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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

O som de 10 línguas indígenas brasileiras em perigo de extinção (4)

BBC NEWS BRASIL

O som de 10 línguas indígenas brasileiras em perigo de extinção

  • Equipe de Jornalismo Visual da BBC News Brasil
  • 18 de dezembro de 2023
  • Brasil

O território brasileiro abriga hoje apenas 20% das estimadas 1.175 línguas que tinha em 1500, quando chegaram os europeus. E, ao contrário de outros países da região, como Peru, Colômbia, Bolívia, Paraguai e até Argentina, o Brasil não reconhece como oficiais nenhuma de suas línguas indígenas em âmbito nacional.

Ainda assim, o Brasil é considerado um dos 10 países com o maior número de línguas no mundo e um dos que possuem maior diversidade linguística – ou seja, grande quantidade de famílias diferentes e de línguas isoladas.

Para dar uma ideia da diversidade linguística e cultural do país, a BBC News Brasil fez uma seleção com a ajuda de especialistas indígenas e não indígenas.

O resultado é este especial, no qual mostramos 10 das línguas indígenas faladas hoje no Brasil, de diferentes famílias e em distintas situações de preservação.

Kayapó

a língua dos que "falam bonito"

Língua macro-jê

Os mẽbêngôkre-kayapó têm tipos diferentes de discurso para cada ocasião, e chamam sua língua kabẽn mex, ou "fala bonita". Essa importância do discurso se revela "em fórmulas que são usadas para fechar ou abrir os discursos e em certas palavras ou pronúncias que são específicas para estilos formais", explica o linguista Andrés Pablo Salanova, da Universidade de Ottawa, no Canadá.

Em cerimônias e ocasiões solenes, os homens em posição de liderança falam expulsando o ar como se tivessem sido golpeados na barriga – um estilo de discurso chamado de bẽn.

"Eles consideram ser eloquente, falar bem, como um atributo importante nos chefes", diz o pesquisador.

"Mas numa viagem recente eu vi uma coisa parecida acontecendo com as mulheres, uma espécie de oratória feminina que eu não tinha observado no passado. Acho que isso vem também do fato de que começam a existir associações informais femininas."

As mulheres também utilizam o chamado choro ritual — que não é apenas um choro, mas uma maneira de falar. Ele é uma espécie de melodia que se impõe à fala, segundo Salanova, e também exige que algumas palavras sejam modificadas.

A língua dos mẽbêngôkre — que também é falada pelo povo xikrin — têm a característica única de usar termos de parentesco chamados de "triádicos", ou seja, que se referem ao mesmo tempo à relação entre três pessoas.

Os kayapó são conhecidos internacionalmente pelo ativismo pela preservação da floresta amazônica e por direitos indígenas | Foto: Getty

"Por exemplo, se você for a minha irmã e eu quero falar do seu filho, há uma palavra que só posso usar se essa pessoa é também o meu sobrinho. Não digo apenas 'seu filho', como diria em português, mas, sim 'o seu filho que é meu sobrinho'", explica Salanova.

"As línguas da família jê no norte, como o mẽbêngôkre, têm um grande vocabulário desse tipo, mas isso não é conhecido em nenhuma outra língua da América do Sul."

Segundo o linguista, esses termos também são usados "'fora de contexto' em certos discursos, para criar empatia entre o falante e os ouvintes, dizendo mais ou menos que os parentes de um são considerados parentes do outro".

Por exemplo, akadjwỳj significa "a sua filha é minha filha (ou sobrinha paralela)" e nginhĩ é "a sua esposa é minha cunhada".

Hoje, os mẽbêngôkre-kayapó são mais de 11 mil, segundo estimativas do Instituto Socioambiental (ISA), espalhados por cerca de oito terras indígenas — algumas demarcadas e outras, não.

Tanto no Brasil quanto internacionalmente, eles ficaram conhecidos como "guardiões da floresta" pelo ativismo ambientalista e por demarcação de terras nas décadas de 80 e 90, liderados por nomes como o cacique Raoni Metuktire – que foi indicado para o prêmio Nobel da Paz em 2020.

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Nesse período, os kayapó afirmavam estar sofrendo invasões frequentes de garimpeiros e madeireiros em seu território. Desde então, conseguiram o reconhecimento oficial de cinco terras indígenas contínuas, um território maior do que o da Áustria, e um dos maiores territórios indígenas em posse de um único povo no Brasil e no mundo, segundo o ISA.

Apesar do crescente contato com os não indígenas, os mẽbêngôkre-kayapó mantém sua língua viva no cotidiano.

"Há pouco bilinguismo nas aldeias. Você ainda encontra muitas pessoas acima de 40 anos que não falam português e, entre os menores de 40, muitos têm o português limitado", diz Andrés Salanova.

Segundo o pesquisador, o mẽbêngôkre resiste à influência do português também porque não costuma pegar palavras emprestadas de outras línguas.

Os kayapó criam palavras novas para designar o que conhecem através dos não indígenas, juntando substantivos, como no alemão. Por causa disso surgem palavras curiosas.

"Para falar óculos, se diz no kam ixe, ou 'vidro no olho'; rádio é mẽ kabẽn djà ou 'instrumento de gente falar' e avião, màt kà, 'pele de arara'", explica Andrés Pablo Salanova.

Kheuól

a única língua crioula adotada por indígenas

Língua crioula

Dois povos indígenas que não têm origem comum dividem hoje uma língua que têm influência de colonizadores franceses, africanos escravizados, da língua de um desses povos, os galibi, e do português. O kheuól é a única língua crioula que faz parte da identidade de povos indígenas brasileiros.

As chamadas línguas crioulas nasceram em vários lugares do mundo do contato entre povos, geralmente em processos de colonização. Elas se formam quando língua dominante se sobrepõe a outras, e elas acabam por formar uma terceira, de características únicas, segundo o pesquisador Glauber Romling da Silva, da Universidade Federal do Amapá, em artigo no livro Índio não fala só tupi (Editora 7Letras, 2021).

No caso do kheuól, a mistura foi entre o francês, línguas africanas da família nigero-congolesa e o galibi, língua do povo indígena galibi-marworno (pronuncia-se marúorno), que vive entre o Brasil e a Guiana Francesa.

Hoje, ela é falada principalmente pelos galibi-marworno e pelos karipuna, que vivem em Oiapoque, no Amapá. E também por alguns dos indígenas palikur, que dominavam a região quando os outros grupos chegaram e a utilizam para as relações comerciais e políticas.

A história dessa língua começa na Guiana Francesa, a partir do contato dos franceses e dos povos do oeste africano que eles levaram, escravizados, àquela região, nos séculos 17 e 18. Como eles falavam diversas línguas diferentes, tinham que aprender o francês para se comunicarem.

"Esses adultos escravizados aprendiam as palavras, mas não as regras gramaticais próprias do francês, pois sua exposição à língua era muito limitada. Seu conhecimento começou a se transformar em uma língua crioula com estrutura gramatical complexa, quando os africanos cativos tiveram a primeira geração de filhos", explica Glauber Romling da Silva.

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As crianças, expostas ao vocabulário em francês dos pais, começaram espontaneamente a criar as regras gramaticais que ligavam aquelas palavras.

A nova língua foi adotada pelos galibi, que migraram para a região no século 17 fugindo da perseguição dos portugueses na ilha de Marajó e foram também escravizados pelos franceses na Guiana, até voltarem para o lado brasileiro no século 18. E, mais adiante, pelos karipuna, que fugiram do Pará e chegaram ao Amapá.

"Os galibi chegam na região e aos poucos perdem sua língua. E quando os karipuna chegaram, eles já não falavam sua língua ancestral, e, sim o nheengatu, que era a língua geral da Amazônia", diz a linguista Elissandra Barros da Silva, da Universidade Federal do Amapá (Unifap).

Com a disputa entre Brasil e França pelo território e a fixação das fronteiras, o kheuól — já diferenciado do que se falava na Guiana Francesa — se tornou a língua franca de comunicação na região.

Hoje, os galibi-marworno são cerca de 2.800, vivendo juntamente com os karipuna, que são pouco mais de 3 mil.

Segundo Romling da Silva, o kheuól tem grande parte de seu vocabulário vindo do francês. Por exemplo, verbos como comer (mãje em kheuól e manger em francês), palavras como primeiro (pwomié em kheuól e premier em francês) e lugar (plas em kheuól e place em francês).

Kheuól foi adotado como língua de identidade dos povos vizinhos galibi-marworno e karipuna (na foto) | Foto: Cortesia Elissandra Barros

Outras palavras, como nomes de animais, vieram de línguas indígenas que eram faladas localmente. Por exemplo, kaimã, ou jacaré, vindo de uma língua da família karib. Outras, como kaz (casa) vieram do português. E até o inglês emprestou palavras como xuit (que vem de sweet, doce).

Os pesquisadores acreditam que as línguas africanas deram ao kheuól alguns traços da gramática, como os artigos vindo depois dos substantivos.

A pronúncia de línguas crioulas como o kheuól costuma ser mais próxima da língua dominante. No caso, o francês. E a gramática dessas línguas costuma ser mais simples: ordem direta nas frases, palavras sem prefixos ou sufixos.

"Ter uma estrutura mais simplificada não quer dizer que o kheuól não seja uma língua plena. Ela dá conta de transmitir tudo aquilo que o povo necessita transmitir, como qualquer outra", afirma Elissandra Barros.

Pela maneira como se formou, e sua relativa simplicidade, o kheuól frequentemente sofre preconceito de todos os lados, mesmo dentro da comunidade acadêmica, segundo a linguista.

Como nessa região quem falava línguas crioulas eram os negros e indígenas escravizados, o kheuól é uma língua absolutamente estigmatizada. Muitos não a reconhecem como língua indígena.

Elissandra Barros Linguista da Universidade Federal do Amapá

"Mas o que é uma língua indígena? É uma língua falada por um povo específico, que tem falantes nativos e que faz parte da identidade de um povo. Eles entendem que é a língua dos ancestrais deles. Os galibi e os karipuna têm essa relação com o kheuól."

Mas esse preconceito com a língua, diz Barros, se transfere também para o povo. "Se a minha língua não é língua, o meu povo também não é povo. Isso acaba sendo muito internalizado pelos indígenas."

Para a pesquisadora, o kheuól é uma "língua extremamente ameaçada" porque vem sendo cada vez menos falada em aldeias. Apenas uma aldeia karipuna na TI Galibi alfabetiza as crianças na língua.

"Não investimos em estudar a estrutura dessa língua e sistematiza-la. E com a influência do português, ela vai sendo corroída por dentro", alerta.

Sanöma

a mais diferente das línguas yanomami

Língua yanomami

Os yanomami têm uma narrativa que explica a existência de línguas diferentes no mundo.

Segundo Davi Kopenawa, xamã e porta-voz dos yanomami, nos primeiros tempos, os antigos foram levados pela correnteza como espumas, depois de uma grande inundação. Omama, o criador, conseguiu se salvar e resgatou as pessoas-espuma, colocando-as em locais diferentes: florestas, montanhas, continentes. Assim surgiram as diferentes etnias e línguas.

O povo yanomami tem a sua própria família linguística, mas ainda não há consenso absoluto sobre a quantidade de línguas nesta família.

As pesquisas mais recentes feitas por linguistas falam em seis – sanöma, yanomama, yanomamɨ, ninam, ỹaroamë e yãnoma, esta última recém-classificada – e 16 dialetos. Mas há quem defenda que há uma só língua com quatro grandes dialetos, e até a hipótese de que seriam 11 línguas diferentes.

O sanöma (pronuncia-se sanumá) é a terceira língua yanomami mais falada no Brasil e possui três dialetos. Os próprios indígenas a consideram a mais difícil de entender entre todos os idiomas da família.

Segundo Joana Autuori, doutora em linguística pela USP, que trabalha com os sanöma desde 2011, na língua sanöma é importante deixar clara a origem da informação quando se relata algo. Mas, se no português é preciso uma expressão para isso ("me disseram que" ou "eu vi que" ou "parece que"), nessa língua basta acrescentar determinadas partículas aos verbos.

Por exemplo, a partícula k seguida de uma vogal depois de um verbo significa algo que a pessoa testemunhou pessoalmente. Tha quer dizer que a pessoa não testemunhou e noa mostra que a pessoa está inferindo, ou seja, tem evidências para dizer que algo aconteceu.

A língua sanöma é apenas a terceira mais falada entre os yanomami, mas já tem um livro vencedor do prêmio Jabuti | Foto: Getty

Por exemplo, na frase hama töpö waloki ke ("Os visitantes chegaram"), a pessoa que fala viu quando os visitantes chegaram. Já em wa sanömo noa ("Você tomou banho"), a pessoa tem evidências de que a pessoa tomou banho, como os cabelos molhados, mas não testemunhou o banho. E em a tiä noa thali ("Ele teceu"), quem fala viu o produto, mas não o viu sendo tecido.

"Pra cada tipo de fonte de informação há uma partícula, que também carrega informações de tempo, localização e outras", explica Joana Autuori.

Além disso, também é possível usar o verbo de forma neutra, sem revelar de onde veio a informação. É a forma que os sanöma costumam usar para os relatos mitológicos.

"A nossa interpretação é que essa forma dá mais validade ao que está sendo dito. A pessoa não testemunhou, mas é como dizer 'aconteceu assim'", afirma.

Caçadores e coletores, os yanomami sanöma são conhecidos especialmente pelo cultivo e preparo de cerca de 15 espécies comestíveis de cogumelos da Amazônia, algumas só recentemente registradas pela ciência não indígena.

A língua sanöma é falada por pouco mais de 3 mil pessoas em comunidades ao longo da bacia do rio Awaris, e outros 1.400, aproximadamente, na Venezuela.

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Assim como outros yanomami, os sanöma têm sido afetados pelo aumento do garimpo na terra indígena nos últimos anos.

Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de 2014, mostrou que 92% das pessoas na aldeia sanöma Aracaçá, próxima à fronteira com a Venezuela, apresentavam índices de mercúrio no organismo acima do limite indicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Apesar do contato com não indígenas e com yanomami falantes de outras línguas, o índice de transmissão da língua sanöma, segundo Joana Autuori, é de praticamente 100%.

Todos os sanöma falam sua língua nativa, as crianças são alfabetizadas nela na escola, e pouquíssimos falam o português como segunda língua.

"Originalmente, a língua sanöma não tinha forma escrita. Os missionários da Missão Evangélica da Amazônia começaram lá um projeto de alfabetização nos anos 1960, com o intuito de traduzir a Bíblia para o sanöma", conta a pesquisadora.

"Apesar do proselitismo religioso, que não respeitava a visão de mundo dos yanomami, o lado positivo desse trabalho foi a criação de uma grafia que funciona muito bem."

"Hoje eles podem produzir material escrito sobre si mesmos, mostrar ao mundo que existem", diz Autuori.

Em 2017, o livro Ana Amopö: Cogumelos Yanomami (Instituto Socioambiental), sobre os cogumelos comestíveis dos sanöma, se tornou a primeira obra em língua indígena a ganhar o Jabuti, maior prêmio literário brasileiro, na categoria Gastronomia.

Créditos:

Texto e reportagem: Camilla Costa
Design: Caroline Souza
Edição e design de vídeo: Daniel Arce
Desenvolvimento: Marta Martí Marques, Alex Nicholas, Matthew Taylor
Edição e coordenação: Carol Olona
Agradecimentos: Felipe Corazza, Marcos Gurgel, Holly Frampton, Denny Moore, Gustavo Godoy, Bruna Franchetto, Hein van der Voort, Kristina Balykova, Januacele Francisca da Costa, Elissandra Barros, Gasodá Suruí, Julien Meyer, Joana Autuori, Andrés Pablo Salanova, Fernando Orphão de Carvalho, Edison Melgueiro Baniwa, Francy Fontes Baniwa, Janina dos Santos, Maria do Carmo Martins, Esmeralda Maria Piloto, Keila Felicio Iaparrá, Kilia Sanumá, Kalepi Amarildo Sanumá, Cacique Djik Fulni-ô, Fábia Fulni-ô, Éxetina Aristides Terena, Aronaldo Júlio, todas as mulheres e homens indígenas que cederam seus vídeos.
Vídeos:
Ikolen - Falantes: Sena Kéré’áàp Gavião e Vása Séèp Gavião Participantes: Oliveira Gavião e Tarami Gavião Imagens e edição: Julien Meyer e Laure Dentel | Cortesia do Museu Emilio Goeldi Tradução: Denny Moore, João Cipiábíìt Gavião e Julien Meyer
Nheengatu - Falantes: Maria do Carmo Martins e Esmeralda Maria Piloto Imagens e tradução: Edilson Melgueiro Baniwa
Parikwaki - Falante, imagens e tradução: Keila Felicio Iaparrá
Terena - Falante: Éxetina Aristides Imagens e tradução: Aronaldo Júlio
Guató - Falante: Eufrásia Ferreira (Djariguka) Imagens: Kristina Balykova e Gustavo Godoy Edição e tradução: Kristina Balykova
Yaathê - Falante: Cacique Djik Fulni-ô (Cícero de Brito) Imagens: Fábia Fulni-ô Tradução: Januacele Francisca da Costa
Ka’apor - Falantes e sinalizantes: Jarara Pirã Ka'apor e Sypo Ruwy mãi (Joana Ka'apor) Imagens, edição e tradução: Gustavo Godoy
Kayapó - Falante: Nhàkture (Maria Eugênia) Imagens, edição e tradução: Andrés Pablo Salanova
Kheuól - Falante, imagens e tradução: Janina dos Santos
Sanöma - Falante: Kilia Sanumá Imagens: Kalepi Amarildo Isaac Sanumá Tradução: Joana Autuori

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-3a23b0c2-e594-4145-ad26-32fbee5e9203

O Salvador do mundo

Jesus, Rei do Universo (cancaonova)

O Salvador do mundo 

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

No momento mais sombrio da história, quando a última chama de esperança começava a decair; no entardecer do mundo, marcado por tantas descontinuidades, quando até o próprio templo ruía sob a sombria incapacidade humana de ajustar caminhos e aprumar objetivos; quando as cidades declinaram, os reinos viraram em outra direção, o brandir de espadas era a única luz a orientar o sentido; quando a ira e o desespero cortaram os céus, a humanidade elevou os olhos e foi tomada de surpresa. 

 Assim chegou Jesus Cristo, Filho eterno de Deus. Nele floresceu a natureza original da humanidade, num brilho e vigor que homem nenhum havia sustentado desde o antigo Adão, antes que sucumbisse ao mal. 

No centro do seu estandarte uma cruz, e os que a viram se derramaram em uma torrente de esperança e alegria. 

Em sua cabeça trazia uma coroa sem brilho, que nenhum ser vivente podia sustentar, pois fora forjada pelo próprio Deus. Desse modo, soubemos que o Salvador já caminhava na terra. 

Uma brisa nova que soprava do Leste desdobrou o seu estandarte. No centro jazia uma Cruz, brilhando e desafiando o mais forte e terrível inimigo dos povos. Em torno dela a figura de doze homens altivos, sérios e sólidos como a rocha, para substituir as antigas tribos de Israel e refundar a esperança histórica numa coisa nova e maior. Junto aos apóstolos uma mulher que lhes atraia o olhar, também ornada com uma coroa, cujo olhar fixava uma construção ornada de um material que parecia antigo e de um tempo anterior ao próprio aparecimento do mundo. Essa construção, erguida em torno do Salvador era consistente, e nunca o decepcionou. Uma assembleia de homens e mulheres que jamais o abandonaram. Receberam dEle a fidelidade, e propagaram no porvir dos tempos uma certeza indestrutível na vida e na eternidade. 

Dos primórdios dessas lembranças recordamos com carinho da Senhora da Igreja, seguidora de primeira hora do Salvador, mas que, na consumação do projeto, levantava-se altiva e firme como os pilares da terra, para defender seus filhos. Era como uma Senhora vestida com o sol, caminhando com a lua aos pés, ornada com uma coroa de doze estrelas. Ela se antepunha entre os perigos deste mundo e os membros da nova Assembleia. 

Foi assim que a pareceu uma coisa nova na história!  

No alvorecer desse dia, a labuta não foi mais temida, pois no cume da cidade santa, onde antes encontrava-se os nomes das doze tribos de Israel, foi reforçada com novos alicerces, sobre os quais estão os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro (Ap 21,14). 

Rejuvenescida e refeita, a Assembleia do Senhor, que é a sua Igreja, marchou ainda cambaleante até os portões de seu adversário, a morte, e com convicção invencível bradou para que ela viesse fora e enfrentasse o seu castigo. 

A morte riu, porque ainda era senhora do mundo e sabia poder dominar os campos e turvar a vida dos viventes. Ela ainda era jovem e tinha forças! Em suas veias corriam sangue e vontade de vingança, pois ela mesma não era o último mal, mas mensageira de algo escondido e perverso. 

Entretanto, o mesmo poder bondoso de um senhorio que até então impediu a maldade e a mentira de avançarem no golpe final, emerge agora, pois mesmo o dia tendo se escurecido não precisamos mais de sol ou de lua para iluminá-lo, a glória de Deus o ilumina, e sua lâmpada é o Cordeiro (Ap 21,23). 

Assim, a vitória que parecia incerta se desenhou de modo avassalador com a presença do Salvador do mundo. Sem medo ou fragilidade, pois, alguém como Ele ninguém jamais havia visto, surgiu como Senhor Altivo e imperioso, em cuja face não existia dúvida, mas tão somente assertividade e o comprometimento com aquele que o enviara. 

Como único Senhor do mundo, não poderia deixar à sua sombra outros senhores, principalmente aqueles maléficos e perversos. Por isso mesmo exclamou: “Eu sou o primeiro e o último, o Vivente; estive morto, mas agora estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da Morte e do Hades” (Ap. 1,17). 

Foi ao Hades e sentou-se no trono daquele senhorio perverso e mentiroso, colocando-o sob seus pés e tomando-lhe a aljava. 

Detentor das chaves, o Senhor de tudo, não reconhece nenhum território estrangeiro. Até o reino da morte Ele controlou, e como o Pai lhe havia prometido, assumiu a senhoria do mundo e nos salvou. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Papa: rezemos pelo grito da Terra, que está com "febre e doente"

Pelo grito da Terra (Vatican News)

Em "O Vídeo do Papa" de setembro, o Francisco convida-nos a rezar pelo cuidado do planeta e a ouvir “a dor de milhões de vítimas de catástrofes ambientais”.

https://youtu.be/BCQxQMMXBqI

Vatican News

“Rezemos pelo grito da Terra”: esta é a intenção de oração do Papa para setembroFrancisco faz uma constatação: a Terra está com febre e doente. E pergunta: “Nós ouvimos esta dor? Ouvimos a dor de milhões de vítimas de catástrofes ambientais?”.

Os que mais sofrem com as consequências destes desastres são os pobres, recorda o Pontífice, obrigados a abandonar as suas casas devido a inundações, ondas de calor ou secas.

Portanto, não se trata somente de um problema ecológico, mas fazer frente às crises ambientais provocadas pelo homem exige também respostas sociais, econômicas e políticas.

“Temos de nos comprometer na luta contra a pobreza e a proteção da natureza, alterando os nossos hábitos pessoais e os da nossa comunidade”, é o apelo do Pontífice.

“Rezemos para que cada um de nós ouça com o coração o grito da Terra e das vítimas das catástrofes ambientais e das alterações climáticas, comprometendo-nos pessoalmente a cuidar do mundo que habitamos.”

O homem e a Criação

A videomensagem proposta pela Rede Mundial de Oração do Papa foi realizada este mês com o apoio do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. As imagens que acompanham as palavras do Papa Francisco mostram os efeitos da crise climática nos seres humanos: pessoas que fogem das catástrofes ambientais, aumento da emigração devido aos efeitos do clima e crianças obrigadas a viajar dezenas de quilômetros à procura de um pouco de água.

As preocupações do Papa são confirmadas por estudos fidedignos: segundo o Fórum Econômico Mundial, os países com rendimentos menores produzem um décimo das emissões, mas são os mais afetados pelas alterações climáticas. Estima-se que, até 2050, as alterações climáticas descontroladas obrigarão mais de 200 milhões de pessoas a migrar dentro dos seus próprios países, empurrando ao mesmo tempo 130 milhões de pessoas para a pobreza.

“A luta contra a pobreza” e “a proteção da natureza” são, para Francisco, dois caminhos paralelos, que devem ser seguidos da mesma forma: “alterando os nossos hábitos pessoais e os da nossa comunidade”. O homem, vítima da crise ambiental, pode, por isso, ser também o arquiteto da mudança, e as imagens de O Vídeo do Papa demonstram isso: da gestão dos resíduos à mobilidade, passando pela agricultura e pela própria política.

Espera e age com a Criação

A intenção deste mês insere-se no chamado Tempo da Criação, época do ano em que a Igreja Católica e demais denominações cristãs tradicionalmente se mobilizam para refletir sobre o cuidado da casa comum.

mensagem do Papa para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação 2024 é uma reflexão teológica inspirada na Carta aos Romanos: “Espera e age com a criação”. “A salvaguarda da criação não é apenas uma questão ética, mas é eminentemente teológica: na realidade, diz respeito ao entrelaçamento entre o mistério do homem e o mistério de Deus”, reflete Francisco e acrescenta: “Nesta história, não está em jogo apenas a vida terrena do homem, está sobretudo em jogo o seu destino na eternidade”.

Tempo da Criação terá início no próximo dia primeiro de setembro e terminará no dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis, padroeiro da ecologia.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

O tesouro a ser guardado é mais importante que a tarefa do guardião (1)

Detalhe do arco triunfal: o trono divino ladeado pelos santos Pedro e Paulo com a inscrição Xystus episcopus plebi Dei , Basílica de Santa Maria Maggiore em Roma | 30Giorni

Arquivo 30Giorni

O tesouro a ser guardado é mais importante que a tarefa do guardião

Tradição segundo as cartas do Papa Celestino I (422-432)

por Lorenzo Cappelletti

10 de setembro de 422, o novo bispo de Roma é Celestino I. Sobe à sé de Pedro um homem cuja biografia nos é praticamente desconhecida, mas que, pelos poucos escritos que restam, sabemos que invocou a fé do pescador de Galiléia como sua única razão de estar e agir ali. Seu epistolar, que chegou em fragmentos devido às numerosas destruições sofridas pelos arquivos da Igreja de Roma, acaba de sair do prelo, pela primeira vez em uma bela tradução italiana completa de Franco Guidi, para os tipos de Città Nuova. É em grande parte constituído pelas suas intervenções na crise nestoriana, antes, durante e depois do Concílio de Éfeso de 431. Através delas não pretendemos, como caçadores de heresias, investigar o erro de Nestório condenado precisamente naquele Concílio, mas sim esclareceu positivamente os critérios que nortearam Celestino.

A fé que nos é transmitida pelos apóstolos com plenitude e clareza deve ser salvaguardada de acréscimos e deduções

O que inicialmente chama a atenção na abordagem da questão por Celestino é que ele não se preocupa nem um pouco em discutir a teologia de Nestório e as razões pelas quais ele pensa que deveria preferir o termo Christotòkos (mãe de Cristo) para Maria ao de Theotòkos (mãe). de Deus). É um campo minado. Mas sobretudo não pertence ao carisma de Roma, cuja originalidade, poder-se-ia dizer, é a de não ter originalidade teológica, de não propor soluções próprias. Celestino defende a fórmula do Credo Apostólico que simplesmente afirma que o Filho unigênito de Deus se tornou carne de Maria.

Anunciação, mosaico do arco triunfal, Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma | 30Giorni

Ao mesmo tempo, Celestino aproveita a experiência passada. No início da carta que envia a Nestório em agosto de 430, ele retrata os acontecimentos recentes da sé de Constantinopla: «Depois da sua morte [a morte de Ático, bispo de Constantinopla de 406 a 425] a nossa preocupação foi muito grande, porque pedimos interrogamo-nos se o seu sucessor também o sucederia na fé, pois é difícil que o bem dure muito tempo. Na verdade, muitas vezes o mal acontece com ele e toma o seu lugar. Porém, depois dele tivemos o santo Sisínio, que logo nos abandonaria [já em 427], colega elogiado pela sua simplicidade e santidade que pregava a fé que havia encontrado. Evidentemente, com a sua simples santidade e a sua santa simplicidade, ele leu que se deve preferir ter medo do que conhecimento profundo; e em outros lugares, que não devem ser examinados muito profundamente, e novamente: “Quem pregar de maneira diferente de como pregamos, seja anátema”” (pp. 109-110). A preocupação de Celestino é que o “discurso excessivo” (p. 111) de Nestório, que “preferiu colocar-se ao serviço das suas próprias ideias em vez de Cristo” (p. 107) e que quer “raciocinar sobre o Deus o Palavra diferente daquela que sustenta a fé comum” (p. 111), enriquece ou priva, faz o mesmo, o depositum fidei : “A pureza da fé tradicional não deve ser perturbada com palavras blasfemas sobre Deus. digno de anátema, se ele acrescentou ou tirou algo da fé? Com efeito, a fé que os apóstolos nos transmitem com plenitude e clareza deve ser salvaguardada de acréscimos e deduções. Lemos em nossos livros que nada deve ser acrescentado ou deduzido. Na verdade, quem soma e quem subtrai é atingido com uma grande penalidade [...]. Queixamo-nos porque as palavras que nos prometem a esperança de toda a nossa vida e de salvação foram retiradas do Credo transmitido pelos apóstolos” (p. 113). E ainda mais pessoalmente, deixando de lado o pluralis maiestatis : «Agitur ut mihi totius spei meae causa tollatur», ou seja: «Trata-se de ser privado da razão de todas as minhas esperanças» (p. 116). Passagem verdadeiramente decisiva: não pode haver outra fé senão a fides communis, a fé dos apóstolos, porque, paradoxalmente, só a fé comum é capaz de alimentar a esperança pessoal e razoável de um homem. Não há nada de mecânico na guarda do depósito, é uma ação livre, é um amor: «A guarda da doutrina transmitida não é menos importante que a tarefa de quem a transmite [faz a ênfase inversa que vemos hoje talvez indique falta de amor?]. Os apóstolos semearam as sementes da fé, a nossa preocupação as guarda, para que o nosso mestre encontre frutos abundantes ao chegar; a produtividade deve, sem dúvida, ser atribuída apenas a ele [hoje devem ter surgido algumas dúvidas, se ficamos tão entusiasmados]. E de facto, como diz o vaso de eleição [São Paulo], não basta plantar e regar se Deus não o faz crescer. Portanto, devemos trabalhar arduamente juntos para preservar os ensinamentos que nos foram confiados e que através da sucessão apostólica fizemos nossos até agora” (p. 144). Assim escreveu ao Concílio reunido em Éfeso em 8 de maio de 431. Alguns anos antes, visando as originalidades disciplinares e teológicas da província de Arles, Celestino mostrou que tanto a fé dos apóstolos alimenta a esperança pessoal, como a busca de novidades conduz a superstições ilusórias: «Sabemos que alguns sacerdotes do Senhor [isto é, bispos] se colocaram ao serviço da superstição em vez da pureza de espírito ou de fé [...]. Se começarmos a procurar novidades, pisaremos nas normas que nos foram transmitidas pelos nossos pais e abriremos espaço para superstições inúteis. Portanto, não devemos empurrar as mentes dos fiéis para tais externalidades. Na verdade, eles devem ser educados e não iludidos." Aos bispos das províncias de Viena e Narbonne, 26 de julho de 428 (pp. 61-62).

A aparição do Senhor a Abraão, painel da nave central, Basílica de Santa Maria Maggiore em Roma | 30Giorni

A proteção da doutrina transmitida não é menos importante que a tarefa de quem a transmite

Para dizer a verdade, outro motivo de preocupação entre Celestino tem sido comum a Nestório desde então com os bispos da Provença: ter ultrapassado as normas tradicionais relativas às eleições episcopais. O bispo, para Celestino, deve ser escolhido entre o clero da sua própria Igreja, pois deve ser um candidato que já se deu bem nos vários graus das ordens menores e maiores. Ele explica isso na carta que acabamos de citar: «Um bispo indesejado não deve ser imposto a ninguém. O consentimento é necessário e os desejos do clero, do povo e dos membros das ordens são levados em consideração. Que seja eleito outro, pertencente a outra Igreja, quando não se encontrar ninguém digno entre os clérigos da cidade para a qual será ordenado bispo, eventualidade que não acreditamos que ocorra. Com efeito, neste caso é necessário primeiro repreender esses clérigos, para que alguns pertencentes a outras Igrejas sejam justamente preferidos. Todos podem colher o fruto do seu serviço na Igreja onde passaram o tempo da sua vida desempenhando todas as funções.

 Absolutamente ninguém deveria colocar as mãos em serviços, e ninguém ousaria reivindicar para si a recompensa devida a outros. Os clérigos devem ter o direito de se opor se acreditarem que estão a carregar um fardo demasiado pesado, e não devem ter medo de rejeitar aqueles que consideram serem introduzidos de forma indireta; devem expressar livremente a sua opinião sobre quem os governará, se não for a pessoa que merecem” (pp. 67-68). Alguns anos depois, elogiando o novo bispo de Constantinopla, Celestino também desafiará Nestório (já afastado de Constantinopla) pela sua condição de teólogo famoso vindo de outros lugares: «[Massimiano] não é desconhecido, não foi trazido por outro local. Vocês tiveram um julgamento laudatório sobre uma pessoa entre vocês, vocês que no passado recente foram enganados, infelizmente, pela fama de um personagem ausente.” Ao clero e ao povo de Constantinopla, 15 de março de 432 (p. 180).

Fonte: http://www.30giorni.it/

Nove dados que deve conhecer sobre os Padres da Igreja

São Jerônimo de Estridão, santo Agostinho, são Gregório Magno, santo Ambrósio de Milão. Michael Pacher: Altarpiece of the Church Fathers - Domínio público

Por Redação central*

28 de agosto de 2024

Os Padres da Igreja são santos dos primeiros séculos que, com seus escritos doutrinários, configuraram a Igreja Católica como a conhecemos hoje.

Alguns dos principais Padres da Igreja Grega são santo Atanásio de Alexandria, são Basílio Magno, são Gregório Nazianzeno e são João Crisóstomo; enquanto os quatro Padres mais importantes da Igreja latina são santo Agostinho de Hipona, são Gregório Magno, santo Ambrósio de Milão e são Jerônimo de Estridão.

A seguir, alguns dados importantes sobre eles.

1. Eram em sua maioria pastores, não acadêmicos

Os Padres viviam suas vidas cristãs em resposta à fé única, santa, católica e apostólica que experimentavam na Igreja e na cultura de seu tempo. Seus escritos não provinham de um catedrático titular, mas buscavam servir ao povo de Deus.

2. Santo Tomás de Aquino os citou centenas de vezes

Santo Tomás de Aquino, o doutor Angélico, não é apenas um teólogo e filósofo, mas um brilhante comentarista da Bíblia e da Tradição. Para escrever a Suma Teológica, citou textos de santo Agostinho 3.156 vezes. Citou são Gregório Magno 761 vezes, são Dionísio 607 vezes, são Jerônimo 377 vezes, são Damasceno 367 vezes, são João Crisóstomo 309 vezes, entre outras citações aos Padres da Igreja.

3. Amavam a Igreja

Exemplo disso é uma das passagens do corpus patrístico "sobre a unidade da Igreja", escrito por são Cipriano de Cartago em De Ecclesiae Catholicae Unitate: "Ninguém pode ter a Deus por Pai, se não tem a Igreja como Mãe".

4. Ensinavam sobre a natureza do homem

São Cipriano descreve a cultura pecaminosa na qual vivia antes de sua conversão e seu batismo: “Eu ainda estava deitado na escuridão e na noite sombria, vacilando de um lado para o outro, sacudido sobre a espuma desta idade jactanciosa, e incerta de meus passos errantes, sem saber nada da minha vida real, e distante da verdade e da luz... mas depois disso, com a ajuda da água do novo nascimento, a mancha dos anos anteriores foi lavada, e uma luz do alto, serena e pura, tinha sido infundida no meu coração reconciliado...”.

Da mesma forma o faz santo Agostinho de Hipona em seu livro "Confissões", ensinando a matar o homem velho cheio de pecado e abraçar o novo homem em Cristo.

5. Buscavam a amizade com Deus e com os demais

Os Padres da Igreja buscavam imitar a vida de Cristo, que completamente homem e completamente Deus, foi capaz de fazer grandes amizades.

Assim, são Gregório Nazianzeno revela sobre seu querido amigo São Basílio: “Homens diferentes têm nomes diferentes, que devem a seus pais ou a si mesmos, isto é, às suas próprias buscas e realizações. Mas nossa grande busca, o grande nome que queríamos, era ser cristãos, sermos chamados cristãos”.

6. Eram corajosos e podiam dar a vida pelo Evangelho

Um exemplo é a vida de são Cipriano de Cartago, o primeiro bispo que na África atingiu a coroa do martírio. Durante as grandes perseguições dos cristãos sob o imperador Décio, escreveu cartas pastorais no exílio instruindo o povo de Deus em Cartago. Sob o imperador Valeriano, Cipriano foi condenado à morte e martirizado em 258 d.C. Ao receber sua sentença, disse: "Deo gratias!" (Graças a Deus!).

São Máximo o Confessor foi outro corajoso Padre da Igreja que lutou contra o monotelismo, uma heresia que admitia em Cristo duas naturezas, a humana e a divina, e uma única vontade. O imperador Constante II mandou cortar a língua e a mão direita do santo para impedir seu ensinamento ortodoxo.

7. Defendiam a sã doutrina

No século IV, santo Atanásio teve que enfrentar Ário, um sacerdote de Alexandria que difundiu a doutrina errada de que Cristo não era o verdadeiro Deus. Seu desejo incansável por uma doutrina clara conduziu o Concílio de Niceia à elaboração do Credo Niceno. Hoje, o Credo, como símbolo da fé, é usado de maneira simples e direta pelos cristãos de todo o mundo para professar a fé da Igreja Católica.

8. Amavam profundamente a Virgem Maria

Os Padres da igreja amam a Mãe de Deus. Havia um herege chamado Nestório que ensinava que Maria era apenas Christokos (portadora de Cristo) e não a Theotokos (portadora de Deus). Em outras palavras, Nossa Senhora não era a Mãe de Deus, já que só deu à luz à natureza humana de Jesus. São Cirilo de Alexandria lutou incansavelmente contra esse tremendo erro teológico. Em uma carta que corrige Nestório, Cirilo escreve: “Por nossa causa e para a nossa salvação, assumiu sua natureza humana na unidade de sua Pessoa e nasceu de uma mulher; por isso se diz que nasceu segundo a carne” (Cirilo de Alexandria, Carta II a Nestório).

9. Interpretaram a Bíblia com clareza

Os Padres ensinaram como interpretar a Sagrada Escritura. A maior parte da literatura que temos dos Padres Apostólicos e Pós-Apostólicos são suas homilias, que oferecem algumas das melhores exegeses bíblicas imagináveis. Um exemplo disso são os Tratados de Santo Agostinho sobre o Evangelho de João.

Para a compreensão da Bíblia, devem ser utilizados os sentidos literais, alegóricos, morais e analógicos (como assinala o Catecismo da Igreja Católica no numeral 118) e, por isso, os Padres da Igreja estão entre os melhores exegetas da história.

Publicado originalmente em National Catholic Register.

*A Agência Católica de Informação - ACI Digital, faz parte das agências de notícias do Grupo ACI, um dos maiores geradores de conteúdo noticioso católico em cinco idiomas e que, desde junho de 2014, pertence à família EWTN Global Catholic Network, a maior rede de televisão católica do mundo, fundada em 1981 por Madre Angélica em Irondale, Alabama (EUA), e que atinge mais de 85 milhões de lares em 110 países e 16 territórios.

Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/53080/nove-dados-que-deve-conhecer-sobre-os-padres-da-igreja

Cardeal Tempesta: Martírio de São João Batista

Martírio de São João Batista (Vatican News)

São João Batista é precursor, ou seja, aquele que prepara o caminho para a vinda de Jesus. Ele vivia no deserto, nas montanhas, e anunciava a todos que o Reino de Deus estava próximo.

Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist. - Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

Celebramos no dia 29 de agosto o martírio de São João Batista, que é um dos santos mais importantes da Igreja; tal é a importância que celebramos tanto o nascimento como a morte de São João Batista, o normal é celebrarmos somente o dia da morte do santo. Celebramos a natividade de São João Batista em 24 de junho e o martírio em 29 de agosto.

São João Batista é precursor, ou seja, aquele que prepara o caminho para a vinda de Jesus. Ele vivia no deserto, nas montanhas, e anunciava a todos que o Reino de Deus estava próximo. João é aquele que estava no ventre da mãe quando Nossa Senhora chega na porta da casa, saúda Isabel e, tanto grávida quanto o menino no ventre ficam cheios do Espírito Santo. Esse Espírito Santo, do qual Isabel e o menino ficam cheios, é a força que João recebe de Deus para levar adiante a sua missão. E é o mesmo Espírito Santo que desce sobre Jesus no momento do batismo e o conduz ao deserto. Encontramos bastante referência sobre João Batista sobretudo no tempo do advento.

João Batista batizava com água com o intuito da conversão dos pecados, e preparando o povo para a chegada do Messias. Por isso, ele tem o nome de Batista, pois batizava. Depois dele viria Jesus, que batizaria com a água e o Espírito Santo, até o próprio João não queria, no primeiro momento batizar Jesus, dizendo que Ele é o “autor do batismo”, mas era necessário que Ele fosse batizado para que se cumprisse a promessa de Deus e que o Espírito Santo viesse.

João Batista faz a “transição” entre o Antigo e o Novo Testamento, preparando o povo para o novo tempo que estaria para chegar, e a nova e eterna aliança que Deus selaria com a humanidade a partir da morte e ressurreição de Jesus. O Reino de Deus que João anuncia que estava próximo é o próprio Jesus, pois Ele é o próprio Reino de Deus. O Reino de Deus paz, justiça, misericórdia e perdão, e tudo isso Jesus anunciava.

Temos que diferenciar João Batista do João apóstolo e evangelista, João Batista celebramos em 24 de junho o nascimento e em 29 de agosto o martírio. João apóstolo e evangelista celebramos no dia 27 de dezembro. Após a morte e ressurreição de Jesus, ele acolhe Maria consigo e cuida dela, e depois teria se refugiado perto de Éfeso onde escreveu os seus livros.

João Batista por ser profeta anunciava a verdade contida na Palavra de Deus e denunciava as injustiças. Procurava alertar as pessoas para que vivessem de maneira plena o reino de Deus e que arrependendo-se de seus pecados amassem mais a Deus e ao próximo. Inclusive a causa da morte de João Batista foi, justamente, por denunciar as injustiças e as atitudes das pessoas que desagradavam a Deus.

A exemplo de São João Batista não podemos ter medo de dizer a verdade e denunciar aquilo está errado. Temos que edificar o Reino de Deus aqui na terra, para contemplá-lo de maneira definitiva no céu. Podemos conduzir muitas pessoas ao batismo e a conhecer a Deus, a exemplo do que São João fez.

A exemplo de João Batista somos discípulos e missionários do Senhor, a partir do nosso batismo podemos conduzir muitas pessoas ao batismo. Fomos escolhidos por Deus desde o ventre materno e consagrados pelo Espírito Santo no dia do batismo. Temos que anunciar a verdade e denunciar as injustiças e edificar aqui na terra o Reino de Deus. Temos que edificar o Reino de Deus aqui na terra, para contemplá-lo de maneira plena no céu.

A causa da morte de São João Batista foi uma mulher: Herodíades, atual esposa de Herodes Antipas, ex-esposa do seu irmão de criação. João foi preso por denunciar esse casamento ilegal, por achar que não era certo Herodes ficar com a esposa de seu irmão. Como já dissemos, João Batista denunciava as injustiças e anunciava a verdade.

Durante a festa de aniversário de Herodes, a filha de Herodíades, Salomé, dançou em homenagem ao rei, que era fascinado por ela: se ela dançasse, ele lhe permitiria pedir o que quisesse, até mesmo a metade do seu reino. Depois de consultar a mãe, ela pediu num prato a cabeça de João Batista. Herodes não queria aceitar, pois apesar de não concordar, ficava embaraçado com as palavras de João Batista, mas não pôde recusar, porque lhe havia prometido em juramento na frente de todos os convidados.

Algum tempo depois do pedido de Salomé, o empregado trazia a cabeça do profeta em um prato, entregando-a para Salomé e para sua maldosa mãe que queria vê-lo morto. Ele era um homem “justo e santo”, condenado à morte por sua liberdade de expressão e fidelidade ao seu chamado. Ele “abre” o caminho para tantos outros mártires que virão depois e tantos que morreram injustamente, do mesmo modo que ele.

Celebremos a festa litúrgica do martírio de São João Batista e aprendamos com ele anunciarmos a verdade e denunciar as injustiças. Já estamos quase no fim do ano, por isso, sejamos percussores do Messias e anunciemos a todos que encontramos que o “Reino de Deus” está próximo de nós.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

O som de 10 línguas indígenas brasileiras em perigo de extinção (3)

BBC NEWS BRASIL

O som de 10 línguas indígenas brasileiras em perigo de extinção

  • Equipe de Jornalismo Visual da BBC News Brasil
  • 18 de dezembro de 2023
  • Brasil

O território brasileiro abriga hoje apenas 20% das estimadas 1.175 línguas que tinha em 1500, quando chegaram os europeus. E, ao contrário de outros países da região, como Peru, Colômbia, Bolívia, Paraguai e até Argentina, o Brasil não reconhece como oficiais nenhuma de suas línguas indígenas em âmbito nacional.

Ainda assim, o Brasil é considerado um dos 10 países com o maior número de línguas no mundo e um dos que possuem maior diversidade linguística – ou seja, grande quantidade de famílias diferentes e de línguas isoladas.

Para dar uma ideia da diversidade linguística e cultural do país, a BBC News Brasil fez uma seleção com a ajuda de especialistas indígenas e não indígenas.

O resultado é este especial, no qual mostramos 10 das línguas indígenas faladas hoje no Brasil, de diferentes famílias e em distintas situações de preservação.

Guató

a língua recuperada a partir dos últimos falantes

Língua isolada

O guató é a última língua sobrevivente dos povos canoeiros do Pantanal brasileiro, mas deixou de ser transmitido para as gerações mais novas desde meados do século 20. No entanto, a pedido do povo guató remanescente, pesquisadores estão ensinando-os a falar a língua, usando o que aprenderam dos três últimos falantes conhecidos.

Eles conviviam com muitos outros na região que vai até a planície do Chaco, na Bolívia.

"No passado, eles praticamente viviam dentro das canoas, faziam fogueira, cozinhavam, etc. Os outros povos que viviam dessa maneira agora são extintos", diz a linguista Kristina Balykova, que conduz o estudo da língua.

Os hábitos de povo canoeiro podem ter influenciado o modo de falar dos guató, segundo os linguistas. Por exemplo, na existência dos "sufixos direcionais" – partículas colocadas após as raízes dos verbos para descrever a direção do movimento.

"Se em português dizemos 'o cachorro correu na minha direção', é como se em guató eles falasse 'o cachorro correuparamim'. Esse 'para mim' seria um pequeno sufixo no fim do verbo", explica Balykova.

Entre outras direções, o guató tem um sufixo que significa 'descendo o barranco do rio' e outro que é 'subindo o barranco do rio'. Arrastar meu barco descendo o barranco, por exemplo, seria maegopaniayn. Subindo, maegopanigun.

"Há estudos que mostram que os povos que têm muito contato com a água (por exemplo, na Amazônia) costumam ter esses recursos gramaticais para falar de tudo o que se refere a ela. Nós precisamos de uma expressão para dizer 'descendo o barranco'. Eles, de dois sons. É como se eles falassem tanto daquilo que desenvolveram uma forma reduzida", diz.

Guató está sendo recuperado a partir dos dois últimos falantes; entre eles, dona Eufrásia Ferreira | Foto: Cortesia Gustavo Godoy

O sistema numeral dos guató também intriga os pesquisadores. Ao contrário de povos que viviam de maneira semelhante, eles eram capazes de contar até as centenas e os milhares.

"Isso é muito raro entre as línguas indígenas. De um modo geral, a maioria das línguas faladas por povos caçadores e coletores têm poucos numerais. Só têm palavras até o três ou o cinco", afirma Balykova.

"Sabemos, por outras características da língua, que eles davam uma atenção especial a questões matemáticas: contagem, medição. Mas o que exatamente eles contavam? Não se sabe."

As palavras para designar os numerais têm a ver com o corpo. Quinze, por exemplo, significa, literalmente, "os dedos do pé de alguém, já incluídas as mãos".

Segundo Balykova, os guató não fundavam aldeias e, sim, casas dispersas na beira do rio durante a seca. Nas cheias, construíam aterros para se instalarem, nos quais famílias diferentes podiam morar juntas. De modo geral, elas viviam separadas.

Esse modo de vida os manteve integrados durante invasões europeias, guerras locais e epidemias, mas também facilitou sua eventual desintegração.

Com a guerra do Paraguai, na qual lutaram pelo Brasil, e a chegada dos grandes fazendeiros, no século 19, muitas famílias guató perderam território e foram trabalhar nos latifúndios da região – onde falar sua própria língua era proibido.

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As mulheres passaram a casar-se com homens de fora da etnia e os filhos de guatós muitas vezes eram levados para fazendas como "afilhados" trabalhadores, e perdiam contato com a língua.

"As famílias guató foram se desfazendo, e a língua foi acabando junto", afirma a pesquisadora.

Parte dos guató se organizou nos anos 1970 para exigir direitos. Vinte anos depois, foi criada a Terra Indígena Guató, em Mato Grosso do Sul. Outro grupo reivindica também a Terra Indígena Baía dos Guató, em Mato Grosso. Este foi o grupo que pediu ajuda para recuperar a língua.

A partir de estudos e de conversas com três idosos, considerados seus últimos falantes plenos – Vicente Caetano da Silva (Djoguápo), André Luiz de Oliveira (Djógito), seu irmão, e Eufrásia Ferreira (Djariguka, morta em 2021) – o guató, que eles conhecem como gotxeuvy ioty ou "língua de gente", está sendo sistematizado e ensinado ao seu povo.

Os pesquisadores produziram cartilhas para as aulas e o próximo passo foi a produção de um dicionário online português-guató, com apoio do Museu do Índio e da Unesco. Kristyna Balykova, autora do dicionário, trabalha agora em uma gramática da língua no doutorado pela Universidade do Texas em Austin.

"Ainda temos um longo caminho pela frente. Revitalizar uma língua é um processo complexo, e há muitos modelos que podem ser seguidos", diz a linguista.

Os guató estão entusiasmados com a retomada do idioma. Kristina mantém contato com professores locais, que lhe mandam listas de frases que crianças e adultos querem saber. Os adultos pediram uma frase específica: "vamos fazer sexo?".

Para Balykova, "é uma mostra de que eles querem usar a língua cada vez mais na intimidade. Não é apenas para mostrar aos não indígenas".

Os fazendeiros da região dizem que estamos 'ensinando os guató a ser índios', mas não é nada disso. Nós os estamos ajudando a recuperar algo que foi tirado deles, muitas vezes com violência.

Kristina Balykova Linguista da Universidade do Texas em Austin

"É cruel impedi-los de falar sua língua e depois dizer que eles não podem recuperar parte da sua identidade", afirma a pesquisadora.

Yaathê

a língua mantida em rituais secretos

Língua isolada

Conhecida como a única língua indígena do Nordeste que se manteve viva (considerando o Maranhão como parte da Amazônia), o yaathê foi mantido, durante séculos, em rituais secretos no sertão pernambucano.

Os indígenas fulni-ô vivem nos arredores de Águas Belas, a cerca de 273 quilômetros de Recife, desde pelo menos o século 17.

A população da aldeia fulni-ô chegou a cair de cerca de 320 pessoas em 1749 a menos de 100 em 1873.

Hoje, são cerca de 4.690 pessoas, segundo estimativa do Instituto Socioambiental (ISA).

Até o início do século 20, a língua tradicional foi reprimida e chegou a ser proibida pelas autoridades locais.

Isso levou os fulni-ô a sair da aldeia todos os anos para um retiro espiritual secreto — realizado majoritariamente em seu idioma — chamado Ouricuri, segundo explica a linguista Januacele Francisca da Costa.

O Ouricuri começa a ser preparado em agosto e ocorre entre setembro e outubro, um total de 14 semanas. Todo o grupo – incluindo aqueles empregados na cidade – se retira para outra aldeia para permanecer durante todo o ritual. Não indígenas podem visitar o local antes do início do ritual, mas não participam dele.

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Os fulni-ô começam a frequentá-lo desde crianças e, quem não frequenta, perde o direito de participar e deixa de ser considerado parte do grupo.

"Só pode participar quem tem ao menos o pai ou a mãe fulni-ô. Mas mesmo os pequenos filhos de indígenas com brancos evitam falar sobre o ritual para não indígenas, é impressionante", diz a linguista.

Falar sobre o ouricuri é proibido, assim como é vetado o ensino do yaathê para os que não são da comunidade.

Durante as perseguições, o segredo foi fundamental para reforçar o caráter da língua como algo tradicional, ligado ao sagrado e, portanto, importante para a comunidade para além da comunicação do dia a dia.

Segundo a especialista, isso dificultou a sua substituição pelo português, que é a língua dominante na vida social.

Hoje, as crianças fulni-ô também aprendem o yaathê na escola, em cantos tradicionais praticados na comunidade e com filmes – desde 2011, um coletivo de cinema produz documentários na língua nativa.

Originalmente, o yaathê só tem nomes para numerais até o três, algo comum a muitas línguas indígenas. Ao longo do tempo e por causa da convivência com não indígenas, os fulni-ô fizeram adaptações ao seu vocabulário.

Os fulni-ô continuam realizando o ritual secreto do Ouricuri todos os anos, em aldeia próxima de local desconhecido | Foto: Cortesia Marina Costa

"Para o número quatro, por exemplo, eles passaram a usar a palavra fasiska, que significa borboleta, porque esse é o animal do quatro no jogo do bicho. Para cinco eles usam khoho fathowa, que significa 'uma mão'. Já seis é uma expressão que significa 'um em cima de uma mão'. E depois daí vão contanto de cinco em cinco", explica Januacele.

Novas palavras também foram formadas para incorporar conceitos do português que não existiam no yaathê.

"O interessante é que eles fazem as palavras a partir de sua forma, não do significado. A palavra tdia significa 'caminho'. Para dizer 'caminhão', o veículo, eles usam tdia hesa, que é como se fosse 'caminho grande'", conta.

A língua também só permite usar pronomes de posse para coisas que podem ser possuídas, na visão do seu povo.

"Eu posso dizer 'minha mão', em yaathê, mas não 'meu rio'. O rio é de todos, nunca de um indivíduo. Assim como a natureza em geral e os animais que, mesmo caçados, são compartilhados", diz Januacele Francisca da Costa.

Há apenas uma exceção para essa regra: os cachorros. Estes, sim, podem ser de uma só pessoa.

Língua de sinais ka'apor

a primeira sinalização reconhecida do Brasil

Língua de sinais

Ainda menos conhecidas do que as línguas indígenas faladas no Brasil são as línguas de sinais usadas pelos povos nativos. Mas uma delas chegou a ser a primeira sinalização reconhecida como língua no país, décadas antes da Libras (Língua brasileira de sinais) – a língua dos ka'apor.

"Hoje há um reconhecimento oficial, por lei, da Libras, mas a língua não tem um alcance pleno. Já os ka'apor nunca duvidaram que a língua de sinais é uma língua. Eles se referem a ela dessa forma e todo mundo sabe que você pode falar por sinais", explica o antropólogo Gustavo Godoy, pesquisador da língua de sinais ka'apor, da Universidade do Texas em Austin.

"Todos os ka'apor sinalizam e eles prestam atenção nos surdos, se esforçam para entender o que eles estão dizendo."

A língua de sinais é mais integrada na sociedade deles do que na nossa.

Gustavo Godoy Linguista da Universidade do Texas em Austin

Godoy mapeou quase 20 povos com línguas de sinais próprias no Brasil, mas acredita que podem existir muitos mais. "As pesquisas sobre isso mal começaram", diz.

Segundo relatos históricos, os ka'apor teriam surgido há 300 anos entre os rios Tocantins e Xingu. Ao longo dos séculos, por causa de conflitos com colonizadores e com outros povos indígenas, migraram até o Pará e o norte do Maranhão, onde vivem até hoje.

Eles chegaram a ser descritos como um dos povos nativos mais combativos e hostis do Brasil, por sua resistência às tentativas de contato, chamadas de "pacificação". No fim dos anos 1920, os ka'apor aceitaram o contato. E, na década de 1970, tiveram seu território demarcado pela Funai, a Terra Indígena Alto Turiaçu.

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No final dos anos 1960, o linguista James Kakumasu visitou o povo e observou que um em cada 75 ka'apor eram surdos. Era um período em que a população estava em queda, mas o pesquisador notou que esse poderia ser um dos motivos para que toda a tribo fosse fluente na língua de sinais.

Atualmente, a incidência de surdez entre os ka'apor é cerca de 0,6%, segundo Gustavo Godoy. Na população brasileira em geral, essa incidência era de 1% em 2021, de acordo com o IBGE.

Acredita-se que sinalização ka'apor surgiu no mínimo no século 19, pois é quando nasceu a surda mais antiga conhecida entre eles. Ela foi reconhecida como língua em 1966 e nomeada Língua de Sinais Ka'apor Brasileira em 1984. A Libras, também criada no século 19, só obteve o mesmo reconhecimento em 1994.

Só agora, no entanto, os sinais ka'apor começam a ser melhor descritos e compreendidos. Os ka'apor falam uma língua tupi-guarani, mas sua língua de sinais não representa exatamente as palavras da língua falada.

Os ka'apor são conhecidos pela sofisticação da sua arte plumária | Foto: Cortesia André Sanches de Abreu / Endangered Languages Archive

"Uma diferença básica entre as línguas faladas e as de sinais é que as de sinais são visuais. E a gente conceitualiza quase todas as coisas com a visão. Se eu digo 'casa' você imagina uma casa. Mas o som da palavra casa nós inventamos. As línguas de sinais não precisam desse elemento, então todas elas representam imagens do que querem falar", explica Gustavo Godoy.

"O verbo 'comer' em Libras é um gesto de colocar o alimento na boca. No caso dos ka'apor, é um gesto que imita o alimento descendo pela goela. Então a diferença entre as línguas de sinais decorre, em parte, de que cada língua presta atenção em coisas diferentes para criar seus sinais."

Com os animais é possível ver claramente a diferença. Se em Libras o gato é representado pelo bigode, na língua Ka'apor, é pelos olhos redondos. O cachorro, sinalizado em Libras com a imitação do focinho, é representado pelos dentes entre os indígenas.

Créditos:

Texto e reportagem: Camilla Costa
Design: Caroline Souza
Edição e design de vídeo: Daniel Arce
Desenvolvimento: Marta Martí Marques, Alex Nicholas, Matthew Taylor
Edição e coordenação: Carol Olona
Agradecimentos: Felipe Corazza, Marcos Gurgel, Holly Frampton, Denny Moore, Gustavo Godoy, Bruna Franchetto, Hein van der Voort, Kristina Balykova, Januacele Francisca da Costa, Elissandra Barros, Gasodá Suruí, Julien Meyer, Joana Autuori, Andrés Pablo Salanova, Fernando Orphão de Carvalho, Edison Melgueiro Baniwa, Francy Fontes Baniwa, Janina dos Santos, Maria do Carmo Martins, Esmeralda Maria Piloto, Keila Felicio Iaparrá, Kilia Sanumá, Kalepi Amarildo Sanumá, Cacique Djik Fulni-ô, Fábia Fulni-ô, Éxetina Aristides Terena, Aronaldo Júlio, todas as mulheres e homens indígenas que cederam seus vídeos.
Vídeos:
Ikolen - Falantes: Sena Kéré’áàp Gavião e Vása Séèp Gavião Participantes: Oliveira Gavião e Tarami Gavião Imagens e edição: Julien Meyer e Laure Dentel | Cortesia do Museu Emilio Goeldi Tradução: Denny Moore, João Cipiábíìt Gavião e Julien Meyer
Nheengatu - Falantes: Maria do Carmo Martins e Esmeralda Maria Piloto Imagens e tradução: Edilson Melgueiro Baniwa
Parikwaki - Falante, imagens e tradução: Keila Felicio Iaparrá
Terena - Falante: Éxetina Aristides Imagens e tradução: Aronaldo Júlio
Guató - Falante: Eufrásia Ferreira (Djariguka) Imagens: Kristina Balykova e Gustavo Godoy Edição e tradução: Kristina Balykova
Yaathê - Falante: Cacique Djik Fulni-ô (Cícero de Brito) Imagens: Fábia Fulni-ô Tradução: Januacele Francisca da Costa
Ka’apor - Falantes e sinalizantes: Jarara Pirã Ka'apor e Sypo Ruwy mãi (Joana Ka'apor) Imagens, edição e tradução: Gustavo Godoy
Kayapó - Falante: Nhàkture (Maria Eugênia) Imagens, edição e tradução: Andrés Pablo Salanova
Kheuól - Falante, imagens e tradução: Janina dos Santos
Sanöma - Falante: Kilia Sanumá Imagens: Kalepi Amarildo Isaac Sanumá Tradução: Joana Autuori

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-3a23b0c2-e594-4145-ad26-32fbee5e9203

Cardeal Scherer: A coragem de crer

Cardeal Odílio Pedro Scherer - arcebispo de São Paulo (Vatican News)

A fé cresce, desenvolve-se e amadurece, tornando-se capaz de produzir os seus frutos, na medida da nossa correspondência a esse dom precioso.

Cardeal Odilo Pedro Scherer – arcebispo de São Paulo

A fé é um dom de Deus, recebido no Batismo. Jesus elogia com frequência a fé sincera e confiante das pessoas: “ó mulher, grande é a tua fé!” (Mt 15,28). Mas também lamenta a falta de fé em outros casos: “onde está a vossa fé?” (Lc 8,25). A fé também é a resposta humana a Deus, que se nos manifesta e interpela de muitos modos. Sem essa resposta a Deus mediante a atitude da fé, esse dom não se desenvolve e pode até desaparecer em nós. A fé cresce, desenvolve-se e amadurece, tornando-se capaz de produzir os seus frutos, na medida da nossa correspondência a esse dom precioso.

Talvez pretendamos “provas” da parte de Deus para, somente então, acreditar nele. Foi o caso do apóstolo São Tomé que, não acreditando no testemunho dos outros apóstolos, quis primeiro ver Jesus ressuscitado e tocar em suas chagas para, somente assim, acreditar em sua Ressurreição. Ele acabou conseguindo essa graça tão especial e, em compensação, fez a profissão de fé mais completa em Jesus: “meu Senhor e meu Deus!”. Mas Jesus repreendeu-o por sua incredulidade e disse que não seria esse o modo ordinário para se chegar à profissão da fé: “creste porque me viste, Tomé! Felizes aqueles que creem sem terem visto” (cf. Jo 20,26-29).

Pode acontecer que também nós, como São Tomé, pretendamos primeiro “ver, para crer” em Deus. Mas não cabe a nós, exigir sinais extraordinários de Deus, para “provar” sua existência e credibilidade. Cabe-nos abrir os olhos, a inteligência e o coração para reconhecer e acolher os sinais de Deus presentes em toda parte, na natureza, na vida das pessoas, na história humana, na nossa própria história. O ato de fé nunca é uma afirmação abstrata e meramente intelectual: ele vem sempre acompanhado de uma narração das obras de Deus ou de um testemunho pessoal. “Creio, porque… Creio por isso, por aquilo…” E tem muito a ver com uma experiência pessoal: de fato, Deus não é uma ideia abstrata ou uma doutrina, mas um tu, que vem ao nosso encontro, cuja presença e ação percebemos, a quem nos dirigimos e com quem nos relacionamos. Jesus revelou que esse grande Tu é um Pai que nos conhece e nos ama com a filhos muito queridos. Jesus desmistifica o ato de fé por medo ou mera sujeição.

O ato de fé, como adesão a Deus, também tem muito a ver com uma decisão livre e responsável, a partir da tomada de consciência das maravilhas de Deus. São Paulo diz que são insensatos e inexcusáveis aqueles que não chegam a reconhecer Deus mediante os sinais deixados por Ele no mundo (cf. Rm 1,18-23). No Evangelho de São João, Jesus identifica-se como “o verdadeiro pão descido do céu para a vida do mundo” e diz a todos que é preciso alimentar-se do seu corpo e sangue para ter parte na vida eterna. Muitos discípulos, então, murmuram contra ele, dizendo: “essa palavra é muito dura. Quem a pode ouvir?” E abandonaram Jesus, que se voltou aos doze apóstolos e lhes perguntou: “vocês também querem ir embora?” Foi um momento séria crise e de decisão para eles: continuar com Jesus, ou ir-se embora também? (cf Jo 6,60-67). Crises semelhantes podemos enfrentar também nós ao longo da vida, quando nos parece não haver mais sentido no que cremos.

Simão Pedro respondeu à interpelação de Jesus com uma renovada profissão de fé: “a quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 68-69). A resposta de Pedro contém  elementos importantes do ato de fé. “Nós sabemos”: isso revela a experiência dos encontros e do convívio com Jesus. O ato de fé está ligado a uma experiência vivida, quer pessoalmente, quer pela comunidade que crê. Nós não cremos sozinhos: cremos com a Igreja, comunidade de fé. E cremos como a Igreja crê. Crer com a comunidade de fé nos dá uma imensa serenidade e segurança no ato de fé e nos pode ajudar a superar nossas crises de fé.

Outro aspecto importante do ato de fé na resposta de Pedro mostra que o ato de fé é também fruto de uma decisão pessoal e envolvente, com a qual se abraça o “risco de crer”. O ato de fé supõe entrega confiante e não podemos pretender clareza absoluta quando o fazemos. Temos motivos para crer, como Pedro, que dá os motivos da sua proclamação e decisão: “A quem iremos nós? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e reconhecemos”. Crer é também um ato de confiança, coragem e até de ousadia. É fruto de humildade sincera e de reconhecimento de Deus, merecedor de nossa confiança. Mas não é uma loucura ou insensatez irresponsável. 

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF