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sábado, 21 de setembro de 2024

São Mateus

São Mateus (A12)
21 de setembro
País: Palestina
São Mateus

Levi, filho de Alfeu (Mc 2,14), era galileu, segundo a Tradição, e provavelmente solteiro, uma vez que nenhum dos Evangelhos (isto é, os sinóticos, que mencionam a sua conversão) fazem alusão a que tenha deixado família para seguir a Cristo. Morava em Cafarnaum, uma das cidades mais florescentes da Palestina, à beira do Lago Genesaré, onde Jesus pregou muitas vezes e onde fez muitos milagres.

Levi era rico por causa da profissão que exercia, como cobrador (ou coletor) de impostos para os romanos, intermediados pelo tetrarca (governante) judeu Herodes Antipas. Sua função era ter “comércio público e banco aberto para passar letras de câmbio, expedir mercadorias, arrecadar tributos e passá-los a Roma”. Ou seja, os impostos que os judeus pagavam eram entregues aos conquistadores estrangeiros, implicando em financiar quem os subjugava à força. Por isso tais cobradores, denominados depreciativamente de publicanos (“pecadores públicos”), eram socialmente desprezados como colaboracionistas detestáveis.

Os judeus mais observantes (fariseus) consideravam um absurdo que homens do povo eleito cobrassem tributos para um poder conquistador, e além disso pagão; “o pagamento do tributo ao estrangeiro era um ato ilícito, uma coisa proibida pela Lei, um verdadeiro sacrilégio; e, portanto, o que colaborava com esse sacrilégio fazia uma traição à pátria, associava-se aos ímpios, vendia-se aos gentios, e era mais execrável do que eles. Sua condição só podia comparar-se à dos criminosos e das prostitutas”.

Levi era um notório pecador no entendimento judaico (diferente da concepção católica), isto é, “significava antes uma impureza legal ou por descuido das prescrições farisaicas rituais ou por desempenhar um ofício proibido”. De resto, muitos publicanos eram desonestos e exploravam o povo de forma ilegal, de modo que não havia simpatia por eles. Por outro lado, se os fariseus, especificamente, consideravam os cobradores de impostos como pecadores, a profissão em si era lícita, e os havia judeus praticantes e de boa-fé, como fica claro na resposta de São João Batista aos que lhe perguntaram como fazer para se salvar: ele responde apenas que sendo honestos no trabalho, e não mudando de atividade (cf. Lc 3,12-13).

Não se sabe se Levi era um cobrador honesto ou desonesto antes de seguir a Jesus. Estava sentado no seu posto de cobranças em Cafarnaum, à beira do lago (Mc 2,13-14), onde eram recebidas mercadorias e feitos os pagamentos, e Jesus, vindo de fazer um estrondoso milagre na cura de um paralítico cujos amigos haviam descido do teto para a sala onde Ele estava (Lc 5,17-26), lhe disse: “‘Segue-me!’ E, deixando tudo, ele se levantou e começou a segui-Lo” (Lc cf. 5,27-28).

Vivendo em Cafarnaum, era muito provável que Levi já conhecesse Jesus, ainda antes de converter-se, ao menos por ter Dele ouvido falar, mas se não, a sua conversão instantânea não seria surpreendente, dado o poder de atração que o Senhor tinha sobre os corações, como comenta São Jerônimo sobre esta passagem; e, honesto ou desonesto, é maravilhosa e exemplar a prontidão da sua obediência. Por Cristo, imediatamente deixou, inacabadas, suas tarefas para este mundo, sem recear punições, isto é, por amor a Deus, o único motivo certo, foi capaz de instantaneamente abandonar as atividades mundanas e os respeitos humanos. E a partir daí, nunca voltou atrás, mas permaneceu grato ao Mestre, e perseverou no Seu seguimento.

A medida da gratidão de Levi ao Senhor é indicada imediatamente depois nos Evangelhos, pois O convida para um grande banquete em sua casa, que foi aberta também aos discípulos de Jesus e a outros publicanos e pecadores – o que indica não apenas a consideração e amor ao Mestre mas igualmente a vontade de levar a Ele mais pessoas, numa forma já de confraternização e apostolado… ocasião na qual Jesus certamente os acolheu, e ainda ensinou tanto a fariseus quanto aos discípulos de João Batista (cf. Mt 9,10-17).

A mudança de vida era frequentemente acompanhada, na época e na cultura local, da mudança de nome, e Jesus mesmo renomeou Simão como Pedro (cf. Mt 16,17-18). Uma feliz passagem da “Legenda Áurea” de Jacopo Varazze (biografias de santos, escritas no século XIII) comenta que “‘Levi’ quer dizer ‘retirado’, ‘colocado’, ‘acrescentado’, ‘incorporado’. Ele foi a) retirado de seu posto de cobrança de impostos, b) colocado entre os Apóstolos, c) acrescentado à comunidade dos evangelistas e d) incorporados ao catálogo dos mártires.”; e a “transladação” deste nome foi para “Mateus”, que significa “presente”, “dádiva” ou “dom de Deus”, o que de fato este evangelista passou a ser.

São Mateus acompanhou Jesus por quase todo o período de três anos da Sua vida pública, e certamente empregou os seus antigos bens em boas obras, no auxílio aos pobres e aos discípulos. Foi assim testemunha direta do que depois relatou no seu próprio Evangelho. Aliás, nem Mateus nem Lucas, quando o mencionam nas listas dos Apóstolos, o chamam de “publicano”, mas somente ele mesmo, indicando com humildade como se sabia pecador. Seu nome é apenas citado ainda nos Atos dos Apóstolos, não havendo sobre ele outras notícias nas Escrituras.

Além da sua missão como um dos 12 Apóstolos, sua grandiosa tarefa foi justamente escrever o primeiro dos quatro Evangelhos, de acordo como que havia dito Jesus: “o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, Esse vos ensinará tudo, e vos trará à memória tudo quanto Eu vos disse” (Jo 14,26). Este registro, desejado por Deus para chegar às futuras gerações, era transmitido oralmente nos primeiros anos da Igreja, mas surgiu a necessidade natural – sem se ignorar, desprezar ou esquecer a Tradição – de notas escritas. Mateus escreveu para os cristãos de origem judaica, e por isso o fez em Aramaico, não em Grego, ressaltando para este público específico que Cristo é o verdadeiro Messias, realizando plenamente as promessas e profecias do Antigo Testamento, e oferecendo provas da divindade de Jesus.

O Evangelho de Mateus desde o início foi o mais utilizado, o mais citado e o mais comentado pela Igreja, sendo conhecido por todos os autores cristãos do século I e citado expressamente como de sua autoria pelos principais historiadores dos séculos II e III. É chamado de “Evangelho Católico”, porque traz os textos mais importantes sobre o primado de Pedro (Mt 16,17-19), a jurisdição na Igreja (Mt 18,18) e a missão universal de evangelização de todos os povos (Mt 28, 19-20). Junto aos Salmos de Davi e as Epístolas de São Paulo, são os textos mais lidos na Igreja.

Com a perseguição aos Apóstolos (cf. Jo 16,2), depois da Ascensão de Jesus, estes se dispersaram por várias partes, levando a Palavra de Deus. Parece certo que Mateus foi para a Palestina, mas informações posteriores não são tão claras. São citadas Pérsia, Síria, Macedônia, e a Igreja Copta da Etiópia proclama desde sempre ter sida fundada por São Mateus, mas disso não há comprovação cabal. Uma tradição diz que morreu mártir, porém também não existem confirmações fidedignas. Há relíquias suas na Catedral de Salerno, Itália.

São Mateus é o padroeiro dos banqueiros, alfandegários, contabilistas, cobradores, consultores tributários e da Guardia di Finanza italiana, de modo a favorecer a união do fiel exercício do dever para com o Estado com o fiel seguimento de Cristo, nesta instituição.

Colaboração: : José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

Pode-se resumir na atitude de São Mateus a essência de toda a vida católica, e de todo o ensino da Igreja: abandonar o mundo e seguir a Cristo. Normalmente, porém, a simplicidade desta formulação é inversamente proporcional à sua execução, apegados, como tendemos a ser, aos atrativos deste mundo… o que apenas exalta a grandiosidade do coração deste Apóstolo, que não hesitou na sua decisão e ação. Qualquer que seja, apesar de tudo, o tempo e o esforço necessário, o fundamental é não ficar sentado às margens deste mundo, mas levantar-se espiritualmente, elevar a alma para seguir Jesus, porque, Ele, vai para o Alto. Por outro lado, atitudes simples como ser honesto na profissão, algo acessível a qualquer um, já caracterizam passos firmes neste colocar-se em pé sobrenatural. A grandeza, e também delicadeza, do coração de São Mateus é entrevista igualmente no convite que faz a Jesus para um banquete na sua casa, convidando aqueles que certamente precisavam se aproximar do Senhor: que bela é a sua consideração e reconhecimento a Deus pelo dom inefável de ter sido chamado por Ele, e que prova de amor ao próximo em querer imediatamente compartilhar com os irmãos a sua própria comunhão com Deus! E é exatamente no Banquete Eucarístico que melhor o fazemos.

Oração:

Senhor Deus e Redentor nosso, que continuamente nos chamais para Vós, concedei-nos pela intercessão de São Mateus conhecer e viver o Evangelho, sem jamais repudiá-lo, mas permanecendo infinitamente agradecidos à Vossa bondade, perseverarmos na obediência a Vós, levando pela conversão, palavras e ações a Boa Nova aos irmãos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

As primeiras comunidades cristãs

A Festa de Pentecostes marca o início da caminhada da Igreja como uma instituição presente na história da humanidade (A12)

As primeiras comunidades cristãs

Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

No tempo dos apóstolos e das primeiras pregações do cristianismo, a civilização urbana se expandia pela bacia do mar Mediterrâneo e as cidades promoviam uma revolução social e cultural. Paulo funda, então, comunidades nas cidades mais importantes do Império. Isso implicava entrar na nova organização social que emergia e modificar o estilo predominantemente rural de ser comunidade; modelo típico na Palestina. Assim, crescia uma rede de comunidades cristãs urbanas. Enquanto as comunidades do cristianismo palestinense eram profundamente itinerantes, a proposta de Paulo passa a um cristianismo que se fixa nos locais.   

São Paulo usa a expressão Igreja Doméstica (Domus Ecclesiae), indicando que as comunidades se reuniam na casa dos cristãos. As comunidades cristãs de Jerusalém, Antioquia, Roma, Corinto, Éfeso, entre outras, são comunidades formadas por Igrejas Domésticas: as casas serviam de local de acolhida dos fiéis que ouviam a Palavra, repartiam o pão e viviam a caridade que Jesus ensinou. Paulo faz da casa a estrutura fundamental das igrejas por ele fundadas.  

A Igreja do Novo Testamento será denominada como assembleia convocada por Deus. O conceito Igreja  indicava a comunidade reunida para a liturgia, para ouvir a Palavra de Deus e celebrar a Ceia (cf. 1Cor 11, 18); era empregado também para “comunidade doméstica”, isto é, os cristãos que se reuniam nas casas para celebrar a liturgia (cf. Rm 16, 5); expressava, igualmente, a comunidade local de todos os cristãos que viviam numa determinada cidade (cf. At 11, 22); enfim, designava a comunidade inteira dos cristãos, onde quer que residissem (cf. At 9, 31).  

A comunidade de Jerusalém se denomina ekklesia de Deus (cf. 1 Cor 15,9). Ekklesia, no grego, significa reunião pública, que pode ter o seu equivalente no Antigo Testamento com o termo Kahal, designando a reunião do povo da antiga aliança.  

A comunidade cristã primitiva compreende-se como o povo eleito de Deus, o verdadeiro Israel. Contudo, há uma diferença, a eleição não se reduz aos judeus, pois se estende a todos que creem no Cristo. Também os pagãos são chamados a essa Igreja.  

A comunidade cristã foi marcada por manifestações poderosas do Espírito Santo. Estas aprofundavam o sentido dos cristãos se compreenderem como o novo povo de Deus. Ocorreram fenômenos como curas, profecias e visões. Eram dons do Espírito Santo que comprovavam as palavras dos apóstolos e discípulos de Jesus.  

A comunidade primitiva é marcada pela experiência da presença viva do Espírito Santo, pois o Reino de Deus se revela na palavra e nas obras. Ele atinge o ser humano integralmente: o homem todo, mas não de forma individual, mas em vista do bem comum.   

A igreja primitiva anunciava Jesus Cristo com palavras e obras que revelavam a salvação já operante na história. Assim, a salvação já está presente mesmo que sua plenificação não tenha chegado.  

O Novo Testamento, assim, permite identificar os cristãos como peregrinos e, ao mesmo tempo, os seguidores do Caminho (cf. At 16,17). Afinal, a Igreja, comunidade de fiéis, é integrada por estrangeiros (Ef 2,19), pelos que estão de passagem (1Pd 1,7), ou, ainda, pelos imigrantes (1Pd 2,11),  ou  peregrinos (Hb 11,13). Sempre indicando que o cristão não está em sua pátria definitiva (cf. Hb 13,14), que deve se comportar como quem se encontra fora da pátria (cf. 1Pd 1,17).  

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Os movimentos populares: dez anos de história e “poesia social”

Papa Francisco com os representantes dos Movimentos Populares  (Vatican Media)

Desde 2014 até hoje, o Papa Francisco nunca deixou de fazer sentir a sua proximidade aos movimentos populares, apoiando e incentivando o seu trabalho em nome da dignidade humana, da justiça social, do desenvolvimento dos mais pobres e dos descartados.

Isabella Piro – Cidade do Vaticano

“Poetas sociais”, “semeadores de mudanças, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia”: assim, na Encíclica Fratelli tutti, o Papa Francisco define os movimentos populares. Um vínculo profundo, aquele entre o Pontífice e estas redes de grupos e pessoas que, por meio de ações coletivas contra as condições vigentes, pretendem provocar mudanças sociais. Desde os tempos em que era arcebispo de Buenos Aires, na verdade, Jorge Mario Bergoglio celebrava todos os anos uma Missa “por uma pátria sem escravos, nem excluídos”.

O “direito sagrado” à terra, à casa e ao trabalho

Ao ser conduzido ao Trono de Pedro, Francisco continuou a apoiar os movimentos populares. No dia 28 de outubro de 2014, por ocasião do seu primeiro encontro mundial, recebeu-os em audiência na antiga Sala do Sínodo e proferiu um discurso que poderia ser definido como "programático", indicando os três Ts (tierra, techo y trabajo - terra, teto e trabalho) ponto fulcral da ação destes grupos que atuam em nome da dignidade humana, da justiça social, do desenvolvimento dos mais pobres e dos descartados.

Os três Ts, afirma o Papa, representam “um anseio que deveria estar ao alcance de todos”, “direitos sagrados” também recordados também pela Doutrina Social da Igreja. Disto, a advertência para enfrentar “o escândalo da pobreza” não recorrendo a “estratégias de contenção que tranquilizem e transformem os pobres em seres domesticados e inofensivos”, mas antes garantindo que eles próprios sejam atores de mudança, a fim de fazer “o vento de promessa que reaviva a esperança de um mundo melhor”.

Globalizar a esperança, não a indiferença

A esperança e a mudança são também os temas principais do segundo encontro mundial de movimentos populares realizado em julho de 2015 em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Naqueles dias, Francisco realizava sua Viagem Apostólica ao país e no dia 9 de julho aproveita para participar no evento e reitera: “Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no salário mínimo, na nossa realidade mais próxima; e também uma mudança que afeta o mundo inteiro porque hoje a interdependência planetária exige respostas globais aos problemas locais”.

“A globalização da esperança que nasce do povo e cresce entre os pobres – sublinha Francisco com veemência na Bolívia – deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença!”.

No mesmo contexto, o Papa propõe à sociedade “três grandes tarefas que requerem o apoio decisivo de todos os movimentos populares”: colocar a economia ao serviço do povo, uni-los no caminho da paz e da justiça e defender a Mãe Terra.

Refundar as democracias em crise

No ano seguinte – é 5 de novembro de 2016 – o Pontífice volta a dirigir-se, no Vaticano, aos movimentos populares reunidos para o seu terceiro encontro mundial.

No seu amplo e detalhado discurso, Francisco presta especial atenção à relação entre movimentos e política: “Vós, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, estais chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão a atravessar uma verdadeira crise. Não caiais na tentação da divisória que vos reduz a agentes secundários ou, pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisia, desorientação e propostas destruidoras, a participação como protagonistas dos povos que procuram o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade, ou de um bem-estar egoísta e uma segurança ilusória."

Então, mais uma vez faz seu o “grito” dos três Ts, destacando ser um “projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro”.

As feridas de uma economia focada apenas no dinheiro

O dinheiro, ou melhor, “as feridas causadas pelo sistema econômico que tem no centro o deus dinheiro” estão no centro da mensagem que o Bispo de Roma enviou, em fevereiro de 2017, aos movimentos populares reunidos em Modesto, Califórnia.

Especificamente, Francisco deplora a “fraude moral” vivida na sociedade globalizada, onde, “sob as aparências do politicamente correto ou das modas ideológicas, olhamos para aquele que sofre mas não o tocamos, transmitimo-lo ao vivo e até proferimos um discurso aparentemente tolerante e cheio de eufemismos, mas nada fazemos de sistemático para debelar as feridas sociais, nem sequer para enfrentar as estruturas que deixam tantos seres humanos na rua". "Esta atitude hipócrita, tão diferente daquela do samaritano - adverte o Papa - manifesta a ausência de uma conversão autêntica e de um verdadeiro compromisso em prol da humanidade."

A importância de um salário mínimo

Chega 2020, o ano da pandemia. Em um momento histórico tão difícil e repleto de temores, Francisco envia uma carta de proximidade aos movimentos populares: é 12 de abril, domingo de Páscoa, e o Papa escreve: “Vocês, trabalhadores informais, independentes ou da economia popular, não têm um salário estável para resistir a esse momento ... e as quarentenas são insuportáveis para vocês. Talvez seja a hora de pensar em um salário universal que reconheça e dignifique as tarefas nobres e insubstituíveis que vocês realizam; capaz de garantir e tornar realidade esse slogan tão humano e cristão: nenhum trabalhador sem direitos”.

O apelo aos poderosos: colocar-se ao serviço do povo

A proposta do salário mínimo, juntamente com a da redução da jornada de trabalho, também regressam na mensagem vídeo que o Papa envia aos movimentos populares no dia 16 de outubro de 2021, por ocasião do seu quarto encontro mundial.

Em um mundo ainda esmagado pelas graves consequências da pandemia, com “mais vinte milhões de pessoas arrastadas a níveis extremos de insegurança alimentar” – diz Francisco – é essencial trabalhar por uma sociedade mais justa, solidária e fraterna. “Em nome de Deus”, então, o Pontífice pede nove vezes aos poderosos da terra que se coloquem “ao serviço das pessoas que pedem terra, casa, trabalho”, lançando um premente apelo pelo cancelamento da dívida dos países pobres, o fim das armas, o fim das agressões e das sanções e a liberalização das patentes para que todos tenham acesso à vacina:

“Apoiemos os povos, os trabalhadores, os humildes, e lutemos juntamente com eles para que o desenvolvimento humano integral se torne uma realidade. Construamos pontes de amor para que a voz da periferia, com o seu pranto, mas também com o seu canto e a sua alegria, não provoque temor, mas empatia no resto da sociedade”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

"Chamar-me-ão bem-aventurada": Santa Maria, no ano litúrgico

Santa Maria (Crédito: Opus Dei)

"Chamar-me-ão bem-aventurada": Santa Maria, no ano litúrgico

Santa Maria, Mãe de Deus: o ano começa com a festa que indica o lugar especial de Nossa Senhora no mistério cristão. Ao longo do ano, a Igreja recorda aos seus filhos a presença maternal e discreta de Maria. Junto a São José, Ela peregrina conosco através da história.

06/02/2017

Na celebração anual dos mistérios de Cristo, «a Santa Igreja venera com especial amor a Santíssima Mãe de Deus, a Virgem Maria, unida por laço indissolúvel à obra salvífica de seu Filho; nEla, a Igreja admira e exalta o fruto mais excelente da Redenção e contempla-a gozosamente, como uma imagem puríssima do que ela mesma, totalmente, anseia e espera ser»[1].

Em breves traços, mas incisivos, o Concílio Vaticano II apresenta o significado do culto litúrgico a Santa Maria. Pode ajudar-nos a compreendê-lo uma via simples e profunda: a melhor arte cristã que surge da oração da Igreja. Se olharmos, por exemplo, um templo de tradição bizantina, reparamos, logo que entramos na nave, para os olhos de Cristo Pantocrator que normalmente domina a abóbada da abside. O seu rosto amável lembra-nos como o Deus infinito assumiu os traços finitos dos filhos dos homens. Debaixo d´Ele, adornada com as cores imperiais, encontra-se Maria, a Toda Santa, ladeada por arcanjos com ricas vestes litúrgicas. Num terceiro nível, por fim, estão os apóstolos e os santos que conosco – comunicantes –, oferecem o sacrificium laudis, o sacrifício de louvor agradável a Deus Pai[2].

A primeira devoção mariana

«Para mim, a primeira devoção mariana – agrada-me ver assim – é a Santa Missa (...) Nesse mistério insondável, adverte-se, como que entre véus, o rosto puríssimo de Maria» (São Josemaria)

Esta imagem ajuda a compreender a posição singular de Maria na vida e na liturgia da Igreja. Como São Josemaria gostava de considerar, Ela é, acima de tudo, a Mãe de Deus, a Theotokos: aqui se encontra «a raiz de todas as perfeições e privilégios que a adornam»[3]. Por isso, uma das orações marianas mais antigas a chama audazmente Dei Genetrix, aquela que gerou Deus[4]; e também por isso o culto litúrgico a Maria se desenvolverá sobretudo a partir do Concílio de Éfeso (século V), quando a Igreja define o dogma da Maternidade divina.

Em outras representações, Santa Maria aparece segurando o véu do cálice eucarístico, ou em uma posição corporal de “Virgem orante e oferente”. Assim se expressa que a participação no mistério Pascal do Senhor é o centro e a raiz de sua vida. Esse modo único, em que Maria se une como Mãe à ação redentora de Jesus, é o fundamento do culto mariano: a Igreja venera a Virgem Maria reconhecendo o lugar que só a Ela corresponde. Por isso, já nas mais antigas profissões de fé batismais e nas primeiras orações eucarísticas se encontram alusões à Mãe de Deus. Esta presença especial de Maria explica, também, que o modo mais natural de honrá-la seja celebrar o mistério do seu Filho, especialmente na Eucaristia.

«Para mim, a primeira devoção mariana – agrada-me ver assim – é a Santa Missa (...). No Sacrifício do Altar, a participação de Nossa Senhora evoca o silencioso recato com que acompanhou a vida de seu Filho, quando andava pelas terras da Palestina. A Santa Missa é uma ação da Trindade: por vontade do Pai, cooperando o Espírito Santo, o Filho oferece-Se em oblação redentora. Nesse mistério insondável, adverte-se, como que entre véus, o rosto puríssimo de Maria»[5]. Celebrando o mistério de Cristo, a Igreja encontra Maria e, contemplando-a, descobre o modo de viver os divinos mistérios. Com Ela escutamos e meditamos a Palavra de Deus, e nos associamos à sua voz que abençoa, dá graças e louva o Senhor; com Ela nos sentimos associados à Paixão do seu Filho, e à alegria da sua Ressurreição; com Ela imploramos incessantemente o dom do Espírito Santo[6].

As origens do culto a Santa Maria

A última reforma da liturgia romana quis ressaltar a centralidade do mistério de Cristo, e por isso integrou a memória da Mãe de Deus no ciclo anual dos mistérios do seu Filho. Além de duas celebrações em que Maria está inseparavelmente unida a Cristo – a Anunciação (25 de Março) e a Apresentação do Senhor (2 de fevereiro) – as festas marianas do atual Calendário romano geral incluem três solenidades[7], duas festas[8], cinco memórias obrigatórias[9] e seis memórias facultativas[10]. Por outro lado, alguns tempos litúrgicos como o Advento e o Natal incorporaram mais referências marianas. Por último, a possibilidade de celebrar a memória facultativa de Santa Maria aos sábados, juntamente com alguns elementos da Liturgia das Horas, constituem a base semanal e diária do culto litúrgico mariano. Conhecer alguns pormenores sobre a origem e o desenvolvimento deste culto pode ajudar-nos a ser melhores filhos da nossa Mãe do Céu.

A Igreja, como Maria, não tem um coração desenraizado, mas faz memória da sua própria origem, recordando paisagens e rostos concretos

O rito romano celebra na oitava de Natal, no primeiro dia do ano, a solenidade da Maternidade divina de Maria. Essa foi a grande comemoração Mariana antes da chegada, nos finais do século VII, de quatro festas de origem oriental: a Apresentação do Senhor, a Anunciação, a Dormição (que agora se celebra como a Assunção) e a Natividade de Nossa Senhora.

O acolhimento dos cristãos provenientes da Palestina, Síria e Ásia Menor, em consequência das invasões árabes do século VII, enriqueceu a liturgia romana com a assimilação de várias tradições litúrgicas. Entre elas, estão quatro festas ligadas à memória de alguns eventos da vida de Nossa Senhora, nos lugares onde, segundo a tradição, ocorreram. A construção de templos naqueles lugares levou, ao longo dos séculos IV-VI, a um primeiro desenvolvimento do culto litúrgico mariano. Alguns exemplos são a basílica no Vale do Cédron, ligada ao dies natalis de Maria, que no século VI passará a chamar-se Festa da Dormição; a basílica de Nazaré, mandada construir pela imperatriz Helena em memória da Anunciação; a basílica construída sobre a piscina Bezatha, que ficará ligada à memória da concepção e do nascimento de Nossa Senhora; ou a basílica de Santa Maria a Nova, construída no início do século VI, perto do antigo Templo de Jerusalém, para recordar a apresentação de Maria.

Todas estas festas nos introduzem na memória histórica da grande família do Povo de Deus, que sabe que «a história não está sujeita a forças cegas nem é o resultado do acaso, mas é a manifestação da misericórdia de Deus Pai»[11]. A Igreja, como Maria, não tem um coração desenraizado, mas faz memória da sua própria origem, recordando paisagens e rostos concretos. A progressiva recepção destas comemorações da Virgem em outras regiões do mundo, é um reconhecimento desta lógica de Deus.

Jesus Cristo (Crédito: Opus Dei)

Da periferia para Roma e de Roma para a periferia

Simultaneamente, uma vez que a Igreja é uma Mãe que acolhe no seu seio todas as culturas, a veneração de Maria será desenvolvida de acordo com a particular sensibilidade teológica e espiritual de cada povo. Assim, por exemplo, a tradição bizantino-constantinopolitana conheceu uma primeira fase bastante sóbria do culto mariano, mas com o tempo produziu ricas composições poéticas em honra da Theotokos. O hino Akathistos é uma das mais amadas e difundidas: «Ave, por ti / resplandece a alegria! / Ave, por ti a maldição toda cessa! / Ave, reergues o Adão decaído! / Ave, tu estancas as lágrimas de Eva!». A tradição etíope também manifestará a sua profunda piedade mariana nas orações eucarísticas e na instituição do maior número de festas marianas incluídas numa tradição litúrgica, mais de trinta ao longo do ano.

«Ave, por ti resplandece a alegria! Ave, por ti a maldição toda cessa! Ave, reergues o Adão decaído! Ave, tu estancas as lágrimas de Eva!» (hino akathistos)

O rito romano tem também a sua própria história. No final do século VII, o Papa Sérgio I enriquece aquelas quatro festas recém-chegadas do Oriente com um elemento que distinguirá a devoção popular romana: as procissões das ladainhas pela cidade. Mais tarde, serão compostos os textos da Missa e do Ofício de Sancta Maria in Sabbato; pela Europa, vai se espalhar o costume de dedicar o sábado a Nossa Senhora, e vão ser criadas novas antífonas para a Liturgia das Horas. Algumas delas são hoje a última oração que, antes de dormir, sai confiante dos lábios da igreja: Alma Redemptoris MaterSalve ReginaAve Regina CoelorumRegina Coeli Laetare, compostas nos séculos XI-XIII. Mais tarde, também vão ser instituídas festas marianas como a Visitação, promovidas inicialmente pelos franciscanos e estendida depois a toda a igreja latina no século XIV.

Depois do Concílio de Trento estendem-se a todo o rito romano outras festas celebradas até então somente em algumas regiões. Por exemplo, São Pio V estendeu a toda a igreja latina a festa romana da Dedicação de Nossa Senhora das Neves (5 de agosto). Nos séculos XVII e XVIII, várias comemorações ligadas à piedade mariana de algumas ordens religiosas passarão, de várias maneiras, ao calendário geral: Nossa Senhora do Carmo (carmelitas), Nossa Senhora do Rosário (dominicanos), Nossa Senhora das Dores (servos de Maria), Nossa Senhora das Mercês (mercedários), etc.

Estes movimentos que vão da periferia a Roma, e de Roma à periferia[12] refletem a sabedoria maternal da Igreja, que promove tudo o que gera unidade, e ao mesmo tempo se adapta para tratar os seus filhos de «modo diferente - com uma justiça desigual -, já que cada um é diferente dos outros»[13]. Este respeito pelas tradições locais permanece no calendário atual, que reconhece a existência de festas marianas particulares, ligadas à história e devoção dos diversos membros do Povo de Deus. Isso explica a presença, no calendário da Prelazia do Opus Dei, da festa de Nossa Senhora do Amor Formoso, que se celebra a 14 de fevereiro.

Um momento particularmente grandioso do culto litúrgico mariano foi o passado século XX, que conheceu quatro novas festas marianas: Nossa Senhora de Lourdes (Pio X, em 1907), a Maternidade de Nossa Senhora (Pio XI, em 1931), o Imaculado Coração de Maria (Pio XII, em 1944), e Santa Maria Rainha (Pio XII, em 1954). Além da memória do Santíssimo Nome de Maria (12 de setembro), a última edição do Missal Romano incorporou as memórias facultativas de Nossa Senhora de Fátima (13 de maio) e Nossa Senhora de Guadalupe[14] (12 de dezembro). A extensão a todo o rito latino das celebrações ligadas a intervenções particulares da Virgem expressa a vigilância amorosa da Igreja, que recorda aos seus filhos a presença discreta mas firme de Maria. Junto com São José, Ela peregrina conosco através da História.

Com a bênção da Mãe

Muitos pórticos de igrejas mostram a Mãe de Deus que acolhe e despede os peregrinos com o seu olhar e o seu sorriso

Muitos pórticos de igrejas medievais têm uma imagem característica do Ocidente: a Mãe de Deus tem nos seus braços o Menino, e com o seu olhar e o seu sorriso acolhe e despede os peregrinos. Esta imagem, situada no espaço público que se abre para a cidade, fala-nos do estilo acolhedor e missionário de Maria que dá forma à vida da Igreja através da liturgia.

A sua presença recorda-nos que Ela nos espera quando vamos a uma igreja ou oratório, para nos ajudar a falar com o seu Filho. Saber dessa espera de Maria leva-nos a recolher-nos, a preparar-nos bem para as diferentes ações litúrgicas: uma delicadeza de filhos que se concretiza em pormenores, como chegar com antecedência, sem pressa, e dispor o que for necessário (adorno do altar, velas, livros) com a atenção e carinho da nossa Mãe, «Mulher Eucarística»[15], ao preparar-se para a «fração do pão» da primitiva Igreja[16].

A alegria da Toda Formosa está em «reproduzir nos filhos as características espirituais do Filho Primogênito»[17]. Na escola de Santa Maria, «a Igreja aprende a tornar-se cada dia “serva do Senhor”, a estar pronta para partir ao encontro das situações de maior necessidade, a prestar atenção aos mais pequeninos, aos excluídos»[18]. Por isso, depois de nos convidar a entrar para sermos transformados por Ele, nossa Mãe volta a saudar-nos e, desde o pórtico, envia-nos para a «formosíssima guerra de paz»[19], lado a lado com os nossos irmãos, os homens.

Juan Rego


[1] Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium (4-XII-1963), 103.

[2] Cfr. Missal Romano, Cânone Romano.

[3] São Josemaria, Amigos de Deus, 276.

[4] Cfr. Liturgia das horasAd completorium, Antífona Sub tuum praesidium.

[5] São Josemaria, “La Virgen María”, em Por las sendas de la fe, Madrid, Cristiandad 2013, 170-171.

[6] Cfr. Collectio Missarum de Beata Vergine Maria, nn. 13.17.

[7] São as seguintes: 1 de janeiro: Mãe de Deus; 15 de agosto: Assunção [no Brasil celebra-se no Domingo seguinte]; 8 de dezembro: Imaculada Conceição.

[8] 31 de maio: Visitação; 8 de setembro: Natividade.

[9] Sábado, após a solenidade do Sagrado Coração de Jesus, Imaculado Coração de Maria; 22 de agosto: Santa Maria Rainha; 15 de setembro: Nossa Senhora das Dores; 7 de outubro: Nossa Senhora do Rosário; 21 de Novembro: Apresentação de Maria no Templo.

[10] 11 de fevereiro: Nossa Senhora de Lourdes; 13 de maio: Nossa Senhora de Fátima; 16 de julho: Nossa Senhora do Carmo; 5 de agosto: Dedicação da Basílica de Santa Maria Maior; 12 de setembro: Santo Nome de Maria; 12 de dezembro: Nossa Senhora de Guadalupe.

[11] São Josemaria, “As riquezas da fé”.

[12] Cfr. São Josemaria, Forja, 638.

[13] Amigos de Deus, 173.

[14] NT: o Brasil é celebrada como Festa, pois é a padroeira da América Latina.

[15] São João Paulo II, Enc. Ecclesia de Eucharistia (17-IV-2013), 53-58.

[16] Cfr. Act 2, 42.

[17] B. Paulo VI, Ex. ap. Marialis cultus (2-II-1974), 57.

[18] Papa Francisco, Homilia, 5-VII-2014.

[19] São Josemaria, É Cristo que passa, 76.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/chamar-me-ao-bem-aventurada-santa-maria-no-ano-lit/

Da última Exortação de Santo André Kim Taegón, presbítero e mártir

Santo André Kim Taegón e companheiros (liturgiadashoras)

Da última Exortação de Santo André Kim Taegón, presbítero e mártir

(Pro Corea. Documenta., ed. Mision Catholique Séoul, Séoul-Paris 1938, Vol. I,74-75)                 (Séc. XIX)

A fé é coroada pelo amor e a perseverança

Meus caríssimos irmãos e amigos, considerai como Deus no princípio dos tempos dispôs os céus, a terra e todas as coisas; meditai também com que especial intenção criou o ser humano à sua imagem e semelhança. 

Se, pois, nesta vida de perigos e miséria, não reconhecermos o Criador, de nada nos servirá termos nascido e continuar vivendo. Já neste mundo pela graça divina, pela mesma graça recebemos o batismo, entrando no seio da Igreja e tornando-nos discípulos do Senhor. Mas, trazendo assim o precioso nome de cristãos, de que nos servirá tão grande nome, se na realidade não o formos? Seria inútil termos nascido e ingressado na Igreja se traíssemos o Senhor e a sua graça; melhor seria não termos nascido do que, recebendo a sua graça, pecarmos contra ele. 

Considerai o agricultor ao lançar a semente no campo: primeiro, prepara a terra com o suor do seu rosto e depois joga a preciosa semente; chegando o tempo da colheita, alegra-se de coração com as espigas cheias, esquecendo seu trabalho e suor, e dançando de alegria; se porém as espigas permanecem vazias não sendo mais que palha e casca, o agricultor deplora o duro labor com que suou, sentindo-se tanto mais desesperado quanto mais trabalhou.  

De modo semelhante, cultiva o Senhor a terra como seu campo, sendo nós os grãos de arroz; rega-nos com o seu sangue na sua Encarnação e Redenção para que possamos crescer e amadurecer; quando, no dia do juízo, vier o tempo da colheita, quem pela graça for achado maduro gozará o reino dos céus como filho adotivo de Deus. Quanto aos outros, que não amadureceram, tornar-se-ão inimigos, punidos para sempre, embora também tenham se tornado filhos adotivos de Deus pelo batismo.  

Irmãos caríssimos, lembrai-vos de que nosso Senhor Jesus, descendo a este mundo, sofreu inúmeras dores e tendo fundado a Igreja por sua paixão, ele a faz crescer pelos sofrimentos dos fiéis. Apesar de todas as pressões e perseguições, os poderes terrenos não poderão prevalecer: da Ascensão de Cristo e do tempo dos apóstolos até hoje, a santa Igreja continua crescendo no meio das tribulações.  

Também nesta nossa terra da Coréia, durante os cinquenta ou sessenta anos em que a santa Igreja se estabeleceu aqui, os fiéis sempre sofreram perseguições. Hoje acendeu-se de novo a perseguição; muitos amigos são, como eu, lançados nos cárceres, enquanto também sofreis tribulações. Unidos num só corpo, como não ficarão tristes os nossos corações? Como, humanamente, não experimentarmos a dor da separação?  

Deus, porém, como diz a Escritura, cuida de cada cabelo de nossa cabeça, e o faz com toda a sabedoria; portanto, como não considerar esta perseguição senão como permitida pelo Senhor, ou mesmo, seu prêmio ou, até, sua pena?  

Abraçai, pois, a vontade de Deus, combatendo de todo o coração pelo vosso chefe Jesus e vencendo o demônio, já vencido por ele.  

Eu vos peço: não deixeis de lado o amor fraterno, mas ajudai-vos uns aos outros, perseverando até que o Senhor tenha piedade de nós e afaste a tribulação.  

Aqui somos vinte e, pela graça de Deus, todos ainda estão bem. Caso algum de nós venha a morrer, peço não negligenciardes a sua família. Muitas coisas teria ainda a dizer-vos, mas como posso exprimi-las em tinta e papel? Por isso vou terminar minha carta. Aproximando-se para nós a luta, peço-vos finalmente que caminheis com fidelidade, de modo que no céu nos possamos congratular. Deixo-vos aqui meu ósculo de amor.

Fonte: https://liturgiadashoras.online/

O coração de Pastor e a fé do povo

Multidão de peregrinos em Medjugorje (Vatican News)

O nada obsta para Medjugorje foi possível graças ao reconhecimento dos frutos positivos da experiência espiritual vivida naquele lugar e à abordagem pastoral do Papa.

ANDREA TORNIELLI

A autorização oficial para a devoção e a experiência espiritual que começou em Medjugorje em junho de 1981, quando seis jovens contaram ter visto Nossa Senhora, foi possível graças aos abundantes frutos positivos constatados nesta paróquia visitada por mais de um milhão de pessoas a cada ano e no mundo inteiro: peregrinações, conversões, retorno aos sacramentos, casamentos em crise que são reconstruídos. São esses elementos que o Papa Francisco sempre observou, desde que era bispo na Argentina: a piedade popular que move tantas pessoas em direção aos santuários deve ser acompanhada, corrigida quando necessário, mas não sufocada. Ao julgar os presumidos fenômenos sobrenaturais, é preciso sempre prestar atenção precisamente aos frutos espirituais. Corresponde a essa visão do Sucessor de Pedro o fato de ter dissociado, graças às novas normas publicadas em maio passado, o juízo da Igreja da declaração mais exigente de sobrenaturalidade. Esta última ainda pode estar presente, mas não é mais necessário esperar por ela para autorizar culto, devoções e peregrinações, se não houver engano ou interesses ocultos, se as mensagens forem ortodoxas e, sobretudo, se houver muitas experiências positivas.

Graças ao coração de pastor de Francisco, dá-se, portanto, o pronunciamento sobre uma das aparições marianas mais conhecidas e mais contrastadas do último século. Uma decisão que não é uma surpresa. Já em maio passado, o cardeal Fernández, respondendo a uma pergunta sobre Medjugorje, havia dito: “Com essas normas, pensamos que será mais fácil ir em frente e chegar a uma conclusão”. E essa não é uma abordagem sem precedentes, como atestam as palavras usadas pelo então cardeal Ratzinger no livro entrevista “Relatório sobre a fé”: “Um dos nossos critérios é separar o aspecto da verdadeira ou presumida ‘sobrenaturalidade’ da aparição daquele dos seus frutos espirituais. As peregrinações do cristianismo antigo foram a lugares sobre os quais nosso espírito crítico como modernos às vezes ficaria perplexo quanto à ‘verdade científica’ da tradição ligada a eles. Isso não diminui o fato de que essas peregrinações foram frutíferas, benéficas e importantes para a vida do povo cristão. O problema não é tanto o do hipercriticismo moderno (que acaba, entre outras coisas, em uma forma de nova credulidade), mas o de avaliar a vitalidade e a ortodoxia da vida religiosa que se desenvolve em torno desses lugares”. O próprio Bento XVI, em 2010, havia confiado a uma comissão liderada pelo cardeal Ruini o estudo do fenômeno, e o resultado foi favorável.

A Nota intitulada “A Rainha da Paz”, portanto, reconhece a bondade dos frutos, apresenta um juízo geral positivo das muitas mensagens ligadas a Medjugorje que foram difundidas ao longo dos anos, corrigindo alguns textos problemáticos e algumas interpretações que podem ter sido afetadas pela influência subjetiva dos videntes. No que diz respeito aos ex-jovens protagonistas do fenômeno, que foram objeto de controvérsia e até mesmo de acusações ao longo dos anos, o documento esclarece desde as primeiras linhas que o nada obsta não implica um juízo sobre a vida moral deles e que, em todo caso, os dons espirituais “não exigem necessariamente a perfeição moral das pessoas envolvidas para poder agir”. Ao mesmo tempo, o próprio fato de o nada obsta ter sido concedido significa que não foram detectados aspectos particularmente críticos ou arriscados, nem mentiras, falsificações ou mitomanias.

A Nota do Dicastério valoriza os dois núcleos centrais da mensagem de Medjugorje: o da conversão e do retorno a Deus, e o da paz. Quando o fenômeno teve início e Maria se apresentou como a “Rainha da Paz”, ninguém poderia imaginar que aquelas terras seriam o cenário de confrontos sangrentos. Aquele que escreve ficou profundamente impressionado, participando de uma peregrinação, com os testemunhos de amigos e concidadãos dos videntes: pessoas que não estavam de forma alguma envolvidas nas aparições ou nas mensagens, que, diante da crueldade da guerra travada naquelas terras mesmo entre vizinhos de casa, souberam perdoar. E graças à sua experiência de fé ligada às aparições de Medjugorje, também se reconciliaram com aqueles que haviam sido culpados de violência grave contra seus parentes. Isso é muito mais “milagroso” do que muitos outros fenômenos mencionados nos locais das aparições.

No fundo, a mensagem autêntica de Medjugorje está naquelas mensagens em que Nossa Senhora se relativiza e nos convida a não ir atrás de falsos profetas, a não buscar com curiosidade notícias sobre “segredos” e previsões apocalípticas, como pode ser visto em uma mensagem de novembro de 1982: “Não busqueis coisas extraordinárias, mas antes tomai o Evangelho, lede-o e tudo vos será claro”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

“A linguagem é uma fonte de mal-entendidos”

A linguagem (Crédito: Aliança da Misericórdia)

“A linguagem é uma fonte de mal-entendidos”

Dom João Santos Cardoso 
Arcebispo de Natal (RN)

Essa frase de Antoine de Saint-Exupéry, dita pela raposa ao Pequeno Príncipe durante o diálogo sobre “cativar” e criar laços, revela a limitação da linguagem em transmitir plenamente as experiências humanas mais significativas, como sentimentos e vivências subjetivas. Nessa esfera, as palavras geralmente são insuficientes e podem gerar mal-entendidos. 

Ludwig Wittgenstein reforça essa ideia ao afirmar que “a linguagem corrente é parte do organismo humano, e não menos complicada que ele. É humanamente impossível, de imediato, extrair dela a lógica da linguagem. A linguagem é um traje que disfarça o pensamento. E, na verdade, de um modo tal que não se pode inferir, da forma exterior da veste, a forma do pensamento vestido por ela, porque a forma exterior do traje foi constituída segundo fins inteiramente diferentes de tornar reconhecível a forma do corpo. Os acordos tácitos que permitem o entendimento da linguagem corrente são enormemente complicados” (Tractatus Logico-Philosophicus, proposição 4002). 

Essa proposição do Tractatus reflete a complexidade da linguagem humana e as dificuldades que temos em compreender totalmente como ela funciona. Embora usemos a linguagem para nos comunicar, não temos plena consciência de como cada palavra se relaciona com o mundo ou de como os sons que emitimos ganham sentido. Segundo Wittgenstein, a linguagem é como um “traje” que encobre o pensamento, de modo que, ao observar apenas sua forma externa, não podemos inferir diretamente o conteúdo ou o sentido que ela carrega. A função do traje não é revelar o corpo, mas embelezá-lo e ocultá-lo. Assim também ocorre com as palavras: muitas vezes, elas mais escondem do que revelam, pois, a linguagem disfarça o pensamento ao invés de revelar diretamente o que está sendo pensado. 

Isso acontece porque a linguagem, enquanto ferramenta humana, envolve uma série de acordos implícitos e regras complexas que organizam como as palavras e os símbolos ganham significado dentro de um sistema linguístico compartilhado. Esses acordos, por serem tão intrincados, tornam impossível entender de imediato a lógica completa de como funciona a linguagem e como uma expressão linguística adquire significado. A linguagem corrente é uma construção humana, complexa e viva, que depende de uma lógica subjacente não evidente a todos os seus falantes, e essa característica limita a compreensão direta daquilo que queremos expressar.  

Outrossim, há sempre algo inefável que a linguagem não pode expressar diretamente, sendo necessário que certas coisas se mostrem em vez de serem ditas. Esse fato leva Wittgenstein a distinguir entre o dizível e o mostrável, sendo este último o âmbito do que não pode ser dito e apenas se revela. Tal distinção o conduz a traçar os limites entre o dizível, que abrange proposições verificáveis, e o indizível, que engloba experiências humanas profundas, como sentimentos, ética, estética e o místico. Essas experiências não podem ser plenamente expressas, mas se manifestam de forma indireta, através da metáfora e da poesia. Wittgenstein defende que devemos nos calar sobre o que não pode ser dito, pois aspectos significativos da vida transcendem a linguagem e escapam à descrição teórica ou científica. Tais vivências são inefáveis — podem ser experimentadas e mostradas, mas não explicadas. O silêncio, a contemplação, os gestos, os tempos e os intervalos são mais adequados para expressá-las, já que as palavras frequentemente geram mal-entendidos. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

O que acontece no seu cérebro quando você navega no celular

Foto/Crédito: Getty Images

O que acontece no seu cérebro quando você navega no celular (e 3 dicas para evitar que isso se torne compulsivo)

  • Author: Santiago Vanegas
  • Role: BBC News Mundo
  • 14 maio 2024

Um vídeo de um cachorrinho, uma foto de uma amiga na praia, um meme, uma notícia do outro lado do mundo — os conteúdos vão se intercalando. Se você gosta, você vê; se você não gosta, você passa.

O hábito de deslizar o dedo pela tela do celular faz parte do dia a dia de muita gente — às vezes por alguns segundos enquanto estamos no elevador, às vezes por horas antes de dormir.

Mas o que acontece a nível neural quando rolamos a tela do celular? Por que é tão viciante? E como podemos evitar que isso se torne um problema?

Éilish Duke, professora de psicologia na Universidade Leeds Beckett, no Reino Unido, diz que a primeira coisa que precisamos entender é que o impulso de pegar o celular e acionar a tela, que desencadeia a rolagem, é automático.

Não temos consciência disso porque construímos esse hábito ao longo do tempo — como fechar a porta ao sair de casa, por exemplo.

"Em uma pesquisa que fizemos há alguns anos, descobrimos que os participantes achavam que verificavam seus telefones a cada 18 minutos, mas quando usamos gravadores de tela, percebemos que, na verdade, eles verificavam (o celular) com muito mais frequência."

A partir do momento que ativamos a tela, certas funções do nosso cérebro e o design sofisticado dos aplicativos do nosso celular entram em cena em perfeita harmonia.

Segundo a professora Ariane Ling, do departamento de psiquiatria do NYU Langone Health, nos EUA, o hábito da rolagem de tela pode ser explicado pelo comportamento natural dos seres humanos, mas é agravado por fatores ambientais.

Ling explica que o ser humano está programado para querer saber o que está acontecendo. É por isso que lemos as notícias ou, por exemplo, paramos para olhar quando há um acidente na estrada. É algo que faz parte do desenvolvimento evolutivo que nos permitiu sobreviver.

E nosso celular foi projetado para nos alimentar continuamente com informações que nos interessam.

É um casamento perfeito.

Rolar a tela do celular ativa o circuito de recompensa do cérebro (Crédito: Getty Images)

A busca constante pelo prazer

Nossos cérebros buscam naturalmente ser recompensados. Temos certos centros neurais que reagem ao prazer — ao sexo, às drogas, a ganhar dinheiro em um cassino —, e esperam que isso se repita várias vezes.

"Estão buscando aquela novidade, aquela próxima dose de prazer, seja lá o que for que possamos realmente desfrutar", explica Duke.

Isso é conhecido como sistema ou circuito de recompensa do cérebro, e é exatamente o mesmo mecanismo pelo qual uma pessoa se torna dependente de uma substância como o álcool.

"Para muitos de nós, essa novidade vem na forma do nosso telefone."

As redes sociais, em particular, sempre têm algo novo prazeroso a oferecer: uma foto, um vídeo, uma notícia, uma mensagem.

Mas há outra parte do cérebro que luta contra esses impulsos de busca por prazer e recompensa imediata: o córtex pré-frontal.

É a região do cérebro responsável por fazer você tomar decisões menos impulsivas e mais equilibradas — aquela que faz você, por exemplo, parar de rolar a tela, levantar do sofá e decidir arrumar a casa ou praticar exercício físico.

Mas estas duas funções cerebrais nem sempre estão perfeitamente equilibradas.

O que acontece com muita gente é que "a parte lógica do nosso cérebro que controla os nossos impulsos não está fazendo a sua parte, ou pelo menos não tão bem quanto poderia, está sobrecarregada pela busca por prazer", afirma Duke.

E, no caso dos jovens, mais ainda.

"O que vemos nos adolescentes é que o circuito de recompensa está em alerta máximo, pronto para funcionar o tempo todo. Mas o córtex pré-frontal só termina de se desenvolver aos 23 ou 24 anos, por isso não consegue realmente controlar certos impulsos, como usar o telefone", explica a professora de psicologia.

O 'fluxo' em que nossa mente entra quando rolamos a tela do celular explica por que perdemos a noção do tempo (Crédito: Getty Images)

Distorção do tempo

O que acontece quando rolamos a tela do celular, segundo Duke, é que entramos em um estado de fluxo.

O conceito de fluxo em psicologia se refere a um estado mental em que a dificuldade da tarefa que uma pessoa está realizando se ajusta muito bem ao nível de atenção e habilidade que ela tem para oferecer naquele determinado momento.

Aplicativos como o TikTok, em que o algoritmo muda constantemente e oferece coisas novas especialmente direcionadas a você, alimentam diretamente este estado de fluxo.

"Eles absorvem toda a sua atenção, e você entra em uma fase de distorção do tempo em que não percebe que duas horas se passaram, e você está sentado com a mão dormente, e perdeu todo esse tempo vendo vídeos de cachorrinhos", acrescenta Duke.

Ariane Ling explica, usando uma metáfora, como nosso cérebro começa a adquirir o hábito de rolar a tela do celular excessivamente.

"Se você pensar em um caminho que já foi percorrido muitas vezes, esse caminho se torna muito mais claro, e continuamos caminhando por ele. É mais fácil."

"Se você rolar a tela constantemente, esta se torna a experiência padrão. E, assim, fica muito difícil focar sua atenção e seu tempo em outra coisa", completa.

Se você sente que realmente tentou controlar este hábito e não conseguiu, pode ser uma boa ideia procurar ajuda (Crédito: Getty Images)

dependência do celular não consta no manual de diagnóstico psiquiátrico. Portanto, não existem critérios estabelecidos para diferenciar o uso saudável do uso problemático — e, consequentemente, da dependência.

"Nos baseamos nos critérios clássicos de diagnóstico de dependências, como de que existe um impulso incontrolável ou que o comportamento está tendo um impacto funcional negativo no resto da vida da pessoa; por exemplo, que ela está deixando de fazer as coisas que precisa fazer no dia a dia ou apresenta sintomas de abstinência", explica Duke.

É importante, portanto, prestar atenção e tentar rever nossos próprios hábitos.

"Se você mesmo tentou parar, e tentou de verdade, mas não conseguiu, eu recomendaria procurar ajuda ou uma intervenção mais significativa", sugere Ariane Ling.

Como evitar a rolagem de tela compulsiva

1. Passar um tempo longe da tela

"Ter certos rituais que afastem você do celular é sempre muito útil", diz Ling.

Segundo ela, muitas pesquisas mostram como um exercício tão simples quanto caminhar sem o celular pode ter um grande impacto.

"Sempre que você puder deixar o telefone (em casa) e dar um tempo, seja para uma dar uma caminhada ou para ir à academia, é excelente", concorda Duke.

E não é só porque impede você de usar o telefone nesse período, mas também porque ajuda você a prestar atenção ao que está ao seu redor, exercitar outras funções do cérebro e ter consciência de como você se sente ao deixar o telefone para trás.

Criar o hábito/regra de não usar o celular à mesa quando estiver com a família ou amigos também é o ideal — uma vez que assim não depende apenas de você, outra pessoa vai te lembrar que não é hora de usar o celular. E ter um reforço visual desta regra, como uma cesta em que todos possam colocar o celular antes da refeição, pode torná-la ainda mais eficaz.

Em geral, qualquer esforço consciente para diferenciar na sua rotina o tempo com celular do tempo sem celular, pode ajudar a evitar a rolagem de tela sem sentido, por mero hábito.

"Se você puder reservar períodos de tempo em que não vai usar o telefone — mas, sim, se concentrar em uma tarefa ou apenas estar presente com os amigos, é uma boa ideia", aconselha Duke.

"Outra coisa que, às vezes, eu faço é colocar meu telefone em preto e branco, o que torna menos atraente olhar para a tela", compartilha Ling.

Adotar a regra de não permitir o uso de telefone à mesa é uma boa medida para limitar o tempo no celular, segundo especialistas (Crédito: Getty Images)

2. Interagir com o mundo físico

Fazer pequenas mudanças na rotina para realizar as tarefas que você faz no celular sem usar o dispositivo também pode ajudar a ter uma relação mais saudável com a rolagem de tela.

"Em um dos estudos que fizemos há alguns anos, vimos uma grande diferença entre as pessoas que usavam relógios normais, e aquelas que usavam o celular para ver a hora", conta Duke.

Sem querer, as pessoas que usavam o celular para ver a hora, acabavam "presas" na rolagem de tela.

Além disso, por exemplo, "se você conseguir ler o que for que esteja lendo sem estar online, é maravilhoso", acrescenta a professora de psicologia.

"Encorajo as pessoas a serem curiosas e buscarem truques para reduzir o tempo de uso do celular, e passar mais tempo no mundo tridimensional", completa Ling.

"Somos táteis, queremos nos envolver com as coisas do mundo real."

3. Tentar controlar o impulso

Raramente, quando sentimos o impulso de entrar em um aplicativo para simplesmente ficar rolando a tela ou quando já estamos fazendo isso há horas, paramos para pensar por que estamos fazendo isso ou o quão satisfeitos estamos com essa decisão.

Tentar estar mais conscientes das nossas decisões, de como nos sentimos e de como nossa mente funciona nestes momentos é uma intervenção poderosa que podemos fazer.

"O impulso de pegar o telefone é como ter um desejo. Você percebe que seu corpo começa a desejar aquilo. Seu cérebro diz: 'Oi, faz um tempo que não consumimos dopamina, vamos consumir um pouco'. E esse desejo pode crescer, como uma onda", explica Ling.

"Mas você pode resistir a esse impulso, certo? Você pode dizer: OK, é isso que estou percebendo, quero muito olhar meu celular, abrir aquela notificação, mas posso não fazer isso."

"É necessário muita prática e responsabilidade, mas acho que quem realmente pratica algo do tipo com diligência nota benefícios a longo prazo, como ser capaz de manter a atenção, se sentir melhor, ter experiências fora da tela que tornam sua vida mais rica e significativa", conclui Ling.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c6pyyjydmgqo

Medjugorje, o "Nulla osta" do Papa

Imagem de Nossa Senhora sendo incensada em Missa celebrada em Medjugorje (Vatican Media)

O documento do Dicastério para a Doutrina da Fé aprovado por Francisco não se pronuncia sobre a sobrenaturalidade, mas reconhece os abundantes frutos espirituais ligados à paróquia-santuário da Rainha da Paz e formula um juízo geral positivo sobre as mensagens, embora com alguns esclarecimentos.

Vatican News

“É chegado o momento de concluir uma longa e complexa história em torno aos fenômenos espirituais de Medjugorje. Trata-se de uma história em que se sucederam opiniões divergentes de Bispos, teólogos, comissões e analistas”. Estas são as palavras iniciais de “A Rainha da Paz”, uma nota sobre a experiência espiritual ligada a Medjugorje, assinada pelo cardeal Víctor Manuel Fernández e por monsenhor Armando Matteo, respectivamente prefeito e secretário da seção doutrinal do Dicastério para a Doutrina da Fé. Um texto aprovado pelo Papa Francisco em 28 de agosto, que reconhece a bondade dos frutos espirituais ligados à experiência de Medjugorje, autorizando os fiéis a aderir a ela - de acordo com as novas Normas para o discernimento desses fenômenos - uma vez que “foram verificados muitos frutos positivos e não se difundiram no Povo de Deus efeitos negativos ou arriscados”. Em geral, o juízo das mensagens também é positivo, embora com alguns esclarecimentos sobre algumas expressões. Também é enfatizado que “as conclusões desta Nota não implicam um juízo acerca da vida moral dos presumidos videntes” e que, em todo caso, os dons espirituais “não exigem necessariamente a perfeição moral das pessoas envolvidas para poder agir”.

Frutos positivos

Os lugares ligados ao fenômeno de Medjugorje são visitados por peregrinos do mundo inteiro. “Os frutos positivos revelam-se sobretudo na promoção de uma sadia prática da vida de fé”, de acordo com a tradição da Igreja. Há “abundantes conversões” de pessoas que descobriram ou redescobriram a fé; o retorno à confissão e à comunhão sacramental, numerosas vocações, “muitas reconciliações entre cônjuges e a renovação da vida matrimonial e familiar”. “É preciso mencionar - afirma a Nota - que tais experiências acontecem sobretudo no contexto das peregrinações aos lugares dos eventos originários, mais do que durante os encontros com os ’videntes' para presenciar as presumidas aparições”. Relatam-se também “numerosíssimas curas”. A paróquia da pequena localidade da Herzegovina é um lugar de adoração, oração, seminários, retiros espirituais, encontros de jovens e “parece que as pessoas vão a Medjugorje sobretudo para renovar a própria fé e não por causa de pedidos específicos”. Surgiram também obras de caridade que se ocupam de órfãos, dependentes químicos, deficientes e também há grupos de cristãos ortodoxos e de muçulmanos.

A mensagem da paz

A Nota do Dicastério prossegue examinando os aspectos centrais das mensagens, começando pelo da paz entendida não só como ausência de guerra, mas também em um sentido espiritual, familiar e social: o título mais original que Nossa Senhora atribui a si mesma é de fato “Rainha da Paz”. “Eu me apresentei aqui como Rainha da Paz para dizer a todos que a paz é necessária para a salvação do mundo. Somente em Deus se encontra a verdadeira alegria da qual deriva a verdadeira paz. Por isso, peço a conversão” (16.06.1983). É uma paz que é fruto da caridade vivida, que “implica também o amor por aqueles que não são católicos”. Um aspecto que se entende melhor “no contexto ecumênico e inter-religioso da Bósnia-Herzegovina, marcado por uma terrível guerra com fortes componentes religiosos”.

Deus no centro

O convite ao abandono confiante em Deus, que é amor, surge com frequência: “Podemos reconhecer um núcleo de mensagens nas quais Nossa Senhora não se põe a si mesma no centro, mas se mostra plenamente orientada para a nossa união com Deus”. Além disso, “a intercessão e a obra de Maria aparecem claramente submissas a Jesus Cristo, como autor da graça e da salvação em cada pessoa”. Maria intercede, mas é Cristo quem “nos dá a força, portanto, toda a sua obra materna consiste em motivar-nos a ir para Cristo”: “Ele vos dará força e a alegria neste tempo. Eu estou próxima de vós com a minha intercessão” (25.11.1993). Mais ainda, muitas mensagens convidam a reconhecer a importância de pedir a ajuda do Espírito Santo: “As pessoas erram quando se dirigem unicamente aos santos para pedir alguma coisa. O importante é rezar ao Espírito Santo para que desça sobre vós. Tendo-o, tem-se tudo” (21.10.1983).

Chamado à conversão

Nas mensagens aparece “um constante convite a abandonar um estilo de vida mundano e um excessivo apego aos bens terrenos, com frequentes convites à conversão, que torna possível a verdadeira paz no mundo”. A conversão parece ser o centro da mensagem de Medjugorje. Há também uma “insistente exortação a não subestimar a gravidade do mal e do pecado e a tomar muito a sério o chamado de Deus para lutar contra o mal e contra a influência de Satanás”, indicado como origem do ódio, da violência e da divisão. Também são fundamentais o papel da oração e do jejum, bem como a centralidade da Missa, a importância da comunhão fraterna e a busca do significado último da existência na vida eterna.

Esclarecimentos necessários

A segunda parte do documento destaca como “algumas poucas” mensagens se afastam do conteúdo listado até agora. E, portanto, “para evitar que este tesouro de Medjugorje seja comprometido, é necessário esclarecer algumas possíveis confusões que podem conduzir grupos minoritários a distorcer a preciosa proposta desta experiência espiritual”. Se algumas mensagens forem lidas parcialmente, elas podem parecer “conexas a experiências humanas confusas, a expressões imprecisas do ponto de vista teológico ou a interesses não totalmente legítimos”, embora algum erro possa não ser “devido à má intenção, mas à percepção subjetiva do fenômeno”. Em alguns casos, “Nossa Senhora parece mostrar certa irritação porque não foram seguidas algumas de suas indicações; adverte assim sobre sinais ameaçadores e sobre a possibilidade de não aparecer mais”. Mas, na realidade, outras mensagens oferecem uma interpretação correta: “Aqueles que fazem predições catastróficas são falsos profetas. Eles dizem: 'Em tal ano, em tal dia, acontecerá uma catástrofe'. Eu sempre disse que o castigo virá se o mundo não se converter. Por isso, convido todos à conversão” (15.12.1983).

Insistência nas mensagens

Depois, há mensagens para a paróquia nas quais Nossa Senhora parece desejar ter um controle sobre detalhes do caminho espiritual e pastoral, “dando assim a impressão de querer substituir-se aos organismos ordinários de participação”. Em outros momentos, insiste sobre a escuta e aceitação das mensagens, uma insistência provavelmente provinda “do amor e do generoso fervor dos presumidos videntes, que com boa vontade temiam que os chamados da Mãe à conversão e à paz fossem ignorados”. Esta insistência se torna ainda mais problemática quando as mensagens “se referem a pedidos de improvável origem sobrenatural, como quando Nossa Senhora dá ordens sobre datas, lugares, aspectos práticos e toma decisões sobre questões ordinárias”. Na verdade, é a própria Nossa Senhora que convida a relativizar as próprias mensagens, submetendo-as ao valor inigualável da Palavra revelada nas Sagradas Escrituras: “Não busqueis coisas extraordinárias, mas antes tomai o Evangelho, lede-o e tudo vos será claro” (12.11.1982); “Por que fazeis tantas perguntas? Toda resposta está no Evangelho” (19.09.1981). “Não acrediteis nas vozes mentirosas que vos falam de coisas falsas, de uma falsa luz. Vós, filhos meus, tornai à Escritura!” (02.02.2018).

Resumo do Evangelho

A Nota indica como problemáticas aquelas mensagens que atribuem a Nossa Senhora as expressões “o meu plano”, “o meu projeto”, expressões que “poderiam confundir. Na verdade, tudo quanto Maria realiza é sempre a serviço do projeto do Senhor e do seu plano divino de salvação”. Assim como não se deve erroneamente “atribuir a Maria um lugar que é único e exclusivo do Filho de Deus feito homem”. Por sua vez, o Dicastério para a Doutrina da Fé sublinha uma mensagem que pode ser considerada como uma síntese da proposta do Evangelho através de Medjugorje: “Desejo aproximar-vos sempre mais a Jesus e ao seu Coração ferido” (25.11.1991).

Culto público autorizado

“Ainda que isto não implique uma declaração do caráter sobrenatural” e recordando que os fiéis não são obrigados a crer nele, o nihil obstat - emitido pelo bispo de Mostar-Duvno em acordo com a Santa Sé - indica que eles “podem receber um estímulo positivo para sua vida cristã através desta proposta espiritual e autoriza o culto público”. A Nota também especifica que “a avaliação positiva da maior parte das mensagens de Medjugorje como textos edificantes não implica declarar que tenham uma direta origem sobrenatural”. E mesmo se possam subsistir - como é sabido - pareceres diversos “sobre a autenticidade de alguns fatos ou sobre alguns aspectos desta experiência espiritual, as autoridades eclesiásticas dos lugares onde ela esteja presente são convidadas a apreciar o valor pastoral e a promover a difusão desta proposta espiritual”. Permanece inalterado o poder de cada Bispo diocesano de tomar decisões prudenciais no caso de haver pessoas ou grupos que “utilizando inadequadamente este fenômeno espiritual, atuem de modo errado”. Por fim, o Dicastério convida aqueles que vão a Medjugorje “a aceitar que as peregrinações não são feitas para encontrar-se com os presumidos videntes, mas para ter um encontro com Maria, Rainha da Paz”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF