"O ano litúrgico se apresenta como um verdadeiro
“sacramento”, como um instrumento no qual e pelo qual Deus se faz presente,
como na humanidade de Cristo, a sua vida divina mediante o Espírito Santo. O
ano litúrgico não celebra o mistério de Cristo de forma genérica, mas celebra-o
nos seus diversos momentos e episódios a que chamamos “mistérios”; por meio
deles Cristo realizou nossa salvação, em sua morte e Ressurreição".
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
“Na liturgia, brilha o mistério pascal, pelo qual o
próprio Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão. (Exortação Apostólica
Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, de Bento XVI)”
O Ano Litúrgico é a articulação do calendário anual da
liturgia da Igreja Católica. No Rito Romano inicia no primeiro domingo do
Advento, no final de novembro/início de dezembro e termina na última semana do
Tempo Comum. Consiste em um calendário de celebrações estruturado em torno do
mistério pascal de Cristo, com o ciclo maior da Páscoa e o ciclo menor do
Natal; um ciclo de leituras bíblicas para a celebração da Eucaristia todos os
dias do ano e um ciclo de leituras bíblicas e patrísticas, bem como de outros
textos, para a Liturgia das Horas.
No programa passado, Pe. Gerson Schmidt* nos
trouxe a reflexão "Deus se manifesta no tempo da história do homem".
No programa de hoje, o tema é "Na caminhada do ano litúrgico":
"Diz assim o subsídio para o Ano Jubilar: “O Tempo
litúrgico da Páscoa, impregnado da presença do Ressuscitado, envolve o tempo do
homem, o nosso tempo, com impulso protetor, a fim de que a confiança não
esmoreça, a esperança não se abale e a caridade não
se renda. “Homo viator spe erectus”, diz um provérbio antigo medieval: o
homem pode caminhar pelas estradas da vida graças a esperança que lhe permite
manter uma postura ereta, de ressuscitado, e olhar para o futuro com confiança.
Para caminhar como viajantes rumo a um destino, é importante sentir-se amparado
pela esperança. E a esperança para nós, cristãos, tem um nome: chama-se Jesus.
O tempo Pascal é o tempo que a Igreja nos leva a confiar no Ressuscitado e nos
entregar a Ele, para experimentar como indivíduos e como comunidade cristã a sua
presença viva e ativa que sussurra no coração de cada um a sua saudação pascal:
“A Paz esteja convosco!”[1].
É precisamente no espaço de um ano, isto é, no espaço de uma
volta completa da terra em torno do sol, que hoje a liturgia, enquanto o lugar
privilegiado do encontro com Deus, nos torna participantes de todo o mistério
de Cristo, fazendo-nos percorrer sacramentalmente, e não apenas como simples
lembrança, as etapas de sua existência terrena, tornando-nos assim já hoje, de
algum modo, partícipes de sua vida divina. O ano litúrgico se apresenta como um
verdadeiro “sacramento”, como um instrumento no qual e pelo qual Deus se faz
presente, como na humanidade de Cristo, a sua vida divina mediante o Espírito
Santo. O ano litúrgico não celebra o mistério de Cristo de forma genérica, mas
celebra-o nos seus diversos momentos e episódios a que chamamos “mistérios”; por
meio deles Cristo realizou nossa salvação, em sua morte e Ressurreição[2].
E o Catecismo da Igreja Católica, no número 1168, sobre o
compasso do ano litúrgico na Igreja, aponta assim: “Partindo do Tríduo Pascal,
como da sua fonte de luz, o tempo novo da ressurreição enche todo o ano
litúrgico da sua claridade. Progressivamente, dum lado e doutro desta fonte, o
ano é transfigurado pela liturgia. Ele é realmente “o ano da graça do Senhor”
(Lc 4,19). A economia da salvação realiza-se no quadro do tempo, mas a partir
do seu cumprimento na Páscoa de Jesus e da efusão do Espírito Santo, o fim da
história é antecipado, pregustado, e o Reino de Deus entra no nosso tempo”.
Entenda-se a palavra “economia de salvação” não no sentido usual de ajuste
financeiro, mas como o modo de proceder pedagógico de Deus, que se manifesta
gradativamente ao ser humano, culminando com a revelação em Cristo Jesus.
E no número 1171 do Catecismo descreve assim: “O ano
litúrgico é o desenrolar dos diferentes aspectos do único mistério pascal. Isto
vale particularmente para o ciclo das festas em torno do mistério da Encarnação
(Anunciação, Natal, Epifania), que comemoram o princípio da nossa salvação e
nos comunicam as primícias do mistério da Páscoa”. A Páscoa, portanto, sempre
estará por detrás de qualquer celebração, qualquer ato litúrgico, qualquer ação
da Igreja, mesmo no Tempo Comum das ações cotidianas vivenciadas por Cristo,
que sempre estarão em vista de sua entrega total.
A homilia Pascal do bispo São Basílio de Selêucia recupera a
tônica pascal que perpassa todo o ano litúrgico: “Realmente na cruz obteve o
triunfo sobre os nossos pecados, mergulhou na mística água do Batismo as vestes
de nossa injustiça, e atirou para o fundo do mar todas as nossas faltas. Pensa
na fonte do santo Batismo e apregoa a graça. Pois o Batismo é a síntese de
todos os bens, a purificação do mundo, a restauração da natureza, o perdão
total, o remédio que nada custa, a esponja que limpa a consciência, a veste que
não envelhece com o tempo, o útero que concebe virginalmente, o sepulcro que dá
vida aos que foram enterrados, o abismo em que somem os pecados, o túmulo de
Satanás, o sinete e baluarte dos que foram assinalados, a fonte que extingue a
geena, o anfitrião da ceia do Senhor, a graça dos antigos e novos mistérios, já
prenunciada em Moisés, e a glória pelos séculos dos séculos. Amém”[3].
Tal importância do sacramento primordial, que nos faz
pertencer à comunidade de fé e à filiação divina. O ciclo litúrgico não se
repete em nós e na comunidade, mas se atualiza com um vigor ainda maior e mais
intenso, a cada etapa do ano que celebramos. O nosso batismo se renova pela
caminhada de fé celebrada em cada mistério, inseridos na Igreja particular e
universal."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro
de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em
Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
________________
[1] BARBA,
Maurizio. Cadernos do Concilio de número 13 – Os tempos Fortes do Ano
litúrgico, Edições CNBB, p.33.
[2] Idem,
p. 52.
[3] São
Basílio de Selêucia. Hom. in Sanctum Pascha: SCh 187,275-277,
Vincentium Riccardo interprete.