme como era, lançava-me sobre estas coisas formosas
que criastes. Estáveis comigo e eu não estava convosco. Retinha-me longe de Vós
aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Mas Vós me chamastes (…) e
agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me, e comecei a desejar ardentemente a
vossa paz” (“Confissões” X, 27, 38). Mas não basta a conversão, “Na vida
espiritual, quem não avança retrocede” (São Padre Pio de Pietrelcina). A busca
de Santo Agostinho é inerente e natural a qualquer outro homem, mas continuar
avançando na vida de santidade, apesar de novas quedas e levantamentos,
constantemente e sem desistir, é uma escolha pessoal. Da qual, naturalmente,
seremos os únicos responsáveis pelas consequências nesta e na vida futura.
Oração:
Deus de infinita paciência, que por séculos preparastes a
Redenção, e nos aguardais com amor assíduo, concedei-nos por intercessão de
Santo Agostinho de Hipona a sinceridade da busca e da conversão a Vós, ao longo
de toda a nossa vida, e a honestidade de perseverarmos sempre mais no
crescimento da santidade, até que o amor por Vós chegue à indiferença por nós
mesmos”. Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.