Foto/Crédito (Opus Dei)
Moda, estilo e formação cristã
O modo de vestir-se revela muitos aspectos da personalidade.
A moda e o estilo pessoal também devem refletir essa beleza que vem da fé e da
verdade. Artigo sobre a moda e os valores cristãos.
11/12/2015
Ao escrever sobre o batismo, São Paulo adverte que fomos
regenerados por suas águas para que «vivamos uma vida nova»[1].
Viver de acordo com o Evangelho supõe deixar que a luz da fé renove o modo de
vermos nosso próprio ambiente e converter a grande dignidade dos filhos de Deus
no critério decisivo para as nossas escolhas pessoais. Descobrimos que todas as
coisas, grandes e pequenas, interessam ao nosso Pai Deus, e que a fé afeta
todas as dimensões da nossa vida. Com amor, é possível dar um toque cristão a
cada uma das facetas da nossa existência para refletirem a novidade e beleza do
cristianismo. Inclusive as escolhas no estilo de vestir e comportar-se, que
poderiam parecer mais materiais, podem receber este toque cristão.
A fé e o esplendor do corpo humano
Sem pretender ser exaustivos, consideraremos algumas funções
e significados do vestuário. Imediatamente, destacam-se funções elementares
como, por exemplo, a proteção contra as inclemências do tempo ou outro tipo de
agentes externos. No entanto, a roupa tem mais sentido do que a mera utilidade,
pois também é um modo de expressar a própria personalidade. A apresentação
pessoal configura a primeira imagem que projetamos aos outros e provavelmente
formará parte da lembrança que levarão de nós, inclusive se o encontro foi
breve. Por isso também cumpre funções sociais, e se explica a elaboração de
uniformes e de trajes próprios para festas e eventos, que seguem normas de
etiqueta, etc., como evidencia hoje em dia, a presença de dress codes para
diversas situações sociais (trabalho, comemorações, esporte, etc.).
Por outro lado, a roupa é uma grande aliada para proteger a
intimidade. O modo como as pessoas se arrumam, o corte de sua roupa, a
disposição dos acessórios, são um meio de manifestar a sua personalidade, e
dirigir a atenção para os aspectos mais humanos. Neste sentido, um bom traje
ajuda a que se respeite a própria liberdade sem expor a intimidade a olhares
indiscretos, visto que contemplar algo é, de certo modo, possuí-lo.
A fé completa e eleva as razões anteriores, através do que
nos ensina sobre a dignidade do corpo humano. O corpo é, de alguma forma, a
visibilidade da alma de uma pessoa e portanto também reflete a imagem de Deus[2].
Está chamado a ser morada do Espírito Santo: «o templo de Deus é sagrado, e
isto sois vós»[3] diz
São Paulo. Recentemente, o Papa Francisco recordou-nos como a partir de uma
correta valorização do corpo o homem pode entrar numa relação de harmonia com o
resto da criação: «A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária
para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo
contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa
lógica, por vezes sutil, de domínio sobre a criação.
Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a
respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana.
Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou
masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que
é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou
da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente»[4].
Portanto, promover um modo de vestir que manifeste o pudor e
a modéstia não tem nada a ver com afirmar que o corpo é algo indigno ou sujo.
Ao contrário, é precisamente o reconhecimento de seu altíssimo valor que leva a
uma moda que, sem esquisitices ou pieguices, contribua para o respeito da
intimidade corporal. Isto se compreende melhor à luz da Revelação, que nos
ensina como depois do pecado original entra a concupiscência na natureza
humana, e a partir de então as tendências naturais do homem e da mulher estão
marcadas por certa desordem. Perdeu-se a inocência no olhar e, como dizia o
então cardeal Ratzinger, «ficou sem o esplendor de Deus o homem, que agora
está, ali, nu e exposto, desnudado e envergonha-se»[5];
perdeu-se esse esplendor divino que era como a «primeira vestimenta» do homem e
da mulher. Precisamente o pudor é um remédio para essa desordem que o pecado
introduziu, pois ajuda a nos relacionarmos de um modo mais humano, respeitando
delicadamente a corporeidade do outro e reconhecendo seu valor inviolável.
Existe uma legítima diversidade e evolução dos costumes nas
culturas, que expressam seu gênio também nas diferentes criações de trajes e
vestidos. Sua riqueza será proporcional à medida que sirvam para contribuir ao
valor insubstituível de cada pessoa. Assim, proteger a intimidade através da
roupa será sempre necessário. Senão cairíamos num grave empobrecimento e, se
isso se generalizasse, levaria a uma tremenda decadência moral na sociedade.
Sejamos realistas: ainda que se anule o sentido do pudor, a concupiscência não
desaparece e há modos de apresentar-se que sempre incitam a reações
desrespeitosas que, ao fim e ao cabo, são pouco humanas.
Um âmbito para a formação
Há uma harmonia fundamental entre a fé e o belo, de modo
que, como diz o Papa Francisco «todas as expressões de verdadeira beleza podem
ser reconhecidas como uma senda que ajuda a encontrar-se com o Senhor Jesus»[6].
Isto inclui também a linguagem, a postura, o cuidado pessoal, com as escolhas
de roupa e estilo, que manifestam a nossa personalidade. A formação cristã
influi nesse âmbito, pois se dirige à pessoa inteira: «não se refere somente a
uma parte da pessoa, mas a todo seu ser. Há de chegar por igual ao
entendimento, ao coração e à vontade»[7].
De fato, o bom gosto é algo que, em si mesmo, requer
formação no sentido mais amplo do termo. Como diz o Papa, «prestar atenção à
beleza e amá-la ajuda-nos a sair do pragmatismo utilitarista. Quando não se
aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que
tudo se transforme em objeto de uso e abuso sem escrúpulos»[8].
Ninguém nasce com o bom gosto já formado, pois é parte da educação que se
recebe desde pequeno, através da contemplação da beleza na natureza – da sua
diversidade e harmonia –, a apreciação de uma obra de música clássica, uma
escultura, etc.
Nem tudo depende das circunstâncias e opiniões que mudam.
Por isso, é lógico indicar com clareza quando um produto, e o estilo de vida
implícito que ele propõe, prejudica diretamente valores como o pudor, o
respeito, a sobriedade. No entanto, convém expor bem, com sentido positivo, as
razões morais que aconselham a não tomar uma opção. Essas razões serão mais
eficazes se vierem de uma pessoa em quem reconhecemos o bom gosto. Não estamos
condenados a um estilo velho e chato; muito pelo contrário, os valores cristãos
são conaturais à autêntica beleza, mas esta começa no interior.
Cada um pode desenvolver o próprio estilo, que projete a
alegria de uma alma que refere tudo ao amor de Deus. Uma boa formação cristã é
muito útil, porque gera uma estrutura interior sólida na pessoa, própria da
unidade de vida, que não depende do vai-e-vem dos sentimentos, das opiniões dos
outros, do desejo de autoafirmação, da última novidade do mercado. Alguns
princípios da fé, como a filiação divina, a fraternidade cristã, o destino do
corpo à glória da ressurreição, estão na base das escolhas, e dão um critério
para valorizar as modas. Promovem, em última análise, uma boa autoestima que
leva ao que São Josemaria chamava o «complexo de superioridade» dos filhos de
Deus, que atuam com segurança nas suas próprias escolhas inclusive quando o
ambiente é contrário.
Influência da moda na tarefa da Nova Evangelização
Promover uma moda digna, que não reduza a pessoa à sua
dimensão corporal, é uma tarefa de grande transcendência. São Josemaria
mostrava a importância de que os cristãos trabalhassem no campo da moda, e que
levassem aí a mensagem do Evangelho. Uma das primeiras mulheres que seguiram
São Josemaria lembra como entre os campos apostólicos que lhes propunha estavam
atividades sobre a moda. Ao abrir-lhes este panorama acrescentava: «Diante
disso podem-se ter duas reações: uma, a de pensar que é algo muito bonito, mas
quimérico, irrealizável; e outra, de confiança no Senhor que, se nos pediu tudo
isto, nos ajudará a levá-lo para a frente. Espero que tenhais a segunda»[9].
Como acontece em qualquer outro trabalho evangelizador, a fecundidade depende
da força da oração. Ao mesmo tempo, é preciso trabalhar com muito sentido
profissional.
As profissões relacionadas com a moda: estilistas,
costureiras, desenhistas, consultoras, etc., feitas com seriedade e sentido
sobrenatural, tornam Deus presente, na medida em que expressam a verdadeira
beleza. Tudo o que é autenticamente belo é um reflexo da beleza de Deus,
dignifica a pessoa e a leva a ser respeitosa consigo mesma e com os outros. Os
estilos no vestir, mesmo que possam ser um produto cultural e efêmero, são
capazes de manifestar uma visão transcendente do ser humano, ao manter relação
com o seu fim último, a glória de Deus. A alta moda reflete essa beleza, mas
também a roupa simples, do dia a dia, com a que se pode fomentar o bom gosto,
superar a vulgaridade, e ajudar a formar um clima interior rico no qual pode
crescer uma vida cristã plena.
A boa moda contribui, como na parábola, a que a terra onde a
semente do Evangelho foi semeada esteja preparada para dar frutos de santidade[10].
Liberta do consumismo e do luxo excessivo, que escravizam a alma às coisas
materiais. Eleva o homem e a mulher acima da sensualidade e da impureza, e os
tornam mais sensíveis à beleza autenticamente humana: não só do corpo, mas
também do espírito. Por isso, vale a pena buscar estilos que, sem desprezar o
corpo, não o exaltem excessivamente em detrimento da dimensão espiritual da
pessoa; estilos que levem ao espírito, ao coração, à transcendência, através do
material.
Nesta tarefa de criar uma moda atrativa, com um tom cristão
autêntico, os profissionais tem um papel especial. Mas, talvez hoje mais do que
nunca, contamos com incontáveis meios para que qualquer um possa influenciar
positivamente. Existem canais pelos quais os consumidores, unindo-se, podem
manifestar se um produto reflete ou não o estilo de vida que querem seguir.
Diante de alguém que, por descuido ou simples falta de bom gosto, pode melhorar
suas escolhas, é possível fazer um comentário delicado num momento oportuno.
Habitualmente todos agradecem a ajuda para acertar no modo de vestir-se,
especialmente quando há uma amizade sincera.
No contexto da Nova Evangelização, a importância deste campo
impulsiona a manter a esperança: «Não permitamos que caia no vazio o desafio
saudável de fomentar que muitas pessoas e instituições, em todo o mundo,
promovam – movidos pelo exemplo dos primeiros cristãos – uma nova cultura, uma
nova legislação, uma nova moda, coerentes com a dignidade da pessoa humana e o
seu destino para a glória dos filhos de Deus em Jesus Cristo»[11].
Por mais árdua que possa parecer essa missão, não deixemos de olhá-la com
otimismo sabendo «que vosso trabalho no Senhor não é vão»[12],
já que a realizamos a serviço da Igreja e da sociedade inteira.
N.S.W.
[1] Rom
6, 4.
[2] Cfr.
Gn 1, 26-27.
[3] 1
Cor 3, 17.
[4] Francisco,
Enc. Laudato si’, 24-V-2015, n. 155.
[5] Joseph
Ratzinger, Via Sacra, 10ª estação, 25-III-2005.
[6] Francisco,
Exh. Ap. Evangelii Gaudium, 24-XI-2013, n. 167.
[7] São
Josemaria, Carta 8-XII-1949, n. 91.
[8] Enc.
Laudato si’, n. 215.
[9] Citado
em A. Vázquez de Prada, O fundador do Opus Dei, vol. II, Quadrante, São
Paulo 2004, p. 506.
[10] Cf.
Mt 13, 8.
[11] Javier
Echevarría, Carta pastoral, 29-IX-2012, n. 17.
[12] 1
Cor 15, 58.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/moda-estilo-e-formacao-crista/